Nos
últimos trinta anos, o Brasil experimentou um grande desenvolvimento econômico
e sua população dobrou, vivendo, hoje, perto de 80% nas grandes cidades. A par
disso, a qualidade de vida, no tocante à segurança pública, piorou
sensivelmente, com índices alarmantes de criminalidade. Ao longo desse tempo,
Polícia, Judiciário, Ministério Público e o sistema de execução de penas não
foram dotados de recursos materiais e de pessoal à altura da demanda pelos seus
serviços. Nem tampouco a organização, sob o plano institucional, modernizou-se
como os cidadãos almejam, e, em conseqüência, acentuou-se cada vez mais a
insatisfação da sociedade em relação à Justiça, considerada como um todo.
A invocação mais costumeira e permanente é a
impunidade. Reclama-se que a polícia não previne o crime e não investiga
adequadamente; que os processos se eternizam no Judiciário; que os criminosos
não são presos, processados e condenados, o sistema não os recupera ou os ressocializa, mas, pelo contrário, torna-os mais aptos.
Sob
o ponto de vista legal, o Judiciário parece cada vez mais sobrecarregado.
Processos e procedimentos continuam lentos, com uma possibilidade recursal
extremamente generosa. O número de processos, nesse rumo, é assustador, sendo
difícil antever o fim. A quantidade de leis e sua mudança incessante criam um
verdadeiro caos na inteligibilidade do que é crime ou mero ato ilícito
não penal.
Dentro
dessa realidade, o imaginário jurídico-legal está refinando-se. Ao mesmo tempo que se criam leis, aumentando as penas, com
novos tipos de crimes e regras processuais supressoras de garantias
constitucionais, também, por outro lado, instituem-se instrumentos despenalizadores, com forte tendência liberalizante, uma
vez que a experiência demonstrou que a imposição da pena privativa de liberdade
como solução para todos os conflitos sociais não reduziu os índices de
criminalidade, como teoricamente sustentado, mas aumentou a crença popular na
impunidade.
Restava
pôr em prática a idéia de que ao Direito Penal é reservada uma função
fragmentária, mínima e subsidiária na tarefa de tutela social. Porque lhe é
conferida a proteção de alguns, apenas dos bens e interesses sociais, os reputados mais relevantes pela comunidade, deve o Direito
Penal ser invocado a intervir somente, quando se mostrarem insuficientes, ou
ineficazes, os demais ramos do ordenamento jurídico.
No
segmento desta linha de pensamento, não compete ao Estado perseguir penalmente
toda e qualquer infração social. Face a estrutura do
ordenamento jurídico em vigor, sustentava-se que ao Estado se impunha mitigar o
princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, substituir, em alguns
casos, o princípio da verdade real pelo da verdade consensual, bem como
introduzir novas medidas alternativas à tradicional pena privativa de
liberdade, destacando-se esta como último recurso posto à disposição do Estado
para proteção de seus súditos.
Com
a edição da lei nº 9099/95 e a conseqüente vigência
entre nós de seus modernos institutos, inúmeras são as situações novas a serem
enfrentadas no cotidiano forense. Para dirimir estas questões, devemos sempre
ter por norte o espírito primordial do legislador, que foi o de imprimir a
celeridade, a oralidade e, até, a informalidade na condução dos feitos por ela
regidos. Em resumo, temos que ser criativos, eis que este avançadíssimo
estatuto convive com o Código Penal e de Processo Penal-
apesar das reiteradas modificações- bastante antigos.
Os
Juizados Especiais seguem um idéia reformista do modo
de atuação do Poder Judiciário, ou melhor, de fazer-se justiça com o
Judiciário, constituindo-se o centro das atenções com vistas à eficácia e
celeridade processual, mediante o emprego da oralidade, simplicidade e
economia, nas questões cíveis de menor complexidade e nas infrações penais de
menor potencial ofensivo. Os Juizados Especiais têm inspiração na Common law e eram defendidas, há
muito, pela doutrina patrícia, sendo objeto de normatização
na seara do direito infraconstitucional, mediante a edição da Lei n.º 7.244, de 07 de novembro de 1984 criando-se o Juizado
Especial de Pequenas Causas Cíveis, que foi instalado em diversas comarcas,
muito embora, encontrasse resistência de advogados e, até, mesmo, de juízes.
Por
força do mandamento constitucional (Constituição Federal, artigo 98, I), o
legislador ordinário instituiu no cenário jurídico nacional, a Lei n.º 9.099 de 27/09/95, pela qual se deu margem a uma
verdadeira mudança na mentalidade punitiva clássica. Isto porque, criando
institutos de natureza marcantemente despenalizadora
– composição civil, transação penal e suspensão – investiu contra a couraça da
concepção clássica tradicional apoiada, exclusivamente, na aplicação da pena
como instrumento para a efetivação do direito, tendo a prisão como um dos seus
alicerces fundamentais, rompendo-a e apontando as vantagens jurídicas da nova
concepção.
Aí
é que os reacionários do Direito Penal não se conformaram. Onde se viu!
Barganhar com bandido! Receber alimentos, remédios, cadeira de rodas, etc., de
criminoso! Isso é um absurdo. Bandido tem que ir para a cadeia. Esqueciam estes
e aliás, muitos deles ainda não se deram conta de que
os autores de infrações pequenas, mesmo na sistemática anterior, não iam para a
cadeia. A maioria dos delinqüentes desta categoria, como se diz no jargão
popular, é absolvido com “sursis”. Ou seja, a punição
se exauria no faz de conta. A polícia finge que apura as infrações. O
Ministério Público finge que processa o infrator. O juiz finge que pune. O
delinqüente finge que cumpre a pena. A sociedade, que, aliás, paga caro por
isto tudo, finge que acredita.
A
que se considerar que como qualquer novo instituto está sujeito a críticas
dentre elas posições negativas como as que afirmam que a Lei nº 9099/95 é uma aberração jurídica, dado que seu
cumprimento fere a honorabilidade do cidadão, fere a sua cidadania e o Estado
nega a sua prestação jurisdicional ao cidadão com o esdrúxulo pretexto de
“desafogar” as prateleiras dos Cartórios Criminais de grande parte dos
processos, são cometidas as maiores injustiças, fruto da neociência
dos indiciados em matéria criminal e da falta de vontade dos defensores para
prepararem uma ampla defesa (artigo 5º, LV da Constituição Federal) ela aplica
uma pena por crime que o cidadão não só cometeu, como condená-lo sem dar a ele
o direito de ampla defesa ( assegurada na Constituição
Federal, artigo 5º, da LV), para comodidade e ociosidade dos operários do
Direito (juízes, promotores e advogados), como se provará adiante. Sendo uma
lei enganosa na sua aplicação e tendo como protagonistas dessa situação vexatória
para a imagem da Justiça os juízes, promotores e advogados.
Asseveram,
ainda, os críticos que os lidadores do direito não devam esquecer que a
administração da justiça é algo mais do que uma análise dos custos benefícios;
é absolutamente injustificável buscar legitimar as práticas de disponibilidade
do objeto do processo pena, principalmente estadunidense, ao simples fundamento
de que os prejuízos que se podem produzir são enormes. Todos os cidadãos
possuem o direito a justiça e é dever do Estado proporcionar um sistema que
possa efetivamente prestar justiça para todos, não só para uma minoria; nenhum
benefício aparente pode preponderar sobre a necessidade de preservar o sistema
de justiça criminal.
Incorre-se
em erro ao tentar aplicar á administração da justiça os princípios e valores da
sociedade capitalista: a produtividade, entendida como a maior ou menor
percentual de condenações obtidas, convertendo-se num instrumento de medida da
eficácia da atividade jurisdicional nos ordenamentos jurídicos de nosso tempo.
Num
ponto, conquanto as diferenças de enfoques, todos são concordes, as penas
privativas de liberdade, ao contrário do que se imaginou, não trouxeram e não
trarão os resultados desejados quer na contenção das condutas delituosas, quer
na ressocialização ou recuperação dos delinqüentes e
não bastasse, o custo da sua execução é altíssima para o erário, eis que
consoante as estatísticas divulgadas, o preso no
Brasil tem um custo médio mensal de três salários mínimos e meio. Daí, a
necessidade de se buscar novas alternativas às penas privativas de liberdade.
No
direito comparado, poderemos observar uma série de institutos de grande
semelhança ao nossos Juizados, como podemos observar
nos Estado Unidos da América as “plea guilty” e “plea bargaining”. Essa figuras do “plea bargaining” e “plea guilty” suscitam uma
controvérsia entre os juristas e os criminólogos
americanos Os críticos apontam insistentemente para a desigualdade e a
injustiça que se refletem na “plea negotiation” e que esta , por sua vez, potencia e amplia.
Como negociação de fatos (e do direito) feitas no
gabinete do Ministério Público ou nos corredores do Tribunal, subtraída da
publicidade. Quanto ao alcance prático do “plea barganing” nos Estados Unidos, observam-se
que através dele são solucionados de 80% a 95% de todos os crimes, por outro
lado, inquéritos feitos por uma amostragem significativa de promotores
revelaram que estes consideram cerca de 85% dos casos da sua experiência como
adequados a uma solução de “plea barganing”.
As vantagens das negociações e das declarações de
culpabilidade reside no fato de serem uma forma de
administrar a justiça de forma muito mais flexível do que o modelo tradicional.
Como se assinala no caso Bordenkircher v. Hayes, “seja como for a situação
em um mundo ideal, o fato é que a guilty plea e a plea bargain
são componentes importantes do sistema judicial deste país. Properly administered, they can beneficit all concerned”. Entre essas “mutuality advantages”, que sem
dúvida alguma, são a base para que mais de três quartos das condenações nos
Estados Unidos da América sejam produto das “pleas” e
as quais são necessárias para que hoje, em dia, a administração funcione.
Podemos
ainda observar no Direito Comparado o caso da Alemanha que prevê, no parágrafo
153 da Lei Processual Penal, a abstenção da persecução penal por delitos
menores, as denominadas bagatelas. Em Portugal, o artigo 281 do Código de
Processo Penal regula a suspensão provisória do processo. A Itália, o artigo
444 do novo Código de Processo Penal, criando um procedimento alternativo
ordinário. Na Espanha depois da reforma de 1988 estabeleceu um procedimento
abreviado para determinados delitos.
Toda
a obra humana visa a um ideal, mais alto ou mais humilde, mais real ou mais
quimérico, porém sempre um ideal. Não faz exceção o trabalho do legislador,
pois ele procura imprimir no mundo social a mesma
ordem que reina no universo e isso se consegue com a imposição da lei moral e
da lei jurídica, a primeira ilumina e orienta as consciências, mas nem sempre
com bom êxito.
Verifica-se
a necessidade de mudança da mentalidade de todos os aplicadores do direito, no
que concerne ao campo penal e processual penal, com relação aos delitos de
menor potencial ofensivo. Trouxe a Lei Federal n.º 9099/95,
o marco de um novo tempo, o fim de uma era, que já agonizava à décadas.
Todavia, infelizmente , no dia-a-dia, as resistências,
para sua verdadeira implementação serão muitas. Os velhos Institutos temerão,
pois ainda se ouvirá dos conceitos tradicionais travões
capazes de neutralizar esta importante revolução. Mas o aplicador da norma tem,
com essa lei, uma, responsabilidade histórico-jurídico-social
gigantesca. Acima disso, uma responsabilidade ética.
Acomodar-se
à simplicidade de transpor, mecanicamente, os padrões legais até hoje vigentes
para os novos casos, será sem dúvida o sepultamento prematuro da possibilidade
de mudança. O desafio está aí, agora é a vez da sociedade, representada pelos
operadores do direito o desafio de vencer.
Os Juizados Especiais Criminas
continuam a fecundar controvérsias na ordem jurídica e pungir o hermeneuta. Não
fosse bastante os institutos do acordo civil, de
transação penal e o sursis processual, que já se constituíam notáveis
singularidades em sede de direito criminal brasileiro, agora, se fomentam
incipientes embates quanto ao alcance e competência dos Juizados Especiais
Criminais. Diante desta novel moldura jurídica, o mister do intérprete é
proeminente para a captação e o enfrentamento destas questões iuris, na busca continua à plena realização material do
direito, com assaz entrega do bem da vida.
Trata-se
de uma MUDANÇA DE RUMOS com a criação de novos institutos valorados através de
mecanismos de integração na busca da eficiência com segurança. É preciso evitar
que a interpretação venha conferir aos novos institutos os contornos dos
antigos.
Pois
agora parece que a vítima começou a importar. Com o advento do novo estatuto
dos crimes de menor potencial ofensivo, o lesado passou,
de mero referencial do episódio “sub judice”, a ser sujeito de direitos, numa relação triangular
com a parte contrária e o julgador. Atualmente, ele discute em plena audiência,
diretamente com o indigitado infrator a indenização que lhe é devida pelos
danos sofridos. Se por um lado, não há mais cárcere, hoje somente reservados a
criminosos perigosos, o fato é que também não existem mais os prêmios.
Enfim,
criou-se uma alternativa adequada aos ilícitos de bagatela ,
de modo a permitir, a um só tempo, que seja plenamente satisfeita a justiça
sonhada pelo ofendido e que seja eliminada a sensação de impunidade do ofensor.
Tudo isso realizado no âmbito de um procedimento que, antes de fomentar
conflitos de interesses e tendencionar a punição como
norte fundamental, persegue um novo objetivo : a
conciliação entre as partes.
O
sistema antigo faliu, desmoronou, essa é que é a verdade. Não há mais espaço
para a persecução penal inerte, viciada e inócua. A Lei nº
9099/95 sintetiza e preconiza uma nova ordem: celeridade, modernidade,
eficácia. Um poder judiciário convenientemente estruturado, com suficiente
número de Juizados Especiais em funcionamento, atuando em tempo integral,
inclusive a noite, de forma desburocratizada,
descomplicada, acessível a todas as ocorrências que
lhe sejam oportunamente encaminhadas.
A
lei nº 9099/95 precisa urgentemente ser compreendida
em sua inteireza. Necessita, principalmente, de vontade política dos
governantes, dos administradores, da atenção dos juristas e dos lidadores do
direito, a fim de que não a transformem numa cartilha
inútil, como tantas outras, divorciada da realidade prática, vítima de uma
postura reacionária.
É
ingênuo pensar que uma sociedade como a nossa, marcada por tamanhas diferenças
sociais, por desemprego e pela miséria, consiga viver em paz, pois é o estado
de guerra que, hoje, cada cidadão enfrenta e que só poderá ser resolvido quando
tomarmos consciência de que é injusto e irresponsável tão somente esperar
soluções. É preciso, urgentemente. O esforço de todos para a mudança.
Hoje,
no Mato Grosso do Sul, e em várias Comarcas, com essa modalidade de pena
alternativa, está-se atendendo às necessidades, em grande parte, de várias
entidades filantrópicas, caritativas e assistências, graças à nova sistemática
implantada pelos Juizados Criminais. Medidas, aliás, de cunho social
inquestionável e de fácil executoriedade. Diria sem
nenhum custo para o erário. Não é fantástico? Assim mesmo, há veemente
contestação, e, até mesmo, forte rejeição por vários operadores do direito a
esta modalidade de prestação de serviço à comunidade. Experiência esta,
atualmente, adotada em
vários Estados da Federação.
A lei nº 9099/95 é uma esperança que dentre
outras deverá lograr sucesso para o bem da sociedade trazendo uma justiça mais
acessível, digna e mais perto de quem precisa: o
povo.
Advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; Conferencista
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