Matheus Henrique Parra Ribeiro[1]
João Ricardo Anastácio da Silva[2]
RESUMO
O presente artigo pretende, de forma sucinta, apresentar a Intervenção Federal em seus moldes constitucionais, dando enfoque nos motivos causais e na reação interventiva do Governo Federal sobre o Rio de Janeiro, regulada no decreto nº 9.288/18. Devido a crise política e o cenário de violência que a nação brasileira enfrenta, em especial no Estado do Rio de Janeiro, o Poder Executivo da União e do estado-membro utilizou uma estratégia única pra remediar os dois percalços, credibilizando a classe política e colocando sobre controle a guerra contra o tráfico. Entretanto, apenas um ato pode não ser capaz de solucionar problemas que o Brasil enfrenta a décadas.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal, Intervenção Federal, Interventor.
ABSTRACT
This article intends, in a succinct way, to present the Federal Intervention in its constitutional molds, focusing on the causal motives and the intervention of the Federal Government over Rio de Janeiro, regulated by decree 9.288/18.
Due to the political crisis and the scenario of violence that the Brazilian nation faces, especially in the state of Rio de Janeiro, the Executive Branch of the Union and the member state used a unique strategy to remedy the two mishaps, giving credence to the political class and placing on control of the war against trafficking. However, only one act may not be able to solve problems that Brazil faces for decades.
KEYWORDS: Federal Constitution, Federal Intervention, Comptroller.
SUMÁRIO
A violência no Brasil, em especial e de forma terminante no Estado do Rio de Janeiro, já não mais impressiona a nação, porém nos últimos anos a sociedade fluminense, posta como escudo das milícias e facções, tem vivido um crescente estado de pavor e medo, de maneira que o Carnaval de 2018 – cenário ideal e propenso para o aumento de crimes e violência generalizada – acionou o estopim de um caos desenfreado em todo o estado-membro e principalmente em sua capital, exigindo do Governo Federal medidas proporcionais para pôr termo a esse grave comprometimento da ordem pública.
A Constituição de 1988 possibilitou mecanismos e medidas aos chefes do Poder Executivo, tanto da União como dos Estados, a intervir em situações excepcionais para restabelecer a ordem política, social, territorial, democrática, legal e até mesmo financeira em seu próprio território.
A magnitude da Intervenção Federal, de patamar de ultima ratio por ir de encontro ao princípio da não intervenção e a autonomia dos entes federativos, foi adotado pelo Presidente da República – Michel Miguel Elias Temer Lulia, no dia 16 de fevereiro do mesmo ano – a fim de solucionar esse grave impasse, se amparando na norma de exceção elencada no Título III, Capítulo VI, Art. 34 e 36 da Constituição Federal: A Intervenção Federal.
2.1. Constituição de 1891
O surgimento da Intervenção Federal, no Brasil, se deu por meio da primeira Constituição Federal Republicana (1891) e desde então, tem permanecido como um dos pilares da conservação do pacto Federativo e da indissolubilidade do Estado de acordo com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Celso de Mello Filho:
O instituto da intervenção federal, consagrado por todas as constituições republicanas, representa um elemento fundamental na própria formulação da doutrina do Federalismo, que dele não pode prescindir — inobstante a excepcionalidade de sua aplicação — para efeito de preservação da intangibilidade do vínculo federativo, da unidade do Estado Federal e da integridade territorial das unidades federadas.(…). (MS 21.041, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 13/03/92)
O texto promulgado em 1891 já se mostra mui semelhante, em sua essência, ao texto vigente nos dias atuais, mostrando dois pontos cruciais de referência que justificam esse instituto jurídico de controle, a saber, a ordem interna do país e intangibilidade da forma de Estado adotada pelo Brasil, a Federação, sendo que o texto original trazia:
Art. 6º O Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo:
1º Para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;
2º Para manter a forma republicana federativa;
3º Para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, a requisição dos respectivos governos;
4º Para assegurar a execução das leis e sentenças federais.
(Brasil, 1891)
É de fácil constatação o fato de que no primeiro texto desta Constituição, a previsão legal da Intervenção Federal sobre os Estados foi inserida no ordenamento jurídico sem nenhuma regulamentação sobre o modus operandi de execução da lei, trazendo um subjetivismo obscuro sobre a amplitude e extensão do poder da União sobre os demais entes federativos, colocando a autonomia desses em risco quanto ao vasto poder discricionário daquele. Portanto, na reforma de 1925 e 1926, foi disposto uma atenção especial quanto ao artigo 6º em seu modo de execução, inserindo harmonia e codependência entre os Poderes, dando controle ao Legislativo sobre os atos do Executivo. Assim, o novo texto, de 1925/1926, se apresentou desta forma:
Art.6º – O Governo federal não poderá intervir em negocios peculiares aos Estados, salvo:
I – para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro;
II – para assegurar a integridade nacional e o respeito aos seguintes
principios constitucionaes:
funcionários;
III – para garantir o livre exercicio de qualquer dos poderes públicos estaduaes, por solicitação de seus legítimos representantes, e para, independente de solicitação, respeitada a existencia dos mesmos, pôr termo á guerra civil;
IV – para assegurar a execução das leis e sentenças federaes e
reorganizar as finanças do Estado, cuja incapacidade para a vida
autonoma se demonstrar pela cessação de pagamentos de sua dívida fundada, por mais de dous annos
Portanto, com esse adendo de 1926, houve maior clareza nos dispositivos constitucionais quanto a intervenção federal, trazendo maior segurança aos estados e limites a própria União por meio dos outros Poderes Democráticos.
2.2. Constituição de 1934
Na Constituição de 1934, a medida interventiva teve considerável evolução em seu detalhamento, visando a proteção dos entes federativos quanto a generalidade da norma e na possibilidade de uso da discricionariedade de sua execução, e também alcançou progresso na harmonia dos Poderes quanto a requisição, aprovação e decretação do ato conforme Ana Cláudia Silva Scalquette:
Dentre as alterações trazidas há que ressaltar que a Constituição de 1934 incluiu a possibilidade de intervenção “para a execução de ordens e decisões dos juízes e tribunais federais” (art. 12, VII); instituiu a obrigatoriedade de o Presidente da República submeter o seu decreto de intervenção à aprovação do Poder Legislativo (art. 12, § 6º, b) e criou a figura do interventor, eleito pela Câmara ou nomeado pelo Presidente da República (art. 12, §§ 1° e 7°). (SCALQUETTE, 2004, p.45)
Seguindo a evolução constitucional e democrática do país, o Poder Judiciário e o Poder Legislativo se fizeram mais participativos no processo interventivo, se fundamentando em umas das colunas de uma República Democrática, o princípio check and balance, freios e contrapesos.
2.3. Constituição de 1937
Em 1937, no auge do autoritarismo de Getúlio Vargas, o caráter de exceção da medida interventiva, constante nas Constituições anteriores, foi posto de lado, mostrando um Estado mais ativo e enérgico, colocando como regra a participação ativa do Governo Federal sobre a “autonomia” dos entes da nação. Como reflexo dessa forma de governo Scalquette destaca:
A figura do interventor foi mantida, foram criadas duas possibilidades de intervenção: a invasão iminente (art. 9º, alÍnea a ) e a falta de resgate de empréstimo contraído com a União, até um ano após o vencimento (art. 9º, alínea d) e foi dispensada a aprovação do Poder Legislativo do decreto de intervenção do Presidente da República (art. 9º, parágrafo único). (SCALQUETTE, 2004, p.45)
Resgatando a figura inutilizada do interventor da Constituição anterior, Getúlio o tinha como extensão de seus braços em toda federação, asfixiando o Poder Legislativo quanto a aprovação do ato, tinha o cenário perfeito para relativizar a autonomia dos entes federados sob o domínio do poder ditatorial.
2.4. Constituição de 1946
Em 1946, a Constituição Federal deu um grande passo ao avanço da democracia e das liberdades individuais. Encabeçada por Eurico Gaspar Dutra, Presidente da República (1946-1951), foi posta novamente a serviço do povo, detalhando o ato interventivo pormenorizadamente de forma que evitasse atos arbitrários e manobras políticas por meio dessa ferramenta tão nobre aos interesses nacionais.
O retorno do caráter excepcional da medida trouxe de volta a roupagem do principio que a qualifica o Estado Democrático de Direito: o da não intervenção. Tal princípio garante aos entes federativos a autonomia, caracterizada por Alexandre de Moraes da seguinte forma:
Após a análise das normas que regem o Estado Federal, percebe-se que a regra é a autonomia dos entes federativos (União/Estados/Distrito Federal e Municípios), caracterizada pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização, autogoverno e autoadministração. Excepcionalmente, porém, será admitido o afastamento desta autonomia política, com a finalidade de preservação da existência e unidade da própria Federação, através da intervenção. (MORAES, 2016, p.522)
Não sendo casos que caberia a requisição do Supremo Tribunal Federal e Supremo Tribunal Eleitoral, a competência prevista ao Chefe do Poder Executivo de decretar a Intervenção se sobrepunha a prévia análise do Congresso – sendo esse – convocado a priori, ordinária ou até mesmo extraordinariamente a aprovação de tal medida, sem prejuízo a sua imediata execução.
2.5. Constituição de 1967
Após a tomada do poder pelos militares, poucas mudanças concretas houve sobre a Intervenção Federal na Carta Magna de 1967, sendo uma apenas de natureza formal quanto à competência: pois essa Constituição designou à União a titularidade do poder de intervir, diferentemente dos moldes passados que designava, de forma esparsa e imprecisa, o Governo Federal a tal tarefa (BASTOS, 1993, p.322), conceitos diferentes teoricamente, mas que na prática, seus agentes são os menos na determinação e consolidação dos atos. Outra mudança inclusa naquele ordenamento jurídico constitucional foi a inclusão de duas novas modalidades, de caráter político, de Intervenção Federal: preservar o caráter temporário dos mandatos eletivos, limitando a duração destes à dos mandatos federais e para assegurar a proibição de reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato. (SCALQUETTE, 2004, p. 46)
2.6. Constituição de 1988
Enfim, chegou-se ao texto legal-fundamental vigente, a Constituição Federal de 1988, onde o ato interventivo se divide em duas instâncias: Da intervenção da União sobre os Estados e Distrito Federal (art. 34 caput), e da União sobre os Territórios Federais, como também, dos Estados sobre os Municípios (art. 35 caput). Conforme a proposta da análise, volta-se ao único caso concreto desde a promulgação da lei maior – que completa 30 anos em 2018 – mais especificamente no que desencadeou a requisição de intervenção feita pelo governador do Estado do Rio de Janeiro à União, o grave comprometimento da ordem pública (art. 34, III).
Conforme o constitucionalista e Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes:
Esse ato extremado e excepcional de intervenção na autonomia política dos Estados- membros/Distrito Federal, pela União, somente poderá ser consubstanciado por decreto do Presidente da República (CF, art. 84, X); e no caso da intervenção municipal, pelos governadores de Estado. É, pois, ato privativo do Chefe do Poder Executivo. (MOARES, Alexandre De. 2016. p.523)
Assim, sendo ato privativo do Chefe do Poder Executivo, o poder de decretar tal medida está nas mãos do Presidente da República, no caso da União sobre os Estados/DF, podendo ele delegá-lo a outrem. Conforme a didática simples do mesmo autor, o procedimento de intervenção pode ser explicado em quatro fases:
Voltando aos fatos e no caso incorrente no Brasil, a análise aponta à hipótese do terceiro inciso, o qual não demanda de todas as fases, devido suas peculiaridades de caráter espontâneo. Portanto, passará se analisar – cronologicamente – os atos formais que a Constituição assim dispõe a fim de evitar a hipertrofia do Poder Executivo e também, de forma sistematizada, dar garantia de controle aos outros Poderes e publicidade aos atos.
A iniciativa, como já comentado, é de competência do Presidente da República, conforme o art. 84, X, da Constituição Federal. Essa competência se divide em decisão discricionária e vinculada; no caso concreto do Rio do Janeiro, a decisão foi tomada ex officio por Michel Temer – sem provocação que o vincula. Intencionado em dar início a Intervenção, o Presidente terá que ouvir o Conselho da República (art. 90, I) e o Conselho de Defesa Nacional (art. 91 § 1º) previamente, tais conselhos são meramente consultivos, podendo, o Presidente – mesmo que contrário à decisão dos conselhos – prosseguir com a Intervenção, submetendo-a a apreciação do Congresso Nacional.
Porém, o presidente Michel Temer resolveu diante do contexto nacional, inverter a ordem prevista por lei e decretou a Intervenção Federal (16) primeiramente, consultando os conselhos (19) em um segundo momento. Isso não interferiu materialmente no processo interventivo, entretanto a iniciativa antecedendo as reuniões consultivas causa uma indução coativa a favor da decisão presidencial, que de fato foi ratificada pelos conselhos.
A fase judicial apresenta-se apenas nos dois casos previstos de iniciativa do Procurador-Geral da República (CF, art. 34, VI, “execução de lei federal”, e VII, “ação direta de inconstitucionalidade interventiva”), uma vez que se trata de ações endereçadas ao Supremo Tribunal Federal. Portanto, não se faz cabível na hipótese do inciso III, no qual esta sendo focado em compreender de forma prática e formal.
O decreto presidencial (CF, art. 84, X) concede caráter formal a Intervenção, que após a publicação, torna-se eficaz e já produz seus primeiros efeitos político-administrativos. Do decreto interventivo, são exigidas três especificações conforme o art. 36, § 1º: amplitude, prazo e as condições de execução e, caso haja necessidade, se afaste as autoridades locais e nomeie um interventor. Além de trocar a ordem cronológica entre o ato consultivo e a promulgação do decreto, negligenciando o processo legal e a análise prévia dos conselhos para a tomada de decisão, o Presidente da República, respaldado pela sua competência privativa de decretação e execução da intervenção federal, se fez valer de sua margem de discricionariedade para adaptar o caso concreto a lei com algumas decisões oportunas, mas não previstas na regulamentação limitada de tal instituto interventivo.
Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP, 2018), no fim do ano de 2017 o estado registrou o maior índice de taxa de letalidade violenta dos últimos oito anos, 40 mortes por 100 mil habitantes; Aumento de roubos de veículos em quase 60% no intervalo de julho de 2016 a julho de 2017; Isso, agregado a crise financeira que levou o Rio de Janeiro, em 2016, decretar o “estado de calamidade pública” e a crise política que enfrenta hoje, tanto o estado – com três dos últimos quatro governadores, presos: Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e sua esposa, Rosinha Garotinho – quanto a Federação em seu governo atual, culminou no Decreto Interventivo requisitado pelo atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, o qual mostrou rendição ao crime organizado; E, na mesma medida, se fez uma oportunidade de recuperação da moral política no Palácio do Planalto.
As possibilidades de Intervenção Federal são taxativamente elencadas no artigo 34 da Constituição Federal de 1988, sendo assim, não há margem analógica fora dessa lista restrita inserida pelo legislador para justificar seu uso, nem tampouco uma margem interna inferior à gravidade exigida pela lei maior para que tal dispositivo fosse acionado. Portanto, há requisitos importantes para que se coapte os fatos a lei, afim de que toda essa ação interferente da União sobre um Estado seja um ato legal, urgente e resoluto.
De acordo com os motivos já relatados anteriormente, a Constituição Federal já os previram de forma conjunta ou até mesmo independentes entre si, por intermédio do terceiro inciso do art. 34: “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;”. E qual seria o significado do termo essencial dessa sentença, ordem pública, pra que caracterize a invocação do decreto em caso de agressão ao mesmo?
Segundo Furtado (1997) juntamente com o próprio conceito do Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva (1975), Ordem Pública é a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam. Porém, o que aflige o Brasil e principalmente o Rio de Janeiro é a inversão desses valores, por meio dos quais as autoridades se desviam das suas precípuas atribuições, seja por corrupção, por omissão do dever de agir e até mesmo ativamente na execução e cumprimento vicioso da lei; e por meio do desrespeito e descumprimento das leis pelo cidadão, não o civil comum e mediano, mas por toda ramificação criminosa que permeia a sociedade, desde as facções organizadas – das quais as três maiores do país dominam o Rio – até mesmo as milícias chefiadas e compostas principalmente por agentes da própria segurança pública.
Percebe-se então, a viabilidade do uso da intervenção para restabelecer essa ordem, mesmo que pelo uso das Forças Armadas em cooperação com todo o sistema de Segurança Pública do Estado. Os valores não são reconstituídos por meio de coação, porém, o contexto é tão anárquico que se faz necessário até a dissipação dos motivos causadores da Intervenção.
5.1. A liberdade limitada de agir diante a generalidade da norma.
Os únicos requisitos gerais e cumulativos que a Constituição impõe sobre o decreto presidencial no §1, art. 36 são – como já dito – a amplitude, o prazo e as condições de execução. Sendo assim, o Presidente da República, assistido por seus órgãos auxiliares administrativos e de execução, planeja e coordena o modus operandi desse estado de exceção a fim de sanar os motivos que o originou. Portanto, há um dever de agir do Estado a favor da manutenção da ordem vigente, mas esse poder concedido a essa finalidade deve ser controlado, tanto a priori (por meio de leis – CF, art. 36, § 1°) quanto a posteriori (por controle político – CF, art. 49, IV) resguardando assim o parelhamento entre os Poderes por meio do Sistema de Freio e Contrapesos e, principalmente, evitando ações abusivas e autoritárias por parte dos executores, medo que perseguiu o constituinte em toda elaboração da Lei Maior ao recordar atos do Governo Militar (1964–1985).
Postas as limitações gerais no texto legal como exigências mínimas para a elaboração do decreto, o governante tem como responsabilidade decidir a maneira mais eficiente de alcançar seus objetivos, respeitando a amplitude necessária e proporcional do ato frente ao agravo; estipulando prazo de inicio e término da vigência do decreto e dando condições básicas para sua execução.
A ementa do decreto presidencial nº 9.288 que regula a Intervenção Federal do Rio dispõe: “Decreta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública.”. Portanto, para atingir tais objetivos e acatar os três requisitos fundamentais exigidos pela Constituição no uso desse instituto, o Presidente da República, na execução de suas atribuições, determinou primeiramente o prazo de vigência desse estado de exceção, conforme o caput do 1º artigo da resolução: “Fica decretada intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro até 31 de dezembro de 2018.”
5.2. Requisitos mínimos à formulação do decreto de intervenção.
Devido seu caráter excepcionalíssimo, a Intervenção, que é a antítese da autonomia, deve ter caráter temporário, obrigatoriamente, de outra forma estaria ferindo as bases do pacto federativo. No caso em questão, foi estipulado um prazo de um pouco mais de dez meses de atuação interventiva sobre o Estado do Rio de Janeiro, mirando a cura de uma doença crônica que aflige o estado-membro a décadas.
Também o decreto limita sua amplitude no § 1°, art. 1º, dispondo a circunscrição de atuação do poder vigente na área de Segurança Pública, de forma direta e indireta “conforme o disposto no Capítulo III do Título V da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. A amplitude prevê a extensão máxima que o ente interventor pode atingir para alcançar a efetividade de seus atos, a fim de coibir abusos por parte do Poder Executivo, por meio de parâmetros expressos e ratificados posteriormente pelo Congresso Nacional e, não menos importante, invoca os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, impressos em todo normativo constitucional, exigindo toda uma análise-crítica e logística para atingir a plenitude dos resultados visados de forma menos prejudicial possível ao Estado Democrático de Direito.
Tal amplitude, constituída principalmente pela proporcionalidade, adquire tacitamente o tríplice fundamento a ser respeitado na observação deste princípio, estabelecido por José dos Santos Carvalho Filho:
Quanto à razoabilidade como elemento constitutivo da amplitude de ação da Federação sobre os Estados/DF nesse estado de exceção, contém em seu conceito segundo Fábio Corrêa Souza de Oliveira, o próprio controle de arbitrariedade e abusividade, vício que o constituinte se dedicou em toda Constituição Federal cercear. Tal conceito dispõe:
O razoável é conforme a razão, racionável. Apresenta moderação, lógica, aceitação, sensatez. A razão enseja conhecer e julgar. Expõe o bom senso, a justiça, o equilíbrio. Promove a explicação, isto é, a conexão entre um efeito e uma causa. É contraposto ao capricho, à arbitrariedade. Tem a ver com a prudência, com as virtudes morais, com o senso comum, com valores superiores propugnado em data comunidade. (OLIVEIRA, 2003, p.92)
Portanto, concluí-se que a amplitude das ações têm que ser proporcional, razoável e suficiente para dar cabo ao agravo sofrido pelo ente passivo, sendo qualquer excesso cabível de sanções por responsabilidade e nas demais instâncias punitivas.
E por derradeiro requisito exigido no decreto de intervenção, as condições de execução estipulam as especificidades que darão suporte ao aparelho estatal a atingir seu fim. De forma imperativa, o decreto determina quem serão os atores coadjuvantes no processo interventivo e quais são seus deveres e obrigações voltados a cooperar com as diligências estatais e estruturar o aparato que viabilize a Intervenção. A partir do terceiro artigo do decreto presidencial, são normatizadas as condições de execução que auxiliariam o interventor, figura que será explorada em seguida, na consecução de seus objetivos por meio de legislações que o amparasse em seus atos, sua relação de subordinação ao Presidente da República e de colaboração dos entes da Administração Pública Direta e Indireta para os fins de seu interesse.
5.3. Interventor.
O interventor, autoridade federal e figura constitucional, previsto no §1º, Art. 36, CF surgiu – expressamente – apenas na Constituição da Segunda República (1934), pois, na sua precedente (1891) de acordo com Jose Afonso da Silva:
[…] a figura do interventor e sua nomeação pelos poderes da União encontravam sua justificação jurídica na doutrina dos poderes implícitos, segundo a qual, se a Constituição confere um poder expresso para certo fim, há de implicitamente oferecer o meio para atingi-lo, caso não o faça explicitamente. (SILVA, 2005, p. 489).
Embora previsto, sua invocação não é imprescindível, conforme a própria Constituição estipula por meio de uma margem de necessidade e oportunidade dada ao Presidente da República no verbete “se couber” (art. 36, § 1º). Um exemplo de inconveniência da figura do interventor seria em uma intervenção para garantir o exercício do Poder Executivo (Maluf, p. 141).
No caso do Rio de Janeiro, conforme o decreto 9.288, se fez viável a nomeação do interventor direcionado apenas à pasta de segurança pública do governo do estado, fato novo e adequação não prevista na lei maior, mas que se enquadra na margem discricionária de agir da autoridade interventora. Portanto, a Chefia do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro – “Pezão” – permanece em seu cargo original com todas suas atribuições decorrentes, salvo em áreas, direta ou indiretamente, ligadas à segurança pública, que a partir do decreto foi delegada ao General de Exército Walter Souza Braga Netto.
Pelo fato do interventor nomeado, General Braga Netto, ser uma autoridade militar e comandar tropas militares como peça fundamental para o êxito do ato, foi previsto no decreto que O cargo de Interventor é de natureza militar. (Parágrafo único. Art. 2º, Decreto nº 9.288). A Agência Brasil consultou alguns professores, dos quais a maioria não encontrou inconstitucionalidade no ato. Contudo, há controvérsias:
[…] na avaliação de Eloísa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, o texto viola a Carta Magna ao determinar uma “natureza militar” para o interventor. De acordo com Eloísa, não há problemas na ocupação do posto por um general, mas o decreto vai além, ao delimitar a natureza do posto.
“A intervenção é a substituição de uma autoridade civil estadual por outra autoridade civil federal. O interventor toma atos de governo, que só podem ser praticados por autoridades civis. O problema está no decreto conferir esse caráter militar. A consequência prática é que você tem submissão desses atos tomados no momento da intervenção à Justiça Militar, e não à Justiça Civil. É uma proteção inconstitucional”, afirma a professora. (Agência Brasil, Brasília, 2018)
O Presidente da República, por meio do decreto de intervenção, delegou ao interventor todas as atribuições previstas no art. 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, necessárias às ações de segurança pública e sob seu comando todos os órgãos concernentes a essa área, como a Polícia Militar, Polícia Penitenciária, Polícia Civil e o Corpo Bombeiro Militar.
Também colocou à disposição, meios para que seu representante atinja seus objetivos, como recursos humanos e materiais, que inclui recursos financeiros, tecnológicos e estruturais, materializando assim o próprio Estado Brasileiro como ente coator do desequilibro vigente. Destarte, o arcabouço por trás do interventor o coloca em condição de supressor da desordem e de suas causas, assim, eficientemente alcança êxito em sua tarefa e, sem mais motivos que a justifique, a intervenção federal conclui sua condição de existência e se extingue.
Concluí-se, portanto, que toda a histeria que permeia a sociedade incitada por tabloides, não está fundamentada quanto a esse instituto jurídico, a Intervenção Federal. Pois, resgatando os argumentos vistos, tanto o ato interventivo como o próprio interventor são amparados pela Constituição Cidadã, são decorrentes de atos do Presidente da República, eleito democraticamente, e principalmente aprovados pelos representantes do povo no Congresso Nacional.
Também percebe-se o quão se fez necessária tal medida de exceção devido o contexto histórico-político vivido pelo Rio de Janeiro, exigindo pronta resposta da Federação por medidas enérgicas, tal medida ainda inédita aos contemporâneos. Portanto, não se enquadra em uma efêmera manobra política, pois todos os requisitos exigidos pelo rito constitucional foram supridos sobejantemente.
Apesar do caráter militar atribuído ao interventor nessa primeira Intervenção, não se conclui que se trata de uma Intervenção Militar, mas devido a tipicidade do foco da intervenção no Rio de Janeiro, a saber, violência e o domínio de facções criminosas e milícias nas comunidades, viável foi a união das Forças Armadas a segurança pública do estado para por termo a desordem desenfreada, também necessário foi um comando único vindo de autoridade exterior ao alto escalão interno do estado-membro, no caso, o General Braga Netto.
Portanto, as informações dos atos de Governo mediadas pela mídia ao cidadão não são elucidadas de forma satisfatória, criando assim um folclore de proporções magnânimas no ambiente virtual e de telecomunicação, deixando assim, a sociedade em um pânico baseado em falácias. Assim, pelo conhecimento básico da Lei Maior e dos fatos que assolam o país, percebe-se que, independentemente da política brasileira atual, o ato de Intervenção Federal foi legal, oportuno e, até o momento, eficaz.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduando de Direito, pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UniFil. E-mail: Matheus.parra.ribeiro@gmail.com
[2] Advogado. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Filadélfia – UniFil. Orientador do artigo.
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