Resumo: em observação ao preceito constitucional de que cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente, que atinge de plano a gestão dos recursos ambientais, dentre os quais os recursos hídricos, a qual deve ser participativa consonante o dispositivo constitucional. Nesse sentido o presente trabalho tem como escopo analisar a tutela jurídica da participação da coletividade na gestão hídrica nacional. Para tanto se realizou uma pesquisa bibliográfica, aplicando-se o método da hermenêutica jurídica na interpretação dos principais textos legais correlatos ao tema. A pesquisa permitiu constatar que em abordagem do arranjo jurídico-institucional insculpido na Lei Federal n. 9.433/97, tal garantia se perfaz na institucionalização dos Comitês de Bacia Hidrográfica, que necessariamente em sua composição devem contemplar a coletividade via a participação da sociedade civil e dos usuários de água.
Palavras-chave: Participação da coletividade. Gestão hídrica. Comitês de Bacia Hidrográfica.
Sumário: 1. Introdução. 2. Política Nacional de Recursos Hídricos e gestão hídrica. 3. Comitê de Bacia Hidrográfica: a democratização da gestão hídrica e participação da coletividade. 4. Considerações finais.
1. Introdução
A atual Constituição Federal brasileira dispõe explicitamente em seu artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, deste dispositivo erradia consideráveis conclusões que permeiam a questão da tutela ambiental, da gestão dos recursos ambientais e por conseguinte do gerenciamento dos recursos hídricos.
Primeiramente o legislador constitucional visou positivar a qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de todos; ainda na disposição aponta a defesa e preservação deste meio ambiente que se reflete diretamente na gestão equilibrada dos recursos ambientais (consistindo estes conforme o artigo 3º da Lei Federal n. 6.938/81 na a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora); e aí entra necessariamente a questão da gestão hídrica em razão de que as águas como plasmado na mencionada Lei Federal encontra-se como um tipo dentre os recursos ambientais, e que devido sua importância ecológica de forma imprescindível deve ser gerenciada de modo sustentável para que o meio ambiente seja preservado e defendido; por último cumpre destacar que para a efetivação desta defesa e preservação ambiental é imposta a responsabilidade tanto ao Poder Público quanto à coletividade, peculiaridade que expressa exatamente a determinação de que a gestão ambiental deve ser democrática e participativa, abrangendo assim, a gestão dos recursos hídricos que apesar de terem dominialidade pública no ordenamento jurídico-hídrico brasileiro não devem ser geridos tão somente pelo governo, mas também pela coletividade.
Nesse sentido, tal participação da coletividade na gestão hídrica nacional constitui o escopo do presente trabalho. O qual se alcançou mediante o estudo bibliográfico, tendo como método de abordagem a hemenêutica jurídica em face justamente do objetivo de desvelar a garantia legal a tal participação, necessitando essencialmente a análise dos principais diplomas normativos correlatos a esta temática.
2. Política Nacional de Recursos Hídricos e gestão hídrica
Para que se possa compreender a gestão hídrica nacional e a devida participação da coletividade neste processo, se faz necessária a análise preliminar do arranjo jurídico-institucional previsto pelo legislador para a gestão das águas. A qual se encontra plasmada na Lei de Águas nacional, ou seja, Lei Federal 9.433/97, que estipula a denominada Política Nacional de Recursos Hídricos.
Destarte, como requisito para abordagem desta política cumpre entender a concepção de gestão dos recursos hídricos, segundo Ribeiro, Guedes e Costa (2008) consiste no conjunto de ações que permite a compatibilização entre a oferta e a demanda de água evitando os conflitos ou minimizando-os. Desse modo, como se depreende desta definição é necessário um “conjunto de ações” as quais só podem ser definidas e executadas por meio do arranjo jushídrico determinado legalmente e estruturado administrativamente, arranjo este contido na Política Hídrica Nacional.
Em análise desta política destaca-se inicialmente que em linhas gerais a mesma se volta para um gerenciamento racional das águas, ou seja, pauta-se na valorização dos usos múltiplos, destacando-se a necessidade da participação popular na gestão hídrica via atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SINGREH.
O SINGREH como o próprio nome revela constitui num sistema institucional voltado para gestão compartilhada dos usos das águas é composto pelos seguintes órgãos: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; a Agência Nacional de Águas; os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os Órgãos dos poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos e as Agências de Água, cada um com suas peculiaridades e finalidades os quais contribuem para gestão integrada das águas, assegurando o controle quantitativo e qualitativo dos corpos hídricos nacionais.
Objetivando esta gestão integrada a Política Hídrica Nacional se baseiaem determinados fundamentos nortes, dos quais se destaca os seguintes: a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas (deve-se assegurar o uso urbano, industrial, para navegação, para geração de energia etc); a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (a bacia hidrográfica é a unidade territorial de planejamento e implementação da gestão das águas, acrescentado Pompeu (2006) que o sistema de gerenciar as águas por bacias hidrográficas com a participação dos usuários decorre do modelo françês adotado a partir de 1964) e por último a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades (descentralizado porque deve ocorrer em nível de bacia hidrográfica por meio dos comitês de bacia, agências de águas, conselho nacional e estaduais de recursos hídricos, e participativo porque além do Poder Público, deve contar com a atuação dos usuários e sociedade civil da bacia hidrográfica)
3. Comitê de Bacia Hidrográfica: a democratização da gestão hídrica e participação da coletividade
Em cumprimento as disposições da Política Nacional de Recursos Hídricos para que a gestão hídrica nacional seja desenvolvida de modo equilibrada e participativa deve-se implementar o SINGREH, o qual dentre os órgão constitutivos tem-se os Comitês de Bacia Hidrográfica, órgão central para efetivação da participação social na gestão das águas.
De acordo com Barbosa e em consonância com a Política Hídrica Nacional, os comitês terão “como área de atuação a totalidade de uma bacia hidrográfica, sub-bacia hidrográfica de tributário do curso de água principal da bacia, ou de tributário, ou grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas” (BARBOSA, p. 278, 2011).
Como se percebe a atuação deste órgão se dá estritamente em consonância com a Política Hídrica Nacional, assim entendendo-o como o órgão colegiado com função consultiva, normativa e deliberativa sobre o gerenciamento das águas onde atua, de modo que conforme o domínio hídrico podem ser Comitês Federais com abrangência nas bacias hidrográficas da União (compreendidas entre aquelas em que o rio passa por mais de um estado da Federação) e Comitês Estaduais nas bacias hidrográficas estaduais (bacias em que seus limites não ultrapassem o espaço territorial do estado federativo em que está localizado).
Não obstante, tais elucidações, o ponto central destes órgãos de interesse para tutela da participação coletiva na gestão dos recursos hídricos se refere exatamente na sua composição na qual tal coletividade abrange dois setores a sociedade civil e os usuários de água. Desse modo, conforme determinação legal (Resolução do CNRH n. 5) compõe-se por três setores:
“Poder Público (representantes da União, do Estado e do Município); Sociedade Civil (setor da organização social, sem fins lucrativos e desvinculados das entidades públicas e privadas que representam as pessoas integradas às associações regionais, organizações técnicas e de ensino, organizações não-governamentais, entre outras, com interesse na conservação da bacia hidrográfica) e Usuários de Água: toda pessoa física ou jurídica que necessita de outorga para usar a água, captando-a ou lançando resíduos.” (RIBEIRO; GUEDES; COSTA, p. 160, 2008)
Ainda de acordo com Ribeiro, Guedes e Costa (2008) o número de cada segmento pode variar de estado para estado, entretanto a Resolução do CNRH n. 5 dispõe o percentual de quarenta por cento como limite máximo para o poder público, quarenta por cento para os usuários de água e o limite mínimo de vinte por cento para a sociedade civil (artigo 8º, incisos I, II e III).
Obedecida essa disposição, o Comitê passa a atuar na gestão das bacias hidrográficas, com a seguintes atribuições: promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados e estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. Assim em face dessas competências, se justifica a necessidade de se garantir que a coletividade integre os Comitês para que assim possam efetivamente participar e contribuir no alcance de uma gestão hídrica ecologicamente equilibrada e socialmente justa.
4. Considerações finais
De acordo com a presente abordagem nota-se que o ordenamento jurídico nacional disciplina que tanto a preservação quanto a defesa do meio ambiente constitui num dever compartilhado entre o Poder Público e a coletividade, a qual também se aplica no processo de gerenciamento dos recursos nele encontrado.
Aplicando-se assim, à gestão dos recursos hídricos que em face da relevância e influência que possuem para promoção e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, demanda que se processe de modo cooperado, entre tais atores, o Poder Público e a coletividade (sociedade civil e usuários de água) que no caso do arranjo jurídico-hídrico institucional nacional assentam-se nos Comitês de Bacia Hidrográfica, cuja composição obrigatoriamente deve contemplar nos limites fixados em norma a parcela da coletividade, com vista na compatibilização de interesses e efetivação de uma gestão hídrica racional e equilibrada.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
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