Direito Constitucional

Hermenêutica Jurídica no Estado Democrático de Direito

HERMENEUTICS JURIDIC AT THE DEMOCRATIC STATE OF LAW

Fernanda Stella Malaguido

 

RESUMO

O presente trabalho tem por fim discutir o papel da hermenêutica jurídica na construção do Estado Democrático de Direito, atual modelo de Estado instituído no Brasil. Faz-se necessária uma abordagem sistemática do tema, abordando a contribuição, a respeito do tema, por autores como Gadamer, Heidegger, dentre outros, trazendo-os para a atualidade. Após análise doutrinária faz-se necessário um estudo a fim de averiguar qual a importância da hermenêutica jurídica, inserida no Estado Democrático de Direito, para a efetiva concretização dos diversos direitos fundamentais e sociais assegurados na Carta Magna, e como a hermenêutica jurídica pode contribuir para maior ou menor efetivação destes direitos, a fim de abranger maior número de seus destinatários.

Palavras-chave: Hermenêutica Jurídica; Estado Democrático de Direito; Intérprete; Interpretação; Direitos Fundamentais; Constituição da República.

 

ABSTRACT

This paper aims to discuss the role of legal interpretation in the construction of a democratic state, current state model established in Brazil. It is necessary a systematic approach to the issue, addressing the contribution, on the subject by authors like Gadamer, Heidegger, among others, bringing them to the present. After doctrinal analysis it is necessary a study to ascertain what is the importance of legal interpretation, inserted in the democratic rule of law, for the effective implementation of various fundamental and social rights guaranteed in the Constitution, and as a legal interpretation can help greater or lesser effectiveness of these rights in order to cover more of its recipients.

Keywords: Legal Hermeneutics; Democratic Rule of Law; Interpreter; Interpretation; Fundamental Rights; Republic Constitution.

 

  • INTRODUÇÃO

A vida humana é uma constante sucessão de possibilidades, de escolhas. Confiar nas possibilidades do homem viver e conviver com dignidade constitui acolher as potencialidades construtivas dentro do ser humano e comprometer-se a favor de seu desenvolvimento. As escolhas necessitam de assimilação daquilo que se pode escolher. Para o apreender imperioso interpretar. A história do ser humano atesta este como ser hermenêutico, ou seja, alguém que pretende edificar sentido a tudo o que está ao alcance de sua percepção. Diante das mais diversas instituições sociais – como, por exemplo, família, escola, Estado – insere-se em foco na reflexão presente o Estado moderno, em seu movimento histórico. Isto foi adotado para delimitar a possibilidade de participação da hermenêutica jurídica na elaboração do Estado Democrático de Direito. Expor a função de uma nova hermenêutica jurídica apropriada ao paradigma do Estado Democrático de Direito exige consideração a respeito da linguagem e de sua conexão com o ser humano. Primeiramente, faz-se um estudo acerca da passagem da hermenêutica filosófica para a hermenêutica jurídica, através da linguagem, para após analisar-se a criação judicial do direito, por meio do conhecimento e da linguagem. Com isso, passa-se ao estudo das decorrências da hermenêutica jurídica a fim de construir do estado Democrático de Direito.

Busca-se, deste modo, a concretização da democracia e da justiça, sem esquecer dos limites inerentes ao intérprete e seu horizonte de possibilidades, ocorrido no seio da hermenêutica jurídica. Para, assim, suscitar a compreensão da não ocorrência da viragem linguística no Brasil, trazendo, deste modo, uma crise de paradigma, através do sentido comum teórico, capaz de corrigir lacunas da ciência do direito. E, consequentemente o rompimento com a metafísica. Para somente assim, fazer-se uma análise do papel da hermenêutica jurídica na jurisdição constitucional no Brasil, buscando compreender a função daquela nos mecanismos constitucionais de controle difuso e concentrado de constitucionalidade.

 

  • HERMENÊUTICA FILOSÓFICA E HERMENÊUTICA JURÍDICA. A DIELÉTICA DA APLICAÇÃO DO DIREITO E O CARÁTER EXEMPLAR DA HERMENÊUTICA JURÍDICA PARA AS CIÊNCIAS DO ESPÍRITO

Inicialmente, vale lembrar que fenômenos culturais ou realidades significativas, também denominadas coisas do espírito enquanto objetos passíveis de conhecimento divergem de fenômenos físicos. Em outras palavras, para estes a verdade obtida refere-se à análise da realidade por um método empírico indutivo, tendo a explicação como ato gnosiológico, como bem explica Gilmar Mendes (2000, p. 52). Por tais razões, observados fenômenos e elaborada uma hipótese de explicação racional e antecipada para sua concretização, se essa solução provisória, realmente ocorrer após seu atrelamento à experimentação, o cientista da natureza encerrará seu trabalho, elaborando uma lei que discorrerá acerca das relações constantes e necessárias entre os fenômenos observados. Por outro enfoque, no que diz respeito ao mundo ético, a infração a uma norma não acarretará uma disposição em contrário, enquanto que perante as normas físicas há a exteriorização apenas do que é, daquilo que efetivamente acontece. De igual forma, no que concerne à ética – e ao direito em particular – a eficácia não é condição de validade, como bem leciona Giorgio Del Vecchio (1959, p. 72).

Em seguida, os objetos culturais, por serem ontologicamente valiosos, requer um modo de conhecimento específico e adequado, ou seja, empírico-dialético, e se revela pelo ato da compreensão, no qual o ir e vir ininterrupto da materialidade do substrato da vivencia do sentido espiritual, tem se buscado o significado das ações humanas, como lembra Miguel Reale (1963, p. 72).

No que tange as obras de arte, conforme os dizeres de Gilmar Mendes (2000, p. 54), o ir e vir compreensivo vem sendo, progressivamente, desenvolvido e aprimorado com novas interpretações, que mesmo diversas das interpretações anteriores, não negam estas. Mas ao mesmo tempo, interpretação anteriores e as atuais possuem absorção de significados. No que se refere ao Direito, onde há também obras de arte[1], também chamados de monumentos legislativos, juristas e filósofos, ao logo do tempo, vêm se dedicando a fornecer interpretações em constante aperfeiçoamento, mas ao mesmo tempo impregnadas das interpretações anteriores[2]. Neste diapasão Gustavo Radbruch (1961, p. 274) diz o seguinte, “a interpretação jurídica não é pura e simplesmente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até o fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro”. Nos mesmos moldes encontra-se o pensamento de Josef Esser (1961, p. 329):

O sentimento suprahistórico de uma obra do espírito é recriado a cada geração; A história de uma ideia jurídica não chega a seu fim… pelo fato de ter sido concretizada em uma lei, a história ulterior de suas diversas interpretações (…) Não é somente a história das errôneas maneiras de entende-la. (ESSER, 1961, p. 329)

Em outros termos, não se trata de uma repetição do expresso anteriormente, mas sim um levar adiante do pensamento que apenas teve início por alguém, e que não cria obstáculos para novas interpretações, como é próprio das coisas do espírito. Já, Karl Popper (1972, p. 342-365) possui uma visão crítica do que considera equívocos e exageros das explicações dialéticas do desenvolvimento da razão. Grande parte dos autores entende que a interpretação de uma norma jurídica, seja ela qual for, é uma atividade intelectual cujo objetivo basilar fazer possível a aplicação de textos normativos, gerais e abstratos, a situações da vida, concretas e individuais. Gilmar Mendes (2000, p. 55) esclarece que se o problema, para o operador do direito, não é o intervalo entre a elaboração e aplicação da norma, mas o espaço existente entre a generalidade de seu texto e a individualidade do caso a decidir, então o ofício do intérprete está não apenas no aclaramento do que está escondido, mas está também no esforço de mediação e de superação do distanciamento acima.

Vale lembrar que Martin Kriele, citado por Karl Larenz (1978, p. 396), atesta que texto jurídico algum pode ser interpretado senão colocando-o em confrontamento com os problemas jurídicos concretos[3], com meios que se buscam para casos ocorrentes. Por outro enfoque, a cada efetivação os modelos normativos avultam-se e prosperam, atraindo novas formas de utilização antes não imaginadas pelos legisladores. Deste modo, os casos julgados tornam-se precedentes e ponto de partida para futuros usos. Nisto consiste, nos dizeres de Giovani Reale e Dario Antiseri (1991, p. 630), tanto para a ciência do espírito quanto para a experiência jurídica, o processo dialético da compreensão como operação sem fim, seja porque uma interpretação, adequada para determinado momento, possa vir a se tornar inadequada futuramente, seja pelo fato de que na época em que vive o intérprete não se rejeitam determinadas interpretações que, para aquela época, reputam-se melhores, sem que novas maneiras de interpretação signifiquem uma condenação.

Como bem esclarece Mauro Cappelletti (1961, p. 38), no que concerne à jurisdição constitucional, o desempenho desta criatividade não conhece limite, não apenas pelo fato de as cortes constitucionais estarem acima da tripartição dos poderes, mas também porque seu ofício interpretativo desenvolve-se em torno de textos abertos e indeterminados.[4] Os tribunais acima citados, atuando como intérpretes finais da Carta Magna, e senhores de sua própria autoridade, converteram-se em variantes do Poder Legislativo. Como exemplo cite-se o seguinte caso, narrado por Edgard Costa (1964, p. 22):

Nos albores da República, quando do julgamento do célebre pedido de habeas corpus em favor dos perseguidores políticos de Floriano Peixoto, Rui Barbosa, invocando a doutrina norte-americana, assim definiu a posição do STF no jogo dos poderes do Estado: ‘Intérprete final da Constituição (Dicey), o Supremo Tribunal Federal é, pois, o último juiz da sua própria autoridade (Cooley)’. (COSTA, 1964, p. 22)

Sendo verdadeiro que novos alcances concedidos a um mesmo termo equivalem à criação de novos termos – afirmação confirmada por estudiosos da semântica – torna-se lícito dizer que, no âmbito da experiência jurídica, quando juízes e tribunais conferem novos sentidos a um único texto normativo, estão por elaborar enunciados novos a partir de um texto de não foi alterado. Em se tratando de interpretação constitucional, estas transformações são qualificadas como mutações constitucionais. Esta expressão é utilizada por Anna Cândida da Cunha Ferraz (1986, p. 10) tão somente com o fim de apontar processos informais que modificam o alcance, significado, ou modifiquem o sentido das normas inseridas na Constituição da República, sem alterar seu texto, declarando inconstitucional o que exceder os limites da interpretação e tragam resultados hermenêuticos discordantes dos princípios estruturais da Carta Magna. Seguindo o pensamento acima, Gomes Canotilho (1998, p. 1.102) assinala que uma coisa é admitir a mutação constitucional[5], e outra é a legitimação de alterações constitucionais que se exprime na existência de uma realidade constitucional inconstitucional, isto é, modificações claramente incompatíveis pelo programa da Constituição.

Contudo, não somente sob este aspecto da alteração do sentido das normas – mutações normativas – que fatos sociais agem sobre os modelos normativos. Seguindo esta linha de raciocínio, autores como Pérez Luño (2010, p. 254) dizem que a norma jurídica não é o pressuposto, mas sim fruto da interpretação. Entretanto, há autores que, como Miguel Reale (1982, p. 594), dizem que o Direito é norma e situação normada, e que a norma é sua interpretação. De igual forma, Karl Larenz (1989, p. 3323,355) assinala que a aplicação ou aplicabilidade da norma ao caso concreto é um dado imanente da interpretação jurídica. Em outras palavras, é requisito de possibilidade do trabalho hermenêutico, não podendo ser realizado de modo abstrato. Ou seja, trata-se de exigência metodológica, resultante da unidade indispensável do processo de compreensão do direito.

Vale ratificar que as mutações constitucionais podem ser apreendidas como procedimentos heterônomos e abreviados de criação do direito, que por meio de interpretações inovadoras, possuem o condão de reestruturar o texto constitucional sem que haja revisões formais. Destarte, apenas pelo trabalho hermenêutico de adequação entre norma e fato que se coloca em movimento o procedimento de ordenação jurídico-normativa da vida social. Pois neste momento, o juiz atua como agente que dirime a distância a generalidade da norma e a singularidade do caso particular. Isto consiste o caráter paradigmático da hermenêutica jurídica para as ciências do espírito, um atributo superior que Gadamer (1993, p. 380, 396, 401) atesta que:

Compreender é sempre também aplicar; que a tarefa da interpretação consiste em concretizar a lei em cada caso, isto é na sua aplicação; e que a aplicação não é uma etapa derradeira e eventual do fenômeno da compreensão, mas um elemento que a determina desde o princípio e no seu conjunto. (GADAMER, 1993, p. 380)

Por outro enfoque, como bem esclarece Miguel Reale (1982, p. 550), toda norma jurídica denota uma solução temporária de uma tensão dialética entre fatos e valores, cujo desenlace é estatuído e objetivado pela ingerência decisória do Poder, em determinado instante da experiência social, devendo o intérprete-aplicador refazer o caminho do legislador ou restaurar a nomogênese jurídica. Importante chamar atenção para o entendimento de Gadamer (1993, p. 396-401), no sentido de que o intérprete, a fim de compreender o significado de um texto, deve olhar para o passado, mas não pode jamais desconsiderar a si mesmo, quão menos rejeitar a situação hermenêutica em que se encontra, tendo em vista que a concretização da norma se dá no presente e não no momento em que foi elaborada. Seguido esta linha de raciocínio, Richard Palmer (1986, p. 191-193) assevera que no momento que se emite um juízo, a interpretação deve abranger não somente o significado que o texto continha em seu próprio mundo, no momento em que foi elaborado, mas deve abarcar também seu significado atual.

Isto evidencia o papel exemplar da hermenêutica jurídica, onde se integra, historicamente, os horizontes significativos do texto normativo com seu aplicador, o qual, ao interpretar para poder aplicar, não se afasta de seu horizonte, apenas o amplia para uni-lo com o horizonte do texto. Por outro enfoque, o progresso da perspectiva acentua ao intérprete-aplicador o dever de prestar contas de sua interpretação, pois nada se harmoniza menos com o modelo de Estado atual do que a figura de um oráculo despótico, que esteja acima da lei e dos critérios interpretativos, conforme esclarecimentos de Gilmar Mendes (2000, p. 69). Seguindo está linha de pensamento está Gadamer (1983, p. 63-64):

A ideia do direito contém a ideia da igualdade jurídica. Se o soberano não está submetido à lei, mas pode decidir livremente acerca da sua aplicação, fica então, obviamente, destruído o fundamento de toda hermenêutica. Aqui também se mostra que a interpretação correta das leis não é uma simples teoria da arte, uma espécie de técnica lógica da subsunção sob parágrafos, mas uma concreção prática da ideia do direito. A arte dos juristas é também o cultivo do direito. (GADAMER, 1983, p. 63)

Vale lembrar que se não há interpretação sem a figura do intérprete, se a interpretação revela-se em uma revelação da vontade do aplicador do direito, no caso do espaço entre a generalidade da norma e o pormenor do caso concreto exigir o trabalho do intérprete como requisito indispensável ao funcionamento do sistema jurídico, se tudo isto é verdadeiro, então o ideal de racionalidade, objetividade e de segurança jurídica indicam para o recuamento, ao máximo, do momento subjetivo da decisão e contenção, ao mínimo, do resíduo de voluntarismo e de livre convencimento que se encontra em todo trabalho hermenêutico. Por isso, como bem explana Rodolfo Luís Vigo (1993, p.232), a exigência de motivação imposta ao intérprete aplicador do direito – premissa de legitimidade e eficácia de seu trabalho hermenêutico – cujo resultado será coletivamente vinculante apenas se lograr o consenso social, que atuará como sintonia de racionalidade, ou quando menos como prova.

 

  • DECORRÊNCIAS HERMENÊUTICAS DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Imperioso ressaltar que ao Estado Democrático de Direito cabe a função de considerar como um todo o ser humano, sem que haja fragmentação. Contudo o mercado neoliberal, visando apenas a lucratividade, olha para o indivíduo com olhos a calcular o quanto de lucro aquela pessoa pode gerar. Deste modo, não sendo o ser humano lucrativo, este é descartado, tornando-se como que inexistente, como expõe Sérgio Alves Gomes (2011, 289-290). Por este motivo necessário se faz a ampliação do direito que conheça o ser humano, buscando um Estado que promova e defenda a dignidade de todos. O que se faz pela proteção dos direitos fundamentais, dos quais nem todos sabem ser titulares.

Este é o sentido a ser atribuído ao Estado Democrático de Direito, cujo paradigma está em construção, dando espaço à atuação da hermenêutica constitucional. E sua função principal resulta dos princípios que servem de fundamento ao Estado Democrático de Direito que devem ser concretizados como mandamentos de otimização. Isto reflete nas consequências trazidas à interpretação jurídica quando ocorre no âmbito do Estado Democrático de Direito.

 

  • Consequências Interpretativas Do Compromisso Do Intérprete Com a Democracia e a Busca Da Justiça

Nos dizeres de Sérgio Alves Gomes (2011, p. 290), as possibilidades de expansão do conhecimento são diretamente proporcionais às garantias de liberdade para conhecer. O autoritarismo não aceita crítica ao seu modo de governo. Por isso, ao se lançar à investigação, quando está-se inserido neste regime, há incômodo ao status quo vigente. Ao contrário do que ocorre no autoritarismo, na democracia há a imposição de limites ao exercício do poder presente na sociedade. Ou seja, no Estado Democrático de Direito, necessário se faz a domesticação dos poderes, a fim de não haver coibir abusos típicos do autoritarismo. Neste diapasão, a busca pelo conhecimento significa contínuo interpretar daquilo que se coloca a conhecer. Não podendo reduzir o conhecimento ao mundo da natureza. E, neste caminho faz-se presente a interpretação jurídica, repudiada pelo autoritarismo e defendida pela democracia. Nesta linha de análise Gadamer (1999, p. 488-489) afirma o seguinte:

Para a possibilidade de uma hermenêutica jurídica é essencial que a lei vincule por igual todos os membros da comunidade jurídica. Quando não é este o caso, como no caso do absolutismo, onde a vontade do senhor absoluto está acima da lei, já não é possível hermenêutica alguma, ‘pois um senhor superior pode explicar suas próprias palavras, até contra as regras da interpretação comum’. Neste caso nem sequer se coloca a tarefa de interpretar a lei, de modo que o caso concreto se decida com justiça dentro do sentido jurídico da lei. A vontade do monarca, não sujeito à lei, pode sempre impor o que lhe parece justo sem atender à lei, isto é, sem o esforço da interpretação. A tarefa de compreender e de interpretar só ocorre onde se põe algo de tal modo que, como tal, é vinculante e não abolível. (GADAMER, 1999, p. 488-489)

Como se depreende, apenas na democracia ocorre o livre desenvolvimento das interpretações, dentro de limites válidos para todos. Na democracia, ocorre o pluralismo ideológico e filosófico como resultado das peculiaridades oriundas da consciência de cada indivíduo, sem deixar de lado o limite à liberdade de cada um em face da liberdade do outro. Tão somente em uma democracia há hermenêutica, em sentido amplo, ou seja, interpretação e compreensão da realidade por meio de diversos empreendimentos do ser humano. Todos são chamados a participar da interpretação, isto é, compreender o sentido do Direito. No entanto, em um regime autoritário não há lugar para a hermenêutica. Democracia e hermenêutica estão interligados. Onde há o desenvolvimento da democracia, há também a ampliação do espaço da hermenêutica. Do contrário, quando há uma crise na democracia há também crise na hermenêutica.[6] Ao assumir compromisso com a democracia participativa, o interprete compromete-se com a hermenêutica constitucional e com a concretização do Estado Democrático de Direito[7]. Aquela vê a Carta Magna como Lei Fundamental de todo ordenamento jurídico cujas demais normas infraconstitucionais devem estar subordinadas. Por este motivo toda e qualquer interpretação deve ser feita com baseada no texto constitucional e em princípios constitucionais. O texto normativo, ao ser interpretado deve estar inserido em um contexto, para, assim, ganhar sentido. Conforme Gomes (2011, p. 297) a interpretação constitucional tem a responsabilidade de contribuir, positiva ou negativamente, para a construção do estado Democrático de Direito. Uma vez que a interpretação, seja ela em sentido positivo ou negativo, depende do valor conferido à Carta Magna.

Não havendo uma consciência formada perante princípios democráticos não há que se falar em hermenêutica constitucional realizadora da democracia. E, sem esta não há Estado Democrático de Direito, e, consequentemente, sem este não há que se falar em limitação ao poder. Em outras palavras, o intérprete possui compromisso com a democracia, o que corresponde a compromisso, em primeiro lugar com a dignidade da pessoa humana. Diariamente há decisões que são proferidas com o fim de fazer justiça. Estas decisões são legitimadas a medida que recebem o apoio da sociedade, através dos poderes estatais constituídos. E esta legitimação não deve ocorrer apenas no âmbito da legalidade, mas também na legitimidade. Isto é, a ideia e valor do que seja justo percebe-se no momento a partir do qual se compreende o teor da Constituição. Ao propor metas, e buscar implementá-las, o Estado Democrático de Direito evolui no sentido de buscar um estado de justiça. Ou seja, conforme David Hume (1980, p. 229) um Estado que não somente proíbe seja o indivíduo usado e descartado, mas também, tem por dever e objetivo concretizar a promoção da emancipação do homem explorado pelo seu semelhante.

No Estado Democrático de Direito, as decisões judiciais devem ser respeitadas não apenas por erem sido, formalmente, proferidas por autoridade legítima, mas também por suas razões explicitadas através de fundamentação efetivamente convincente. Por sua vez, aquele que profere uma decisão judicial, mesmo estando amparado pelo princípio da imparcialidade, é um indivíduo sujeito à limitações inerentes à condição humana. Contudo, há casos em que decisões não são justas nem tampouco estão de acordo com ideais de justiça. Por este motivo, o Estado Democrático de Direito possui mecanismos balizados pela racionalidade prática, que atua por meio da argumentação. Deste modo, neste modelo de Estado, o interprete não apenas analisa o texto frio da Constituição, mas sim a compreendê-lo como idealizador dos caminhos para se alcançar a efetivação dos valores constitucionais, de maneira equilibrada.

Neste sentido Flávia Piovesan (2004, p. 92-93) entende que a dignidade humana funciona como balizador a qualquer arbitrariedade, onde abrir mão deste princípio fundamental seria o mesmo que cair em um relativismo absoluto, cujo todo e qualquer valor poderia ser superado por outro argumento baseado na preferência subjetiva de cada ser humano. Nos dizeres da autora:

No universo da principiologia, a pautar o Direito Constitucional de 1988, o Direito Constitucional contemporâneo, bem como o Direito Internacional dos Direitos Humanos, desponta a dignidade humana como o valor maior, a referência ética de absoluta primazia a inspirar o Direito erigido a partir da segunda metade do século XX. (PIOVESAN, 2004, p. 92)

Do mesmo modo Paulo Bonavides (2001, p. 35) também consagra a dignidade humana, onde a problemática do poder, toda ‘porfia’ da autoridade e do Estado nos trilhos da redenção social tem de passar, necessariamente, pelo exame do papel normativo da dignidade da pessoa humana, cuja densidade jurídica no ordenamento jurídico constitucional é máxima, não devendo ser precedido por qualquer outro princípio. Isto demonstra que o intérprete em compromisso maior com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, dentre os quais a dignidade humana é o maior, resultando deste princípio a orientação maior à hermenêutica constitucional.

 

  • O Intérprete e Seus Limites e Possibilidades

Ao interpretar um texto jurídico, há que se observar o intérprete, o texto e o contexto. Em outras palavras, todo indivíduo está sujeito a limitações temporais e espaciais, o que leva a entender que a compreensão da realidade resulta dos elementos que se tem à volta de todo ser humano. Ou seja, interpretação que se revela como o esforço a compreender a realidade. Tem-se, portanto, uma interpretação limitada pela cultura e época em que vive o intérprete, o que impede de haver interpretação de um texto sem limitação e sem interferência cultural. Neste espaço de tempo e de cultura é que se situa o intérprete, e, mesmo tendo este o dever de observar o passado e preocupar-se com o futuro, o ato de interpretar se dá no meio natural e cultural de quem interpreta um texto. Sérgio Alves Gomes (2011, p. 303), citando Heidegger e Gadamer, entende que o intérprete, por estar inserido no mundo, antes de aprofundar-se nos estudos jurídicos a respeito da liberdade, adquire do senso comum, noções acerca deste direito, formando, deste modo, uma pré-compreensão. Ou seja, uma prévia compreensão daquilo que será futuramente analisado. O intérprete, ser humano que é, é dotado de uma visão cultural resultante de suas vivências educacionais adquiridas ao longo da vida. Por sua vez, sua compreensão do direito, em suas diversas manifestações, relaciona-se com os horizontes do conhecimento a respeito deste conhecimento. Desta feita, o texto normativo não é norma, que será descoberta quando interpretada. Por isso, a pré-compreensão não é suficiente para tanto, pois a partir desta haverá devida compreensão, que deverá ser a mais adequada em relação às circunstâncias históricas e específicas ao caso, para se chegar à melhor interpretação dentre diversas outras.

O contexto da interpretação aqui tratada é o de uma sociedade democrática, em constante construção, realizadora do Estado Democrático de Direito cujo objetivo é a realização ético-jurídica de valores da democracia. Contexto este que não se adequa à velha hermenêutica, como bem diz Sérgio Alves Gomes citando Paulo Bonavides (2011, p. 304). Em outras palavras, o contexto é o da democracia participativa a ser construída apoiada no Estado Democrático de Direito e na hermenêutica constitucional. Por tais razões analisa-se o papel do intérprete, pois o Estado Democrático de Direito foi elaborado pela sociedade, por meio do Poder Constituinte cujo objetivo é ingressar em uma nova relação de convívio humano. Desta feita, para concretiza este Estado deve a hermenêutica constitucional participar efetivamente ampliando os horizontes da consciência do intérprete. Vale dizer, que cabe ao intérprete depreender o significado do compromisso com valores democráticos assumidos por este. E este entendimento supõe a percepção de não haver neutralidade quando se atua com valores. Vale lembrar as sábias palavras de Nilo Barros de Brum (1980, p. 45):

Para a obtenção do valor segurança, as posturas formalistas criam uma grande variedade de dogmas que não tem qualquer compromisso com a realidade, como as afirmações de que o ordenamento legal é racional, coerente, preciso, completo, onde o proibido e o permitido podem ser claramente deduzidos logicamente do sistema; onde se concebe o legislador como um ser mitológico que não se engana, tudo prevê, sendo sempre racional, justo e sábio; onde o juiz é concebido como se fora um computador eletrônico: neutro, frio e previsível, o qual por aplicação do cálculo lógico, dará sempre a solução justa, que não é outra senão aquela que o superlegislador previu para o caso.

Vale ratificar o quão importante é o intérprete conscientizar-se de sua pré-compreensão e preconceitos, tendo por fim transformar aquela nesta, que assim se converte em uma nova pré-compreensão, e assim por diante, em um processo circular que leva ao infinito de uma constante abertura de horizonte. Por fim, caso o intérprete mantenha sua consciência atrelada a princípios e métodos interpretativos inadequados ao que exige o Estado Democrático de Direito, sua atuação causará a morte da Constituição e não da concretização do paradigma estatal proposto pelo modelo de estado acima.

 

  • A NÃO RECEPÇÃO DA VIRAGEM LINGUÍSTICA NO MODELO INTERPRETATIVO NO BRASIL

Nas palavras de Lênio Luiz Streck (1999, p. 47), a mudança de paradigma – da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem – não foi bem recepcionada pela filosofia jurídica e pela hermenêutica no cotidiano de práticas jurídicas e doutrinárias pátrias. Eni Puccineli Orlandi (1998, p. 45) diz sobre a interpretação:

A interpretação é uma injunção; face a qualquer objeto simbólico; o sujeito se encontra na necessidade de ‘dar’ sentido, dar sentido para o sujeito que fala é construir sítios de significância (delimitar domínios), é tornar possíveis gestos de interpretação. É necessário repor como trabalho a própria interpretação, o que resulta em compreender de outra maneira também a história: não como sucessão de fatos com sentidos já dados, dispostos em sequência cronológica, mas como fatos que reclamam sentido, cuja materialidade não é possível de ser apreendida em si, mas no discurso.

Permanecemos em uma economia de mercado, com a mesma lógica de ‘reificação’, conforme Seixas Meireles (1990, p. 441-442), em cuja teorização firma-se em um padrão hermenêutico de índole metafísico-essencialista, onde os fenômenos possuem suposta independência, hipótese em que o fenômeno é explicado após ser substanciado à sua essência. Isto é, reduzido a um princípio abstrato, criando dois polos sem qualquer mediação, o individual abstrato de um lado, e o universal abstrato de outro, de acordo com pensamento de Karel Kosik (1985, p. 76). Isto passa a ter relevância e influência perante a análise do Direito no país. Por isto, como bem observa Castanheira Neves (1993, p. 92), o universo jurídico deve ser depreendido como um universo linguístico. Daí porque o pensamento jurídico deve assumir como método característico a análise de linguagem.

De acordo com Lênio Streck (1999, p. 50), do Estado Liberal passamos para o Estado Social – não realizado –, e a partir da Constituição da República de 1988, ingressamos no Estado Democrático de Direito. Está aqui o cerne da crise de dupla face[8], também denominada crise de paradigma, com a qual a atividade judicial é idealizada como administração da lei exercida por uma instituição imparcial, neutra e objetiva, e o intérprete/aplicador do direito encontra-se reduzido a um mero técnico do Direito positivo. Neste sentido está Arruda Jr. (1996, p. 113), onde “Los cambios que afectam a las instituciones jurídicas dentro de la problematización más generales – la crisis globalizada y no reductible a mera ‘crisis de paradigmas’”. Como o que importa não se trata da explicação, a direção e o entendimento dos comportamentos jurídicos, mas sim a tipificação e a sistematização de situações normativas presumíveis, ao proceder tecnicamente, o juiz não se reserva em atuar apenas visando a conquista de garantias formais, mas também exerce o papel de um profissional competente para a integração dos atores disfuncionais da vida social, como esclarece José Eduardo Faria (1995, p. 96).

Por sua vez, a crise de paradigma apoia-se em diversas crenças, fetiches, valores e justificativas, através de disciplinas características, nominado por Warat (1994, p. 57) como ‘sentido comum teórico’ dos juristas, legitimados por meio de discursos elaborados pelos órgãos institucionais.[9] Este sentido comum teórico, de acordo com Streck (1999, p. 51) coisifica o mundo e corrige as lacunas da ciência do direito. Interioriza ideologicamente as convenções linguísticas a respeito do Direito e da sociedade. Nesta linha de pensamento o sentido comum teórico mostra-se como conhecimento que é o alicerce de todos os discursos científicos e epistemológicos do direito. Ele estatui uma espécie de habitus, isto é, predisposições compartidas na esfera imaginária dos juristas. Seguindo estas orientações Bourdieu citado por José Eduardo Faria (1991, p. 91) esclarece o seguinte:

Há, na verdade, um conjunto de crenças e práticas, que mascaradas e ocultadas pela communis opinio doctorum, propiciam que os juristas conheçam de modo confortável e acrítico o significado das palavras, das categorias e das próprias atividades jurídicas, o que faz do operador jurídico um mero habitus, ou seja, um modo rotinizado, banalizado e trivializado de compreender, julgar e agir com relação aos problemas jurídicos, e converte o seu saber profissional em uma espécie de ‘capital simbólico’, isto é, numa riqueza reprodutiva a partir de uma intrincada combinatória entre conhecimento, prestígio, reprodução, reputação, autoridade e graus acadêmicos. (FARIA, 1991, p. 91)

Luiz Alberto Warat (1995, p. 80) especifica quatro funções do sentido comum teórico dos juristas, a saber: a primeira função é a normativa, pela qual os juristas conferem sentido aos textos legais, estabelecem critérios redefinitórios e disciplinam a ação institucional dos próprios juristas. A segunda função é a ideológica, visto que o sentido comum teórico cumpre papel de socialização, homogeneizando valores sociais e jurídicos, de silenciamento do papel social e histórico de projeção e legitimação axiológica, ao apresentar como ética e socialmente necessários os deveres jurídicos. Ainda de acordo com o autor acima, a terceira função do sentido comum teórico é a função retórica, que serve de complemento à segunda função cujo objetivo daquela é efetivar esta. Ou seja, proporciona complexo de argumentos. Por fim, a quarta função é a política, que deriva das demais citadas acima.  Ela é expressa pelo saber acumulado em reassegurar as relações de poder.

Para Streck (1999, p. 52), a significação posta ou elaborada via sentido comum teórico possui conhecimento axiológico que reproduz valores, sem, contudo explicá-los. Desta feita, essa reprodução conduz a um conformismo do operador jurídico. Segundo o autor acima, o sentido comum teórico sufoca as possibilidades interpretativas. Ou seja, quando posto à pressão do novo, age institucionalizando a crítica, abrindo, para tanto, possibilidade para dissidência somente possíveis – delimitadas previamente. Em outras palavras, no interior do sentido comum teórico, há a possibilidade de, mesmo que difusamente, o debate periférico, mediante construção de respostas que não fogem ao teto hermenêutico prefixado – horizonte do sentido.

De acordo com Warat (1995, p. 82), o sentido comum teórico é instrumentalizado pela racionalidade positivista, atuando como fetiche de sua razão habitual, bem como também atua como mediadora de conflitos sociais. Por este motivo os operadores do direito atuam em uma instância de julgamento e censura que impossibilita de elaborar decisões autônomas relacionadas a esse nível censor. Desta feita, o jurista tradicional, emergido neste habitus, não percebe desta problemática, sem contar que o Judiciário e as instituições destinadas a aplicar e administrar a justiça a ela também não se furtam. Em outras palavras, o jurista não se dá conta das contradições do sistema jurídico. As contradições do Direito e da dogmática jurídica que instrumentalizam o sentido comum teórico não são aparentes à visão do jurista, pelo fato de que há uma justificação da coerência de seu discurso. Isto pois, como ensina Zizek (1992, p. 122), a eficácia de uma ideologia pode ser percebida pelos modos da identificação imaginaria e da identificação simbólica. Para o autor, citado por Streck (1999, p. 56):

À primeira vista se poderia dizer que o que é pertinente numa análise da ideologia é somente a maneira pela qual ela funciona como discurso, em suma, pela maneira como os mecanismos discursivos constituem o campo d significação ideológica. No entanto, o derradeiro suporte do efeito ideológico (ou seja, a maneira como uma rede ideológica nos “prende”) é o núcleo fora de sentido, pré-ideológico do gozo.

Seguindo esta linha de raciocínio, Zizek (1992, p. 122) diz que nem tudo é ideologia (isto é, sentido ideológico), mas é precisamente esse excesso que constitui o derradeiro esteio da ideologia. Considerando como verdade o que Lacan (1995, p. 118) afirmou, que “nunca se sabe o que pode acontecer com uma realidade até o momento em que se a reduziu definitivamente a inscrever-se numa linguagem”, logo o aspecto ideológico da sociedade sofre um traspassamento, ou seja, um obstáculo que impede que a realidade associe-se a uma linguagem, é dizer, possa ser representada. Na linha do esclarecimento discursivo, consubstanciando a perenização deste corpus ideologicus, a dogmática jurídica dispõe de um artifício que Ferraz Jr. (1987, p. 280) qualifica como astúcia da razão dogmática, que opera por meio de mecanismos de deslocamentos ideológico-discursivos. Para Marilena de Souza Chauí (1980, p. 26) uma das operações fundamentais do processo ideológico consiste na passagem do discurso de ao discurso sobre, nos seguintes termos:

É assim que podemos quase detectar os momentos nos quais ocorre o surgimento de um discurso ideológico: por exemplo, quando o discurso da unidade social se tornou realmente impossível em virtude da divisão social, surgiu o discurso sobre a unidade; quando o discurso da loucura tem que ser silenciado, em seu lugar surge um discurso sobre a loucura; onde não pode haver um discurso da revolução, surge um outro, sobre a revolução; ali onde não pode haver o discurso da mulher, surge o discurso sobre a mulher, etc. (CHAUÍ, 1980, p. 26)

Por este motivo, no cenário da dogmática jurídica, os fenômenos sociais que ascendem ao Judiciário são apreciados como abstrações jurídicas, e os indivíduos, personagem principal do processo, são transmudadas para autor e réu, reclamante e reclamado, e, não raras vezes suplicantes e suplicados. O deslocamento discursivo, de caráter ideológico, é peculiar do sentido comum teórico dos juristas, que fornece os standards a serem adotados pela comunidade jurídica. Decorre disto uma interpretação equivocada das relações sociais. Pouco importa a teratologia da contradição que é a imposição de uma pena mais branda a quem estupra uma criança em relação com quem estupra uma pessoa adulta.

De acordo com as palavras de Lênio Streck (1999, p. 59) o que convém é a elaboração de uma ‘boa hermenêutica’, o que interessa é com competência dogmática, com neutralidade, as antinomias do sistema. Nesta linha de pensamento encontram-se as palavras de Russo (1987, p. 14), segundo o qual “qualquer estudante sabe que a verdade, em lógica formal, se adquire ao preço de renunciar ao conhecimento do mundo”. Isto significa dizer que tão forte é o corpus incorporado pelo sentido comum teórico, que na improbabilidade de se solucionar o problema hermenêutico, o sistema socorreu-se do legislador racional. A isto Lênio Streck (1999, p. 60) sugere como exemplo desta problemática o seguinte exemplo:

Também não se discutem no âmbito da dogmática, ficando por conseguinte, escondidas nas brumas do sentido comum teórico, as condições de possibilidade que tem o juiz para avaliar a personalidade do réu por ocasião da aplicação da pena, em conformidade dos ditames do art. 59, do Código Penal. (STRECK, 1999, p. 60)

Diante do exemplo dado acima pelo autor, da dificuldade de aferição do que seja personalidade do delinquente, tem-se a possibilidade de extrair subsídios na dogmática jurídica tradicional. Isto é, os questionamentos do universo fenomênico conferem lugar e passagem para a abstração jurídico conceitual objetificante.

 

  • A VIRAGEM LINGUÍSTICA DA FILOSOFIA E O ROMPIMENTO COM A METAFÍSICA

A celeuma acerca da hermenêutica jurídica, ou seja, do modo de fazer direito rotineiramente, para Streck (1999, p. 137) está forjada na ideia de que se pode alcançar a verdade. Por este motivo, desenvolver uma hermenêutica de ruptura advém necessariamente pelo rompimento das propostas metafísico-essencialistas-ontológicas a respeito da interpretação. Deixando de lado as concepções metafísico-ontológicas[10], está se suplantando a possibilidade ontológica tradicional clássica. Com Rorty (1994, p. 10 ss) conclui-se que a tradição filosófica ocidental herdou dos gregos diversos dualismos metafísicos. A começar da tradição grega, da filosofia medieval e da filosofia da consciência, e antes do linguistic turn, tais problemas aparecem como corolário de declarar a linguagem como uma terceira coisa que se entremeia entre sujeito e objeto, constituindo uma barreira que obstaculiza o conhecimento humano de como são as coisas em si mesmas.

Ao falar em uma preambular ilustração a respeito da convergência entre filosofia analítica e continental, Rorty (1990, p. 43 ss) esclarece que ambos indicam para mesma vertente. Em outras palavras, as duas expressões acima são modos de dizer que nunca temos que nos colocarmos fora da linguagem, nunca apreender a realidade sem a mediação de uma descrição linguística. Isto é, temos de desconfiar da distinção grega entre aparência e realidade.  Assinala ainda Rorty (1990, p.55 ss), ao asseverar que tudo é produção social é dizer que nossas práticas linguísticas estão intimamente ligadas a diversas outras práticas sociais e nossas descrições da natureza, bem como a de nós mesmos, serão constantemente uma função de nossas deficiências sociais. Por outro enfoque, assegurar que toda apreensão é um pleito linguístico assemelha-se a dizer que não possuímos conhecimento da espécie de Bertrand Russel, citado por Roty (1990, p. 63), que, na tradição do empirismo britânico, chamou de ‘conhecimento direto’.

Assim, continua Rorty (1990, p. 55 ss), a afirmação acima é antimetafísica, no sentido lato da expressão metafísica, onde Heidegger assegura que todo platonismo é platônico. Por tais razões, o platonismo sugere afasta-se da sociedade, do nomos, da convenção e retornar à physis. Contudo, diz Streck (1990, p 138), se os solgans acima são irrepreensíveis, logo naõ há que se falar em physis a ser divulgada, ou seja, a convenção nomo-physis deixa de existir pelo mesmo motivo em que se oculta a distinção aparência-realidade.

Necessário se faz que esteja claro que o anseio no qual se comprometeu Platão – o intento de ir da aparência à natureza intrínseca da realidade – foi em vão. Desde o século XVII, filósofos têm recomendado ser possível que nunca se conheça a realidade, visto que há um bloqueio entre nós e ela. Haveria um véu de aparências, elaborado pela interação sujeito-objeto.

Segundo Rorty (1994, p. 43 ss), a partir de Herder e Humboldt, tem-se indicado que a linguagem é este bloqueio/barreira, que aquela determina aos objetos categorias que podem não lhe ser intrínsecas. Em relação ao véu, abordado acima, de aparências é que os pragmatistas refutaram a tese dos filósofos do século XVII, atestando não ser imprescindível modelizar o conhecimento atendo-se à visão. Em compensação, podemos pensar em ambos como instrumentos do pensamento a fim de manusear o objeto. Nesta esteira, não havendo conhecimento direto e não havendo, também, conhecimento algum que se dá com início em uma análise oracional, logo não há coisa alguma que se possa ter conhecimento a respeito de algo que não sejam suas relações com outras coisas. Instar na existência de divergência entre ordem essendi não relacional e ordem cognoscendi relacional é reconstituir a coisa em si kantiana e o que Heidegger denominou de tradição ontológica, conforme bem esclarece Rorty (1994, p. 61).

 

  • A Constituição De Uma Razão Linguística Como Condição De Possibilidade Para o Rompimento Com A Filosofia Da Consciência

O raciocínio linguístico da filosofia começa a surgir – com maior força – na segunda metade do século XX. A transição da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem, de acordo com Habermas (1990, p. 53 ss.), traz vantagens metódicas, dado que ela nos retira do círculo aporético no qual o pensamento metafísico colide com o antimetafisico. Em outras palavras, o idealismo é contrário ao materialismo, disponibilizando a possibilidade de atacar um problema indissolúvel em termos metafísicos. E, no mais, diz o autor, na crítica da filosofia da consciência interpõe-se com diversos motivos, dentre os quais veremos a seguir, nos dizeres de Lênio Streck (1999, p. 140).

Quem escolhia a autoconsciência como ponto de partida para a análise da auto referência do sujeito cognoscente era levado a discutir, desde a época de Fichte, a seguinte objeção:  autoconsciência não pode ser um fenômeno originário, pois a espontaneidade da vida consciente não consegue assumir a forma de objeto sob a qual ela deveria ser subsumida para que pudesse ser detectada no momento em que o sujeito se debruça obre si mesmo. Desde a época de Frege, a lógica e a semântica deram um duro golpe na concepção da teoria do objeto que resulta na estratégia conceitual da filosofia da consciência. O naturalismo dúvida, além disso, que seja possível tomar a consciência como base, como algo incondicional e originário: foi preciso fazer uma concordância entre Darwin e Kant. Tais considerações e reservas tiveram que aguardar a guinada linguística para encontrar um solo metódico firme. E esta deve a sua existência a um afastamento – já marcado por Humboldt – em relação à ideia tradicional, de acordo com a qual a linguagem deveria ser representada segundo o modelo da subordinação de nomes a objetos e compreendida como um instrumento de comunicação que permanece fora do conteúdo dos pensamentos.

Impende assinalar que a viragem linguística[11] – para Lênio Streck (1999, p. 141) – verificou-se sob três vertentes, conforme ressalta o autor. De início, para a primeira vertente, pode-se aduzir o neopositivismo lógico ou empirismo lógico, que almejava a elaboração de linguagens ideais. Teve início com o Círculo de Viena, na década de 1920, cujos membros de maior destaque podemos citar Schlick, Carnap, Peirce, Frege e Wittgenstein.  Defendiam a ideia de que o conhecimento pode ser sobrepujado por perplexidades decorrentes da linguística.

De acordo com esta primeira vertente, analisada por Streck (1999, p. 141 ss), limitando a filosofia à epistemologia e está à semiótica, o dever de maior relevância para a filosofia tem de verificar-se à beira das especulações metafísicas, em uma perquirição de questionamentos rigorosamente linguísticos. O paradigma da ciência encontra refúgio no rigor discursivo. Em outras palavras, sem rigor não há ciência; fazer ciência é manifestar numa linguagem rígida os dados do mundo, ou seja, implementar uma linguagem mais minuciosa do que a linguagem natural. Para esta vertente, em que se encontra o neopositivismo, diz Streck (1999, p 141 ss), a linguagem seria componente da semiótica, bem como Saussure (1995, p. 89) trabalha o signo como uma interação bifásica. Este possui três tipos de conexão/relação: sintática; semântica; e, pragmática.

No plano da sintaxe – primeira parte da semiótica – pode-se assegurar que uma enunciação está sintaticamente bem enunciada a respeito de determinada ação estiver deonticamente modalizado. De igual forma, a semântica perscruta-se no modo como as palavras se aplicam aos objetos. Ou seja, a verdade atua como condição de sentido, de modo que uma afirmação não será semanticamente relevante se não for empiricamente verificável. Na seara do Direito, a pesquisa semântica acha-se enraizada tanto no normativismo de Kelsen (1986, p. 96) quanto no realismo de Alf Ross (1963, p. 53). Aquele considera a alternativa de elaborar um processo de análise no momento em que o conteúdo de uma proposição jurídica assemelhar-se ao cerne da norma. Os enunciados jurídicos teriam essência semântica uma vez que atestarem a validade de uma norma.

A seu turno, Alf Ross (1963, p. 53 ss) ocupa-se com a ideia de vigência, detectada nas decisões jurídicas, vistas como fatos sociais. A norma torna-se vigente no momento em que é aplicada pelos tribunais. O realismo jurídico norte americano aplica, também, o atributo semântico de sentido. Há uma escassez de significação das normas jurídicas. E, as sentenças substituem as normas, pelo fato destas possuírem correspondência fática. Seguindo esta linha de raciocínio, Leonel Severo Rocha (1998, p. 23), destaca que estas concepções epistemológicas inerentes ao neopositivismo lógico[12], deixam de lado outras cenas de produção da significação. A pragmática – terceira parte da semiótica – aborda os meios de significar, dos usos e das funções da linguagem. Respalda-se na ideia de que os fatores intencionais dos usuários causam alterações na relação designativa-denotativa dos significados das palavras. Warat (1995-B, p. 96) entende que a dificuldade dos usos das linguagens, por acarretar a axiologização dos enunciados e da comunicação, não é interessante ao neopositivismo que aceita o fato de que a ideologia pode ser, também, sopesada como um aspecto pragmático da linguagem.

A segunda vertente do giro linguístico foi a filosofia de Wittgenstein (1994, p. 88), a partir de sua obra “Investigações Filosóficas”, naquilo que se preceitua segunda fase. Neste momento há um rompimento com os princípios do tratactus, que o neopositivismo elegeu como suporte de sua teoria. Oliveira (1996, p. 125) aponta que este sugeria uma revisão da teoria tradicional da semelhança entre linguagem e mundo. Em outras palavras, a linguagem não passa de uma reprodução do mundo. A essência da linguagem submete-se à estrutura ontológica do real. Nesta esteira, Wittgenstein (1994, p. 91) parte do princípio de que há um mundo em si que nos é entregue livremente da linguagem, mas que esta tem o dever de exprimir.

Vale dizer que Streck (1999, p. 145), assegura que, a partir da obra de Wittgenstein – Investigações filosóficas –, este passa a ser, ao lado de Heidegger, um dos maiores críticos da filosofia da subjetividade, ou filosofia da consciência. Wittgenstein (1994, p. 99) toma como ponto de partida a ideia de que não há um mundo em si que não dependa da linguagem, ou seja, diz ele que apenas temos o mundo na linguagem. As entidades e coisas refletem-se em seu ser na linguagem. Portanto, esta deixa de ser instrumento de comunicação do conhecimento, vindo a ser condição de possibilidade para a própria elaboração do conhecimento. Desta feita, vem abaixo a teoria objetivista, não existindo essências, nem tampouco analogia entre os nomes e as coisas. Em outras palavras, supera-se o ideal de exatidão da linguagem, visto que esta é indeterminada, pois pretender uma exatidão linguística é sucumbir em uma ilusão metafísica.

Oliveira (1996, p. 139) relata que as expressões linguísticas possuem sentido pelo fato de haver hábitos determinados de conduzi-las, intersubjetivamente válidos. Servir-se da linguagem significa ser capaz de integrar este processo de interação social-simbólica harmonizando-se com cada modo de sua realização. No jogo da linguagem o sujeito age não como indivíduo isolado, agindo conforme seu próprio arbítrio, mas sim conforme normas e regras que ele, em conjunto com outros indivíduos estabeleceram.

A terceira vertente do giro linguístico teve início com o avanço da linguagem ordinária. Se por um lado, para o neopositivismo o ponto central era linguístico-semântico, por outro lado, em uma segunda dimensão a linguagem passou a ser observada como instrumento de comunicação e dominação social. Nesta esteira de pensamento, Maria Angela Russo Toledo (1996, p. 90 ss) narra que, com Wittgenstein, Austin e Searle, mudou-se o paradigma em filosofia, no momento em que a temática central atenta-se para a linguagem como ação de uma filosofia pragmática da linguagem. Atenta-se para a perspectiva pragmática do discurso ligado a ações coletivas, intercalando atos de linguagem e prática.

Nef (1995, p. 153-154) prescreve que, a começar de Wittgenstein, surgem dois caminhos. Em primeiro, uma filosofia da linguagem reformadora, baseada na paráfrase lógica, embasada em uma interpretação positivista do tratactus; em segundo, uma filosofia da linguagem comum (ordinária), que resgata a problemática de Wittgenstein da classificação dos jogos de linguagem em um espírito descritivo, procurando impor regras intrincadas dos atos que praticamos pela linguagem.

 

  • A Generalização Do Giro Linguístico

A princípio cabe ressaltar as palavras de Habermas (1990, p. 16):

A guinada linguística colocou o filosofar sobre uma base metódica mais segura e o libertou das aporias das teorias da consciência. Neste processo configurou-se, além disso, uma compreensão ontológica da linguagem, que torna a sua função hermenêutica, enquanto intérprete do mundo, independente em relação aos processos intramundanos de aprendizagem e que transfigura a evolução dos símbolos linguísticos inserindo-os num evento poético originário.

Como se observa, Blanco (1997, p. 260 ss), evidencia que o giro linguístico difundiu-se no conjunto das demais tradições filosóficas, permitindo conceituar o movimento que se tem provocado na filosofia nos últimos anos, em cujo tema da linguagem coloca-se como ponto de reflexão comum às diversas tradições de pensamento, repercutindo dentro do campo de algumas ciências humanas e sociais. Blanco (1997, p. 270), ainda adverte que a fenomenologia, voltada para o sentido de mundo ante a consciência, encontrava-se em boas condições de estimar o tema da linguagem, a contar da hermenêutica proposta por Heidegger. Desta feita, uma nova relação com a hermenêutica do século passado estava sendo construída, elevando-a à condição filosófica, não apenas metódica, como se observa em Gadamer. Nesta linha de raciocínio, Blanco (1997, p. 295) citado por Streck (1999, p. 151), acentua que a viragem linguística, compreendida a partir do giro linguístico – em sua primeira ocasião –, e no giro pragmático – em sua segunda ocasião –, firma-se sobre algumas premissas, as quais se seguem, nos dizeres de Streck.

O conhecimento ocorre na linguagem. Qualquer discurso científico possui em comum com os demais a sua natureza linguística. É na linguagem que há a surgência do mundo. É na linguagem que o mundo se desvela. Pela linguagem o mundo nos aparece e se dá enquanto mundo. Não é que o mundo está atrás na linguagem, mas, sim, que está na linguagem. É na linguagem que o sujeito surge-aparece-ocorre como sujeito que fala, como sujeito da enunciação, e como sujeito que entende a linguagem dos outros. É na linguagem que ocorre a ação.  Não só a linguagem tem vocação representativa, declarativa ou constitutiva; também existe a vocação realizativa da linguagem, que conecta a linguagem com a prática, assim como as práticas e os interesses com a linguagem. É na linguagem que se dá o sentido. O sentido do que há, em primeiro lugar, porque a linguagem tem necessariamente um componente significativo para uma comunidade de usuários e sem ela não funciona. (STRECK, 1999, p. 145)

Cumpre observar contudo que, conforme Habermas (1983, p. 9-28) a viragem linguístico-pragmática e hermenêutica da filosofia coloca em xeque a percepção de fundamentação, rescindindo com a filosofia da consciência, que nos dizeres do autor, está conexo ao paradigma de conhecimento regido pela percepção e pela representação dos objetos. Deixou-se de utilizar o sujeito solitário (solipsismo) – que compõe seus objetos –, para dar lugar à ideia de conhecimento mediado linguisticamente e referido à ação.

Nessa linha de análise, a partir do momento que deixamos de aceitar a possibilidade de que o mundo pode ser identificado sem depender da linguagem, ou que este possa ser visto, inicialmente, por um encontro não linguístico, e que o mundo pode ser apercebido como ele é, começamos a perceber que[13] as variadas áreas da filosofia, antigamente determinados pelo mundo natural, teriam a possibilidade de se multiplicar ao infinito pela infinitividade humana.

Como se depreende das lições de Carrilho (1995, p. 31), a viragem linguística do pensamento filosófico – ocorrida no século XX – irá centralizar-se na temática fundamental de que é inviável filosofar acerca de algo sem filosofar sobre linguagem, pelo fato de que esta é momento constitutivo de todo saber humano, de tal sorte que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos requer reflexão sobre sua infraestrutura linguística. Deste modo, passa-se à inexorabilidade da intervenção linguística, na qual a hermenêutica e a pragmática passam a apropriar-se do centro do palco. Por tais razão, assegura Stein (1997, p. 86), que o alcance a algo de modo algum é realizado de modo direto e objetivante, seu ingresso é realizado pelo intermédio do significado e do sentido (…). Não há acesso às coisas sem a intervenção do significado. Logo, não podemos apreender as coisas sem que tenhamos um meio de absorver que acompanha qualquer forma de proposição e este modo de compreensão é o que sustém a natureza fundamental do enunciado assertótico algo enquanto algo, algo como algo.

 

  • A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO NO INTERIOR DA VIRAGEM LINGUÍSTICA

Na esfera da interpretação da lei, naquilo que comumente designamos como hermenêutica jurídica, importante ressaltar, de acordo com Stein (1997, p. 88), que não possuímos mais um significante primeiro, que se almejava em Aristóteles e também em Kant. Significante este que nos concederia o salvaguarda de que os conceitos em geral sujeitam-se a um único significado, como bem esclarece Stein (1988, p. 39). Por este motivo, que o rompimento com esta tradição do pensamento jurídico-dogmático quase sempre se faz de forma traumática, como bem esclarece Marques Neto (1982, p. 28):

A recusa de uma concepção metafísica do Direito não se faz sem problemas. O mesmo ocorre, aliás, com a afirmação dessa concepção. Crer que há uma essência verdadeira em si mesma do Direito – como que à espera de ser captada em sua inteireza pelo sujeito do conhecimento, seja mediante um trabalho estritamente racional de índole dedutiva, em que as normas de Direito racional, isto é, as chamas leis da natureza, seriam apreendidas como autênticos corolários a que se acederia pelo raciocínio a partir de princípios auto evidentes estabelecidos a priori; seja captando essa essência na dinâmica da vida social, através da investigação sociológica do fenômeno jurídico; seja buscando-a na exegese dos textos legais –, crer nisso, não deixa de ser confortável.

Nesta esteira, para a formulação de um juízo do discurso dogmático jurídico preponderante, imperioso fazem-se os aportes das diversas correntes linguístico-filosóficas graças às quais a pergunta pelas as chances de conhecimento confiável, típico da filosofia moderna, converte-se na questão a respeito das condições de chances de sentenças intersubjetivamente válidas acerca do mundo, ou seja não há mundo absolutamente autônomo da linguagem (OLIVEIRA, 1996, p. 13). Vale lembrar que neste liame de aproximação linguístico filosófico hermenêutico, Vattimo (1991, p. 93 apud MARCONDES, 1996, p. 399) assegura que no horizonte do pensamento hermenêutico, focado na questão da interpretação, há uma linhagem que pode ser identificada, procedendo, dentre outros, de Dilthey e desenvolvendo-se em Gadamer, Ricoeur e Heidegger.

Como se depreende das lições de Leonel Severo Rocha (1998, p. 29), Hart, em sua teoria, assegura que a ação das normas apenas pode ser elucidado por meio das denominadas regras secundárias[14] que possibilitam o esclarecimento e a subsistência do sistema jurídico. Para Hart, continua o autor, o Direito contém uma zona de textura aberta que possibilita um discurso autônomo do poder discricionário do juiz. Por sua vez, Diz ainda Rocha (1998, p. 30), tal postura é criticada por Dworkin, que entende ser o Direito um provedor de boas respostas, visto que o juiz, no momento em que está a julgar, assenta a continuidade de uma história, onde está boa resposta seria a que melhor confrontasse a dupla existência que se impõe ao juiz. Vale lembrar os ensinamentos de José Lamego (1990, p. 161) assegura o seguinte a respeito de Hart e Dworkin:

O modo como Hart introduz a problemática da hermenêutica, através de um ponto de vista interno, tem a vantagem de economizar uma séria de reflexões antropológicas sobre a teoria do conhecimento e da ação que a questão evidentemente coenvolve. Mas também Hart não distingue inicialmente entre modos de conhecimento e graus de comprometimento, não sendo claro se o ponto de vista interno se refere à primeira ou à segunda ordem de questões e em que termos o faz. Num momento posterior, Hart vem reconhecer a insuficiência e a ambiguidade da distinção entre pontos de vista interno e externo e a distinguir a perspectiva de membro do grupo do analista da prática social. Já Dworkin distingue o ponto de vista do observador (ponto de vista externo) do ponto de vista do participante (ponto de vista interno), ordenando os enunciados da Jurisprudência a este segundo ponto de vista. E assim, as posturas hermenêuticas de Dworkin e Hart consubstanciar-se-iam em diferentes graus de internalidade que cada um atribui aos enunciados da Teoria do Direito: absolutamente interno em Dworkin (o ponto de vista do participante), moderadamente internos (de um ponto de vista cognitivo-interno ou hermenêutico, o do analista da prática social) em Hart.

As contribuições da hermenêutica filosófica para o direito conferem uma nova dimensão para a hermenêutica jurídica, avocando grande importância as obras de Heidegger e de Gadamer (STEIN, 1983, p. 104). De fato, Heidegger (1995, p. 154), formulando a hermenêutica no nível ontológico, desenvolve a ideia de que o horizonte do sentido é dado pela compreensão, e é nesta que se detalha a matriz do método fenomenológico. Por sua vez, Gadamer (1999, p. 325; 2002, p. 297) ao assegurar que ser que pode ser apreendido é linguagem, resgata a ideia de Heidegger da linguagem como casa do ser, no qual esta não é apenas objeto, mas sim, horizonte aberto e estruturado. Por isso, para o autor, dispor de um mundo é portar uma linguagem. As palavras são abstratas, e toda interpretação é especulativa, pelo fato de não poder crer em uma acepção infinita, o que caracterizaria um dogma.

 

  • A Semiótica e a Hermenêutica filosófica

De acordo com Streck (1999, p. 158 ss), o rompimento com o modelo de interpretação do Direito de índole objetivista, reprodutivo – de influência Bettiana – teve início a datar dos aportes da semiótica, em sua base pragmática, e da hermenêutica filosófica, com a hermenêutica antirreprodutiva de Gadamer, pela qual se vai da percepção à compreensão. Em outras palavras, continua o autor, não só a pragmática como também a hermenêutica[15], ao se afastar dos dualismos metafísico-essencialistas, concorrem para a edificação de uma hermenêutica jurídica que problematiza as mútuas implicações entre discurso e realidade, além de esclarecer a tese de viabilidade de segmentação dos processos de produção de interpretação e da aplicação do texto normativo, anunciando, como contraposição, que existe uma metodologia de produção, circulação e consumo do discurso jurídico, onde apenas através de linguagem pode-se ter permissão para entrar no mundo.

Num segundo lance, assegura Streck (1999, p. 158 ss) cabe lembrar que apenas na década de 1940, com Féllix Oppenheim[16], a análise semiótica foi introduzida no meio jurídico, cujas deliberações iniciais partiam de três pressupostos. O primeiro atesta que o Direito é avistado como uma linguagem, tanto de signo linguístico como de signo não linguístico. O segundo afirma que o direito positivo de uma comunidade – seu sistema jurídico – é a classe destes comunicados que forma uma linguagem. Por fim, o terceiro diz que a ciência do direito compõe-se em proposições sobre enunciados jurídicos, que pode ser empírica e lógica.

O direito é contemplado como direito em ação, como fenômeno social. Para isto, importante se faz elaborar um modelo de linguagem que traduzisse um complexo de enunciados dados que expressem o Direito de determinada comunidade em dado momento histórico. Oppenheim, nos dizeres de Streck (1999, p. 160), em sua obra almeja alcançar um método para elaboração de um modelo de linguagem a fim de compreender as características lógicas dos enunciados jurídicos. Registre-se, ainda, que o autor delimita a semiótica jurídica sob a discriminação entre uma pragmática pura e uma descritiva. A análise empírica sobre a relação dos signos e seus usuários é a finalidade da pragmática descritiva. Por seu turno, o saber lógico das condições pragmáticas a respeito da validade dos enunciados diz respeito ao campo da pragmática pura.

Wam (s/d, p. 165), diz que para Oppenheim, a análise lógica do direito não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para a percepção de elementos intrínsecos do direito. Desta feita, a análise lógica possibilita sejam descortinados princípios jurídicos ocultos, e formulá-los explicitamente em uma linguagem que sirva de modelo de onde colocam-se em questão algumas teses do direito natural. André-Jean Arnaud (1991, p. 215) adotou a interdisciplinaridade no enunciado semiótico (ou semiológico). Sua proposta tem por fim mostrar como a harmonização com a definição de razão jurídica passa, imprescindivelmente, por uma análise dos sistemas jurídicos abalizado como discurso. Continua o autor que, a argumentação jurídica posta não está desatada de sua fonte de produção, que é o grupo preponderante da sociedade. Por este motivo indispensável o esclarecimento da ideologia inscrita do discurso do direito positivo.

A metodologia apresentada pelo autor é o seguinte: os textos jurídicos imperiosamente depreendem uma ideologia não detectável senão em nível estrutural, não sendo visível quão menos consciente. O estudo semiológico da significação aplicado ao direito evidencia as justificativas inconscientes e reais do sistema do discurso jurídico; a essência revela-se como princípio subjacente de coordenação totalizante que assente descortinar a razão de um sistema jurídico. A demanda pelo sentido concretiza-se a contar dos índices dos fenômenos em estudo; o enunciado como objeto discursivo é apenas uma proteção que comporta uma realidade latente. Neste instante diligencia-se a apuração do maior número de informações que podem figurar como índices, o que se leva a cabo tendo em consideração a natureza pertinente, recorrente, sequencial e não aleatórios destes. Nesta linha de pensamento, ao se obter o corpus fechado e passível de determinada formalização, o propósito almejado é o de restabelecer um molde estrutural do fenômeno em análise, para o qual se procede apreciar o fundamento do texto para extinguir o que omite o substancial; ordenar e caracterizar as relações presentes através dos índices; apontada uma investigação, isto é, uma interpretação, para o que se levará em consideração o cenário que admite o ensinamento dos meios social, econômico, psicológico, inconsciente e ideológico (WAM, s/d, p. 192).

Val ratificar que, para Wam (s/d, p. 205), o discurso jurídico encerra um linguagem própria, isto é, há uma gramática diferenciada da natural cuja finalidade é não deixar ambiguidade, apontando como uma sintagmática atenta à formação correta dos enunciados, em um querer dizer inaugural recoberto e uma rede modal que se manifesta por meio de dois tipos de discursos: enunciados qualificativos, que conferem delimitações aos objetos discursivos fundando-se em objetos semióticos; enunciados funcionais, que prescrevem o âmbito de realização destes objetos. Conforme o autor, o cunho de uma construção arbitrária e explícita manifesta-se na constatação da presença do discurso legislativo na medida em que foi dito pelo legislador. Importante salientar as palavras de Landowski (1992, p. 10-11) sobre o tema:

Nos desafios de uma sociosemiótica está ínsito que, em vez de encarar a linguagem como simples suporte de “mensagens” que circulam entre emissores e receptores quaisquer, fazendo abstrações de suas determinações próprias, deve-se procurar, antes de mais nada, captar as interações efetuadas, com a ajuda do discurso, entre os “sujeitos” individuais ou coletivos que nele se inscrevem e que, de certo modo, nele se reconhecem. Considerar assim, continua, o discurso como um espaço de interação talvez seja proporcionar-se, a longo prazo, o meio de abordar, de um modo que não seja meramente intuitivo, a análise das condições de existência e de exercício do poder no que elas têm de socialmente mais evanescente, e, sem dúvida, ao mesmo tempo, de mais profundo, é tocar na formação e nas flutuações do vínculo social e político vivido.

Roque Carrión Wam citado por Lênio Streck (1999, p. 164), inaugurou uma investigação, em 1974, cuja finalidade é a elaboração de uma semiótica jurídica assentida como uma metateoria de interpretação do direito, assentado no modelo semiótico gremassiano, com subsídio de outras tendências semiótico-jurídicas. Almeja a integração de um modelo de análise para o reestabelecimento racional do procedimento de produção do discurso legislativo e jurisprudencial. Estas manifestações são os espaços linguístico-semânticos nos quais se revelam e se transformam o sentido jurídico. Lênio Streck (1999, p. 165), comenta da importante contribuição de Aulis Aarnio para a semiótica jurídica, ao pretender retomar a filosofia analítica por meio de um viés mais interpretativo. Intenta em arranjar três pontos de vista, isto é, a nova retórica, a filosofia linguística e o enfoque racionalista de Habermas. Aarnio, citado por Rocha (1998, p. 98) assegura que a interpretação pode ser visualizada como uma soma de jogos de linguagem, “assim como a ênfase da conexão entre a linguagem e a forma de vida, a interpretação de conceito de audiência com ajuda do conceito de forma de vida, o exame das teorias da coerência e de consenso com as pautas de mediação das proposições interpretativas, um moderado relativismo axiológico e uma tentativa de localizar os traços racionalistas da interpretação”.

No Brasil, a semiologia praticamente inexiste, assevera Rocha (1998, p. 26), para quem a controvérsia hermenêutico-jurídica teria muito a colher se professasse como parâmetro metodológico a semiótica, “pois somente assim poder-se-ia aprofundar todo o arsenal linguístico do discurso jurídico”. Ao realizar uma síntese sobre o assunto, o autor elenca três principais caracteres que dão ensejo às análises lógico-linguístico-semióticas elaboradas no Brasil. Começando pela lógica jurídica Lourival Vilanova (1997, p. 105) destaca a imprescindibilidade da elaboração de estudos linguísticos do Direito com o propósito de se obter novas formas lógicas. O autor, seguindo os ensinamentos de Husserl, assevera que as perquirições lógicas relacionam-se à linguagem como ponto de apoio, se não como objetivo, mas como meio a atingir seu fim. O ensinamento da linguagem é o ponto de retirada para a prática das estruturas lógicas.

Em seguida, outra fonte do estudo da semiologia é a nova retórica, iniciada por Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1997, p. 26), após averiguar os conceitos neopositivistas de ciência, engendrou novo campo designativo para o signo ciência do direito, demonstrando que ele é inadaptado para o campo do padrão positivista dominante. Para o autor, a ciência do direito encerra como objetivo a decidibilidade[17]. A terceira matriz foi influenciada pela Escola Analítica de Buenos Aires, que após o enfraquecimento do neopositivismo lógico, por conta do esquecimento de dificuldades históricas, políticos e ideológicos do Direito, a Escola fracionou-se. Quem mais se destacou nesta vertente foi Warat (1995-B, p. 89), abordando, em vários trabalhos, o tema denominado por ele de Teoria da Argumentação Jurídica. Para o autor,

Os estudos linguísticos e semiológicos do Direito necessitam procurar acompanhar o salto teórico que a própria linguística e a semiologia estão tentando produzir. Existe, na atualidade, uma nova demarcação de fronteiras entre a linguística e a semiologia: a primeira ocupa-se das significações denotativas dos termos, assim como de suas condições sintáticas sistemáticas; a segunda reflete sobre os processos de produção e transformação das significações conotativas (ideológicas) no seio da comunicação social. A semiologia oferece regras metodológicas para: a) considerar a natureza do discurso; b) obter alguns critérios seguros para sua interpretação e efetuar em torno deles leituras ideológicas; c) tratar o problema da significação como fenômeno discursivo. Ao contrário da linguística, que o rejeita, a semiologia aceita como parte de seu objeto, o discurso, mas fica atrelada a uma análise da significação que não consegue explicar além do próprio discurso. (WARAT, 1995-B, p. 100)

Streck (1999, p. 167) esclarece que Warat apontava para além da semiologia, caminhando para uma semiologia política, refutando a ideia de que o discurso pode nos oportunizar a chave de sua própria inteligibilidade. Em outras palavras, esta semiologia política constitui-se em um campo disciplinar apartado da semiologia oficial, propiciando, a contar de um novo ponto de vista teórico, uma condição diferente de compreensão e diagnóstico dos fenômenos políticos da significação na sociedade.

 

  • A Fragilidade Hermenêutica Dos Métodos De Interpretação

Em uma palavra, pode-se demonstrar a crença na fragilidade dos métodos de interpretação. Dentre diversas avaliações, importante ressaltar a de Dalmo Dallari (1980, p. 95), para quem o juiz/interprete, ao adotar diversos métodos interpretativos, reputa-se destituído de responsabilidade, outorgando ao legislador as injustiças resultantes de suas ações. Por esta razão pode-se dizer que, pela inexistência de um método dos métodos, sua utilização será, impreterivelmente, arbitrário, proporcionando interpretações ad hoc (STRECK, 2002, p. 207).

É bem verdade que toda interpretação continuamente será gramatical, pois há que se partir, obrigatoriamente de um texto jurídico; inexoravelmente teleológica, visto que nãos seria coerente cogitar em uma interpretação contrária ao propósito da lei; e, por fim, é obrigatoriamente sistemática, tendo em vista não ser admissível um texto normativo denotar a si mesmo, sem se relacionar com o todo. Como se depreende, intentar em uma interpretação jurídica como fruto de método, é refletir no complexo normativo, é, a priori, algo desprovido de sentido (HEIDEGGER, 1990, p. 138), que receberá, da percepção subjetiva determinada significação, como se esta resultasse do sujeito a um objeto, quando com ele confrontado. Pensar deste modo, é compreender a interpretação como instrumento de conhecimento (GRONDIN, 1999, p. 163 ss.).

Há de se insistir no fato de que, a contar da nova crítica do direito, fundamentada na ontologia prévia, que causaria a posteriori o acesso à compreensão adequada dos enunciados. Por seu turno, o Dasein já interpretou usualmente e como tal não este em causa o modelo prévio (STEIN, 2001, p. 92). Por este motivo, quando o intérprete atesta eu interpreto desse modo porque estou baseado no método tal, o dasein se pronuncia como ser no mundo (STRECK, 2002, p. 210).

 

  • CONCLUSÃO

Nota-se que no atual modelo de Estado, qual seja o Estado Democrático de Direito, a hermenêutica jurídica possui papel fundamental para a concretização dos preceitos insculpidos na Constituição da República de 1988, a fim de efetivar a democracia e a justiça, sempre visando o princípio norteador de todo ordenamento jurídico, ou seja, a dignidade da pessoa humana. Neste modelo de Estado, o Poder Judiciário avocou para si funções atinentes aos Poderes Executivo e Legislativo, principalmente deste poder, tendo em vista sua inércia, muitas vezes, em dar cumprimento ao Texto Constitucional. Por isto, importante a hermenêutica jurídica estar inserida na jurisdição constitucional, por meio dos mecanismos de controle concentrado e difuso de constitucionalidade.

Isto tudo, sem deixar de lado os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista que, sem estes não se tem a aplicação da hermenêutica de modo a concretizar, por meio da jurisdição constitucional, os direitos insculpidos na Carta Magna, conferidores de mínimo existencial aos cidadãos, nos dias de hoje. Contudo, tendo em vista a falta de efetivação da Constituição da República, de seus preceitos fundamentais, é mister ao operador do direito utilizar-se da hermenêutica jurídica a fim de dar maior efetividade aos direitos fundamentais insculpidos no Texto Constitucional para reduzir as desigualdades e conferir maior justiça a tais preceitos fundamentais.

 

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[1] Podemos citar como exemplo de obra de arte no Direito a Lei das XII Tábuas, o Corpus Juris Civilis, a Magna Carta, a Constituição dos Estados Unidos e o Código de Napoleão.

[2] Isto se dá pelo fato de que muitos entendem que as interpretações antigas são elementos integrantes da normatividade dos textos a serem interpretados.

[3] Sejam estes problemas imaginários ou reais.

[4] Deste modo são as normas integrantes da parte dogmática das Constituições.

[5] Mutação constitucional válida, conforme o autor, enquanto modificação do âmbito ou da esfera normativa que pode ser abrangida pelo programa normativo.

[6] Sobre o tema hermenêutica jurídica em crise Lênio Luiz Strek possui a obra Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito.

[7] Modelo este de Estado constante na Constituição da República, em seu art. 1º.

[8] Crise de dupla face esta comentada em sua obra Hermenêutica jurídica e(m) crise. Que como bem explicada pelo autor, assim se denomina como crise do paradigma liberal individualista de produção de direito, associado à crise do Estado e à crise da não superação da prevalência da lógica do sujeito cognoscente. Desta feita, não se deve falar em crise de paradigma latu sensu.

[9] Citando como exemplo de órgãos institucionais os parlamentos, tribunais, escolas de direito, associações profissionais e a administração pública.

[10] Concepções estas que são de uma determinada realidade apresentada ao sujeito como absoluto, do mundo em si mesmo (como bem observa Lênio Streck em sua obra Hermenêutica jurídica e(m) crise).

[11] Rorty denomina este momento como giro linguístico; Habermas a denomina guinada linguística; e, Manfredo Oliveira o conceitua como reviravolta linguística.

[12] Estas concepções apontam a ciência com a linguagem, desde um ato reducionista, que imagina a linguagem como uma criação textual auto suficiente, entrevendo a significação no interior do próprio sistema por ela elaborado, como esclarece Lênio Streck em sua obra “Hermenêutica jurídica e(m) crise”.

[13] Tudo isso à custa da viragem linguística da filosofia e do surgimento da tradição hermenêutica.

[14] Para o autor tais regras seriam, por exemplo, a adjudicação, mudança e o reconhecimento.

[15] A respeito da proximidade entre hermenêutica filosófica e pragmática wittgensteniana, Ernildo Stein assegura que as formas de vida de Wittgenstein harmonizam-se aos modo de ser do estar aí de Heidegger (STEIN, 1990, p. 16). Por outro lado, Vattimo assevera que foi devido à urbanização da província heideggeriana que foi possível, cada vez mais, falar-se em um convívio entre Heidegger e Wittgenstein (VATTIMO, 1985, p. 118).

[16] Autor de “Outline of a logical analysis of law”.

[17] A ciência do direito seria composta por uma atividade que adotaria diversos modelos teóricos do direito reunidos (analítico, hermenêutico e empírico), tendo como fundamento de apoio sua função heurísta, pretendendo como fim a problemática da decidibilidade, e não a decisão concreta (STRECK, 1999, p. 166).

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