Resumo: O presente estudo traz a tona um grande e grave problema institucional, étnico e religioso no Brasil, que é a intolerância religiosa e o preconceito racial, no qual teve como palco de mais um destes problemas a Faculdade de Direito do Recife, haja vista, ter sido decapitada a imagem de “Iansã” uma Orixá da Umbanda e do Candomblé, religiões de origem africana, sendo que tal fenômeno ocorreu em um país que não possui religião oficial, é um Estado Laico e numa instituição federal que ensina o Direito.
Palavras chave: Intolerancia religiosa, pratica racial, laicização
Abstract: This study brings up a great and serious institutional, ethnic and religious problem in Brazil, which is the religious intolerance and racial prejudice, which was staged more of these problems the Faculty of Law of Recife, considering, have beheaded the image of "Iansã a" Orisha of Umbanda and Candomblé, religions of African origin, and such phenomenon occurred in a country that has no official religion, is a secular state and a federal institution that teaches the law.
Keywords: Religious Intolerance, racial practices, secularization
Sumário: 1. Introdução, 2. Conhecendo um pouco sobre a Umbanda, o Candomblé e Iansã 3. Laicização Religiosa no Brasil 4. Crime de Prática Racial ou Intolerância Religiosa em relação à decapitação da cabeça da Orixá em Faculdade de Direito 5. Considerações Finais. Referências.
1. Introdução
Visa este artigo mencionar e trabalhar um tema de suma importância social e legal que é a intolerância religiosa e seu desmembramento ou sua motivação em questões raciais, haja vista ser o Brasil um país laico há muito tempo, ser um país mestiço em qualquer de seus sentidos, mas que ainda guarda e cultua uma desigualdade imensa e que na maioria das vezes sufoca e lesa as minorias.
Em pleno século XXI com os inúmeros avanços que a sociedade vem atingindo, mas por ter uma diversidade no aspecto cultural, étnico, religioso do qual o Brasil agrega todos estes valores e de modo como se diz no vocabulário popular é um Estado aonde são todos “juntos e misturados” seja qual for à visão, não vem avançando, não evoluiu, haja vista a reincidência de atos de intolerâncias religiosas principalmente sobre religiões de origem africana e de preconceitos raciais, que teve recentemente como palco desta espécie destes delitos, a Faculdade de Direito do Recife, no qual na comemoração da semana da consciência negra, a imagem de Iansã uma Orixá da Umbanda e do Candomblé, doada a Faculdade mencionada por um grupo de estudantes, foi decapitada por estudante(s) de origem cristã, cujo é este o objetivo geral do trabalho, explanar a intolerância religiosa e racismo sofrido por estas religiões enraizadas no nosso país, pelos nossos ancestrais negros, que recebeu pitadas dos índios e cultuada também por muitos brancos, que será trabalhado a seguir.
2. Conhecendo um pouco sobre a Umbanda, o Candomblé e Iansã
A Umbanda vem da linguagem Quimbundo, um dialeto de Angola no qual significa a “arte da cura”, aonde sua expressão originária é Aumbandhã[1], ou seja, é o elo entre o que se é divino e o que está na terra, que atualmente é uma religião brasileira, de origem mística (ameríndia, católica, afro e posteriormente receberam fundamentos kardecistas), monoteísta (Deus, Tupã, Zambi, Olorum, Oxalá todos são um só, variam apenas na nomenclatura conforme as nações) e heterodoxa.
Sua fusão com as religiões indígenas, africanas, kardecista e católica se deu mediante fruto da grande intolerância e perseguição sofrida por pessoas crentes ou adeptos de sua forma de cultuar ou exercer sua fé, que se dá mediante banhos com folhas de ervas, fumaças com ervas da jurema, Ebó branco (significa banhos de purificação em yourubá) incorporações dos médiuns, danças conhecidas por giras, oferendas as divindades (Orixás) e entidades (caboclos, preto velho, mestres, boiadeiros, marinheiros) orações, bem como pregar a caridade, tendo em vista ter sido muito grande à perseguição e intolerância sofrida por esta religião afro-brasileira, quanto por qualquer outra de matriz africana.
Com os índios, a umbanda recebeu os conhecimentos sobre as ervas, ou seja, sua utilização para magias de purificação, sua infusão para curas, bem como a crença na espiritualidade e o trabalho de pajelança (catimbó) que é a incorporação de caboclos, ou seja, espíritos de indígenas que vinham para dá conselhos aos terrenos e realizar limpezas espirituais, mas por terem sido guerreiros e resistentes as suas escravizações pelos brancos portugueses, tiveram estes brancos que irem ao continente africano para lá conseguirem escravos, no qual teriam mais resultados e lucro com tal povo, devidos serem os negros, pessoas conhecedoras do plantio e do solo brasileiro, que é muito parecido com o solo de sua terra mãe.
Com a escravização do negro, trouxeram eles para nosso país suas religiões, como o Terecô[2], Cabula[3], o Ketu, o Jejê, Nagô e Angola (que são linhas do Candomblé), Ifá, Santeria, bem como outras seitas, mas as perseguições a esta cultura e crença teve início já no período imperial do Brasil, no qual a religião oficial era o catolicismo, então os negros africanos, principalmente os de origens bantos e yorubá, cultuavam suas crenças religiosas nas senzalas, nos quilombos, incorporando os pretos velhos que vinham como conselheiro para aliviar os sofrimentos dos escravos, mas quando eram descobertos tais rituais de fé, os negros eram acorrentados, sofriam açoites e outras torturas, em algumas ocasiões eram mortos[4] por católicos, caso não aceitassem o Deus católico.
Então neste diapasão, começaram os negros a cultuarem imagens de santos católicos, mas com crença e fé depositada nos orixás, divindade de religião africana, segundo relata Emerson D’Oxaguian Pai de Santo de origem ketu em Surubim/PE, surgindo assim o que conhecemos de sincretismo religioso, haja vista, a tríade existente entre o branco católico, o negro macumbeiro e o índio catimbozeiro, pois este último também foi forçado a cultuar o catolicismo, e a partir daí santos católicos passaram a ser referencias de orixás da umbanda e candomblé, como São Sebastião é Oxossi, Nossa Senhora da Conceição é Iemanjá, Santa Barbara é Iansã, Ogum é São Jorge, Xangô é São João Batista, etc.
Continuaram ainda o povo com tais perseguições no século seguinte, com destaque para a Quebra de Xangô em Alagoas[5], e as perseguições sofridas antes da Ditadura de Vargas que obrigaram os oriundos e adeptos das religiões afro-brasileiras a se denominarem espíritas, nomenclatura atribuída aos kardecistas, motivo de mais um sincretismo, vindo também os umbandistas a receberem oriundos desta corrente espírita, pois, por serem eles muito ortodoxos não aceitavam pretos velhos e caboclos que algum mediun kardecista viesse a receber[6], fechando assim o formato e fundamentos atuais da Umbanda.
O Candomblé é também uma religião de origem africana, que cultua os mesmos Orixás da Umbanda, mas que precedem a esta, pois foi trazida de suas linhas africanas Ketu, Jejê, Nagô e Angola conforme supra-elencado, mas diferencia-se da outra religião, pois no Candomblé se cultuam também os exus, pombas-gira, ciganas, ciganos, que são entidades de esquerda, se realiza a matança de animais para oferecer o ejé (sangue em yorubá) como forma de oferenda as entidades que precisam de plasma e o sangue é um elemento rico em plasma para esta religião, fazem giras, trabalhos de despachos em encruzilhadas que é um ponto de muita energia, entre outros rituais, só que ainda sofre tal religião muito preconceito por ser praticada desta forma, motivo qual recebem denominações de magia negra, seita diabólica, mesa negra, linha dos esquerdeiros, algo que se confunde com a quiumbanda, porque está é que trabalha com correntes espirituais não evoluídas, de espíritos tidos por arruaceiros, marginais do plano astral[7], contrário dos esquerdeiros que possuem luz, trabalham na desobsessão, descarrego [8] e são os guardiões dos terreiros.
Visto um pouco das origens e embasamentos destas duas religiões que são semelhantes, e que cultuam os mesmos Orixás, que são as divindades, Iansã que é uma divindade, recebe este nome para os umbandistas, enquanto que, recebe o nome de Oyá (denominação na língua yorubá) para o Candomblé, é uma única entidade divina, tida como a deusa do Rio Níger na Nigéria, e foi nestas religiões de origem yorubá esposa de Ogum um Orixá guerreiro, mas Xangô o Orixá da Justiça, também muito temperamental e guerreiro a tomou de Ogum e passou a ter Oya como sua esposa, vindo a chamar-lhe de Iansã devido os seus olhos parecer com o entardecer segundo relata o Pai de Santo Emerson D’Oxaguian, recebendo ela o título da rainha da coroa de Xangô, e Orixá dos ventos[9], chuvas e tempestades.
Mediante o exposto, foi realizada uma apertada síntese destas duas religiões de origem africana, que possuem muitos fiéis aqui no Brasil, principalmente na região nordeste e que mesmo assim sofre ainda com as discriminações e intolerância do povo e de outras religiões, mas se deixa claro que a matéria sobre essas religiões não se esgotaram e quanto aos problemas enfrentados por ambas, será feita algumas análises mais especifica a seguir.
3. Laicização Religiosa no Brasil
Laicização é todo processo que um Estado adota para desvinculá-lo de qualquer tipo de religião, ou seja, não possui o Estado Laico nenhuma religião oficial,bem como não mantém vínculo de dependência ou subordinação com nenhuma religião.
Para José Afonso da Silva um Estado laico é aquele que vem “admitindo e respeitando todas as vocações religiosas”[10], ou seja, com ele não possui nenhuma espécie de laço que os vincule, é o Estado que prega o direito a liberdade religiosa.
Assim mencionou Alexandre de Moraes citando Canotilho
“Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a idéia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial. Por este facto, alguns autores como Jellinek, vão mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais.[11]”
No Brasil, em seu período imperial, foi outorgada por D. Pedro a Constituição do Império em 1824, tendo nela como norma constitucional uma religião oficial, era a religião católica apostólica romana, tendo em vista o país ter índios que cultuavam a espiritualidade e negros que cultuavam também esta espiritualidade só que de forma diversa, mas o branco português impôs o catolicismo como à religião de Deus e por sentirem donos do Brasil, foi inclusa tal religião na Constituição e com isso passou o Estado a ter vínculo, laços com a religião mencionada.
A primeira Carta Constitucional tupiniquim elencou em seu bojo o art. 5º, uma norma de eficácia plena, aonde determinava como religião oficial do Brasil o catolicismo, embora respeitasse as demais, mas só eram as outras toleradas e seus cultos deveriam ser dentro das casas, no qual foi assim explícita
“Art. 5 da Constituição Imperial – “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.
Passado o período imperial, com a chegada da Proclamação da República, foi promulgada a primeira Constituição Republicana do Brasil em 1891, no qual a partir deste momento que houve a laicização da religião no nosso país, foi a partir deste momento jurídico-político, da criação deste novo Estado que as demais religiões e principalmente as brasileiras descendentes da África e da cultura ameríndia, passaram a ser reconhecidas e liberadas para serem cultuadas publicamente[12], estando tal dispositivo legal explícito no seu art. 72, §3º, que assim estava transcrito
“Art. 72, §3º da CF/1891 – “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum”.
Destarte, após este momento já foram promulgada e outorgada outras Constituições Federais, mas nenhuma delas estabeleceu vínculo do Estado tupiniquim com algum tipo específico de religião, mas sofreram e ainda sofrem as religiões minoritárias, violências como a intolerância e em alguns casos tais fatos se estendem além desta intolerância, vindo às religiões de descendência africana a sofrerem mais com tal fato, e isto ainda acontece em pleno século XXI, mesmo existindo lei (Lei nº 11.635/07) e uma norma de eficácia plena constitucional (art. 5º, inc. VI da CF/88) que permite a liberdade de crença e religião, alguns cidadãos não aceitam de modo algum outra religião que não seja as de natureza cristã e cometem tais violências lesando principalmente a Constituição Federal.
Sobre esta liberdade de crença e religião, explanou Jorge Miranda
“A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis.”[13]
Esta liberdade de crença e religião acima comentada, não permite qualquer tipo de preconceito ou intolerância, mas como cediço isto não vem sendo respeitado e como principal exemplo tem-se o Evangélico Edir Macedo, uma pessoa pública que abominou as religiões de origem africana, vindo ele a se manifestar de forma demasiadamente crítica, distorcida e preconceituosa sobre a Umbanda e suas entidades, aonde disse ele que “trava uma guerra santa quanto as obras do diabo que é oriunda do Kardecismo, da Umbanda, do Candomblé e seitas similares.”[14]
O indivíduo supra Bispo da Igreja Universal também foi autor de outras intolerâncias religiosas, como o caso em que chutou uma Santa Católica, e o da mãe Gilda de Ogum, uma babalorixá que morreu de infarto após ver sua imagem e nome publicado em matéria do jornal da Igreja Universal do Reino de Deus, com o título de Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes, vindo a ter também o seu terreiro ou barracão invadido por religiosos neopentecostais[15], motivo que foi criado a lei contra intolerância religiosa, lei esta que possui apenas três artigos, mas é bem contundente no repudio a tal delito, a qual foi publicada em 21 de Janeiro de 2007, mesma data da morte da babalorixá supracitada e que em seu art. 1º, elenca o seguinte, in verbis
“Art. 1o Fica instituído o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa a ser comemorado anualmente em todo o território nacional no dia 21 de janeiro”.
Destarte, tal dispositivo legal, tutela não apenas as religiões de origem africana, mas todas as religiões que aqui existem e é cultuada, auxiliando desde já, uma norma de eficácia plena que é o art. 5º, inciso VI da CF/88, norma esta que não precisa de lei infraconstitucional para produzir seus efeitos, mas devido o não respeito de alguns fanáticos religiosos ou de pessoas que não aceitam, ou que odeiam outras religiões, principalmente as das minorias, vindo assim o Brasil, a dá um grande passo no combate a este grave problema institucional de cunho etnológico e cultural, haja vista ser o Brasil um país miscigenado e laicização não permite um dirigismo religioso[16].
Em suma, mesmo com regulamentação na própria Carta Constitucional, em leis infraconstitucionais, o problema está além do que se imagina em relação a sua resolução, basta apenas observar, principalmente em Pernambuco, as invasões sofridas por terreiros de Umbanda e Candomblé em Olinda[17], já o Rio de Janeiro, foi considerado recentemente como o segundo estado-membro com maior número de casos de intolerância religiosa do país em 2014, perdendo apenas para São Paulo informou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH)[18] após denuncia, de que escola pública proibiu entrada de aluno (menor) com guias de Candomblé por cima da farda e a maioria destes casos são voltados em ataques a religiões de matriz africana, principalmente o Candomblé, em Manaus no início do ano, no mês de Maio um pai-de-santo foi morto vítima de intolerância religiosa[19], e novamente aqui em Pernambuco ocorreu um ataque a imagem de Iansã no salão nobre da Faculdade de Direito do Recife, no qual deu ensejo ao tema deste trabalho e que será abordado no próximo tópico.
4. Crime de Prática Racial ou Intolerância Religiosa em relação à decapitação da cabeça da Orixá em Faculdade de Direito
Tal acontecimento, ou seja, a decapitação da imagem de Iansã deixou muitas pessoas da comunidade jurídica atônitos, vindo a ser repudiado não só por pessoas do corpo docente e discente da Faculdade de Direito de Recife (local do fato), como a reitoria da UFPE e a OAB – Seccional Pernambuco, no qual a entidade exige que seja apurado tal fato pela autoridade policial competente, que segundo o Presidente desta entidade de classe foi “um ato covarde e odioso, que bem denota o quanto estão inter-relacionadas a intolerância religiosa com o preconceito racial em nosso país”[20], já a UFPE em nota repudiou considerando este ato como “intolerância religiosa”[21].
A imagem tinha sido doada por um grupo de estudantes atuantes da Faculdade de Direito do Recife, o Movimento Zoada, e no dia 20.11.2014 a imagem da Orixá do Candomblé e da Umbanda como já se explanou acima, foi encontrada sem a sua cabeça por volta das oito horas, aflorando tal ato o animus de alguns alunos daquela instituição e de terceiros interessados, tendo em vista muitos católicos, evangélicos terem protestados sobre a presença da imagem representante da Orixá ter ficado no rol do salão nobre daquela faculdade.
Jorge Ferraz[22] realizou uma grande e bem fundamentada explanação sobre possíveis tendências, que pode ter dado ensejo a este fato, tido por intolerância religiosa para uns e ainda mais o racismo por outros, tendo em vista, para se colocar a imagem da Santa católica Nossa Senhora do Bom Conselho, que é a padroeira da Faculdade, doada por alguns alunos, teve que ser submetido tal doação da imagem a um procedimento administrativo solene pela direção da Faculdade de Direito e com a imagem da Orixá isto não aconteceu, o Movimento Zoada apenas fez a doação e colocou lá no salão nobre a imagem de Iansã, levando ao repudio de alunos católicos, levantando assim hipóteses para que tal acontecimento se deu por motivo de intolerância religiosa, partindo de alunos que possa ser desta religião cristã.
Além da intolerância religiosa, também foi mencionado o crime de preconceito racial por algumas autoridades, tendo como embasamento para tal afirmação, o art. 1º da Lei nº 7.716/89, que teve sua redação alterada pela Lei nº 9.459/97, no qual prevê uma pena de reclusão de um a três anos e multa, se não vejamos
“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional
Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
Visto tal dispositivo legal, que se encontra no bojo das duas leis infraconstitucionais, em se tratando de uma exegese literária do dispositivo supra, caracteriza sim o fato da decapitação da imagem de Iansã o crime de preconceito racial, mas não se pode levar em conta, caso o possível infrator venha a ser tipificado em tal delito, que será ele condenado neste diapasão, haja vista, terão que ser ponderado as questões e circunstancias que lhe levaram a tal ato, mas é cediço que do delito de intolerância religiosa prevista no art. 208 do Código Penal este possível infrator não escapará, mas não vem ao caso pré-julgar ninguém, haja vista, não ser o objeto do trabalho, mas sim explanar que tal conduta é considerada crime por nosso ordenamento pátrio, com previsão constitucional e infraconstitucional conforme já foi argumentado, podendo ser atribuída a ela ambas as tipificações, ou seja, intolerância religiosa e preconceito racial.
5. Considerações Finais
Diante do exposto, foi realizada uma explanação que não esgotou o tema, mas trouxe fundamentos da Umbanda e do Candomblé, suas origens, seus seguimentos como religião e o sofrimento com a intolerância religiosa que essas religiões de origem africana sofreram e sofrem até hoje, e isto principalmente por religiosos de origem cristã.
Salientou-se que o Brasil é um Estado laico, ou seja, que não possui uma religião oficial, mesmo já tendo anteriormente no período imperial o catolicismo como a religião do império, segundo a Constituição Imperial, e a liberdade de crença com esta laicização foi estabelecida, tendo sido tutelada pela CF/88 em seu art. 5º, inciso VI, motivo que de plano exige respeito a todas as religiões, mas na prática isto não ocorre, e as religiões de matrizes africanas são as que mais sofrem violências como: invasão de seus terreiros, agressões, assassinatos de membros destas religiões, declarações ou publicações intolerantes e que chega a denegrir tais religiões e crenças, motivo que se levou a publicação da Lei nº 11.635/07 no dia 21 de Janeiro em homenagem a uma mãe-de-santo que faleceu ao ver suas imagens divulgada em jornal da Igreja Universal com conteúdos intolerantes, para que ficasse mais restrita a tutela contra esta intolerância, mas na verdade ainda não vem tendo a eficácia desejada e o problema vem se proliferando, haja vista ser um problema institucional, de cunho étnico e cultural que descamba também para prática de racismo, embora sermos um país mestiço, formado por várias culturas e cores de pele, só que muitos querem fazer prevalecer o branquismo de origem européia, incidindo assim no desrespeito e a ofensa à diversidade e às minorias[23] em se tratando de religião e raça.
Destarte, trazendo a baila o caso da decapitação da imagem de Iansã, Orixá da Umbanda e do Candomblé, que ocorreu na Faculdade de Direito do Recife, vislumbra-se que foi violado o dispositivo constitucional que prevê a Liberdade de crença e de culto, por indivíduo(s) de origem cristã com ódio e intolerância, que o levou ou levaram a prática deste ato repugnante, bem como, por motivos racistas, haja vista, ter sido a imagem doada por um grupo de estudantes de tal Faculdade, na semana que comemorava a consciência negra, e as religiões supracitadas tem raízes negras, deixando assim abismado muitas pessoas da comunidade forense, porque demonstra que os ensinamentos do curso de direito, principalmente os abordados no Direito Constitucional (especificamente Direitos fundamentais), em Direitos Humanos não estão surtindo efeito para muitos acadêmicos, sendo tal ato aqui explanado, uma demonstração de que o tempo gasto em sala de aula pelos professores está alguns acadêmicos jogando-o na lata do lixo, e no lugar de termos uma evolução, seja social, cultural ou jurídica, enxergamos um retrocesso aos séculos passados e que nos faz temer como será a sociedade representada posteriormente por futuros advogados intolerante, intransigente, racista e com ódio em seu interior.
Em suma, conclui-se que tal fato jurídico, destoou daquilo que é tutelado por nosso ordenamento jurídico e que condutas desta monta deverá ser sempre tratada com rigor e seu(s) autor(es) ser(em) responsável(is) por este ato, tendo em vista ser o Brasil um país rico na diversidade cultural, religiosa, de várias etnias e laico, não comportando atitudes mesquinhas, intolerantes e de preconceito, seja qual for seu tipo, conforme explana o art. 3º da CF/88, haja vista qual do cidadão brasileiro tem linhagem pura? Nenhum, pois somos um país formado por varias misturas.
Notas:
Graduado em Direito e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade ASCES, Advogado
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