Resumo: O direito no todo está em constante evolução, em compasso com a evolução da sociedade, um exemplo é o contrato, instituto de formalização de vontades entre as partes, que desde o primeiro contrato firmado até hoje sofreu muitas mudanças. O contrato não é mais aquele de força obrigatória e absoluta como em outrora, há princípios que o norteiam e que trazem ao contrato algumas limitações ao direito de contratar. O princípio da probidade, da boa-fé, da onerosidade excessiva e da função social do contrato são exemplos destas limitações à obrigatoriedade dos contratos, que se compreende pela máxima “pacta sunt servanda”. O presente trabalho tem como objetivo analisar e estudar o princípio da função social do contrato, no contexto atual do Direito Brasileiro, e as suas consequências ante os contratos celebrados hoje em dia. Realizou-se pesquisas bibliográficas, com a finalidade de comparar o quadro atual (Código Civil de 2002) do direito contratual – e o princípio da função social do contrato – face às anteriores codificações, bem como pesquisas de sua evolução na doutrina e jurisprudência. Por fim elenca as consequências da aplicação do princípio da função social do contrato e as novas possibilidades de tal aplicação.
Palavras-chave: Contratos. Princípos. Função Social do Contrato.
Abstract: The law is in constantly evolution, in step with evolution of the society, an example for this, is the contract, instrument of formalization the agreement between the parties, since the first contract signed, today has undergone many changes. The contract is no more binding and absolute as in the past, there are principles that guide the contract and bring some limitations to the right to hire. The principle of fairness, of good faith, and the excessive burden of the social contract are examples of these limitations on the obligation of the contract’s, it is understood by the maxim “pacta sunt servanda”. This work objective is the analyze and study the principle of the social function of the contract at the current Brazilian law, and its consequences in the contracts today. We conducted literature researches in order to compare the current frame (Civil Code 2002) contract law – the principle of the social function of the contract – compared with previous encodings, as well as research of its evolution in the doctrine and jurisprudence. Finally list the consequences of applying the principle of social function contract and the new possibilities of such application.
Key words: Contract. Principle. Social function of the contract.
Sumário: Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. Contrato: conceito e evolução. 2.1.1. Conceito 2.1.2. História. 2.1.3. Constituição federal de 1988. 2.1.4. Código de defesa do consumidor. 2.1.5. Código civil de 2002. 2.2. Princípios contratuais. 2.2.1. Autonomia da vontade. 2.2.2. Obrigatoriedade dos contratos. 2.2.3. Supremacia da ordem pública. 2.2.4. Probidade e boa-fé. 2.3. Função social do contrato. 2.3.1. Origem da função social do contrato. 2.3.2. Função social da propriedade. 2.3.3. Conceito da função social do contrato. 2.3.4. Função social do contrato no código civil de 2002. 2.3.5. Aplicabilidade da função social do contrato. Conclusão.
Introdução
O contrato teve e tem um importância muito grande na sociedade, pois, em seu conceito amplo, o homem contrata diversas vezes durante o seu dia a dia, desde a compra em um mercado à realização de um empréstimo bancário. Deste modo, o contrato se torna um valioso objeto de estudo, em todos os seus aspectos.
Faz-se necessária a observação dos princípios gerais dos contratos antes de estudar as cláusulas específicas as cada tipologia de contrato. Neste sentido o presente trabalho pretende abordar os princípios contratuais, mais especificamente a função social do contrato, que, como todo princípio, tem um vasto campo de interpretação e conseqüentemente várias maneiras de aplicação.
O princípio da função social do contrato não deixa de ser uma mera elucidação teórica no contexto atual do direito brasileiro, em razão da evolução nos trazer à época dos princípios sociais, de propriedade por exemplo, que antes era considerado como absoluto e intangível. O contrato passa a ter uma função no seio da sociedade, devendo cumprir os seus objetivos entre os contratantes e todos ao seu redor, beneficiários ou não deste contrato.
A função social do contrato nos demonstra que há bens maiores que devem ser observados ao se realizar um contrato, sob pena de este ser invalidado ou nulo. Bens que a sociedade protege, como o meio ambiente, a vida, o trabalho, a segurança, bem como todos os direitos e garantias individuais garantidos pela Constituição.
São estes rumos que o princípio da função social do contrato deve tomar, a benefício das partes contratantes e da sociedade, protegendo valores que esta adotou e adotará em sua evolução, caminhando o direito contratual em paralelo com o direito social, que em outrora não se via.
2 Desenvolvimento
2.1 Contrato: conceito e evolução
2.1.1 Conceito
O contrato é um acordo de vontades, entre partes capazes, com objeto, em que cria-se obrigações a ambos ou apenas a um dos contratantes. O contrato é a forma mais comum de criação de obrigações, em razão da necessidade do ser humano de se relacionar com as pessoas, adquirindo ou fornecendo produtos e serviços, dentre outras obrigações da vida cotidiana.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves o contrato “[…] é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico. […]” (GONÇALVES, 2012, p.21).
O contrato é considerado espécie de negócio jurídico, que pressupõe para formação e validade os seguintes requisitos subjetivos e objetivos. Os subjetivos compreendem a capacidade das partes, seja a genérica ou específica (por lei), e o consentimento das partes, seja oral ou por escrito. Os objetivos são o objeto lícito, possível e determinado.
Maria Helena Diniz, neste sentido, compreende o contrato:
“O contrato constituiu uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses particulares, reconhecida pela ordem jurídica, que lhe dá força criativa.(DINIZ, 2004,p.23)”
Há também alguns requisitos formais, que, em alguns casos, se não cumpridas as formalidades exigidas por lei, o contrato não é válido, como é o caso de contrato de compra e venda de imóvel de valor superior a trinta vezes o salário mínimo vigente no país, vide artigo 108 do Código Civil de 2002.
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Código Civil de 2002)”
Contrato, portanto é um acordo de vontades, lícito, com o objetivo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
2.1.2 História
Há muitas discussões de quando e onde tenha se firmado o primeiro contrato na história, porém, é certo que se analisarmos o conceito de contrato, veremos que desde o contrato nada mais é do que as primeiras relações entre os homens, ainda que não havia comunicação entre eles.
Porém, verificou-se que foi no Direito Romano que tem suas primeiras aparições, sendo que contrato era espécie de convenção, havia diferença também aos pactos.
Em Roma, portanto, as primeiras definições de contrato, ainda que já muito utilizado para celebração de negócios jurídicos, porém, a primeira grande codificação moderna foi o Código de Napoleão, que teve origem na Revolução Francesa de 1789, disciplinando o contrato como instrumento para aquisição de propriedade. Gonçalves nos ensina: “[…] O acordo de vontades representava, em realidade, uma garantia para os burgueses e para as classes proprietárias. A transferência de bens passava a ser dependente exclusivamente da vontade. […]” (GONÇALVES, 2012, p.23).
Arnoldo Wald, em sua obra, manifesta o início da predominância da vontade humana à intervenção estatal:
“O individualismo do século XIX, do qual o Código Napoleão foi o maior monumento legislativo, inspirou-se na fórmula liberal dos fisiocratas, que reduziram ao mínimo a interferência estatal, abrindo amplas perspectivas de liberdade à vontade humana, que só por si mesma, em virtude das obrigações contraídas, poderia sofrer restrições ou limitações. (WALD, 2000, p. 184)”
Posteriormente, o Código Civil alemão disciplinou o contrato, porém, não como transmitente da propriedade, e no mesmo sentido foi elaborado o Código Civil brasileiro de 2002.
Antes das atuais codificações vigentes no mundo, o contrato, como propriamente a sociedade, se encontrava em um Estado liberal, e com isso, havia predominância dos princípios de liberdade, que no direito contratual se demonstra pelo princípio da autonomia da vontade, as vontades devem ser cumpridas, pelo brocado latino “pacta sunt servanda” (os pactos devem ser respeitados), que, em razão da liberdade, as pessoas não são obrigadas a contratar, porém, se o fizerem devem cumprir com as obrigações independente de posteriores alterações fáticas e também jurídicas presentes em cada caso concreto.
Ocorre que, após a 1ª Guerra Mundial entre 1914 a 1918, observaram-se situações contratuais que, por força deste evento extraordinário, se tornaram insustentáveis. Tempos depois vieram as ideologias socialistas e comunistas, que sustentavam um Estado social. Todos estes eventos acarretaram na origem de um Estado social-democrático, alterando todos os princípios e normas de Direito, não ficando fora o Direito Civil, e dentre ele as normas contratuais.
Em consequência, houve a criação de princípios de funções-sociais, seja do contrato, da propriedade, da empresa, e de outros objetos e valores importantes para a sociedade e para o Direito, em um todo, conforme será demonstrado posteriormente neste trabalho.
2.1.3 Constituição Federal de 1988
Para uma análise ampla e profunda sobre contratos e os seus princípios devemos inicialmente estudar a Constituição Federal de 1988, pois, além de ser a Constituição vigente no país, ela delimitou princípios que devem ser observados em todos os ramos do direito, bem como nas leis infraconstitucionais, que são originalmente competentes para tratar do contrato em si. Portanto, como fonte do direito, a Constituição também rege o contrato.
Logo no seu art. 1° instituiu como fundamentos do Estado Democrático de Direito a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político. Devendo, a todos, observar os fundamentos por quais solidificam a base do Estado. A dignidade da pessoa humana, portanto, é princípio fundamental, não podendo haver violação, sob pena de ferir a Constituição, neste sentido, todas as relações jurídicas hão de ser fundamentadas por tais princípios, incluído o contrato (de qualquer natureza), seja entre particulares, seja entre particular e Estado, bem como entre Estados.
A Constituição ainda, no seu art. 5° traçou vários direitos e garantias individuais, que também devem ser respeitados nos contratos, e que, inclusive fundamentam alguns. No seu inciso XXII, determina que é garantido o direito de propriedade, e logo após, no inciso XXIII, que a propriedade atenderá a sua função social.
Demonstram que a Constituição limitou algumas liberdades individuais, como a propriedade, que, tempos atrás se constituía como direito-subjetivo e absoluto.
Necessário, portanto, entendermos a posição adotada pela nossa Constituição vigente, a promulgada em 1988, para compreendermos compreender a legislação infraconstitucional, sempre vinculada e dependente das normas e princípios constitucionais.
2.1.4Código de Defesa do Consumidor
Em razão da evolução e da globalização, as relações de consumo se difundiram muito, sendo este tipo de relação o mais comum hoje em dia, sendo realizados inúmeros contratos, no seu sentido amplo, desde uma compra em um mercado pequeno, até na compra de um carro em uma concessionária, e na maioria das vezes sem um contrato escrito, em razão do valor e da natureza do produto ou do serviço.
A Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, não deixou de lado a proteção do consumidor nos contratos por ele realizados com o fornecedor, em razão dos princípios por ela adotados.
Diante da necessidade de tratamento especial ao consumidor, pois este se encontra em desigualdade com o fornecedor, pois este, em tese, tem vantagem econômica e de conhecimento sobre os produtos e serviços postos à disposição. Devendo, portanto ser-lhe mais favorável, inclusive nos contratos de consumo.
No Capítulo VI do presente estatuto, é disciplinada a proteção contratual ao consumidor, iniciando com o artigo 46 que já a demonstra claramente.
“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”
No mesmo sentido protege o consumidor nos contratos com interpretação ambígua, contraditória, pois entende que as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, vide art. 47 do CDC.
Nas relações de consumo inclusive são nulas de pleno direito diversas cláusulas, conforme regulam o art. 51 do CDC, bem como protege o consumidor dos contratos de adesão, visto que são confeccionados unilateralmente pelo fornecedor, cabendo apenas ao consumidor aceita-lo e cumpri-lo, de acordo com o art. 54 do mesmo estatuto.
Por isso, cumpre destacar a importância do Código Consumerista como fonte do direito contratual, pois estabelece muitos direitos aos consumidores, e deveres aos fornecedores quando forem contratados. Há também muitos contratos típicos desta relação contratual, que apenas se aplicam a mesma.
2.1.5 Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 é a principal fonte de direito contratual no país, tanto de normas gerais, até a tipificação de contratos muito usados hoje em dia, como é a compra e venda, a doação, entre outros.
O atual Código Civil inovou em relação ao Código anterior em alguns temas e institutos novos no direito civil brasileiro, como é o caso da resolução por onerosidade excessiva (teoria da imprevisão), da venda com reserva de domínio, contrato preliminar e contrato estimatório, bem como adicionou novas tipologias de contratos como a comissão, a agência (ou distribuição), a corretagem, e o transporte.
O contrato passa a ser disciplinado no Código Civil a partir do Título V – Dos Contratos em Geral, desde as disposições gerais, iniciando no artigo 421, que trata da função social do contrato, tema principal do presente trabalho, até a resolução por onerosidade excessiva, do artigos 478 a 480.
No Título VI trata das várias espécies de contrato, começando no artigo 481, com a regulamentação da compra e venda, até o artigo 853, que regula o contrato de compromisso.
O legislador, contudo, deixou de disciplinar vários contratos muito utilizado na atualidade, que ainda restam muitas dúvidas que poderiam ter sido sanadas se fossem regulados pelo Código de 2002, como os contratos de franchising, leasing, factoring, o consórcio e os contratos eletrônicos.
Mas, ainda que não tenhamos disciplinados todos os contratos utilizados atualmente, pode ser realizados contratos atípicos, autorizados pelos art. 425, com a observância dos princípios contratuais adotados pelo Código, e de suas regras gerais.
2.2 Princípios Contratuais
Os contratos são guiados por vários princípios, sejam aqueles constitucionais, já mencionados, e aqueles disciplinados no Código Civil de 2002, alguns até modernos e outros mais tradicionais. Há vários princípios contratuais, mas os principais são: autonomia da vontade, obrigatoriedade dos contratos, supremacia da ordem pública, probidade e boa fé, e função social do contrato.
2.2.1 Autonomia da Vontade
Também conhecido como a liberdade de contratar, as pessoas são livres para contratar com quem quiserem, o que quiserem e se quiserem, não será imposto a alguém o contrato, pela própria definição deste, pressupõe uma voluntariedade de ambas as partes em contratar.
Carlos Roberto Gonçalves trata do princípio como:
“O princípio da autonomia da vontade se alicerça exatamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. Podem celebrar contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados. (GONÇALVES, 2012, p. 41)”
Washington de Barros Monteiro entende que a autonomia da vontade é a regra nos contratos: “[…] A regra nos contratos, insista-se, é a autonomia da vontade dos estipulantes e que deve ser sempre respeitada, não obstante as restrições que lhe foram impostas.[…]” (MONTEIRO, 2013, p. 23)
Pontes de Miranda a chamava de auto-regramento da vontade:
“O auto-regramento da vontade, a chamada autonomia da vontade, é que permite que a pessoa, conhecendo o que se produzirá com o seu ato, negocie ou não, tenha ou não o gestum, que a vincule. Nos negócios jurídicos à vista, o que confunde os menos expertos é que tudo se passa tão rapidamente, tão instantaneamente, que não fica trato de tempo em que existam a dívida e o crédito; a fortiori, a obrigação. (MIRANDA, 1984, p. 39)”
Do mesmo modo em que há a autonomia da vontade, tendo a liberdade de contratar com quem e como segundo a sua vontade, há também a liberdade de realizar contratos atípicos não previstos na legislação, porém em observância com os princípios contratuais e gerais do direito.
Neste sentido Arnoldo Wald:
“A liberdade de contratar permite a criação de contratos atípicos, ou seja, não especificamente regulamentados pelo direito vigente, importando na possibilidade, para as partes contratantes, de derrogar as normas supletivas ou dispositivas, dando um conteúdo próprio e autônomo ao instrumento lavrado. (WALD, 2000, p.185)”
Porém, há limitações a esse direito, seja pelas normas gerais e seus princípios, ou pelo interesse público, da ordem pública. Carlos Alberto Bittar manifesta que:
“Com efeito, rígido, no início, esse princípio encontrava na noção de ordem pública o seu limite natural, com a significação de que, em razão dos interesses da coletividade, certas ações eram vedadas e outras delineadas em leis próprias, como balizas a que se subordinava a autonomia privada. Nesse conceito compreendiam-se os interesses essenciais da coletividade, ou do Estado, complementando-se, com a noção dos bons costumes, a defesa da moralidade no mundo negocial. Assim ingressavam na ordem pública as leis quanto à personalidade, estado e capacidade; à proteção da propriedade e da herança; à responsabilidade civil: à defesa do economicamente mais fraco; à defesa da livre iniciativa; no plano dos bons costumes, às normas sobre defesa da família; vedação do comércio carnal; e proteção da corretagem matrimonial, da usura, do jogo. Essa noções serviam, pois, de amparo à defesa da sociedade ante a situações reprovadas pelo consenso médio, sendo, pois, nulos os contratos em contrário. (BITTAR, 1994, p. 452)”
A autonomia da vontade, portanto, é a regra, ou seja, deve se observar a liberdade de contratar, sem, contudo, deixar de lado os princípios gerais de direito e os de direito contratual, e a ordem e interesse público, inclusive neste aspecto a função social do contrato.
2.2.2 Obrigatoriedade dos Contratos
O princípio da obrigatoriedade dos contratos, como o próprio nome já diz, determina que os contratos se firmados, e claro, se válidos, devem ser cumpridos. Pela autonomia da vontade, ninguém será obrigado a contratar, apenas por livre e espontânea vontade, com quem quiser, porém, se o fizer deverá cumprir com o acordo.
Deste modo entende Bittar: “[…] O princípio da obrigatoriedade dos contratos (ou da intangibilidade), que deriva da máxima pacta sunt servanda, impõe às partes o adimplemento. […]” (BITTAR, 1994, p. 455)
É o chamado “pacta sunt servanda” (Os pactos devem ser cumpridos), princípio que tem por fundamentos, segundo Carlos Roberto Gonçalves:
“a) a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir com a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontade faz lei entre as partes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. (GONÇALVES, 2012, p. 49).”
Portanto, o contrato faz lei entre as partes. Mas este princípio tem suas exceções, não podendo ter caráter absoluto. A primeira está presente no art. 393 do Código Civil, é a escusa por caso fortuito ou força maior.
A segunda, em decorrência da evolução histórica da sociedade, cada vez mais se encontravam situações obrigacionais de difícil cumprimento em razão de fatos supervenientes à sua criação. Neste momento começou a se adotar a teoria da onerosidade excessiva que consiste em possibilidade de revisão e até a rescisão contratual em virtude de fatos supervenientes que alterassem a situação de fato do momento da contratação, acarretando com isso a impossibilidade de cumprimento da obrigação.
Pablo Stolze Gagliano entende que:
“Aliás, a teoria da imprevisão, construída a partir da revivescência da vetusta cláusula rebus sic standibus do direito canônico, é invocada quando um acontecimento superveniente e imprevisível torna excessivamente onerosa a prestação imposta a uma das partes, em faze da outra que, se enriquece à sua custa ilicitamente.”
O Código de Defesa do Consumidor adotou esta teoria, e em razão da diferença fático-jurídico entre o consumidor, ante a sua vulnerabilidade, e o fornecedor, o consumidor poderá rever os contratos provando apenas a alteração da situação de fato, e a onerosidade excessiva para ele.
Já o Código Civil de 2002 em evolução do princípio da onerosidade excessiva ou da revisão contratual, adotou a teoria da imprevisão, que consiste na possibilidade de revisão ou até a rescisão contratual, caso um fato superveniente tenha causado onerosidade excessiva para uma das partes, um enriquecimento a outra, e o fato tenha sido imprevisível.
Também chamada de cláusula “rebus sic standibus”, a onerosidade excessiva, bem como a teoria da imprevisão constitui exceção ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, podendo, portanto, ser revistos ou rescindidos em razão dos requisitos ora apresentados.
2.2.3 Supremacia da Ordem Pública
Não pode se deixar de observar que os interesses da coletividade, entendendo assim a sociedade como um todo, o interesse público, devem se sobressaltar aos interesses individuais, portanto, outro princípio contratual é o da supremacia da ordem pública, seja pela observância das leis, seja na moral e nos bons costumes.
Washington de Barros Monteiro diz que:
“O natural limite, que fixa o campo da atividade individual é estabelecido pelo segundo princípio, da supremacia da ordem pública, que proíbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, que não podem ser derrogadas pelas partes. (MONTEIRO, 2013, p. 24)”
Do mesmo modo, Gonçalves:
“O princípio da autonomia da vontade, como vimos, não é absoluto. É limitado pelo princípio da supremacia da ordem pública que resultou da constatação, feito no início do século passado e em face da crescente industrialização, de que a ampla liberdade de contratar provocava desequilíbrios e a exploração do economicamente mais fraco. Compreendeu-se que, se a ordem jurídica prometia a igualdade política, não estava assegurando a igualdade econômica. Em alguns setores fazia-se mister a intervenção do Estado, para reestabelecer e assegurar a igualdade dos contratantes. (GONÇALVES, 2012, p. 44)”
Caberá ao juiz a cada caso concreto a observar se a ordem pública, qualquer que ela seja, está sendo violada, para com isso, aplicar o princípio da supremacia da ordem pública.
O próprio princípio da função social do contrato já tem estrita ligação com a ordem pública, porém, é mais amplo, ao considerar que o contrato deve além de não violar a ordem pública, cumprir uma função na sociedade.
2.2.4 Probidade e Boa-Fé
Este princípio regula que os contratantes devem agir honestamente, com transparência, lealdade, probidade com o outro contratante, que se exige do homem comum, respeitados as peculiaridades dos costumes e usos do local.
O princípio em questão está presente no art. 422 do Código Civil de 2002, com o texto: “[…] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.[…]”
Para Bittar, deve se atuar com lealdade e confiança recíproca entre os contratantes:
“Na base do conjunto de princípios e em razão da influência do aspecto moral, encontra-se o princípio da boa-fé, segundo o qual as partes devem pautar sua atuação em consonância com a lealdade e com a confiança recíprocas que a vida de relações impõe. Cumpre a cada qual respeitar a posição do outro contratante e operar com fidelidade e com probidade, a fim de que alcance os objetivos pretendidos com o contrato, agindo consoante padrões éticos normais à contratação pretendida. (BITTAR, 1994, p. 456)”
A esse sentido já mencionou Maria Helena Diniz:
“[…] intimamente ligado não só à interpretação do contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com lealdade, honestidade e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc. (DINIZ, 2004, p. 41)”
Boa-fé, portanto, é norma de conduta das partes, como as partes devem agir. A boa fé tanto pode ser subjetiva ou objetiva.
A boa-fé subjetiva é a chamada concepção psicológica da boa-fé, consiste em ignorância do estado real dos fatos, tem a ver com a consciência da parte. A sua constatação será feita pelo juiz no caso concreto, sendo que a boa-fé deve ser presumida, a má-fé (conhecimento do real estado dos fatos) é que deve ser provada.
Gonçalves nos leciona que: “[…] Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação regulada. […]” (GONÇALVES, 2012, p. 55)
A boa-fé objetiva é a chamada concepção ética da boa-fé, ou seja, é norma de comportamento, como as partes devem agir, ou não agir, constituindo um modelo que deve ser seguido, com parâmetros como honestidade, lealdade, informação, confiança, assistência, confidencialidade entre outros.
A boa-fé objetiva impõe deveres acessórios aos contratantes, normas de como atuar. Para Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery a boa-fé objetiva:
“É cláusula geral (v.coments. Prelim. CC1°), ao mesmo tempo em que se consubstancia em fonte do direito e de obrigações, isto é, fonte jurígena assim como a lei e outras fontes. É fonte jurígena porque impõe comportamento aos contratantes, de agir com correção segundo os usos e costumes. Com isso a norma do CC 422 classifica-se, também, como regra de conduta (Martins-Costa, Boa-fé, p. 412), seguindo, nesse passo, o direito italiano (CC ital. 1175 e 1337). Deixou de ser princípio geral de direito porque incluída expressamente no texto do direito positivo brasileiro. (NERY JUNIOR, 2003, p. 338)”
A probidade reforça a boa-fé objetiva. De acordo com Gonçalves a probidade: “[…] nada mais é senão um dos aspectos objetivos do princípio da boa-fé, podendo ser entendida como honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou acometidos à pessoa. […]” (GONÇALVES, 2012, p. 55)
2.3 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Em referência à socialização do direito e das normas, outro princípio contratual também muito importante é a função social do contrato, tema central de estudo deste trabalho, será tratado nos próximos capítulos.
2.3.1 Origem da Função Social do Contrato
A função social do contrato originou-se à partir do momento que o Estado deixou de ser totalmente liberal, e passando a intervir nas relações entre os particulares para a aplicação de normas e preceitos fundamentais e de interesse público.
O liberalismo econômico gerou muita insegurança quando, os particulares, detentores de direitos individuais, os utilizavam sem respeitar os interesse sociais, da coletividade. E, após as guerras, percebeu-se a importância de limitar estes direitos individuais, aos direitos coletivos, sociais.
Foram criados, então, os direitos fundamentais de segunda dimensão, baseados na ação positiva do Estado, quanto aos direitos sociais, de saúde, demonstrando esta passagem do Estado Liberal para o Estado Social, podendo, então, o Estado intervir nas relações, como adoção do princípio da função social da propriedade, do contrato, da empresa.
Em Teoria Geral do Estado, Maluf cita esta passagem histórica:
“O mundo após-guerra, convulsionado pelas violentas reinvindicações das massas obreiras insufladas pelo socialismo marxista, já não podia comportar aquela idéia de liberdade inconsistente, fictícia, abstrata, de conteúdo metafísico. O operariado, teoricamente livre, tornou-se realmente escravizado. Em tal situação, sentiram as democracias liberais o peso da verdade imperativa que ressaltava das máximas socialistas como a de Luiz Blanc: a liberdade não consiste apenas no direito, mas no poder de ser livre. (MALUF, 2009, p. 307)”
Os direitos individuais, portanto, passaram a ser limitados pelos direitos da sociedade, conforme Maluf:
“Sobre os escombros das doutrinas liberalistas estruturaram-se as doutrinas do direito social. Os direitos individuais passaram a subordinar-se aos direitos da sociedade, até onde fosse necessário para o restabelecimento do equilíbrio social, sob a supervisão do Estado que se tornara intervencionista. Admitiu assim, em princípio, a antítese de Stuart Mill: a liberdade consiste em se poder fazer ou deixar de fazer tudo o que, praticado ou deixado de ser praticado, não desagregue a sociedade nem lhe impeça os movimentos. (MALUF, 2009, p. 307)”
Em compasso com esta mudança que originou-se a teoria da função social do contrato, pois, passando o Estado a ser intervencionista, poder-se-ia pensar em limitação à liberdade contratual, não podendo as partes deixar de observar os interesses sociais, desde às normas morais e éticas, até aquelas fixadas em leis.
No Direito Brasileiro, surgiu no Código Civil de 2002, no artigo 421, em razão do Código anterior não tratar do tema, a jurisprudência já havia firmado entendimento deste princípio, por isso e pela construção doutrinária a respeito, houve a inclusão deste princípio no atual Código Civil.
2.3.2 Função Social da Propriedade
Após a transição do Estado Liberal para o Estado Social, veio a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que adotou alguns princípios sociais, revelando esta preocupação da intervenção do Estado para o bem estar comum de todos.
O artigo 5° da CF de 1988 diz no seu inciso XXIII que: “[…] a propriedade atenderá a sua função social;[…]”
No mesmo sentido o artigo 170, inciso III, determina como princípio a função social da propriedade:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;”
A propriedade, no entanto, deixou de ser direito individual/subjetivo e absoluto, intangível, para ser propriedade-função social. Ou seja, o direito individual limitou-se pela função social que a propriedade deve atender, sob pena até de expropriação pelo Poder Público.
Neste sentido, Orlando Gomes cita a explicação da função social da propriedade proposta por Leon Duguit, que diz:
“A propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor da riqueza mobiliária e imobiliária; a propriedade implica para todo detentor de uma riqueza a obrigação de emprega-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; a propriedade não é, de modo algum, um direito intangível e sagrado, mas um direito em contínua mudança que se deve modelar sobre as necessidades sociais às quais deve responder.” (GOMES, 1999, p.108)”
Este princípio foi o grande embasador da função social do contrato, pois, o Código Civil vigente à época, o de 1916, não trazia referência a este princípio função social, ainda que a jurisprudência já tinha firmado este entendimento, que, após a CF de 1988, foi regulamentado pelo Código Civil de 2002.
É o entendimento de Gonçalves:
“Considerando que o direito de propriedade, que deve ser exercido em conformidade com a sua função social, proclamada na Constituição Federal, se viabiliza por meio dos contratos, o novo Código estabelece que a liberdade contratual não pode afastar-se daquela função. (GONÇALVES, 2012, p. 25)”
2.3.3 Conceito da Função Social do Contrato
Do mesmo modo que a propriedade deverá atender a sua função social, o contrato também deverá, seja cumprindo uma função entre os contratantes, ou uma função púbica, para a sociedade, como por exemplo a criação de empregos e a proteção do meio ambiente.
A função social do contrato se resume na limitação contratual em que as partes devem observar as normas gerais de direito, as normas morais e éticas da sociedade, bem como os interesses coletivos e sociais, traduzido no bem comum. Sinteticamente, o contrato deve cumprir sua função social que dele se espera.
Determina Pablo Stolze Gagliano:
“Para nós, a função social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, que se compreende na medida em que lhe reconhecemos o precípuo efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem comum. (GAGLIANO, 2005, p. 55)”
O princípio da função social do contrato é cláusula geral, devendo ser observada por todos, em todos os contratos. É também norma aberta, em razão da abrangência ilimitada do seu conceito, devendo em cada caso se observar se há aplicação ou não do princípio, pois o bem comum, o interesse social, se dá por inúmeras maneiras.
Já lecionava a este respeito o nobre professor Pontes de Miranda:
“Nos negócios jurídicos bilaterais e nos negócios jurídicos plurilaterais, o acordo ou a concordância pode atender a conveniência dos figurantes, mas ferir interesses gerais. O direito tinha de considerar vinculadas as pessoas que se inseriram, como figurantes, em negócio jurídico bilateral ou plurilateral, tendo, porém, de investigar se houve, ou não, ofensa a interesses gerais ou a interesse de outrem. (MIRANDA, 1984, p. 39)”
Função social do contrato, portanto, é um princípio que determina que os contratos devem ser criados e executados cumprindo uma função social, seja esta função individual, entre as partes contratantes e os seus interesses próprios, ou uma função pública, a todas as demais pessoas, a sociedade, o interesse dela sobre o contrato.
Carlos Roberto Gonçalves cita estes dois aspectos da função social do contrato, e diz que a função social só será cumprida se observados os dois aspectos:
“É possível afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nesta medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social. (GONÇALVES, 2012, p. 26)”
A função individual do contrato pode ser demonstrada na expectativa das partes no seu conteúdo, ou seja, a finalidade do contrato para os contratantes. A função pública do contrato se observa por exemplo na preservação do meio ambiente, que é de interesse social, disciplinado no art. 225 da CF:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
Portando, compreende como função social, primeiro atendendo os interesses individuais das partes contratantes, e segundo ao interesses da sociedade, cumprindo estas duas funções, estará sim cumprindo a real função social do contrato.
2.3.4 Função Social do Contrato no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 foi norteado por alguns princípios na sua elaboração, sendo que um deles foi o princípio da socialidade, que em contraposição à ideologia individualista e patrimonialista, preservando o interesse da coletividade, muitas vezes em detrimento de interesses individuais, a exemplo da função social do contrato.
Deste modo, o Direito Civil em compasso com a socialização do direito contemporâneo, segundo Gonçalves:
“O Código Civil de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o diploma anterior para seguir orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo. O princípio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os indivíduos, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana. Com efeito, o sentido social é uma das características mais marcantes do novo diploma, em contrates com o sentido individualista que condiciona o Código Beviláqua. (GONÇALVES, 2012, p. 24)”
Neste sentido, após o Código Civil de 2002, o contrato passou a ter um caráter social, ou seja, mais do que uma função entre as partes, deverá ter uma função na sociedade.
Monteiro assim compreende: “[…] O contrato não é mais visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido social de utilidade para a comunidade; assim, pode ser vedado o contrato que não busca esse fim.[…]” (MONTEIRO, 2013, p. 25)
Então, o Código Civil vigente determinou no seu artigo 421: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
Maria Helena Diniz, sobre o princípio constante no artigo 421, diz:
“O art. 421 institui a função social do contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e até mesma sua resolução. (DINIZ, 2004, p. 37)”
Portanto, em contrário ao Código Civil de 1916, que não disciplinou a função social do contrato, o Código Civil de 2002, por seu princípio norteador de socialidade, adotou o princípio da função social do contrato.
Devendo ser respeitados as normas cogentes, os princípios morais e éticos da sociedade, bem como os interesses da sociedade, como a proteção ao meio ambiente, o trabalho, a saúde e a segurança.
Também foi recepcionada a função social do contrato no parágrafo único do artigo 2.35 do Código Civil atual: “Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”.
Com base nos dispositivos mencionados, do Código Civil de 2002, ressalta-se que as partes podem celebrar os contratos com liberdade, porém, sempre observadas as normas de ordem públicas, como é o caso das cláusulas gerais.
2.3.5 Aplicabilidade da Função Social do Contrato
Importante destacar não só a conceituação teórica do princípio da função social do contrato, mas também a eficácia do princípio nas relações fático-jurídicas, da sua aplicabilidade no direito. Há várias maneiras de se aplicar tal princípio na prática, desde a formação do contrato, até a sua extinção e também a sua análise perante os tribunais, inclusive com edição de súmulas.
A não observação do princípio em questão pode acarretar inclusive a nulidade do contrato, como por exemplo de um contrato válido e perfeito de empreitada em que se viole a legislação ambiental, portanto, o contrato não estará cumprindo a sua função social, podendo ser combatido pelo Poder Judiciário.
Deste modo, o contrato que violar a lei imperativa é nulo, de acordo com o art. 166 do Código Civil:
“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei;
V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.”
Bem como, é anulável o negócio jurídico por vício resultante de lesão e estado de perigo, conforme o art. 171, II do CC. Estes dois institutos tem fundamento não só na proteção da vontade das partes, mas também na proteção social do negócio jurídico, intimamente ligado à função social do contrato.
O princípio da função social do contrato, como cláusula geral, é norma de ordem pública, portanto, pode e deve o juiz agir ex officio, independente de pedido das partes. Em cada caso concreto é que se determinará se houve violação ao princípio, e se restar caracterizado, poderá o juiz declarar nula cláusula contratual, ou até mesmo nulo o próprio contrato, bem como condenar à indenização a parte que o violou.
Outra consideração importante é da legitimidade do Ministério Público para promover ações judiciais com o intuito de atacar contratos que violem o princípio da função social do contrato, pois, dentre as atribuições que lhe foram conferidas, está a proteção aos interesses sociais, conforme o art. 127 da Constituição Federal: “[…] Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.[…]”
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu a favor legitimidade do Ministério Público neste caso, conforme julgado no Resp n° 292.636/RJ. Bem como entende do mesmo modo Pablo Stolze Gagliano:
“Vê-se, portanto, que tal regra possibilita, inclusive, que ganhe novos contornos até mesmo a legitimidade para requerer judicialmente a invalidação, pois o próprio Ministério Público poderá, desde que o interesse público assim o justifique, pretender a nulidade do contrato, nos termos acima apontados, como já lhe era reconhecido quanto às relações de consumo, facultando-se-lhe, inclusive, lançar mão da disregard doctrine (doutrina de desconsideração da pessoa jurídica), consagrada pelo art. 50 do Código Civil, para efeito de concretização do comando sentencial. (GAGLIANO, 2005, p. 63)”
O caso mais famoso desta interferência legal do Ministério Público nos contratos de particulares é sobre os contratos de financiamento firmados pela empresa falida Encol S/A com o Banco do Estado de Minas Gerais S/A, em que o parquet ingressou com Ação Civil Pública para anulação de cláusulas contratuais dos referidos contratos por violar a boa-fé objetiva e a função social dos contratos. Neste caso entendeu o Superior Tribunal de Justiça, no Resp n° 334.829/DF, que o Ministério Público tem legitimidade para ingressar com a ação civil pública visando anular cláusula contratual.
Inclusive, o caso acima destacado embasou a edição da Súmula n° 308 do STJ, sendo um importante exemplo prático da função social nos contratos: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”
Todo o exposto demonstra que o princípio da função social do contrato não se solidifica apenas em base teórica, pois hoje há muita aplicação de tal princípio nas relações fático-jurídicas, a fim de preservar a função social do contrato.
Conclusão
Visando situar o contrato no contexto atual do direito e da sociedade, observamos que, os seus princípios gerais estão mais aplicáveis do que antigamente, observamos também que alguns princípios como a função social do contrato, objeto do presente trabalho, sequer existia em outros tempos, originando-se com a socialização do direito e da sociedade pós Estado-Democrático.
O absolutismo e a intangibilidade de certos direitos como a propriedade e o contrato não são mais a regra no direito, hoje há de se observar a função social destes direitos, ou seja, deve se acatar não só a expectativa dos proprietários e contratantes e sim de toda a sociedade, como a proteção ao meio ambiente por exemplo.
Ocorre que, com a evolução da aplicação da função social do contrato nos casos concretos, deixou de ser um princípio meramente teórico, há diversas possibilidades da prática de tal conceito. Inclusive como demonstrado, até o Ministério Público atua a fim de garantir a aplicação deste princípio.
Deste modo, o presente trabalho abordou diversos conceitos necessários à construção do estudo proposto, como a história do contrato e sua evolução, os seus princípios, chegando até a função social do contrato e sua aplicação prática.
Concluiu-se que o princípio da função social do contrato é de importância vital para a criação e manutenção dos contratos, seja para as partes envolvidas (contratantes) ou para toda a sociedade, como a proteção à vida, saúde, segurança, trabalho e proteção ao meio ambiente.
Advogado, graduado pela Universidade Paulista – UNIP Campus São José do Rio Preto-SP, Pós-graduando em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito – EPD.
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