Resumo: O presente artigo destina-se a demonstrar a existência de diversos fatores que levam o segurado a estar incapacitado para exercer a sua atividade laborativa. Demonstrar ainda, que a avaliação realizada pelo INSS a fim de assegurar a dignidade da pessoa humana, deve ser feita de acordo com o ordenamento jurídico, que prevê que a perícia deve avaliar as condições físicas, psíquicas e sociais do segurado para constatação real da incapacidade.
Palavra-chave: Incapacidade Social, Benefício previdenciário, Perícia Holística.
Abstract: The present article is intended to demonstrate the existence of several factors that lead the insured to be incapacitated to carry out his work activity. Also demonstrate that the evaluation carried out by the INSS in order to ensure the dignity of the human person must be made in accordance with the law, which provides that the expert must assess the physical, psychological and social conditions of the insured to verify the actual disability.
Keywords: Social incapacity, Social security benefits, holistic expertise.
Sumário: Introdução, 1. Da função social da Seguridade Social; 2. Dos benefícios por incapacidade; 2.1 Auxílio-doença; 2.2 Aposentadoria por Invalidez; 3. Da Incapacidade Social; 4. Das doenças com estigma social; 5. Da Perícia Biopsicossocial; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
A Seguridade Social foi criada para garantir um mínimo de dignidade ao cidadão, por meio da saúde, da assistência social e da previdência social.
A Previdência social por sua vez, é um direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988, e foi criado para garantir o equilíbrio financeiro do trabalhador e de sua família nos casos elencados no artigo 201 da Nossa Carta Magna, a saber:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. “
Para cada hipótese mencionada na Constituição Federal, a Lei 8.213/91 e o Decreto 3048/99, foi elencado um benefício específico, dentre eles os benefícios por incapacidade, quais seja, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio acidente.
Sabe-se que atualmente há um grande índice de requerimentos para concessão de benefícios por incapacidade, entretanto, a avaliação realizada pelos peritos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) não são feitas de forma eficiente, deixando assim o segurado por diversas vezes a própria sorte.
A perícia realizada pelo INSS geralmente é ineficaz, baseada apenas em diagnósticos aparentes e nos casos em que fiquem evidentes a incapacidade exclusivamente física do segurado, caso contrário, o benefício é negado, causando uma série de transtornos ao indivíduo, tais como o emparedamento, por exemplo, que nada mais é do que a afirmação de ausência de incapacidade do segurado pela autarquia e a negação de capacidade do médico do trabalho.
Neste sentido, nota-se que há divergências entre laudos médicos emitidos pelo médico do trabalho ou do segurado e o perito, fato este que não pode ocorrer haja vista ambos ter sido realizados por profissionais igualmente qualificados e nos quais não é possível verificar a existência de qualquer inconsistência, ambiguidade ou contradição que possa afastar uma delas.
Outrossim, cumpre ressaltar que não existe apenas a incapacidade física, mas diversas outras formas que torna o segurado incapaz para a atividade laborativa, e por esta razão não basta realizar uma perícia simples, verificando apenas a existência de uma doença aparente.
Para tanto, a avaliação correta e que está de acordo com o ordenamento jurídico é a perícia conhecida como holística, ou seja, aquela em que se avalia as condições pessoais e sociais do indivíduo, pois há diversas incapacidades que nem sempre são decorrentes do estado físico do cidadão, mas está ligado a condição psicológica e social, como por exemplo a doença com estigma.
1. DA FUNÇÃO SOCIAL DA SEGURIDADE SOCIAL.
Desde os primórdios o ser humano sempre buscou um meio de sobrevivência, e com a evolução humana, passaram a conviver em sociedade, tornando a subsistência cada vez mais complexa.
Pensando nisso, e com a criação das Leis e do Estado, surgiu a necessidade de regulamentar e garantir os preceitos básicos dos cidadãos.
Para tanto, após diversas modificações, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 194, criou a seguridade social que corresponde a um conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar determinados direitos ao cidadão.
Os direitos assegurados pela Seguridade Social previstos em lei para garantir que seja respeitado o princípio basilar da Constituição Federal, qual seja a dignidade da pessoa humana, engloba a saúde para todos, à assistência social para quem necessita e à previdência social para quem contribui.
Neste sentido, além da Carta Magna, foi criada a Lei 8.213/91 e o Decreto 3.048/99, que versam sobre diversos benefícios nos quais asseguram a subsistência do segurado e de seus dependentes, permitindo assim uma vida um pouco mais digna.
2. DOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE
Dentre todos os benefícios elencados na lei, há os benefícios por incapacidade, estes que foram criados para garantir o equilíbrio financeiro do indivíduo que por algum motivo encontra-se incapaz de exercer suas atividades laborativas.
Conceitua-se como benefício por incapacidade aqueles concedidos ao segurado que apresenta uma incapacidade, seja ela parcial ou total, temporária ou permanente, para exercer suas atividades laborativas ou habituais que lhe garantam a mantença de uma vida independente.
Dentre os benefícios por incapacidade estão elencados a aposentadoria por invalidez e o auxílio doença.
O benefício pertinente só será concedido após constatada a impossibilidade do segurado em exercer suas atividades laborativas, sendo a incapacidade avaliada através de uma perícia médica realizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou pela perícia judicial a cargo do médico perito do Juízo.
2.1 Auxílio-doença
O benefício auxílio-doença previsto nos artigos 59 a 64 da Lei 8.213/91 c.c artigo 201, I da Constituição Federal de 1988 e c.c. artigos, 71 a 80 do Decreto 3.048/99, será concedido ao segurado acometido de uma doença ou acidente que o torne incapacitado para o seu trabalho por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, desde que, quando for o caso, tenha cumprido o período de carência.
Outro requisito previsto em lei para a concessão desse benefício é que a incapacidade tenha sido adquirida após a filiação ao Regime Geral de Previdência Social.
Preenchidos os requisitos, e constatada a incapacidade parcial e temporária do segurado, o mesmo será afastado das suas atividades habituais e passará receber o auxílio-doença, garantindo assim a subsistência enquanto perdurar a patologia.
2.2 Aposentadoria por Invalidez
A aposentadoria por invalidez por sua vez está prevista nos artigos 42 a 47 da lei 8.213/91 c.c artigo 201, I da Constituição Federal de 1988 c.c. artigos 43 a 50 do Decreto 3.048/99, e será concedido ao segurado que for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício das atividades que lhe garantia a subsistência, enquanto permanecer nesta condição.
Para concessão do referido benefício a incapacidade deverá ser total e permanente, caracterizando assim, a impossibilidade do indivíduo de voltar a exercer suas atividades.
A impossibilidade de exercer as atividades habituais está além da incapacidade física e não pode ser avaliada exclusivamente à luz da metodologia científica, devendo ser observado as condições psíquicas, sociais, econômica, cultural, grau de instrução, entre diversos outros fatores que contribuem para incapacidade total e permanente do contribuinte.
Dentre as incapacidades, a mais difícil de ser constatada é a social, haja vista a ineficiência da perícia ao analisar todos os aspectos necessários para o diagnóstico final de capacidade ou ausência dela.
3. DA INCAPACIDADE SOCIAL
Incapacidade, de acordo com Deocleciano Torrieri Guimarães, é a “ausência de capacidade, de competência, de aptidão legal de alguém para desfrutar de direitos, exercer funções ou praticar atos de negócio jurídico”. Ele ainda defende, que a incapacidade é determinada pela idade, estado, saúde física ou mental das pessoas, e o interesse da lei é evitar danos aos direitos de alguém que não possa exercê-los pessoalmente.
Nesta definição defendida pelo Dr. Torrieri Guimarães, resta configurado que são diversos os fatores que desencadeiam a incapacidade, não se limitando apenas as condições físicas do indivíduo, surgindo assim a ideia da incapacidade social.
Nesta linha de raciocínio, a Organização Mundial de Saúde de 1946, definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou enfermidade.
Neste sentido, muito embora não seja constatada a incapacidade física do segurado, não significa que o mesmo encontra-se em perfeito estado para continuar a exercer as suas habituais atividades, ou manter-se no mercado de trabalho.
Atualmente, a incapacidade social é uma das grandes vilãs do contribuinte, pois a sociedade e o trabalho estão cada vez mais exigentes, desencadeando uma série de fatores que contribuem e dificultam o reingresso do cidadão ao mercado de trabalho, tais como os transtornos psicológicos causados muitas vezes por estigma social, dentre outros.
4. DAS DOENÇAS COM ESTIGMA SOCIAL
De acordo com a socióloga Marcele Juliane Frossard de Araújo, “estigma social é definido enquanto marca ou sinal que designa o seu portador como desqualificado ou menos valorizado, ou segundo a definição de Erving Goffman: “a situação do indivíduo que está inabilitado para aceitação social plena” (GOFFMAN, 2004, P.4). Para a sociologia o estigma está relacionado com a identidade social dos sujeitos e dos grupos sociais.”
Sendo assim, o portador de uma doença com estigma social, como por exemplo a AIDS, obesidade mórbida, doenças de pele, hanseníase, dentre outros, ao analisar a doença por si só não caracteriza a incapacidade para fins Previdenciários defendido pelo INSS, mas ao avaliar as suas condições pessoais, sociais e econômicas no caso concreto, constatará as dificuldades em permanecer no mercado de trabalho, muitas vezes em razão do preconceito e intolerância social.
Neste sentido, o Tribunal tem adotado esse posicionamento, conforme demonstra o seguinte julgamento:
“PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE LABORAL. TUTELA DE URGÊNCIA. 1. Considerando o estado de saúde da autora (portadora do vírus HIV e de transtornos psiquiátricos), o estigma social da doença e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, deve ser reformada a sentença de improcedência, condenando o INSS ao restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez. 2. Preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 300 do CPC/2015 – probabilidade do direito e o perigo de dano -, é cabível o deferimento da tutela de urgência”. (TRF-4-AC: 50354337120144047200 SC 5035433-71.2014.404.7200, Relator: CELSO KIPPER, Data de Julgamento: 03/08/2017, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC).
Em tempo, a TNU (Turma Nacional de Uniformização), consolidou em sua Súmula nº 78 o presente entendimento: “ Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. ”
No caso específico dos portadores de doenças como a AIDS, geralmente apresentam sinais exteriores, os quais atraem a repudia da sociedade, causando um estigma social de tal monta que torna quase sempre impossível o reingresso do segurado ao mercado de trabalho ainda que clinicamente esteja apto para tanto.
Outrossim, há outro aspecto desfavorável aos segurados expostos a estigma social que dificulta ainda mais a exercer sua atividade laborativa e garantir uma vida minimamente digna, qual seja, os problemas psicológicos gerados em consequência da situação em que se encontra.
A doença passível de estima social por si só não gera incapacidade, e por esta razão deve ser feita uma avaliação completa da situação do segurado e todas as suas condições, para chegar a conclusão do verdadeiro estado do indivíduo. Para tanto, se faz necessário a realização da perícia multidisciplinar ou como também é conhecida perícia holística.
Garantindo assim, a constatação real da incapacidade, seja ela física, psíquica ou social.
5. DA PERÍCIA HOLÍSTICA
Da língua portuguesa, holística significa holismo, que consiste no estudo que busca o entendimento integral dos fenômenos, que considera o corpo e a mente como um todo indivisível, ou seja, analise do segurado como um todo.
Como já citado anteriormente, a incapacidade do segurado em exercer suas atividades laborativas inicialmente será avaliada pela perícia médica realizada pelo INSS, entretanto, o procedimento adotado pelo Instituto não é de todo adequado, uma vez que deixam de realizar a perícia psicológica e social no indivíduo, deixando de avaliar a real situação do segurado.
A perícia comum, avalia apenas as provas documentais relacionadas tão somente a doença, e não verifica qual a verdadeira incapacidade do segurado. A avaliação é por diversas vezes superficial e sem muita convicção do perito. Talvez isso aconteça em razão da grande demanda existente nas agências do INSS. Mas isso não é justificativa para deixar o segurado a própria sorte, sem avaliar a sua verdadeira situação.
Para constatar a verdadeira incapacidade do segurado, se faz necessário a realização da perícia holística, com um perito médico e assistente social, pois o cidadão por diversas vezes está fisicamente apto para o trabalho, mas totalmente incapaz de estar no ambiente de trabalho, seja por possuir um estigma grave que causa repudia a sociedade, seja por problemas psicológicos causados pelo ofício, entre outros.
Desta forma, o procedimento ideal a ser adotado é a perícia holística ou multidisciplinar, pois analisa as condições pessoais, físicas, psicológicas e sociais do segurado em conjunto com a doença, assegurando uma avaliação correta e acobertando a todas incapacidades.
Nesse sentido, a jurisprudência, traduz em decisões reiteradas sobre o assunto, conforme demonstra o seguinte julgamento:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS DO SEGURADO. Se as condições pessoais do segurado, associadas às conclusões do laudo pericial quanto à atual limitação para a sua atividade habitual e outras que exijam esforço físico, indicam a impossibilidade de reinserção no mercado de trabalho em funções compatíveis com suas limitações, impõe-se a concessão de aposentadoria por invalidez”. (TRF-4-AC: 188406020154049999 PR 0018840-60.2015.404.9999, Relator: TAÍS SCHILLING FERRAZ, Data de Julgamento: 16/02/2016, QUINTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 29/02/2016)
O entendimento dos Tribunais, corroboram com a realização de uma perícia eficaz, avaliando todas as condições do indivíduo como um todo, analisando a real incapacidade do segurado em reingressar ao mercado de trabalho, e consequentemente manter sua subsistência.
Entretanto, trata-se de uma perícia pouco praticada pelo INSS, sendo mais utilizada no âmbito jurídico, conforme se verifica nos julgamentos dos PEDILEF’s 2007.83.00.505258-6 e 2006.34.00.700191-7, entre inúmeros outros, ou seja, apenas o judiciário tem adotado a prática da perícia humanizada, analisando sempre o caso concreto e as peculiaridades do segurado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que muito embora, o segurado esteja fisicamente apto para exercer suas atividades laborativas, não se pode presumir a sua total capacidade, haja vista inúmeros fatores que corroboram para a existência da incapacidade laborativa, seja ela física, cultural, mental, socioeconômica ou social, ou seja, a incapacidade vai muito além da doença. Sendo sempre necessária a realização de uma perícia completa, analisando cada situação e seus reais aspectos, verificando ainda se a doença gera um estigma social que pode dificultar ou impedir o acesso do segurado ao mercado de trabalho, garantindo assim a justiça e a verdadeira função da Seguridade Social.
Além do que, realizando uma perícia adequada e completa, tanto na via administrativa quanto na via judicial, os benefícios serão concedidos a quem de fato necessite dele, diminuindo consideravelmente as fraudes e a injustiça para com o segurado necessitado.
Advogada bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Guarulhos/SP
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