Resumo: O presente artigo pretende analisar a natureza jurídica do jus postulandi, apontar a fragilidade existente nos fundamentos teóricos utilizados para justificar a não-incidência dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho e comentar a jurisprudência atual sobre o tema.
Palavras-chave: Jus Postulandi. Honorários Advocatícios. Acesso à Justiça.
Abstract: This essay analyzes the legal nature of jus postulandi, points out the fragile nature of the theoretical bases which support the non-incidence of attorney’s fees in labor legal suits and comments the current judicial precedents on this topic.
Keywords: Jus Postulandi. Attorney’s fees.Access to justice.
Sumário: Introdução. 1. A tríplice juridicidade do Jus Postulandi. 2. Jus Postulandi: de direito à ficção. 3. A lógica de uma conclusão ilógica. 4. A recente decisão do STF: onde há a mesma razão, há o mesmo direito. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O acesso à justiça, o direito de petição e o direito à assistência por advogado situam-se entre os mais basilares e sagrados direitos fundamentais do cidadão dentro do contexto democrático de relações de particulares entre si, e destes com o Estado e seus agentes. Quando os conflitos de natureza jurídica se formam, eles imbricam-se diretamente para constituir a base de garantias estruturantes da relação processual.
Na confluência desses três direitos fundamentais, residem o tema da capacidade postulatória do trabalhador na Justiça do Trabalho e a polêmica e respectiva questão dos honorários de sucumbência. A faculdade de o trabalhador dirigir-se diretamente ao Judiciário trabalhista, o jus postulandi, constitui uma nobre e valiosa conquista em um país repleto de desigualdades, rico em vícios estamentais de uma sociedade ainda refém da Casa Grande e sequioso de instrumentos conducentes a uma justiça material mais abrangente.
Entretanto, as vicissitudes da evolução histórica das relações jurídicas de trabalho, cuja complexidade cada vez maior ensejou regramento vasto e métodos específicos dentro deste ramo da Ciência do Direito, permitiram que aquela conquista fosse olvidada em sua natureza, o que levou ao seu descolamento contextual e anacronismo institucional. Assim, a capacidade postulatória do trabalhador passou a ter a natureza de uma espécie de “faculdade-putativa”, uma quasi-obrigação, o que é fácil e metodologicamente demonstrável a partir da constatação de que seu descumprimento, isto é, a contratação de advogado, é seguido de sanção (econômica), uma vez que o pagamento do causídico dar-se-á com parte dos direitos patrimoniais antes violados do trabalhador, o que não ocorre em nenhuma outra seara do Direito brasileiro, à exceção dos juizados especiais[1].
Recentemente, todavia, uma decisão do STF, em ação que transitou em Juizado Especial Federal, abriu novas possibilidades de entendimento jurisprudencial e reconsideração doutrinária acerca da questão, pela via da analogia jurídica, uma vez que apontou a Corte Suprema para a inconstitucionalidade de texto legal que afastava a incidência de honorários advocatícios por sucumbência em ações versando sobre o FGTS. Um exame mais atento desta decisão permite identificar a similitude de ambas situações jurídicas, conquanto em searas distintas do Direito e, ao se revelar a ratio decidendi no caso apontado, pode-se evidenciar a inadequabilidade do atual entendimento sobre a relação entre o jus postulandi e a condenação em honorários por sucumbência na Justiça do Trabalho.
1. A TRÍPLICE JURIDICIDADE DO JUS POSTULANDI
O acesso à justiça tem significativo valor na construção e manutenção dos valores democracia e justiça, e constitui um dos pilares de nosso regime constitucional democrático. Por um lado, sem querer ingressar, aqui, no tormentoso mar onde navegam os temas da judicialização da política e da politização do jurídico, o acesso dos indivíduos e coletividades ao Judiciário tem assumido papel de relevância cada vez maior, não somente para alcançar a tão almejada “pacificação social”, como também para a concretização das garantias e direções programáticas que a nação se propôs a ter e alcançar por ocasião do momento constituinte.
Por outro lado, conquanto fundamental para o exercício da cidadania, tanto pela ótica passiva (garantia), como ativa (cidadão como ator democrático e não mero espectador), o efetivo acesso à justiça é direito de difícil exercício para o cidadão comum, sujeito e destinatário da ordem constitucional. A linguagem excessivamente técnica, a enorme complexidade dos writs[2]processuais, assim como da organização judiciária, e a própria racionalidade científica do Direito, com seus princípios, métodos e teorias elaborados e próprios, conspiram contra o acesso direto à Justiça, exsurgindo a importância do papel do advogado tal como prescrito no texto constitucional, em seu essencial munus público.
Residindo na raiz das garantias constitucionais, o direito de petição é uma das grandes vitórias na longa e tortuosa passagem do absolutismo à democracia. Nasce com as Petições de Direitos, os Petitions of Rights, instrumentos comumente utilizados na Idade Média, sutilmente permissíveis de alegações contrárias ao soberano[3], já que o Rei não poderia jamais errar (“the king can do no wrong”). De fato, antes da Revolução Gloriosa de 1688, que deu origem à Bill of Rights[4] no ano seguinte, qualquer petição dirigida ao Rei, ou mesmo ao Parlamento, poderia ser considerada um grave crime de “incitação à desordem” (tumultuous petitioning)[5].
No Brasil, o direito de petição é previsto desde a Constituição do Império de 1824, com o seguinte texto:
“Art. 179.(…)
n. 30. Todo o cidadão poderá apresentar, por escrito, ao Poder Legislativo e ao Executivo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade aos infratores”[6].
É claro que, à época, sua roupagem textual escondia a natureza ainda precária e meramente semântica do direito de petição. Nem mesmo os parlamentares gozavam do mesmo grau de liberdade que hoje se tem como certa e inerente aos direitos de cidadania. O fechamento do Congresso, que precedeu a Carta outorgada de 1824, com a prisão e deportação, entre outros, dos irmãos Andrada[7], após sua manifestação de repúdio às ameaças de força contra o Parlamento, inaugurou, no Brasil independente, o timor reverentialis que até hoje, de certo modo, ainda encontra-se presente na percepção da sociedade civil, na relação comunicacional entre os Poderes do Estado e os governados.
Hoje, o direito de petição vem contemplado no art. 5°, XXXIV da CF/88, logrando integral normatividade e assegurando a todos o direito de “reclamar” aos Poderes Públicos, assim como pedir providências, seja em face do próprio Estado, seja contra outro particular, em virtude da proibição da autotutela pelos particulares:
“são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder (…)”
Só que é igualmente importante destacar que foi desde o advento da concessão de petição ao soberano (writs) que a complexidade dos processos ganhou tal dimensão que passou a superar em relevância até mesmo os próprios direitos materiais (remedies precede rights)[8] de que visavam tratar.
O direito de assistência técnica do advogado, que obteve significativa construção jurisprudencial no direito norte-americano, não teve igual sorte em nosso País, limitando-se os livros de doutrina a poucas linhas ou parágrafos sobre o tema. O right to counsel veio superficialmente assegurado pela 6ª Emenda à Constituição do E.U.A.. Mas, foi pela construção jurisprudencial de sua Suprema Corte que o direito à assistência advocatícia veio a ser consolidado como um dos mais importantes pilares do direito constitucional contemporâneo. É, pois, de inteira pertinência ao argumento contido neste texto citar o famoso caso Johnson v. Zerbst (1938), no qual a Corte afirmou que “o direito a ser ouvido [em juízo] seria, em muitos casos, de ínfima valia, se ele não compreendesse o direito de ser ouvido com a assistência de advogado”[9].
Na seara jurídico-trabalhista pátria, é inegável que a ausência de assistência do especialista pode ensejar prejuízos à ampla defesa dos interesses do trabalhador, pelos óbvios motivos que logo abaixo se reafirmam, sendo certo que a complexa contradita de ricos e variados argumentos de direito material e processual oferecidos pelos procuradores dos reclamados – em sua maior parte, empresas – é praticamente impossível para o trabalhador desassistido, seja em audiência, seja nos autos de processo. É portanto, a nosso ver, corolário dos direitos de plena defesa e ao contraditório.
A essencialidade da presença do advogado no direito brasileiro está alçada ao texto constitucional, que, em seu art. 133, determina:
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Nada obstante o debate deduzido, em sede de controle concentrado, a respeito dos diversos preceitos contidos no Estatuto da Advocacia[10], é evidente que a eventual defesa dos interesses do empregado em juízo manu propria, dada a atual complexidade do processo trabalhista hodierno, representa, como asseverava Valentim Carrion, “uma armadilha que o desconhecimento das leis lhe prepara (…)”[11].
2. JUS POSTULANDI: DE DIREITO À FICÇÃO
Em que pese a dinâmica afluente do jus postulandi, consoante acima analisado, no campo do direito processual do trabalho, ocorre uma interessante contradição na convergência daqueles três instrumentos garantidores fundamentais – o direito de petição, o direito à assistência por advogado e o acesso à justiça. Indubitavelmente, o jus postulandi, atribuído aos reclamantes na Justiça do Trabalho, configura a clara e inequívoca afirmação do fundamental direito de aceder-se ao Estado-juiz para reclamar o que se pretende seu. Todavia, também há algo tão fulcral quanto óbvio, e tão relegado quanto essencial: o jus postulandi não é uma obrigação, é um direito.
Veja-se, a possibilidade real de acesso direto do cidadão-trabalhador à Justiça laboral, embora útil, situa-se próxima à esfera da ficção jurídica, a menos que fosse razoável afirmar que os trabalhadores brasileiros em geral possuem a virtude socrática de conhecimento pleno de seus direitos e complexas relações jurídicas na pólis. Esta ficção apóia-se num modelo ideal, onde o cidadão trabalhador, uma vez tendo seus direitos trabalhistas violados, no curso da ou resilida a relação de trabalho, dirigir-se-ia ao Poder Judiciário, apresentando “reclamação”, onisciente da forma de cálculo de todas suas verbas resilitórias devidas, de seu impacto sobre o repouso semanal remunerado, cálculo de horas extras, horas noturnas, paradigma e equiparação, periculosidade e ou insalubridade, implicações com o PIS, o FGTS, INSS e o seguro-desemprego, possibilidades e proibições, Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST, prazos, capacidade oratória em locais públicos (por vezes, socialmente hostis), impugnações, razões finais, possibilidade de insurgir-se pela via mandamental (aqui, o modelo se encerraria!), interpretação conforme a constituição, ponderação de interesses, inconstitucionalidade incidental, medidas cautelares, rito ordinário, sumário ou sumaríssimo etc. E o que é pior, tudo isto com suas consequências preclusivas e definitivas.
Nesta ficção, superada a possível fase de identificação, concatenação e exposição de seus próprios direitos, viria a audiência, e apenas pela narrativa dos fatos colhidas na atermação, com base na presunção legal de que o juiz, tendo apenas aquele caso para julgar no dia, conhece a totalidade da ordem jurídica (iura novit curia) e todas as possíveis normas e princípios aplicáveis ao caso, e numa tranquila, harmônica e pacífica audiência, onde os procuradores da parte contrária não criariam qualquer óbice – tais quais impugnações, questões de ordem etc. – o trabalhador teria a inteireza de seus direitos reconhecidos e restabelecidos pela sentença, pacificando-se, assim, a ordem social e fazendo prevalecer a tão almejada justiça. Várias presunções e uma ficção. Eis o jus postulandi no processo trabalhista.
Se iura novit curia é um princípio que eventual e teoricamente aproveitaria aos reclamantes desprovidos da assistência de advogado, bastando-lhe levar ao Estado-juiz seu caso, ele não afasta a enorme relevância da efetiva e adequada argumentação jurídica que somente a advocacia pode oferecer dentro da dialética processual, além da avaliação quanto à estratégia, oportunidade, riscos; sem contar a eventual revelação de outros direitos violados e ainda desconhecidos pelo reclamante-trabalhador.
Sem querer ingressar no debate acerca do alcance normativo do art. 133 da CF/88, o fato é que tanto no processo trabalhista, de enorme complexidade, tal qual o próprio direito substantivo que se pretende proteger, a presença do advogado, embora eletiva, é certamente necessária e útil ao trabalhador. E, ao eleger constituí-lo para a causa, sobretudo pela natureza da relação jurídica no domínio do trabalho, não há fundamento para se aplicar um modelo processual inexistente no direito pátrio, sobrecarregando o hipossuficiente com o ônus dos honorários caso vitorioso na causa. Afinal, se a juízo foi, e se a causa venceu, é porque seus direitos já foram, com efeito, violados, e nenhum prejuízo adicional deveria sofrer.
Por fim, contribui para revelar o caráter quase-ficcional do jus postulandi quando se constata que a “atermação” da reclamação do trabalhador pelo serventuário da justiça laboral é um serviço que, salvo em algumas localidades, vem sendo paulatinamente extinto, sobretudo nas grandes capitais.
3. A LÓGICA DE UMA CONSTRUÇÃO ILÓGICA
O art. 791 da CLT é o ponto básico de referência legal para se reconhecer a capacidade postulatória dos empregados reclamantes. Foi a partir deste dispositivo normativo que se construiu todo o atual entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do âmbito e consequências do jus postulandi.
“Art. 791 – Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
§ 1º – Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 2º – Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por advogado. (…)”
Deve-se observar, em primeiro lugar, que o art. 791 da CLT utiliza a expressão “poderão” e, não, “deverão”. Por mais óbvia que seja tal observação, ela merece cuidado, pois é por meio dela que se pode iniciar a (re)construção de entendimento mais adequado para o instituto. O legislador jamais pretendeu obrigar o trabalhador a nomear advogado para o acesso à Justiça Laboral. O que ele pretendeu, na vanguarda então, e ainda hoje, foi criar uma faculdade aos hipossuficientes, uma vez que é da própria natureza dos conflitos trabalhistas a mesma dicotomia econômica presente no seio de uma sociedade capitalista, onde, via de regra, uma das partes possui menos recursos econômicos que a outra, e não sendo incomum, destarte, que ela se intimide a priori ante a complexidade e a formalidade dos ritos processuais. Ou, mais bem expresso pelas preclaras palavras de Eric Hobsbawn:
“os pobres normalmente não encontraram meios de expressar suas insatisfações de forma eficaz, ou de qualquer forma que seja, principalmente porque uma ordem social estável os torna dóceis e os mantém dóceis através do conhecimento de sua fraqueza política”[12]
Foi, pois na esteira da transição histórica do Estado Liberal para o Estado Social, quando se constatou que o acesso à justiça requeria mais do que uma postura meramente passiva e indiferente do Estado, que mecanismos facilitadores, como o jus postulandi do trabalhador, tiveram sua importância reconhecida, a fim de afastar ou mitigar a incapacidade de muitos indivíduos de aceder, com maior amplitude, às instituições da Justiça.
Entretanto, essa longa tradição do direito laboral brasileiro, em que o empregado pode (uma faculdade jurídica, portanto) postular e defender pessoalmente seus direitos, no curso da história do instituto, levou à ilógica conclusão que, assim sendo, e não necessitando constituir advogado para a defesa de sua causa em juízo, tal qual é a regra geral no processo civil, a sucumbência do empregador na lide não deveria ensejar honorários de sucumbência[13].
Ora, onde está a lógica racional desta ilação? Na verdade, ela inexiste, pois, por ter a natureza jurídica de faculdade, o seu não exercício não pode servir de pretexto a um prejuízo patrimonial injustificável. O desequilíbrio e injustiça aqui são patentes, ainda mais quando se sabe que a parte contrária, via de regra pessoa jurídica, apresenta-se em juízo sempre acompanhada de seus procuradores.
Não parece ser compatível com o elemento comutativo da Justiça que o trabalhador sofra diminuição patrimonial ao arcar com o ônus da assessoria profissional para uma adequada defesa de seus direitos quando, pelo sucesso na ação, restar claro que foram violados, sob pena de afronta aos princípios da integral restituição dos danos e, claro, do pleno acesso à justiça.
É verdade que há casos no direito comparado em que as despesas realizadas com advogados correm por conta das partes irrespectivamente do resultado da lide e outros em que se atribui ao Juiz a discrição para distribuição das despesas[14]. Todavia, aqui, isto é exceção, não regra. A regra, em nosso sistema, é a contida no art. 20 do Código de Processo Civil, atribuindo à parte derrotada na lide, a obrigação pelo ressarcimento das despesas processuais contraídas pela parte vencedora.
E, paradoxalmente, esta exceção recai quase que exclusivamente sobre a relação jurídico-processual trabalhista, cuja espécie é informada por princípios protetivos específicos e superiores, de índole constitucional e humanística, tais quais a proteção e tutela ao trabalhador, e a condição mais benéfica. Veja-se a oportuna passagem em obra de Francisco Meton Marques de Lima:
“O vocábulo proteção transmite a idéia de que o Direito do Trabalho é protecionista, ou deve ser, enquanto necessário. Representa uma compensação jurídica pela desvantagem econômica presumida do empregado perante o empregador. Constitui uma manifestação de justiça social (…). Consequentemente, a finalidade posta no fundo de toda norma de natureza tabalhista é a justiça social, compreendida sempre de maneira progressiva, seguindo os passos da sociedade, cujas exigências são crescentes.”[15]
Curiosamente, a dogmática jurídica e, sobretudo, a jurisprudência passaram a conviver com essa incongruência, e mesmo sustentando-a, ou como no caso dos Tribunais, pela edição de Súmulas neste sentido, tal qual nas Súmulas 219 e 329 da Súmula do TST, e Súmula 633 do STF.
“TST Enunciado nº 219: Justiça do Trabalho – Condenação em Honorários Advocatícios
I – Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (ex-Súmula nº 219 – Res. 14/1985, DJ 26.09.1985)
II – É incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista, salvo se preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/70. (ex-OJ nº 27 da SBDI-2 – inserida em 20.09.2000)
TST Enunciado nº 329: Justiça do Trabalho – Condenação em Honorários Advocatícios
Mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
STF Súmula nº 633: Cabimento – Condenação em Verba Honorária – Recursos Extraordinários – Interposição em Processo Trabalhista – Exceção
É incabível a condenação em verba honorária nos recursos extraordinários interpostos em processo trabalhista, exceto nas hipóteses previstas na Lei 5.584/70.”
Também, e desde já, é de suma importância atentar para o fato de que a frequente comparação da lide trabalhista com os ações levadas à apreciação dos Juizados Especiais é incabível. Isto porque são ontologicamente distintas, já que a essência do processo trabalhista é a disputa em torno de uma relação socialmente diferenciada – e, daí, os princípios teóricos próprios do Direito do Trabalho – onde o trabalhador-autor, na maior parte das vezes, está desprovido de um dos mais importantes aspectos da vida que é o emprego, e cujos impactos extrapolam o âmbito puramente patrimonial – como sói ocorrer nas ações dos juizados especiais para alcançar sua própria subsistência, a de sua família, sua capacitação profissional, sua autorrealização, sua autoestima, sua aposentadoria em momento posterior da vida etc.; nas outras, litiga contra alguém que se lhe representa em uma escala hierárquica superior, social ou profissionalmente: o “patrão”.
Ademais, a incoerência discursiva deste entendimento, que, como visto, ganhou relativa normatividade com o texto da citada Súmula 219 do TST, salta mais ainda aos olhos em face da “exceção” prevista na própria Súmula para o caso de assistência por sindicato da categoria. Ora, se nestes casos, consoante o previsto no art. 16 da L. 5.584/70, há condenação em honorários em virtude da necessidade de se permitir ao sindicato, que é pessoa jurídica, o devido custeio das despesas incorridas pelo patrocínio por especialista das causas trabalhistas de seus membros, como justificar que o hipossuficiente pessoa física, o empregado, não deva ter também o direito a este ressarcimento?
Há mais outra inconsistência neste ilogismo que se deve indigitar. Com a promulgação da Emenda Constitucional n°45/2004, o TST editou a Instrução Normativa n° 27/2005, cujo artigo 5° passou a excluir os honorários advocatícios em sucumbência apenas e exclusivamente das lides decorrentes da relação de emprego. Em termos sócio-jurídicos, porém, não se consegue vislumbrar diferença de natureza entre uma situação e outra. Como explicar que, em uma ação distribuída na Justiça do Trabalho, onde houver um trabalhador (não-empregado) em um dos pólos da ação, haja incidência da regra geral processual de condenação em honorários advocatícios de sucumbência e, em outra, envolvendo relação de emprego, tal incidência seja afastada?
Mas, vista de outro ângulo, porém, a IN 27/2005 pode representar um passo na direção de um entendimento mais justo e adequado à realidade atual.
4. A RECENTE DECISÃO DO STF: ONDE HÁ A MESMA RAZÃO, HÁ O MESMO DIREITO
Entretanto, a par de todas estas evidências, segue vitoriosa e acolhida por autorizados discursos da prevalente dogmática, assim como pela jurisprudência dos tribunais, a tese de não cabimento de condenação em honorários por sucumbência[16] nas lides decorrentes da relação de emprego, em razão do jus postulandi.
Entretanto, recente decisão do Supremo Tribunal Federal em distinto campo do Direito, ofereceu valiosa oportunidade para reexame esta discussão. No julgamento do RE 384.866/GO, relator o Min. Marco Aurélio, o STF confirmou a inconstitucionalidade do art. 29-C, da L. 8.036/90, que houvera sido pronunciada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária de Goiás. Afirmou o relator, em seu voto, que:
“(…) a ordem jurídica constitucional não agasalha, uma vez existente o direito, a diminuição patrimonial. Aquele compelido a ingressar em juízo não pode ter contra si, além da passagem do tempo sem que possa usufruir de imediato direito, a perda patrimonial, que estará configurada caso tenha de arcar com as despesas processuais, com ônus decorrente da contratação de advogado para lograr a prestação jurisdicional (…), não pode o Estado dar com uma das mãos – viabilizando o acesso ao Poder Judiciário – e tirar com a outra”.
O art. 29-C da L. 8.036/90 (Lei do FGTS) tem redação cujos efeitos jurídicos são bastante semelhantes às Súmulas acima citadas e que, certamente, merecem ser revisitadas. Portanto, se a norma prevista no referido artigo foi declarada inconstitucional, por impor ao litigante perda patrimonial por ter de suportar as despesas advocatícias em ação judicial na seara da Justiça Federal Cível, não pode, na órbita da Justiça Federal Trabalhista, o empregado reclamante sofrer idêntica perda, ainda mais em se tratando de ramo do Direito onde a ordem constitucional impõe específico regime de proteção em face da imanente desigualdade material nele existente.
Ou, visto por outra perspectiva, se o empregado deseja intentar sua própria sorte perante o Judiciário, apresentando-lhe sua causa e exercendo seu jus postulandi, assume os riscos de fazê-lo. Mas, isto é algo muito diverso de o empregado vir-se compelido a fazê-lo em razão do ônus que irá sofrer pela contratação de advogado, cuja consequência se traduz em violação aos preceitos contidos no inc. XXXV do art. 5° e no art. 133, seja por restrição ao pleno acesso à justiça, seja pela obstaculização indireta do direito à assistência por advogado.
Assim, a recente decisão do STF, acima transcrita, vai de encontro aos ilogismos acima expostos, eivando-os de incompatibilidade com a Carta Maior. Esta decisão, destarte, produz efeitos imediatos a que os operadores do Direito devem atentar doravante, pois mesmo em se tratando de decisão em controle incidental do Pretório Excelso, inexiste fundamento lógico ou jurídico idôneo a exceptuar os empregados-reclamantes de sua incidência caso uma situação deste naipe seja levada à sua apreciação: ubi eadem ratio ibi eadem jus (onde há a mesma razão, há o mesmo direito).
Mas, há mais uma questão. Partindo-se do pressuposto que o art. 791 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, dentro do ambiente de liberdades públicas e privadas contemplados pela Carta Maior e, sobretudo, pela fito protetivo de acesso à justiça que o preceito possui, é todavia suspeito que a leitura interpretativa deste artigo, sob as consequências normativas impostas pelas balizas condicionantes das Súmulas 219 e 329 do TST, tenha sua constiticionalidade assegurada. Pois é evidente que o empregado, não estando albergado pela assistência judiciária gratuita, mas ainda assim hipossuficiente (ao menos sob o ponto de vista da par conditio processual), vendo-se obrigado a aceder à Justiça sem advogado, na tentativa de preservar ao máximo seus créditos, poupando os gastos com honorários contratuais, está lançado, como Daniel, aos leões, desprovido, como aquele, das armas adequadas para a complexa batalha processual à sua frente.
CONCLUSÃO
Os elementos essenciais aptos à ventilar esta discussão sob uma ótica mais adequada e atual consubstanciaram-se com a recente decisão do STF acima transcrita. Se houve injúria ao direito do trabalhador e este viu-se compelido a contratar advogado para fazer frente à inegável complexidade do rito processual judiciário na defesa de seus interesses, e com base no mesmo fundamento racional da supracitada decisão do STF, o entendimento das Súmulas retrorreferidas merece ajuste de forma a adequar-se à hodierna realidade sócio-jurídica.
Em matriz semelhante situa-se também o Projeto de Lei 3.392/04, que tramita na Câmara dos Deputados, ao estender para os advogados trabalhistas os honorários de sucumbência, que recebe o apoio da Conselho Federal da OAB e da ABRAT (Asssociação Brasileira dos Advogados Trabalhistas).
Atribuir-se à faculdade do jus postulandi a contrapartida de uma sanção consistente em suportar o custo essencial do advogado é verdadeira teratologia teórica, que não encontra amparo sequer na regra geral de direito processual pátria, e consubstancia exceção esdrúxula e infundada.
Como bem lembram Cappelletti e Garth, “a finalidade não é fazer uma justiça ‘mais pobre’, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres”[17].
Por fim, é evidente que este entendimento melhor se adequaria, outrossim, ao reconhecido princípio da proteção ao trabalhador. Já o entendimemento contrário, por sua vez, não recebe a incidência argumentativa de qualquer princípio, e sua única defesa lastreia-se, como visto, em presunções e ficção. Nunca é tarde para se reparar um erro, por mais grave que seja.
Advogado. Mestre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM/RJ. Ex-professor do Departamento de Direito da PUC-Rio. Sócio do Escritório Leonardo Lobo Advogados no Rio de Janeiro
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