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Juiz de Garantias: inovação polêmica ou “Cortina de Fumaça” para as verdadeiras mudanças no sistema penal?

   *Luna Floriano Ayres

O juiz de garantias ganhou os holofotes da mídia, tornando-se o centro das discussões entre operadores do Direito e cidadãos brasileiros. Porém, o fato é que o Pacote Anticrime, aprovado na última semana de 2019, traz mudanças muito mais significativas que nem sequer estão sendo mencionadas.

Fundamento a assertiva anterior no fato de que o juiz de garantias trata-se, no fim, da efetivação – e personificação – de direitos que vigoravam previamente à sanção da Lei 13.694/2019. Refiro-me, neste ponto, ao direito do réu a ser julgado por um juiz imparcial, que ao absolver ou condenar o acusado, levasse em consideração apenas as provas produzidas em instrução processual: tratava-se de norma válida, vigente, porém sem eficácia.

Portanto, não houve inovação substancial no que concerne a instituição do juiz de garantias, uma vez que este apenas dá forma a novos procedimentos para a efetivação de direitos que já estavam vigentes.

Por sua vez, a inserção de normas que modificam características essenciais do Estado brasileiro e, afetam diretamente a vida e garantias fundamentais dos cidadãos, que deveriam, portanto, estar no centro dos debates, estão sendo ocultados por esta “cortina de fumaça” que se transformou na polêmica infundada do juiz de garantias.

Destaco, aqui, o aumento do tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade de 30 para 40 anos. O acréscimo do período de encarceramento em quantia tão expressiva – 10 anos – deveria, por si só, ter gerado ampla discussão, baseada em dados empíricos e nos efeitos de tal medida para a sociedade.

Em que pese o nosso ordenamento não permita prisão perpétua, a mencionada mudança traz, implicitamente, a aprovação daquela, posto que o indivíduo de 20 anos que for condenado, poderá permanecer preso até os 60. Considerando que a estimativa de vida diminui drasticamente para aqueles que estão encarcerados, dadas as condições insalubres a que são expostos, a medida aprovada pelo atual governo pode sim equiparar-se a aprovação da prisão perpétua no Brasil. E a nós cabe ainda a indagação, em quais condições, caso esta pessoa sobreviva ao sistema prisional, haverá a reinserção desta na sociedade?

Ao aprovar tal medida, coroa-se a falência do sistema penal como forma de “reeducar” e “reinserir” o apenado à sociedade, sendo que por uma questão de lógica de governo, podemos esperar o abandono de investimentos na infraestrutura das penitenciárias, para que estas ofereçam condições mínimas de dignidade aos que estão segregados por seus muros.

Se antes aqueles que adentravam no sistema carcerário tinham poucas chances de conquistar uma vida digna ao se tronarem egressos, agora a realidade se mostra ainda pior. E para nós, que –ainda- estamos do lado de cá dos muros, a violência provavelmente virá como resposta de ambos os lados – Estado e condenados – atingindo-nos em cheio.

Outra mudança substancial consistiu na introdução do §2º do art. 310 do Código de Processo Penal, que passo a transcrever: “§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. ”

Proibir a concessão da liberdade provisória pela simples constatação de reincidência, sem determinar a diferenciação entre crimes com violência ou sem, agravará o encarceramento em massa, sendo certo que em muitos casos a prisão preventiva mostrar-se-á mais gravosa do que a sanção imposta por sentença. Por exemplo, uma pessoa que tenha cometido um furto, após o cumprimento integral de sua pena, acaso cometa outro furto, terá necessariamente a sua prisão preventiva decretada, ainda que em sentença lhe seria cominada pena a ser cumprida em regime aberto.

Por outro lado, considerando que integrar organização criminosa ou milícia constituem condutas que por si só configuram crimes, a decretação da prisão preventiva com base na suspeita destes delitos – posto que ainda não houve instrução processual para verificar se de fato procede a acusação – constitui grave violação ao princípio da presunção de inocência.

Em verdade, o §2º configura clara antecipação da pena, posto que decreta a prisão do acusado pela mera possibilidade de reincidência e/ou pertencimento à organização criminosa ou milícia.

Estas são apenas duas das inúmeras mudanças introduzidas pelo Pacote Anticrime, que estão sendo ocultadas pela polêmica do juiz de garantias, havendo outras alterações que merecem e necessitam da atenção e questionamentos da sociedade.

A nós, operadores do Direito, cabe mais do que nunca tentar desmistificar a ilusão de que um Estado autoritário garante a segurança pública, caso contrário, em breve não restarão garantias individuais a serem observadas durante a persecução penal, tornando-se o encarceramento a resposta mais curta para qualquer ato.

* Luna Floriano Ayres, advogada da área penal empresarial do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

 

Âmbito Jurídico

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