Direito Civil

Fenômeno da Fake News Sob a Ótica da Teoria Dos Jogos e Teoria Econômica do Crime

Alex Coelho[1]

 

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar o fenômeno da fake news sob a ótica da Teoria dos Jogos e Teoria Econômica do Crime, demonstrando o que move e explica o crescimento deste processo vivido pela sociedade, considerando dentre várias outras possibilidades, os ganhos e perdas dos envolvidos na disseminação de notícias falsas, como no caso vivenciado nos processos eleitorais recentes no Brasil e no mundo. Ainda, propõe-se a demonstrar a tipificação penal decorrente da propagação da informação falsa frente ao previsto no Marco Regulatório da Internet.

Palavra-chave: Fake news. Teoria dos Jogos. Teoria Econômica do crime. Marco Regulatório da Internet.

 

Abstract: This paper has target to analyze the phenomenon of fake news with the perspective of Game Theory and Economic Crime Theory, demonstrating what drives and explains the growth of this process experienced by society, considering among other possibilities, the gains and losses that involved in spreading false news, like in the recent electoral processes in Brazil and around the world. Still, it is proposed the development a mathematical logical model to verify and classify the chances of veracity at news, using the Student t Distribution to obtain a higher degree of assertiveness about the publications according to the communication vehicles used.

Keywords: Fake news. Game Theory. Economic theory of crime. Logical / Mathematical Model.

 

Sumário: Introdução. 1. O conceito de fake news.  2. Teoria dos jogos e a teoria econômica do crime.  3. O marco regulatório da internet e a tipificação penal.  Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O modo como tarefas são realizadas vem mudando constantemente nos últimos anos em decorrência da transformação tecnológica pelo qual o mundo vem passando. Das coisas mais básicas até as mais complexas, nota-se que tais atividades vêm sofrendo influência de ferramentas computacionais e de conceitos relevantes, como a Inteligência Artificial em sua mutação. Não obstante, a comunicação é um dos meios no qual mais se verifica os impactos de todo este processo. Percebe-se a utilização de ferramentas de conversas e troca de mensagens em tempo real como parte importante do dia-a-dia das pessoas, que não se desconectam e assim, conseguem satisfazer necessidades e demandas que exigiriam, antigamente, muitos esforços e tempo, sendo atualmente resolvidas com algumas interações, por meio de aplicativos.

Obviamente, além dos aspectos positivos que toda essa evolução passou a ter na vida das pessoas, nota-se que outras consequências naturalmente também surgiram, muitas delas com impactos indesejáveis. Tem-se verificado nos últimos anos o surgimento de um fenômeno mundial, que vem causando preocupação a entidades públicas e privadas denominado de “fake news”. Notícias falsas, obviamente, não são algo novo dentro do convívio social e das relações decorrentes da comunicação natural, dentre elas, a famosa “fofoca”. Entretanto, a sociedade nunca tinha se deparado com ferramentas que proporcionassem e tornassem o processo de comunicação tão abrangente e célere, ao ponto de tornar possível que uma mensagem/notícia em questões de milissegundos esteja disponível em qualquer parte do mundo e para uma quantidade inimaginável de pessoas, o que torna muito mais complexo de serem desmentidas tais inverdades, o que abre espaço para uma massificação de notícias falsas/irreais como verdadeiras.

Isso passou a ter relevante destaque nos últimos anos, no qual se verificou o poder que a internet teria na capacidade de alterar o poder de decisões e rumos, que naturalmente seriam outros. A utilização das redes sociais e internet já tinham se tornado um fenômeno nas eleições para presidência dos Estados Unidos da América, quando o então candidato a presidente Barack Obama fez uso da internet para aumentar consideravelmente a disseminação de suas propostas e arrecadação de fundos. Porém, esse mesmo meio de comunicação fora a ferramenta para a propagação de notícias e mensagens suspeitas e fraudulentas, que tiveram grande impacto nos resultados da eleição Estadunidense de 2016, no qual aliados do candidato republicano Donald Trump, por meio de ferramentas de mensagens instantâneas, passaram a propagar mensagens com teor desconstrutivo, que contribuíam na formação da opinião dos eleitores, com conteúdo muitas vezes distorcidos e falsos.

O Brasil passou agora por fenômeno semelhante, no qual campanhas de candidatos e apoiadores se utilizaram de ferramentas de comunicação pela internet para propagar as famosas fake news, sendo inclusive uma das maiores preocupações da Justiça Eleitoral, que se debruça na busca sobre formas de inibir a distribuição e repercussão deste tipo de conteúdo.

Por suas novicias características, a própria mídia nacional tem buscado formas de desmentir e informar a sociedade quanto a veracidade das informações propagadas. Lógico é que tudo isso gira em torno dos ganhos que podem ser obtidos com a propagação da informação falsa. Ainda, as consequências negativas ou perdas quanto a tais atos a seus autores, dada a impossibilidade de identifica-los, tornam as penalidades praticamente incipientes o que pode levar a uma máxima infeliz de que “o crime compensa”.

Deste modo, o presente trabalho, busca explorar e lançar um olhar do fenômeno das fake news sob a perspectiva da teoria dos jogos, auxiliando a explicar cientificamente o seu crescimento, propagação e sua aplicação no jogo político, ao considerar também a teoria econômica do crime. Ainda, apresenta legislações inerentes ao tema, no qual tais notícias falsas poderiam se enquadrar penalmente, bem como uma análise dos impactos e repercussões das fake news no cotidiano social e político, com a proposta de um modelo de implementação.

 

  1. O CONCEITO DE FAKE NEWS

A ideia por trás do conceito de fake news não é algo relativamente novo, uma vez que está a ser falar de algo muito próximo de notícias falsas. O mundo já passou por diversas experiências deste tipo, a citar por exemplo, noticias falsas que eram propagadas na antiguidade para desestabilizar governos. Exemplo disso, fora a notícia falsa propagada da morte do Rei Felipe 2o. da Espanha, com o intuito de desmobilizar suas forças armadas e assim estar suscetível a ataques dos inimigos. Do mesmo modo que se coloca hoje em dia, o remédio para tal situação na época, fora a rápida tentativa de restabelecimento da verdade (BBC, 2018).

Entretanto, quando se fala de fake news nos dias atuais, tem de se levar em consideração que tais notícias ou informações falsas contam com um grande aliado que são as ferramentas de comunicação instantâneas, utilizadas na internet, a citar WhatsApp, Telegram, Instagram e Facebook, dentre outras.

Conforme o Dicionário de Cambridge apud Carvalho & Kanffer (2018), o conceito de fake news se refere a histórias falsas que, ao se utilizarem de aparência de notícias jornalísticas profissionais, se disseminam pela Internet ou por outras mídias, sendo assim utilizadas para que possam influenciar posições sociais e políticas, ou mesmo como forma de piadas, desconstruindo a imagem e história de pessoas e instituições.

Dentro do contexto jornalístico tais notícias ou publicações correspondem a uma espécie de “imprensa marrom” (yellow journalism), que veiculam conteúdos falsos, no intuito de obter vantagens (sociais/politica/financeira) por meio de anúncios decorrentes de links comerciais, como o Adsense da Google (CARVALHO & KANFFER, 2018).

Importante salientar que a utilização de notícias falsas já era algo comum no meio eleitoral, antes mesmo da internet. Um exemplo disso, consiste no fato de que muitos candidatos já faziam uso de pesquisas de intenção de votos manipuladas, realizadas por institutos suspeitos, sendo posteriormente veiculadas e disseminadas entre os eleitores a fim de interferir no voto.

Um dos fatos mais relevantes que se verifica quanto as fake news se ancora no fato de que geralmente, tais notícias são disseminadas por pessoas do circulo de amizade ou mesmo muito próximas ao destinatário, o que gera certa credibilidade no conteúdo. Neste ponto, várias são as ciências que subsidiam os comportamentos que são adotados até o compartilhamento e proliferação das notícias falsas, a citar estudos nas áreas de marketing digital, ciências sociais e cognitivas.

Representantes da OEA (Organização dos Estados Americanos) que estiveram no Brasil como membros observadores do processo eleitoral de 2018, citam que o fenômeno vivido no Brasil tomou proporções assustadoras, no qual a fake news passou a ser a regra no jogo eleitoral e não a exceção (OEA, 2018).

Instituições como a Polícia Federal, Procuradoria Geral da Republica, Tribunal Superior Eleitoral e Conselho Gestor Consultivo sobre a Internet, diante da repercussão tomada pelo tema criaram grupos de trabalho na tentativa de coibir a proliferação das fake news e a discussão de medidas para coibir as notícias falsas durante o sufrágio. Entretanto, o problema se concentra em definir e identificar as notícias falsas em tempo real, antes que se propagem, sendo algo complexo (TSE, 2018).

Neste sentido, várias instituições têm se debruçado no sentido de promover uma correta caracterização do que vem a ser um fake news, o que possibilitaria a criação de mecanismos que inibissem sua propagação. Dentre os primeiros levantamentos realizados sobre tal caracterização, algumas iniciativas podem ser citadas, a mencionar a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (International Federation of Library Associations and Institutions – IFLA), bem como a realizada pela Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo, no qual podem ser condensadas algumas características ou mesmo cuidados, dentre elas (CARVALHO & KANFFER, 2018):

  1. deve-se considerar a fonte da notícia, o nome do agente que está propagando-a;
  2. geralmente as notícias falsas são disparadas por sites com domínio .com ou .org, ou seja, não estão hospedadas no território nacional, dificultando identificar os responsáveis;
  • não apresenta fontes de apoio que comprovem a veracidade da notícia;
  1. não se verifica a identificação do autor ou quando ocorre é pessoa desconhecida;
  2. erros ortográficos são comuns neste tipo de conteúdo, além do fato de ao invés de veicular uma notícia apresenta na verdade uma opinião;
  3. verifica-se intensa publicação de novos “conteúdos” em poucos minutos ou horas;
  • possuem nomes parecidos com os de outros sites jornalísticos ou blogs autorais renomados;
  • utilizam layouts poluídos e confusos ou que tentam se assemelhar a grandes sites de notícias, na tentativa de obter credibilidade para usuários mais desatentos;
  1. são repletas de propagandas, o que faz com que a cada nova visualização, o site seja remunerado por mecanismo de propagandas.

Claro é que tais considerações e levantamentos ainda são insuficientes para uma proposta que auxilie no controle automatizado de notícias falsas na internet, ainda mais ao se ponderar que a ferramenta mais utilizada para sua propagação, no caso o WhatsApp, que tem por característica o grande volume de dados. Isso, foi e continua sendo uma complexidade quanto a tal rede social que apresenta características únicas para seu controle e tão logo um desafio para que as autoridades possam acessar e investigar os dados ali propagados.

Segundo (EL PAIS, 2018) o First Draft News, um projeto da Universidade de Harvard, especializado em buscar estratégias para combater as fake news busca formas de atenuar os impactos das fake news nos países. Nota-se que em alguns países, tal fato foi possível com a união de varias frentes, principalmente de jornais diferentes, que antes não compartilhavam das mesmas linhas de raciocínio, que em um esforço conjunto, buscavam sempre verificar e desmentir notícias e fatos falsos. Nota-se que tal estratégia teve resultado satisfatório na França, bem como na Alemanha e no Reino Unido. No Brasil buscou-se realizar linha semelhante de ação, entretanto os resultados não foram tão significativos.

Porém, importante observar que o grande segredo por trás do fenomenal crescimento das fake news decorrer na verdade dos ganhos que podem ser obtidos com sua propagação, sendo que em contraponto as punições são incipientes ou mesmo não ocorrem. Isso, claramente pode ser explicado pela Teoria dos Jogos e a Teoria Econômica do Crime.

 

  1. TEORIA DOS JOGOS E A TEORIA ECONOMICA DO CRIME

A Teoria dos Jogos (Theory of Games) consiste em um tema relevante e que atraiu numerosos economistas no decurso da segunda metade do século XX, que verificaram na teoria sustentada por Von Neumann e Oskar Morgenstern, um método matemático que viesse a absorver as facetas da análise econômica (ABRANTES, 2004).

Segundo (VON NEUMANN & MORGENSTERN, 1953, p. 26):

We shall first have to find in which way this theory of games can be brought into relationship with economic theory, and what their common elements are. This can be done best by stating briefly the nature of somefundamental economic problems so that the common elements will be seen clearly. It will then become apparent that there is not only nothing artificial in establishing this relationship but that on the contrary this theory of games of strategy is the proper instrument with which to develop a theory of economic behavior.

One would misunderstand the intent of our discussions by interpreting them as merely pointing out an analogy between these two spheres. We hope to establish satisfactorily, after developing a few plausible schematizations, that the typical problems of economic behavior become strictly identical with the mathematical notions of suitable games of strategy.”.

Tão logo, o que se verifica é que estratégia dos jogos, mesmo que em muitos casos descartado os rigores da quantificação matemática, oferece importância para o entendimento de comportamentos dos sujeitos das relações, necessariamente condicionados a previsões e decisões que possam ser estabelecidas quanto às reações dos outros envolvidos na relação (ABRANTES, 2004).

A Teoria dos Jogos teve contribuição significativa com os estudos do matemático John F. Nash Jr, com sua noção de equilíbrio para jogos que não se restringiam apenas aos jogos de soma zero, conhecido como Equilíbrio de Nash. No caso, isso possibilitou que fosse possível estudar um âmbito maior de jogos, no qual racionalmente os jogadores poderiam escolher estratégias que também seriam as melhores para os demais envolvidos no jogo, não somente para si (PEREIRA, 2014).

Assim, um dos principais objetivos da teoria dos jogos, está na representação de uma situação problemática, determinando seus personagens, suas interações e as limitações sociais decorrentes das relações existentes, em que cada um pode exercer sobre o outro mesmo que inconscientemente algum tipo de influência.

(VON NEUMANN & MORGENSTERN, 1953, p. 35) ainda mencionam nesta linha, que:

This kind of problem is nowhere dealt with in classical mathematics. We emphasize at the risk of being pedantic that this is no conditional maximum problem, no problem of the calculus of variations, of functional analysis, etc. It arises in full clarity, even in the most “elementary” situations, e.g., when all variables can assume only a finite number of values.

A particularly striking expression of the popular misunderstanding about this pseudo-maximum problem is the famous statement according to which the purpose of social effort is the “greatest possible good for the greatest possible number. ” A guiding principle cannot be formulated by the requirement of maximizing two (or more) functions at once.

Ou seja, nota-se que a teoria, atua de forma a analisar as intervenções para entender as reações dos sujeitos/atores, sendo possível assim antecipa-se as decisões. Isto com a realização de simulações, levando-se em consideração as diversas condições de exploração das estratégias/ações, dentre outras variáveis. Assim, diversos são os exemplos que podem ser dados da utilização da teoria dos jogos no contexto social, a citar nas ciências políticas, da computação, militares, ética, economia, filosofia, jornalismo dentre outras (FIGUEIREDO, 2018).

Logo, é possível expressar um jogo na forma normal ao se utilizar apenas aquelas estratégias disponíveis que cada jogador terá associando, bem como os respectivos resultados esperados a cada elemento frente ao conjunto constituído do produto cartesiano dos conjuntos de estratégias individuais. Assim, a Teoria dos Jogos demonstra ser uma relevante ferramenta ao analisar e propor soluções para situações concretas, como no entendimento da utilização das fake news.

Segundo Figueiredo (2018):

“Muitas vezes o tratamento da questão em análise exige muito menos informação do que as apresentadas pela forma normal, necessitando apenas o conhecimento do conjunto de resultados que cada jogador ou coligação de jogadores pode garantir para eles próprios, se eles agem como equipe, independentemente do que o restante dos jogadores possa fazer contra eles. Quando representamos o jogo fazendo uso apenas dessas informações dizemos que o mesmo está na forma de função característica”.

Desta forma, tais jogos podem ser identificados como (CAMPOS & CARDOSO, 2015):

  1. o jogo não-cooperativo, no qual as condições orgânicas do mesmo não permitem a formação de coalizões que possam determinar o resultado do jogo, e;
  2. o jogo cooperativo, quando as condições orgânicas do jogo permitem a possibilidade dos participantes atuarem por meio de coalizões.

Exemplo clássico de um jogo não-cooperativo, é o dilema dos prisioneiros, no qual ambos, sem a possibilidade de cooperação se defrontam com estratégias que podem ser mais benéficas individualmente, sem que possam saber quais as ações o outro tomará, conforme determinado pela formação gráfica organizada a seguir e exemplificada no Quadro 1.

 

Quadro 1. Dilema dos prisioneiros (CAMPOS & CARDOSO, 2015).

 

No exemplo apresentado no Quadro 1, pode-se demonstrar as vantagens e desvantagens dos prisioneiros por meio das penas que lhe serão aplicadas a depender da ação/estratégia adotada. Entretanto, diante do fato de que cada prisioneiro deve buscar o melhor para seu caso, sem levar em consideração a decisão do outro. Assim, nota-se que ao Ladrão 1, se o Ladrão 2 confessar, a melhor decisão também consiste em confessar. Porém, a melhor situação no jogo seria se ambos não confessassem. Em contraponto, caso o Ladrão 2 confesse e o Ladrão 1 não o faça, este último teria sua pena majorada e que o contrário também é verdadeiro.  Tão logo, verifica-se que a decisão mais racional s ser tomada por ambos, seria ambos confessar e assim condenados a 10 anos de prisão, ambos.

Outra teoria de grande relevância dentro da análise político/jurídica que pode auxiliar a explicar o fenômeno das fake news consiste na Teoria Econômica do Crime, proposta por Gary Becker, a partir da publicação do trabalho “Crime e Castigo”, que ganhou grande destaque como vencedor do prêmio Nobel (Santos et al., 2016).

A principal linha de raciocínio ligada a teoria tem por base o fato de que o criminoso ao decidir infringir a lei, leva em consideração racionalmente os ganhos e as perdas decorrentes da prática do ilícito, sendo considerados mesmo que inconscientemente aspectos ligados a probabilidade, a própria teoria dos jogos, a antijuridicidade decorrente da prática delituosa, dentre outras considerações que são fundamentais a sua decisão (RANGEL & TONON, 2017).

De modo simplificado, na teoria o que se percebe é que o infrator decidirá burlar a lei se claramente notar que os ganhos decorrentes e esperados de sua conduta indevida forem, no caso, maiores do que as perdas decorrentes dela. Como as fake news ainda consistem em um campo no qual a justiça, principalmente a eleitoral, ainda se debruça em formas de combate-la, a teoria econômica do crime, auxilia sobremodo na análise das vantagens obtidas com sua utilização no direito eleitoral, principalmente no que se verificou nas eleições para presidência da republica em 2018.

De modo a simplificar seu funcionamento, vale-se como exemplo, o caso de um candidato que decide propagar notícias falsas sobre seu concorrente, sendo que este espera ser favorecido com tais insinuações. Supõe-se que a conclusão a partir dessa análise é que o candidato antes da propagação das notícias falsas levará em consideração o fato de ser ou não descoberto ou mesmo punido. Ciente de que a chance disso vir a ocorrer é mínima, logicamente optará por realizar a propagação da falsa notícia. Alguns instrumentos legais já fazem algumas considerações sobre o tema e podem ser citados.

 

  1. O MARCO REGULATÓRIO DA INTERNET E A TIPIFICAÇÃO PENAL

Depois da sanção do Marco Regulatório Civil da Internet, Lei 12.964/14, o Brasil passou a ter uma das principais legislações para gestão das relações na Internet, sendo considerada a “Constituição da Internet”. Colocando-se a parte da discussão quanto a celeridade de sua aprovação ou brechas deixadas, nota-se que diversos elementos da lei possuem relevante aspectos a serem mencionados quanto sua relação com o fenômeno das fake news.

No caso, a Lei 12.965/14 traz em destaque princípios como a garantia a liberdade de expressão, comunicação e manifestação, bem como a preservação e garantia do acesso a internet, possibilitando assim condições relevantes que venham a garantir a própria dignidade da pessoa humana.

Entretanto, além dos princípios fundamentais quanto a sua utilização, o Marco Regulatório Civil da Internet ainda elenca em seu art. 19 da norma que impõe a responsabilização civil decorrente da propagação das falsas alegações (BRASIL, 2018):

Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Outro ponto relevante a ser mencionado dentro deste debate é o fato de que a Lei Eleitoral nº. 13.488/2017 (Minirreforma Eleitoral de 2017), prevê a hipótese de suspensão da aplicação que deixar de cumprir as disposições legais, conforme se verifica nos artigos 56 e 57-I da Lei nº 9.504/97 (BRASIL, 2018b):

Art. 56. A requerimento de partido, coligação ou candidato, a Justiça Eleitoral poderá determinar a suspensão, por vinte e quatro horas, da programação normal de emissora que deixar de cumprir as disposições desta Lei sobre propaganda.

[…]

Art. 57-I. A requerimento de candidato, partido ou coligação, observado o rito previsto no art. 96 desta Lei, a Justiça Eleitoral poderá determinar, no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de internet, a suspensão do acesso a todo conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta Lei, devendo o número de horas de suspensão ser definida proporcionalmente à gravidade da infração cometida em cada caso, observado o limite máximo de vinte e quatro horas.

Percebe-se que à gravidade da infração cometida em cada caso será considerada na imposição das medidas coercitivas a serem aplicadas, o que é algo de extrema importância, considerando uma clara relação com a vantagem ou desvantagem que serão obtidos com o fato.

Nesta linha de raciocínio, o Senador Ciro Nogueira (PP/PI), apresentou Projeto de alteração do Código Penal para alterar e acrescentar ao artigo 287-A, a seguinte proposta de redação (CARVALHO & KANFFER, 2018):

“Divulgação de notícia falsa

Art. 287-A – Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante.

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

  • 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendo-se da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa:

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

  • 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando a obtenção de vantagem para si ou para outrem.”

 

Deste modo, percebe-se que no âmbito jurídico, dentro das limitações existentes, algumas medidas estão sendo tomadas na perspectiva de minimizar ou inibir as práticas relacionadas as fake news, sendo, porém, incipientes se tiveram como base apenas o pilar da punição, sem que sejam atrelados novos elementos que possibilitem rastrear a veracidade e pertinência das informações. Deste modo, a utilização de modelos computacionais é importante para uma solução adequada ao fenômeno.

 

  1. CONCLUSÕES

Nota-se que o combate as fake news consiste em uma tarefa árdua e com diversos obstáculos a serem superados. Pode-se concluir dessa forma que partidos políticos e partes interessadas no jogo político tem investido cada vez mais em tecnologias e pessoas que deem suporte a construção de estruturas computacionais que propagem informações falsas. No caso em questão estão sendo criadas estruturas que podem ser consideradas verdadeiras milícias virtuais que agem de acordo com interesses e ideologias políticas a que se servem.

Deve-se salientar também que as empresas de tecnologia da informação não têm colaborado com a construção de um espaço de maior credibilidade, já que também obtêm vantagens econômicas com o número de leitores e propagadores das fake news e conjuntamente seus anunciantes.

Isso põe a teste todo o judiciário, tendo como ponto crítico sua capacidade de lidar com tais informações falsas e dar respostas céleres à proliferação destas, reduzindo assim os impactos que podem advir de sua maior propagação. O TSE, bem como todo o judiciário tem trabalhado para propor soluções. Entretanto, isto como mencionado, consiste em uma tarefa complexa, que na maioria das vezes dependerá da intervenção estatal por meio da aliança de diversas forças, inclusive do Poder Judiciário ao lidar com as demandas judiciais que notoriamente surgirão.

 

REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS

ABRANTES, Maria Luísa. A Teoria dos Jogos e os Oligopólios: abordagem. 1a. edição. Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto: Luanda-Angola, 2004.

BBC, British Broadcasting Corporation. As mensagens falsas usadas no século 16 para tentar sabotar o reinado do espanhol Felipe 2º. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45863680>. Acesso em 24 de out. de 2018.

BRASIL. Lei 12.965/14, de 23 de abril de 2014. Marco Regulatório Civil da Internet. Disponível em: <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/117197216/lei-12965-14>. Acesso em 16 de nov. de 2018.

BRASIL. Lei 9.504/96, de 30 de setembro de 1997. Lei das Eleições. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9504.htm>. Acesso em 16 de nov. de 2018b.

CAMPOS, Celso; CARDOSO, Marcelo José Ranieri. A Teoria dos Jogos e a Mente Brilhante de John Nash. Prometeica. Revista de Filosofía y Ciencias, año IV, N. 10, verano 2015, pag. 89 -104.

CARVALHO, Gustavo Arthur Coelho Lobo de; KANFFER, Gustavo Guilherme Bezerra. O Tratamento Jurídico das Notícias Falsas (fake news). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/tratamento-juridico-noticias-falsas.pdf>. Acesso em 03 de nov. 2018;

EL PAIS, Jornal El País Brasil. ‘Fake News’: a guerra informativa que já contamina as eleições no Brasil. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/09/politica/1518209427_170599.html>. Acesso em 01 de nov. 2018;

FIGUEIREDO, Reginaldo Santana. Teoria dos Jogos: conceitos, formalização matemática e aplicação à distribuição de custo conjunto.  Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/gp/v1n3/a05v1n3.pdf>. Acesso em 13 de outubro de 2018;

OEA. Organização dos Estados Americanos. Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) para as eleições gerais do Brasil. Disponível em <http://www.oas.org/pt/. Acesso em 25 de outubro de 2018>. Acesso em 17 de nov. de 2018;

RANGEL, Ronaldo; TONON, Daniel Henrique Paiva. A Teoria Econômica do Crime e a Teoria da Complexidade: as bases para um ensaio sobre a natureza da corrupção no Brasil. Revista de Estudos Sociais, v. 19, n. 38, 2017;

SANTOS, Cezar Augusto Pereira dos Santos; Casagrande, Dieison Lenon; Hoeckel, Paulo Henrique de Oliveira. “Teoria Econômica do crime”: dos pressupostos acadêmicos à empiria do dia a dia na vida de ex-presidiários de Santa Maria RS. Revista de Economia e Desenvolvimento. Santa Maria, vol. 27, n.2, p. 308 – 325, jul. – dez. de 2015;

TSE, Tribunal Superior Eleitoral. Conselho Consultivo reúne-se no TSE na segunda (15) para discutir fake news e eleições. Disponível em <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Janeiro/conselho-consultivo-reune-se-no-tse-na-segunda-15-para-discutir-fake-news-e-eleicoes>. Acesso em 12 de out. de 2018.

 

[1] Aluno especial do Mestrado em Poder Legislativo. Email: coelhoac.alex@gmail.com.

Âmbito Jurídico

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