Evolução do combate ao trabalho infantil nas Constituições brasileiras

Resumo: O presente trabalho analisa a evolução das disposições constitucionais referentes ao combate ao trabalho infantil desde a Constituição de 1824 até a recentes alterações da Constituição de 1988.


Palavras-chave: Combate e erradicação. Trabalho infantil. Constituições. Crianças, adolescentes e jovens.


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Abstract: The present paper analyzes the constitutional evolution concerning the fight against child labor since the 1824 Constitution until the recent modifications on the 1988 Constitution.


Sumário: Introdução; 1. Constituições de 1824 e 1891; 2. Constituição de 1934; 3. Constituição de 1937; 3. Constituição de 1946; 4. Constituição de 1967 e Emenda Constitucional 1, de 1969; 5. Constituição de 1988; Conclusão.


“La pauvre fille souffrait tout avec patience et n’osait s’en plaindre à son père, qui l’aurait grondée, parce que sa femme le gouvernait entièrement. Lorsqu’elle avait fait son ouvrage, elle s’allait mettre au coin de la cheminée, et s’asseoir dans les cendres, ce qui faisait qu’on l’appelait communément dans le logis Cucendron. La cadette, qui n’était pas si malhonnête que son aînée, l’appelait Cendrillon.”[1] (Trecho de Cendrillon ou La Petite Pantoufle de Verre, de Charles Perrault.)


1. Introdução


12 de junho é considerado o dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil pela Organização Internacional do Trabalho. Mas ainda há poucos motivos para comemoração.


Aproximadamente 158 milhões de crianças entre 5 e 14 anos de idade estão submetidas ao trabalho infantil, o equivalente a um sexto das crianças do mundo. As condições mais penosas e degradantes ocorrem nos trabalhos em minas, com produtos químicos ou pesticidas na agricultura ou nas fábricas. [2]


No Brasil, de acordo com dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2009, 4,2 milhões de crianças e jovens, entre 5 e 17 anos, trabalham e, deste universo, mais da metade executa atividades perigosas, insalubres ou ilícitas[3].


Considerando essa realidade, o presente trabalho analisa a evolução das disposições constitucionais referentes ao combate ao trabalho infantil.


2. Constituições de 1824 e 1891


As Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 não se referiram expressamente à criança e adolescente tampouco ao trabalho infantil[4].


Conforme autorizada doutrina, a preocupação internacional com a proteção do trabalho do menor remonta a Conferência de Berlim, de 1890[5].


No âmbito infraconstitucional, o Decreto 1.313, de 1891, editado por Teodoro da Fonseca, que disciplinava o trabalho do menor nas fábrica do Distrito Federal, o Decreto Municipal 1.801, de 1917, sobre proteção do menor no Rio de Janeiro e o Decreto16.300, de 1923, com vedação ao trabalho dos menores de 18 anos por mais de 6 horas a cada 24 horas, foram os primeiros diplomas a tratarem do trabalho do menor, inobstante a doutrina afirme que a ausência de efetiva aplicação na prática[6].


Ainda antes de previsão constitucional, foi editado o Código de Menores (Decreto 17.943-A), de 1927, que veiculava proibição de trabalho aos menores de 12 anos, de trabalho noturno aos menores de 18 anos e de trabalho em praça pública aos menores de 14 anos[7].


3. Constituição de 1934


A Constituição de 1934 foi a primeira a tratar expressamente da proteção à infância e à juventude e o fez no título IV, “Da Ordem Econômica e Social”.


O artigo 121 consagrou, além de outros direitos mais favoráveis aos trabalhadores, a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade; de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos; e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos.


O artigo 138 atribuiu o amparo da infância, em regra atrelado ao da maternidade, aos Poderes Públicos (União, Estados e Municípios), inclusive com destinação de percentual da receita tributária.


As disposições eram as seguintes:


“Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.


§ 1º – A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:


a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;


d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;”


§ 3º – Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas.


Art 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:


c) amparar a maternidade e a infância


e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual;


Art 141 – É obrigatório, em todo o território nacional, o amparo à maternidade e à infância, para o que a União, os Estados e os Municípios destinarão um por cento das respectivas rendas tributárias.”


No plano infraconstitucional, destaque-se a edição do Decreto 423, de 1935, que ratificou as Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho 5, sobre a idade mínima para o trabalho na indústria, e 6, sobre a proibição do trabalho noturno na indústria, ambas de 1919.


4. Constituição de 1937


A Constituição de 1937, no Título Da Ordem Econômica, repetiu a fórmula da proibição de qualquer trabalho para os menores de 14 anos; de trabalho noturno para os menores de 16 anos e de trabalho em indústrias insalubres para menores de 18 anos no artigo 137, alínea “k”.


Outrossim, no Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais atribuiu à lei a adoção de medidas de proteção da infância e da juventude; no Título Da Família, atribuiu ao Estado o dever de assegurar garantias e cuidados especiais à infância e à juventude; por fim, no Título Da Educação e da Cultura, por influência da doutrina totalitarista reinante à época, consagrou a responsabilidade do Estado em promover a “disciplina moral e o adestramento físico” da juventude.


Eram as seguintes as principais disposições:


“Art 15 – Compete privativamente à União:


IX – fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude


Art 127 – A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades.


O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral.


Art 132 – O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação.


Art 137 – A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:


k) proibição de trabalho a menores de catorze anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis, e, em indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a mulheres;


A lei pode prescrever:


b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude;”


Destaque-se, no plano legal, a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, que dedicou um capítulo à proteção do trabalho do menor[8].


5. Constituição de 1946


A Constituição de 1946 não fez referência expressa à “juventude” e há apenas uma para “infância”. Todavia, pela primeira vez constou o termo “adolescência” ao instituir-se a obrigatoriedade de assistência, no capítulo “Da Família” e a previsão de obrigatoriedade de aprendizagem aos trabalhadores menores no capítulo “Da Educação e Da Cultura”.


No título V “Da Ordem Econômica e Social”, além de retomar a redação da Constituição de 1934 na cabeça do artigo (referência a direitos mais favoráveis ao trabalhador), elevou a idade mínima para a execução de trabalho noturno de 16 para 18 anos, mantendo as demais proibições de qualquer trabalho para menores de 14 anos e em indústrias insalubres para menores de 18 anos, além de proibir a diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade.


Os principais dispositivos, in verbis:


“Art 157 – A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:


II – proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;


IX – proibição de trabalho a menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo Juiz competente;


Art 164 – É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa.


Art 168 – A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:


IV – as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores;”


Segundo doutrina autorizada, somente em 1959 com a promulgação da Declaração dos Direitos da Criança pela Assembleia das Nações Unidas foi dado verdadeiro impulso à promoção e proteção desses direitos.[9]


O Princípio IX desta Declaração versa a proteção contra o abandono e a exploração no trabalho nos seguintes termos:


“A criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objeto de qualquer tipo de tráfico. A criança não deverá ser admitida ao emprego antes de uma idade mínima adequada, e em caso algum será permitido que se dedique a uma ocupação ou emprego que possa prejudicar a sua saúde e impedir o seu desenvolvimento físico, mental e moral.”


6. Constituição de 1967 e emenda constitucional 1, de 1969


A Constituição de 1967, no Título Da Ordem Econômica e Social, embora tivesse mantido a proibição para o trabalho noturno e insalubre para menores de 18 anos, em verdadeiro retrocesso social, reduziu de 14 para 12 anos a idade mínima para qualquer trabalho.


Além disso, manteve as mesmas disposições da Constituição anterior quanto à proteção da infância e da adolescência e à obrigatoriedade de aprendizagem aos trabalhadores menores no Título IV Da Família, Da Educação e Da Cultura. A Emenda Constitucional 1 de 1969 não alterou nenhuma disposição da matéria.


Os principais artigos constitucionais são os seguintes:


“Art 158 – A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:


X – proibição de trabalho a menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em indústrias insalubres a estes e às mulheres;


Art 167 – A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos.


§ 4º – A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.


Art. 170 – As empresas comerciais, industriais e agrícolas são obrigadas a manter, pela forma que a lei estabelecer, o ensino primário gratuito de seus empregados e dos filhos destes.


Parágrafo único – As empresas comerciais e industriais são ainda obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores.”


A Emenda Constitucional 1, de 1969, manteve os mesmos dispositivos da Constituição de 1967, sem alterações.


7. Constituição de 1988


A Constituição da República de 1988, nitidamente compromissória[10], resultado do pluralismo político das várias correntes ideológicas que participaram da redemocratização, rompe com paradigmas até então vigentes.


Primeiro, inclui a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais,  promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3o, I a IV), como o objetivo deste pacto político abrangente.


Segundo, menciona a proteção à infância no Título II Dos Direitos e Garantias Fundamentais e determina a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre proteção à infância e juventude[11], in verbis:


“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)


Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:


XV – proteção à infância e à juventude;”


Terceiro, consagra a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de idade; de trabalho noturno, perigoso e insalubre para os menores de 18 anos; e, inicialmente,  de qualquer trabalho para menores de 14 anos, como constava nas Constituições de 1934, 1937 e 1946. Todavia, com a Emenda Constitucional 20, de 1998[12], eleva a idade mínima para 16 anos, salvo na condição de aprendiz[13] a partir de 14 anos, literalmente:


“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;


XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;


XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”


Quarto, consagrando a doutrina da proteção integral, que restou expressamente acolhida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990)[14], atribui à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, com absoluta prioridade, entre outros, o direito à profissionalização e à proteção contra negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão, verbis:


“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


Quinto, demonstrando clara vocação expansiva, ampliou os assuntos existentes bem como incorporou novos temas, na precisa lição de Raul Machado Horta[15], senão vejamos.


A um, a partir da Emenda Constitucional 65, de 2010, a Constituição assegura expressamente ao jovem[16] e à juventude a mesma proteção das crianças e adolescentes, mas vai além ao incluir a possibilidade de edição do “estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens”, e o “plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas” (§ 8o do art. 227, da CR/88):


“CAPÍTULO VII


Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso


(Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


Art. 227, § 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)


II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)”


A dois, a partir de uma interpretação mais abrangente do Supremo Tribunal Federal[17], os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos não incorporados na forma do art. 5o, § 3o, passaram a ter natureza de normas supralegais, paralisando “a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”[18], o que põe em realce a importância destes instrumentos normativos internacionais.


Em especial para o presente estudo, destaquem-se o Decreto 4.134, de 2002, que promulgou a Convenção 138 e a Recomendação 146 da OIT, de 1973, e o Decreto 3.597, de 2000, que promulgou a Convenção 182 e a Recomendação 190 da OIT, de 1999[19].


A primeira, denominada de Convenção sobre Idade Mínima de Admissão ao Emprego, recapitulando o conteúdo de convenções anteriores sobre o assunto (ex vi, Convenções 5 e 6, já referidas neste estudo), tem o objetivo maior de efetivamente abolir o trabalho infantil e elevar progressivamente a idade mínima para admissão a emprego, de forma a assegurar o completo desenvolvimento físico e mental do adolescente (art. 1o).


Prevê que o país-membro especificará, em declaração anexa à ratificação, a idade mínima para admissão em empregado ou trabalho em seu território (art. 2o), que não deverá ser inferior à idade para conclusão da escolaridade obrigatória, ou em qualquer hipótese, inferior a 15 anos (art. 2o, § 3o)[20].


Outrossim, determina que a idade mínima para admissão em emprego ou trabalho que prejudique a saúde, a segurança e a moral não será inferior a 18 anos (art. 3o), e, excepcionalmente, não inferior a 16 anos, desde que garantida a plena proteção à saúde, segurança e moral, e haja instrução ou treinamento adequado e específico (art. 3o, § 3o).


Os artigos 4o e 5o tratam da possibilidade de exclusão e limitação da aplicação da Convenção a determinadas hipóteses[21], devidamente justificadas, mas que não abarcam as seguintes situações: “mineração e pedreira; indústria manufatureira; construção; eletricidade, água e gás; serviços sanitários; transporte, armazenamento e comunicações; plantações e outros empreendimentos agrícolas de fins comerciais, excluindo, porém, propriedades familiares e de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente mão-de-obra remunerada” (art. 5o, § 3o).


A Convenção da OIT 182, de 1999, promulgada pelo Decreto 3.597, de 2000, é denominada de Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para a sua Eliminação.


Para fins de aplicação desta Convenção, toda a pessoa menor de 18 anos (art. 1o)é considerada criança e as piores formas de trabalho infantil abrangem as seguintes hipóteses (art. 3o):


“a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;


b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;


c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes; e,


d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, é suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.”


Além disso, há extenso rol de instrumentos de atuação: consulta às organizações dos empregadores e de trabalhadores para determinação dos tipos de trabalho da alínea “d” mencionada (art. 4o); estabelecimento ou designação de mecanismos apropriados de monitoramento (art. 5o); elaboração e implementação de programas de ação (art. 6o); e adoção de todas as medidas para garantir a aplicação efetiva e o cumprimento da convenção, inclusive por meio do estabelecimento e a aplicação de sanções penais e da assistência e cooperação internacional (art. 7o).


Conclusão


A evolução das Constituições Brasileiras demonstra a clara opção do constituinte em dedicar maior ênfase ao combate ao trabalho infantil.


O “silêncio eloquente” das Constituições de 1824 e 1891 deu lugar a um conjunto integrado de dispositivos constitucionais, supralegais (tratados e convenções internacionais) e legais de proteção à criança, ao adolescente e ao jovem, objeto não somente constantes acréscimos (ex vi, Emenda 65, de 2010) mas também de interpretação jurisprudencial mais ampla e protetiva.


Todavia, o trabalho infantil, em especial nas suas formas mais degradantes, continua a ser uma realidade.


Portanto, a efetiva aplicação dos direitos humanos da criança, do adolescente e do jovem, amparados pelo arcabouço jurídico apresentado por este trabalho, é o verdadeiro desafio deste início de século XXI.


 


 


Referências bibliográficas:

ARRUDA, Kátia de Magalhães. O Trabalho Infantil Doméstico: rompendo com o conto da Cinderela. Disponível em: http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_75/Katia_Arruda.pdf. Acesso em: 10/06/2011.

BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 4a ed. LTr: São Paulo, 2010.

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_______. Decreto 4.134, de 12 de fevereiro de 2001. [S.I.], 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4134.htm. Acesso em: 10/06/2011.

_______. Decreto 3.597, de 12 de setembro de 2000. [S.I.], 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3597.htm. Acesso em: 10/06/2011.

_______. Tribunal Superior do Trabalho. Notícias do Tribunal Superior do Trabalho. [S.I.], 2011. Disponível em:


LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a  ed. Saraiva: São Paulo, 2011.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

UNICEF. Child protection from violence, exploitation and abuse. Disponível em: http://www.unicef.org/protection/index_childlabour.html. Acesso em 08/06/2011.


Notas:




[1] Tradução livre: “A pobre menina sofria silenciosamente e não se atrevia a reclamar com seu pai, que a teria repreendido, porque sua esposa governava soberana. Quando ela terminava seu trabalho, se metia no canto da lareira e se sentava nas cinzas, o que fazia com que fosse comumente chamada na casa de Gata Boralheira. A mais nova, que não era tão má como a mais velha, a chamava de Cinderela.”. Este trecho foi extraído do famoso conto de fadas Cinderela ou O Sapatinho de Cristal, de Charles Perrault, de 1697, embora exista outra versão igualmente famosa dos irmãos Grimms, do século XIX. A comparação entre o conto e o trabalho infantil doméstico está no artigo “O Trabalho Infantil Doméstico: rompendo com o conto da Cinderela” de autoria da Ministra do TST Kátia de Magalhães Arruda.


[2] Fonte: UNICEF. Disponível em: http://www.unicef.org/protection/index_childlabour.html. Acesso em 08/06/2011.


[4] Destaque-se, por lealdade ao leitor, que a previsão jurídico-constitucional não significa, de per si, automática e infalível concretização da determinação no plano dos fatos.  A “síndrome da ineficácia das normas constitucionais” é fenômeno percebido na doutrina nacional desde o período imperial (BUENO, Pimenta. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, reedição do Ministério da Justiça, 1958) até pós-Constituição de 1988 (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. Malheiros: São Paulo, 1998). (apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a  ed. Saraiva: São Paulo, 2011). Por isso, constam deste artigo também referências à legislação infraconstitucional.

[5] BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 4a ed. LTr: São Paulo, 2010, p. 289.

[6] Idem, p. 288.

[7] Ibidem.

[8] BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 4a ed. LTr: São Paulo, 2010, p. 288.

[9] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 269/270.

[10] “Numa sociedade plural e complexa, a constituição é sempre um produto do ‘pacto’ entre forças políticas e sociais. Através de ‘barganha’ e de ‘argumentação’, de ‘convergência’ e ‘diferenças’, de cooperação na deliberação mesmo em caso de desacordos persistentes, foi possível chegar, no procedimento constituinte, a um compromisso constitucional, ou, se preferirmos, a vários compromissos constitucionais.” CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7a ed. Almedina: Coimbra, 1993, p. 218 apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a  ed. Saraiva: São Paulo, 2011.

[11] A competência concorrente da União, dos Estados e do DF, nos termos do caput e §§ 1o a 4o do art. 24 pode ser assim enunciada: compete à União legislar sobre normas gerais e aos Estados sobre normas específicas. No caso de inércia legislativa da União, os Estados exercerão a competência legislativa plena (edição de normas gerais e específicas). Na superveniência de lei federal sobre norma geral, a eficácia lei estadual sobre norma geral ficará suspensa no que for contrária. A doutrina ainda defende a possibilidade de o Município suplementar a legislação federal e estadual em virtude de interesses locais, com fundamento no art. 30, II, da CR/88.

[12] A alteração não passou imune a críticas da doutrina que não via na  elevação da idade mínima a verdadeira solução para a evasão escolar nem para o trabalho nas ruas, como bem ilustra o seguinte trecho: “O limite da idade aumentado para 16 anos pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, causou polêmica. Não há dúvidas de que a Emenda Constitucional n. 20 permitiu a ratificação pelo Brasil da Convenção n. 138 da OI, importante arma contra o trabalho infantojuvenil. Isso porque o imite de idade fixado pela Constituição em 14 anos conflitava com a idade mínima exigida naquele instrumento internacional.” (BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 4a ed. LTr: São Paulo, 2010, p. 285).

[13] Nos termos do caput do art. 428, da CLT, com redação dada pela Lei 11.180/2005, contrato de aprendizagem é “o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) anos e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.”


[14] Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a doutrina da proteção integral fundamenta-se no princípio do melhor interesse da criança (the best interest of the child). O Estatuto, portanto, afastou-se da doutrina da situação irregular, acolhida anteriormente pelo Código de Menores (Lei 6.697, de 1979), que restringia-se aos menores em situação de conflito com a lei ou privados de assistência.

[15] “A expansividade da Constituição de 1988, em função dos temas novos e da ampliação conferida a temas permanentes, como no caso dos Direitos e Garantias Fundamentais, pode ser aferida em três planos distintos: conteúdo anatômico e estrutural da Constituição; comparação constitucional interna e comparação constitucional externa.” HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4a ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2003, pp. 207/211 apud LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a  ed. Saraiva: São Paulo, 2011.

[16] Não há conceito de “jovem” na CR/88. O artigo 2o, da Lei 11.692/2008, ao instituir do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, com o objetivo de promover a reintegração ao processo educacional, qualificação profissional e desenvolvimento humano, afirma serem destinatários jovens de 15 a 29 anos.

[17] No Recurso Extraordinário 466.343, o STF decidiu que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não aprovados 3/5 dos votos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, têm natureza de normas supralegais, superando a anterior jurisprudência que afirmava a paridade normativa com as leis ordinárias. Note-se que naquele julgamento, o Ministro Celso de Mello, adotando expressamente a doutrina de Cançado Trindade e Flávia Piovesan, defendeu a natureza constitucional dos tratados e convenções internacionais dos direitos humanos, ainda que não submetidos ao requisito formal introduzido pela Emenda Constitucional 45, de 2004. (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15a  ed. Saraiva: São Paulo, 2011, pp. 553/556).

[18] Trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes no referido julgamento.

[19] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12a ed. São Paulo: Saraiva 2011, p. 352.

[20] A própria Convenção contém algumas exceções. O art. 2o, § 4o, prevê que o país-membro, cuja economia e condições do ensino não estejam suficientemente desenvolvidas, defina inicialmente, após consulta às organizações de empregadores e trabalhadores, a idade mínima de 14 anos. Todavia, o § 5o do mesmo artigo exige que o país que se valer dessa possibilidade inclua nos relatórios sobre a aplicação desta convenção “declaração de que subsistem os motivos dessa providência ou de que renuncia ao direito de se valer da disposição em questão a partir de uma determinada data”. Outras exceções são as seguintes: trabalho em escolas de educação vocacional ou técnicas ou similares, a partir de 14 anos, nos termos do art. 6o; emprego ou trabalho em serviços leves entre 13 e 15 anos (12 e 14 anos, para os países que se valeram do art. 2o, § 4o), nas condições previstas no art. 7o, e licenças em casos individuais para finalidades como a participação em representações artísticas, na forma do art. 8o.

[21] A autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores, poderá excluir da aplicação da Convenção um limitado número de categorias de emprego ou trabalho em que houve reais e especiais problemas de aplicação (art. 4o). Além disso, o país-membro em que a economia e condições administrativa não estejam suficientemente desenvolvidas, após consulta nos termos citados, poderá limitar inicialmente o alcance da Convenção.

Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Almeida Martins de Andrade

Procurador da Fazenda Nacional lotado na Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3a Região.


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Equipe Âmbito Jurídico

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