Com o advento da Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, foi inserida, no contexto legislativo federal, a exigência, para a inscrição de um Bacharel em Direito como advogado, de “aprovação em Exame de Ordem” (art. 8º, inciso IV).
Logo no início do ano 1995, surgiram diversos posicionamentos no sentido de que tal legislação representava uma afronta às Faculdades de Direito do Brasil, já que possuem nos seus currículos, de forma obrigatória, as matérias de prática jurídica e assistência judiciária, facilitando e incentivando o contato e a desenvoltura dos acadêmicos nas lides forenses.
Todavia, todos aqueles posicionamentos contrários a tal exigência, representavam apenas um soldado contra um exército poderoso. Algumas ponderações dos profissionais da área sustentavam a imprescindibilidade do Exame de Ordem, visando à valorização da classe, bem como à qualificação dos bacharéis para desempenharem a profissão de advogado, sendo que tal critério é avaliado, de forma independente e diferenciado, pela OAB de cada Estado de nossa Federação.
Ocorre que os anos foram passando e cada vez mais estão sendo alterados os critérios do referido Exame de Ordem. Não obstante o aumento do rigorismo na exigência de conhecimentos mais amplos (o que não será exigido na vida do profissional advogado, já que normalmente se afeiçoa e se especializa numa das áreas), estão ocorrendo provas com nível de subjetividade bastante elevado, as quais, provavelmente, reprovariam um número expressivo de profissionais da área que hoje desempenham a profissão sem ter passado por qualquer prova, sequer de ética.
Questiona-se: a aprovação no Exame de Ordem, por si só, qualifica o profissional para o desempenho da profissão de advogado, tanto em nível de conhecimentos jurídicos como de postura ético-profissional? Muito provável que não.
A polêmica não é a tônica, o intuito é questionar: será que existe alguma outra Faculdade, salvo a de Direito, que exija provas de capacitação para o exercício da profissão, após o término da longa (e muitas vezes onerosa) caminhada acadêmica e colando a graduação?
Sabe-se que, ao receber o diploma, seja de qualquer Universidade de nossa Federação, o Economista, o Administrador de Empresas, o Dentista, o Médico, o Veterinário, o Engenheiro, o Arquiteto, o Psicólogo, o Geólogo, entre tantas outras faculdades, podem exercer as suas profissões. Se por acaso resolverem fazer especialização ou algum aprofundamento em área específica, tal não impedirá o exercício profissional, nem será questionada a sua capacidade e a sua competência de forma indiscriminada.
Mas no Direito, chega-se à situação inusitada de algum Bacharel, logo após a formatura, dedicar-se à realização de um Pós-Graduação, Mestrado e/ou Doutorado, no Brasil ou no exterior, durante dois anos e, após, caso pretenda advogar, deverá submeter-se ao Exame de Ordem. Pode-se afirmar que dificilmente este Bacharel terá conhecimento amplo e irrestrito, de todas as matérias para ser aprovado no referido exame. Sendo Pós-Graduado, Mestre e/ou Doutor terá portas abertas das Universidades para qualificar o corpo docente, mas não terá da própria classe dos advogados. Além de inaceitável, data venia, tal situação é uma incoerência: poder ser Professor dentro de uma Universidade, ensinando de forma qualificada alguma disciplina para o exercício da advocacia, e não poder advogar.
É cediço que, em toda e qualquer faculdade e profissão vão sair os bons e maus, os honestos e desonestos, os competentes e incompetentes, os dedicados e relapsos, os éticos e não-éticos profissionais. Compete à classe de qualquer profissão fazer um rigoroso acompanhamento das atividades dos profissionais inscritos nos quadros respectivos, principalmente quanto à ética, que está faltando nas mais variadas áreas, inclusive punindo-se com maior rigorismo aqueles que ferem os regramentos disciplinares previstos, sem falar nas ocorrências de prática de crimes. Se for o caso, auxiliar o próprio MEC quanto à qualificação das Faculdades de Direito.
Sugere-se que a OAB, por seu Conselho Nacional, manifeste-se contra a abertura de novos cursos de Direito no nosso País, caso entenda que o mercado está saturado ou que a qualidade de ensino não condiz com a exigência do profissional. Não o fez (ou não conseguiu sucesso) e achou uma “fórmula mágica” de ceifar, sem critérios definidos em nível nacional, os bacharelados das Faculdades de Direito do nosso Brasil.
E por falar em Brasil, visto, atualmente, como país das desilusões, em face das condutas desonrosas de alguns dos membros dos Poderes constituídos, mais uma vez estão oportunizando (e até incentivando) o famoso “jeitinho brasileiro”, no sentido de que, muito provavelmente, alguns bacharéis optem por advogar com a assinatura de “colega” de escritório. Não causaria espanto a criação de cursos preparatórios de caráter eminentemente mercantilista direcionados à aprovação do Exame de Ordem. Quem controla tais desvios de conduta, para aplicar a infração disciplinar disposta no art. 34, inciso I, da Lei nº 8.906/94 , ou seja, “exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;” ? (grifei) Sabe-se que dificilmente um advogado denuncia alguma irregularidade ou ilegalidade contra um colega, muito menos ingressa com alguma medida judicial para pleitear algum dano causado ao cliente.
Pertinente que a OAB também se preocupe e divulgue o disposto no art. 34, inciso XXIV, combinado com o art. 37, § 3º, ambos da Lei nº 8.906/94, ou seja, da possibilidade de ser reconhecida a infração disciplinar de “incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional”, com a punição de pena de suspensão (grifei), a qual “perdura até que preste novas provas de habilitação.” Provavelmente, muito difícil que ocorra alguma denúncia desta natureza pelos colegas advogados, se é que um dos motivos sustentados pelos defensores do Exame é a necessidade de capacitação dos profissionais que estão ou estarão no mercado de trabalho. Quem irá fiscalizar esta incidência de erros reiterados que evidenciem inépcia profissional? Muito provavelmente os Juízes e Promotores de Justiça, os quais se deparam com todas as petições e arrazoados judiciais. Serão eles um apêndice da OAB para fiscalizar erros reiterados?
É imperiosa uma tomada firme de consciência no sentido de qualificar, ainda mais, o ensino superior. Se os profissionais do Direito aceitarem, de forma remansa, a imposição do exame de ordem, estarão, sobretudo, denegrindo a credibilidade da própria classe.
Os índices de reprovação estão crescendo e nem por isso a competência dos profissionais da advocacia pode se afirmar que também está.
Tratando-se de direitos fundamentais e constitucionais, pode-se questionar a legalidade da exigência de tal requisito para inscrição à classe dos advogados, já que, pelo menos em tese, a qualificação das Universidades e Faculdades de Direito são verificadas pelo MEC. Havendo a manutenção do curso em funcionamento, conforme avaliação oficial feita, conclui-se que as seccionais da OAB estão colocando em xeque a análise e os critérios do próprio órgão federal. Existem mecanismos jurídicos e legais para tentar-se fechar cursos autorizados, caso não estejam preenchendo os requisitos mínimos do Ministério da Educação e Cultura, ou ocorra algum problema de ordem formal ou estrutural.
O corpo docente do ensino superior deve demonstrar capacitação e responsabilidade ímpar na árdua tarefa de ensinar, de modo a orgulhar-se dos profissionais que estão sendo colocados no mercado de trabalho. A valorização das Faculdades de Direito do nosso país passa, inicialmente, pela competência de seus educadores, os quais devem primar pela rigidez e qualificação dos seus bacharelandos, sentindo-se verdadeiramente comprometidos com os seus desempenhos.
A Faculdade de Direito, com a colação de grau, deveria colocar o profissional, inexistindo os impedimentos legais, no mercado de trabalho. A opção de seguir algum ramo da área, como profissional liberal (advogado) ou concursos públicos (Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Fiscal da Receita Federal, Fiscal do ICM, Diplomata, Professor Universitário, etc..) é uma conseqüência. Da forma que está ocorrendo hoje, o Exame de Ordem é um obstáculo que prejudica, inclusive, a comprovação da atividade forense para inscrição nos concursos públicos.
O cerceamento do início da “real” atividade profissional está tendo reflexo capital na vida de muitos bacharéis que não conseguem, de imediato, exercer sua atividade liberal. Quantos advogados militantes não receberam no dia da formatura a Carteirinha da OAB? Certamente era uma sensação muito gratificante e incentivadora para o ingresso na profissão. Atualmente, tal incentivo não mais ocorre. Ao contrário, forma-se um trauma já na formatura!
Finalmente, justifica-se que tais ponderações são no sentido de alertar que se está criando uma forma paralela de controle das Faculdades de Direito por meio das Seccionais da OAB, desvirtuando a competência de atribuições de organização e fiscalização da classe dos advogados. As Universidades e Faculdades têm a obrigação de formar profissionais capacitados. Caso existam diferenças de qualificação, o próprio mercado dirá, demonstrará e fará a divisão. Caso ocorram atos de desvio de conduta, compete, aí sim, à classe tomar medidas para valorizar e incentivar a qualificação e o crescimento de capacitação ético-jurídico-profissional dos membros de seus quadros. Não se pode aceitar um “concurso” seletivo dentro de uma própria classe, sob pena de se imaginar que os profissionais do Direito, que se submeteram com êxito ao exame da OAB, são mais qualificados do que aqueles que concluíram a graduação anterioriormente à obrigatoriedade do referido exame. Torna-se muito perigoso o tratamento que vem sendo dispensado aos novos bacharéis em Direito, evidenciando o fortalecimento do corporativismo, cuja posição, S.M.J., é INJUSTA!
Promotor de Justiça de Cachoeira do Sul (RS) e Professor Universitário
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