Interrupção do serviço pelo fornecedor concessionário em face do inadimplemento do usuário

Resumo: este artigo aborda a questão da interrupção do serviço pelo fornecedor concessionário quando o usuário deixa de pagar a tarifa.

Palavras-chaves: Serviço Público. Concessão. Interrupção. Inadimplemento.

Abstract: this article examines the interruption of service by the concessionaire supplier when the user fails to pay the fare.

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Keywords: Public Service. Concession. Interruption. Default.

Sumário: 1. Introdução; 2. (Im)possibilidade de interrupção do serviço pelo fornecedor concessionário quando o usuário deixa de pagar a tarifa; 3. Conclusão; 4. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Este singelo exame objetiva avaliar a (im)possibilidade da interrupção do serviço público prestado por concessionária, no caso de inadimplência do usuário.

2. (IM)POSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO PELO FORNECEDOR CONCESSIONÁRIO QUANDO O USUÁRIO DEIXA DE PAGAR A TARIFA                                                                

Os serviços públicos, em geral, são prestados diretamente pelo Estado e são custeados pelos cofres públicos, cujos recursos advém, basicamente, do pagamento de tributos.

Por questões de eficiência, dentre outras, o Poder Público, não raras vezes, concede ao particular a prestação de alguns serviços públicos.

O custeio destes serviços prestados através de uma concessionária é remunerado, em geral, pelo pagamento de tarifas, diretamente pelo respectivo usuário.

No caso do inadimplemento de tributos, a via correta é a cobrança através de execução fiscal, não havendo lugar para interrupção da prestação dos serviços pelo Poder Público em relação ao cidadão inadimplente.

Já no que toca aos serviços prestados por alguma concessionária, tal interrupção é possível, caso não haja a devida contra-prestação por parte do usuário.

A Lei da Concessões de Serviços Público (Lei n° 8.987/95), em seu art. 6°, § 3°, II, assim dispõe:

“Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.(…)

§ 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”

Portanto, o serviço público, que obedece, dentre outros princípios, o da continuidade na sua prestação, pode ser interrompido quando o usuário não paga a tarifa correspondente, exigindo a lei, apenas, que seja dado aviso prévio.

Assim, caso alguém deixe de pagar sua conta de energia elétrica ou de água, será lícito à concessionária do serviço interromper o seu fornecimento, precedido de aviso de que tal conduta será tomada.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[1], há muito, já pacificou esta questão, entendendo ser plenamente cabível a interrupção de serviço público, ainda que essencial, em casos deste jaez. Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO – SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA – PAGAMENTO À EMPRESA CONCESSIONÁRIA SOB A MODALIDADE DE TARIFA – CORTE POR FALTA DE PAGAMENTO: LEGALIDADE.

1. A relação jurídica, na hipótese de serviço público prestado por concessionária, tem natureza de Direito Privado, pois o pagamento é feito sob a modalidade de tarifa, que não se classifica como taxa.

2. Nas condições indicadas, o pagamento é contra prestação, e o serviço pode ser interrompido em caso de inadimplemento.

3. Interpretação autêntica que se faz do CDC, que admite a exceção do contrato não cumprido.

4. A política social referente ao fornecimento dos serviços essenciais faz-se por intermédio da política tarifária, contemplando eqüitativa e isonomicamente os menos favorecidos.

5. Recurso especial improvido.(REsp 337.965/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/09/2003, DJ 20/10/2003, p. 244)”

O argumento utilizado é que a relação travada entre concessionária e usuário é de Direito Privado, regendo a espécie o Código de Defesa do Consumidor, o qual admite a “exceptio non adimpleti contractus”.

Problema que se põe é quando o usuário também presta um serviço essencial ao cidadão, tal como um hospital.

Poderia a concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica a um hospital, em caso e falta e pagamento das tarifas correspondentes? A resposta é negativa.

É que o corte do serviço, neste caso, colocaria em risco a vida e a saúde dos pacientes que estivessem lá internados. Tal conduta violaria frontalmente o direito fundamental à dignidade humana, do qual todas as pessoas são titulares.

Nesse sentido é a jurisprudência do STJ[2]:

“ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO – CASA DE SAÚDE – SERVIÇO ESSENCIAL – SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA – IMPOSSIBILIDADE – ENTIDADE PRIVADA COM FINS LUCRATIVOS – IRRELEVÂNCIA – VIDA E SAÚDE DOS PACIENTES INTERNADOS COMO BENS JURÍDICOS A SEREM TUTELADOS – CONDICIONAMENTO DA ORDEM ECONÔMICA À PROMOÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA.

1. A questão da impossibilidade da interrupção do fornecimento de água, no caso concreto, foi enfrentada pelo acórdão recorrido, não havendo que se falar em negativa de prestação jurisdicional.

2. O corte do fornecimento de água está autorizado por lei sempre que resultar da falta injustificada de pagamento, e desde que não afete a prestação de serviços públicos essenciais, a exemplo de hospitais, postos de saúde, creches, escolas.

3. No caso dos autos, a suspensão da prestação do serviço afetaria uma casa de saúde e maternidade, motivo pelo qual não há como se deferir a pretensão da agravante, sob pena de se colocar em risco a vida e a saúde dos pacientes lá internados.

4. Ademais, o fato de a agravada ser entidade privada e auferir lucros no exercício de sua atividade é totalmente irrelevante, pois o que se busca proteger é a vida e a saúde das pessoas que estão hospitalizadas, e não a entidade em si. Tanto é assim que a vedação à suspensão do fornecimento de água não significa que o fornecimento de água deva continuar de forma graciosa, mas apenas que a cobrança da dívida deve se dar por outros meios executórios.

5. Esse entendimento é perfeitamente compatível com o sistema constitucional brasileiro (art. 170, caput, da CF), segundo o qual a ordem econômica tem por fim assegurar a todos uma existência digna.

A propriedade privada e a livre iniciativa, postulados mestres no sistema capitalista, são apenas meios cuja finalidade é prover a dignidade da pessoa humana.

6. Admitir a suspensão do fornecimento de água a um hospital e colocar em risco a vida e a saúde dos internos, sob o argumento de que se vive em uma sociedade capitalista, é inverter a lógica das prioridades e valores consagrados em um sistema jurídico onde a ordem econômica está condicionada ao valor da dignidade humana.

Agravo regimental improvido.(AgRg no REsp 1201283/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 30/09/2010)

Não se está a defender que o fornecimento de serviços para hospitais e entidades congêneres (escolas, postos de saúde etc.) deva ocorrer gratuitamente. As concessionárias, em situações tais, dispõem de outros meios para a cobrança da contraprestação pelos serviços, notadamente a ação monitória, já que existe documento apto para tanto (a conta do serviço prestado).

3. CONCLUSÃO

A falta de pagamento da tarifa autoriza a concessionária do serviço público a interromper o seu fornecimento ao usuário.

Tal não ocorre, entretanto, quando se trata de usuário prestador de serviços essenciais, tais como escolas e hospitais. Nestes casos, deve a concessionária buscar outros meios para satisfazer os débitos do usuário (ação de cobrança, monitória etc.).

 

Referências
BRASIL. Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 19 nov. 2011.
Notas:
[1] Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 19 nov. 2011.
[2] Disponível em <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 19 nov. 2011.

Informações Sobre o Autor

Deniz Rockenbach Ávila

Procurador da Fazenda Nacional; Pós-graduado em Direito Público pela UNIDERP.


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Equipe Âmbito Jurídico

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