Sustainable Bidding: Responsabilization of Public Officials.for Reckless Administration.
Camila Costa Reis Rodrigues[1]
Resumo: Diante da saturação dos recursos naturais e da ameaça crescente ao meio ambiente urge a necessidade de cada um tomar para si a responsabilidade de proteção e promoção de um desenvolvimento socioambiental sustentável. Nesse aspecto, o Estado desempenha um papel importante, que vai além da produção legislativa, o Estado como consumidor, dentro do processo licitatório, possui o poder de produzir grandes mudanças mercadológicas. O presente trabalho, guiado pelo caso do Município X, tem por objetivo dirimir questionamentos acerca dos fundamentos jurídicos para a inserção de critérios socioambientais em compras públicas, quais boas práticas para evitar desperdícios podem ser adotadas por municípios brasileiros, como pode ocorrer a atuação temerária de agentes públicos em licitações e contratos públicos e ainda quais as possíveis penas que podem ser imputadas a agentes públicos que incorrem em constante desatenção para com os princípios norteadores da administração pública.
Palavras-chave: Licitações Sustentáveis. Atuação Temerária. Responsabilidade de Agentes Públicos.
Abstract: In view of the saturation of natural resources and the growing threat to the environment, there is an urgent need to take responsibility for the protection and promotion of sustainable socio-environmental development. In this subject, the State plays an important role, which goes beyond legislative production, the State as a consumer, within the bidding process, has the power to produce major market changes. The present work, guided by the case of Municipality X, aims to resolve questions about the legal foundations for the inclusion of socio-environmental criteria in public purchases, which good practices to avoid waste can be adopted by brazilian municipalities, how the reckless performance of public agents occurs in public biddings and public contracts and what are the possible penalties that can be imputed to public agents who constantly incur in inattention to the guiding principles of public administration.
Keywords: Sustainable Bidding. Reckless Administration. Resposabilization of Public Officials.
Sumário: Introdução; 1 O caso do município X; 2 Licitações sustentáveis. 2.1 Padrões de sustentabilidade previstos em legislação federal; 2.2 Práticas para evitar o desperdício em compras públicas; 3 A responsabilização de agentes públicos em contratos administrativos; 3.1 A responsabilização funcional e patrimonial de agentes públicos. 3.2 A ausência de planejamento em contratações públicas como hipótese de responsabilização. Considerações finais. Referências.
Introdução
Um dos grandes desafios da atualidade é a readequação do consumo diante da degradação do meio ambiente. Como criar e promover padrões de consumo sustentáveis que, enquanto satisfazem as necessidades dos indivíduos, também conseguem preservar os recursos naturais?
O desenvolvimento desses novos padrões possui na administração pública uma grande aliada, não apenas no seu papel de Estado regulador, com a imposição de normas de proteção ambiental e na concessão de benefícios fiscais para empresas que impulsionam esses comportamentos de consumo sustentável, mas também o Estado no seu papel de consumidor possui igual, ou ainda maior, poder de modificação de mercado.
As compras públicas colocam o Estado nesse papel de consumidor, detentor de uma enorme demanda e responsável por ditar novas tendências mercadológicas, diante disso a inclusão de critérios sustentáveis em licitações representa um passo importantíssimo para a produção de produtos de menor impacto negativo para o meio ambiente.
O presente trabalho propõe-se a analisar o cenário legal da inserção de padrões de sustentabilidade em licitações públicas, quais critérios podem ser adotados para que o desperdício passivo possa ser evitado nessas aquisições e ainda a possibilidade de responsabilização de agentes públicos caso tais desperdícios venham a acontecer ao longo de contratos administrativos.
O desenvolvimento será direcionado pelo caso do município X a ser apresentado em item inicial. Consoante o caso e os questionamentos apresentados, em seguida será abordada a Licitação Sustentável, seu arcabouço jurídico, quais são os padrões de sustentabilidade encontrados em legislação federal, realizando-se uma comparação dos resultados encontrados com o caso proposto e chegando a uma conclusão para os questionamentos da consulta. Também serão apresentadas quais seriam as boas práticas de possível aplicação para evitar desperdícios passivos na aquisição de bens.
O item seguinte aborda a segunda temática encontrada na consulta formulada, que seria a responsabilização dos agentes públicos envolvidos no contrato administrativo. Haverá o estudo das possíveis espécies de atuação temerária de agentes públicos em contratações administrativas, com a posterior classificação das ações dos agentes públicos no caso apresentado e resposta aos questionamentos feitos no âmbito da responsabilização funcional e patrimonial, assim como na possível responsabilização do chefe do executivo e seus secretários pela ausência de planejamento administrativo.
O desenvolvimento dos capítulos será direcionado pelo caso do município X, sendo este o seguinte: A Secretaria de Educação do Município X pretende comprar, por valor abaixo do preço de mercado, 10 toneladas de açúcar próxima ao vencimento. Contudo, para que fosse utilizada na merenda escolar, cada aluno do ensino fundamental teria que consumir 1kg de açúcar por dia, quantidade considerada excessiva pela Organização Mundial da Saúde – OMS para ingestão humana. Esse município já havia anteriormente realizado licitação para compra 10 mil pneus com prazo de validade de 5 anos, quantidade suficiente para suprir a necessidade da frota de veículos do município por 10 anos. Consultada, a Controladoria do Município se manifestou favoravelmente à realização do processo licitatório com fundamento no princípio da economicidade e na existência de previsão orçamentária para esse tipo de gastos públicos. Considerando a tradição de realização de compras em excesso do município e com o objetivo de evitar nova perda de bens de consumo, o prefeito formula a seguinte consulta à Procuradoria Geral do Município: a) Que boa prática de gestão, ações ou medidas, pode ser adotada para evitar na Administração Pública municipal o desperdício passivo de bens consumíveis? b) A licitação respeita o padrão de sustentabilidade previsto legislação federal? c) A licitação respeita o princípio da legalidade? d) Os agentes públicos que participam do processo licitatório podem ser responsabilizados funcionalmente e patrimonialmente pelos prejuízos advindos da realização do contrato administrativo? e) A ausência de planejamento administrativo pode ensejar responsabilidade do prefeito e de seus secretários por má gestão e fiscalização de contratos?
2 Licitações sustentáveis
Previamente à abordagem do que seria uma licitação sustentável e a exposição do seu respaldo legal, faz-se prudente uma breve conceituação do procedimento licitatório.
De acordo com Bandeira de Mello, licitação seria um “procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados” (MELLO, 2009, p. 519).
Caracteriza-se, portanto, como um procedimento administrativo que, em regra, tem como resultado a realização de um contrato administrativo, sendo vinculado a um formalismo legal que, no caso da administração pública direta, encontra-se estabelecido na Lei nº 8.666/93.
A Lei Geral de Licitações e Contratos dispõe acerca das diretrizes formais para a realização do procedimento licitatório, sendo encontrado ali, logo nos objetivos a serem alcançados pelas licitações, a inclinação legislativa para a necessidade de consideração de padrões de sustentabilidade socioambiental nas contratações públicas.
2.1 Padrões de Sustentabilidade previstos em legislação federal
Os objetivos das licitações estão dispostos no artigo 3º da Lei nº 8.666/93: “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (BRASIL, 1993).
O desenvolvimento nacional sustentável foi elevado a um objetivo a ser alcançado em compras públicas em 2010, por meio da Lei nº 12.349. Nessa temática, é importante atentar para o conceito do tripé da sustentabilidade ou triple bottom line, em que o meio ambiente é apenas uma das nuances do desenvolvimento sustentável, considerando-se ainda fatores sociais e econômicos. “Responsabilidade coletiva de fazer avançar e fortalecer os pilares interdependentes e mutuamente apoiados do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental” (ONU, 2002).
Ainda no artigo 12, VII, da mesma legislação, encontra-se a necessidade de a administração pública considerar o impacto ambiental em suas contratações: Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos: (…) VII – impacto ambiental (BRASIL, 1993).
Apesar dos dispositivos transcritos acima já constituírem-se como respaldo legislativo satisfatório para a realização de licitações sustentáveis, há mais exemplos ao longo do ordenamento jurídico brasileiro que demonstram a legalidade na consideração de critérios ambientais em compras públicas.
Apresentando de maneira cronológica, a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, já atestava como seus objetivos a compatibilização do desenvolvimento econômico e da proteção do meio ambiente, o uso racional de recursos públicos, assim como a manutenção do equilíbrio ecológico, dentre outros: “Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II – à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; III – ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV – ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais; V – à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (BRASIL, 1981).
Na Constituição Federal de 1988, quanto a temática em estudo, destacam-se principalmente dois dispositivos, o artigo 170, VI e o artigo 225: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).
O artigo 225 dá status constitucional ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o classificando como bem de uso comum do povo, destacando a sua essencialidade para a qualidade de vida do indivíduo e impondo ao Poder Público, assim como a toda a coletividade, o dever constitucional de sua defesa e preservação. Importante também destacar o fato de que o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado não ser apenas das gerações presentes, mas também das gerações futuras.
Em 2003, através de emenda constitucional, o inciso VI do artigo 170 foi alterado, a fim de incluir como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (BRASIL, 1988).
Di Pietro sustenta que os artigos 225 e 170 da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) proporcionam pleno “fundamento constitucional para as chamadas licitações sustentáveis ou licitações verdes”. A autora ainda as conceitua como procedimentos licitatórios em que “se combinam os objetivos tradicionais da licitação (de buscar a melhor proposta para a Administração e garantir a isonomia aos licitantes) com o de desenvolvimento sustentável”, considerando o desenvolvimento sustentável em seus três aspectos, procurando “preservar o meio ambiente, em harmonia com fatores sociais e econômicos” (DI PIETRO, 2019, p. 779).
Por fim, considerando a resolução adequada do caso apresentado, importante destacar a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em seu artigo 7º são elencados os seus objetivos, estando dentre eles: “XI – prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis” (grifo nosso) (BRASIL, 2010).
Percebe-se assim que o contrato administrativo deve considerar padrões ambientalmente sustentáveis durante todas as suas etapas, no início da contratação, durante a efetiva execução e no momento do dispêndio dos materiais consumidos.
A alínea b, do inciso XI, artigo 7º, determina ainda que o gestor público considere em aquisições e contratações padrões de consumo sustentáveis, ou seja, que seja evitada a compra de materiais além do indispensável, evitando o consumo desenfreado e consequente descarte de resíduos acima do necessário.
A título de complementação, atenta-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), que considera como válida a utilização de critérios de sustentabilidade ambiental em contratações públicas, ainda que com possíveis reflexos sobre a economicidade da contratação: “É legítimo que as contratações da Administração Pública se adequem a novos parâmetros de sustentabilidade ambiental, ainda que com possíveis reflexos na economicidade da contratação. Deve constar expressamente dos processos de licitação motivação fundamentada que justifique a definição das exigências de caráter ambiental, as quais devem incidir sobre o objeto a ser contratado e não como critério de habilitação da empresa licitante.” (TCU. ACORDÃO 1375/2015 – Plenário. TC 025.651/2013-7. Relator: Ministro Bruno Dantas. Sessão: 03/06/2015.)
Ante o arcabouço legislativo e jurisprudencial exposto, apreende-se que o princípio das licitações sustentáveis é aquele que demanda que nas compras públicas, dentre os critérios de avaliação do serviço a ser contratado ou bem a ser adquirido, se considere o impacto ambiental e social a ser gerado pela contratação. Buscando coadunar vantagem econômica ao equilíbrio socioambiental na região, visto possuir dentre seus objetivos não somente a busca pela proposta mais vantajosa, mas também pelo desenvolvimento nacional sustentável.
Como resolução para os questionamentos realizados à Procuradoria Geral do Município X, identifica-se que não houve respeito aos padrões de sustentabilidade previstos em legislação federal e consequentemente também não foi respeitada a legalidade.
O procedimento licitatório em análise não objetivou o desenvolvimento nacional sustentável, um dos objetivos da licitação conforme artigo 3º da Lei nº 8.666/93, atendo-se apenas a uma suposta economicidade na aquisição de bens em grande volume.
O procedimento licitatório também desrespeitou a necessidade de avaliação de impacto ambiental, conforme determina o artigo 12, VII, da Lei nº 8.666/93, desconsiderando o efeito negativo que o consequente descarte dos quilos de açúcar não consumidos e vencidos representarão para a região.
Essa mesma desconsideração, também representa desrespeito aos dispositivos constitucionais que fundamentam as licitações sustentáveis, artigo 225 e 170 da Carta Maior.
Na hipótese de consumo total de todas as 10 toneladas de açúcar antes do vencimento, também não terá havido respeito ao desenvolvimento nacional sustentável, visto o meio ambiente ser apenas uma das nuances a ser observada, conforme o conceito de triple bottom line, o aspecto social também deve ser considerado, incluindo-se aí a saúde dos administrados.
Por fim, destaca-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos é duplamente desconsiderada, tanto na determinação de que compras públicas que respeitem padrões de consumo socialmente sustentáveis, assim como padrões de consumo ambientalmente sustentáveis. Diante dos argumentos acima exposto entende-se que nenhuma dessas determinações seria cumprida em nenhum dos cenários possíveis, seja no consumo total das 10 toneladas de açúcar pelas crianças do município, ou ainda no não consumo com o desperdício de grande parte do produto adquirido e necessidade de descarte no meio ambiente.
2.2 Práticas para evitar o desperdício em compras públicas
A principal prática para evitar o desperdício na aquisição de bens em compras públicas, ainda mais se tratando de bens consumíveis, é o planejamento adequado.
Analisar qual o montante necessário para consumo e qual o período previsto para esse consumo é essencial para que não haja compra de volume além ou aquém do necessário, resultando ou em desperdício de recursos públicos ou na necessidade de posterior aditamento em contrato administrativo.
Abordando práticas, ações e medidas mais específicas e considerando a adoção de critérios de sustentabilidade ambiental, conforme legislação apresentada em tópico anterior, o gestor da administração pública municipal pode conduzir suas contratações guiando-se pela Instrução Normativa 01/10 (IN 01/10).
A IN 01/10 é a disposição do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a utilização de critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela administração pública federal. Ao longo de seus artigos são encontradas práticas a serem seguidas em compras públicas federais, formas para a utilização de critérios ambientais em licitações, quais critérios podem ser aplicados conforme cada espécie de contratação e ainda a apresentação de plataformas para a facilitação da inclusão desses critérios, difusão de boas práticas, modelos de editais para compras sustentáveis, entre outros.
Logo em seu início a IN 01/10 faz referência ao artigo 3º da Lei nº 8.666/93, já abordado anteriormente, e nos artigos subsequentes afirma que o instrumento convocatório deve considerar a manutenção da competitividade ao formular exigências de natureza ambiental, assim como devem ser apresentados critérios objetivos de sustentabilidade ambiental em licitações que utilizem como critério de julgamento a melhor técnica ou a melhor técnica e preço.
Atendendo aos questionamentos apresentados na introdução do presente trabalho, o Capítulo III da IN 01/10 é especialmente interessante, visto tratar da utilização de critérios de sustentabilidade ambiental na contratação de bens e serviços pela administração pública.
Na compra de bens consumíveis, buscando menor impacto ambiental e esquivando-se do desperdício passivo, a administração pública municipal pode ser muito beneficiada ao considerar os incisos do artigo 5º: “I – que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável, conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2; II – que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO como produtos sustentáveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares; III – que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção durante o transporte e o armazenamento; IV – que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada na diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances), tais como mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cromo hexavalente (Cr(VI)), cádmio (Cd), bifenilpolibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados (PBDEs)” (BRASIL, 2010).
Mais importante ainda para evitar o desperdício de bens consumíveis e o gasto desnecessários de recursos públicos é a observação do artigo 7º da IN 01/10 pela administração pública municipal: “Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional deverão disponibilizar os bens considerados ociosos, e que não tenham previsão de utilização ou alienação, para doação a outrosórgãos e entidades públicas de qualquer esfera da federação, respeitado o disposto no Decreto n° 99.658, de 30 de outubro de 1990, e suas alterações, fazendo publicar a relação dos bens no fórum de que trata o art. 9º” (BRASIL, 2010).
Essa disponibilização dos bens considerados ociosos (incluindo-se aqui a parte não consumida de bens consumíveis adquiridos) para órgãos da administração pública municipal, dentro das condicionantes impostas pelo caput do artigo 7º, pode ser uma maneira eficiente de evitar a realização de novas compras públicas desnecessárias.
O §1º do mesmo artigo atenta para a necessidade de que, previamente a realização de nova aquisição, os órgãos e entidades integrantes da administração pública federal devem verificar se dentro dos bens disponíveis haveria a possibilidade de reutilização, evitando novo dispêndio de recurso público e aquisição de novo montante de bens que podem não ser totalmente consumidos, gerando novo desperdício. Essa boa prática de planejamento também pode ser utilizada para evitar desperdícios em compras da administração pública municipal.
3 A responsabilização de agentes públicos em contratos administrativos
A responsabilização de agentes públicos pela atuação temerária em contratos administrativos está condicionada a gravidade e ofensividade da conduta, a depender, essa conduta pode ser classificada como “simples” má gestão, improbidade administrativa ou, em casos mais graves, como corrupção.
A má gestão estaria relacionada diretamente com o campo da moral e ética administrativa, não sendo, a priori, obrigatoriamente passível de responsabilização.
Uma má gestão da coisa pública seria uma atuação ineficiente do agente público, representando uma quebra com o princípio da eficiência, encontrado no caput do artigo 37 da CRFB/88, assim como com a correlação obrigatória entre a atuação administrativa e o interesse público. A atuação seria ineficiente, não produzindo os efeitos esperados, não suprindo as necessidades do administrado, seria inábil ou ainda incompetente para atingir os objetivos predeterminados em legislação (SOARES; PEREIRA, 2015, p. 3).
O agente público ainda pode incorrer em improbidade administrativa.
A improbidade é regulada pela Lei nº 8.429/1992. Ao longo dos artigos 9, 10, 10-A e 11 estão elencadas as quatro modalidades de atos de improbidade administrativa. Importante atentar para o fato de que, apesar do vocábulo “ato”, um ato de improbidade abrange, além de atos administrativos propriamente ditos, omissões e condutas de agentes públicos.
As modalidades de improbidade administrativa são as seguintes: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: (…) Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (…)” (grifo nosso) (BRASIL, 1992).
Quanto a responsabilização dos agentes públicos que incorrem em improbidade administrativa, as penalidades passíveis de aplicação foram inicialmente impostas por dispositivo constitucional e posteriormente por legislação infraconstitucional.
Assim determina o artigo 37, §4º da CRFB/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (BRASIL, 1988).
A Lei de Improbidade, elenca ao longo do artigo 12 quais as sanções possíveis aqueles agentes que incorrem em uma das modalidades de improbidade definidas pelo legislador: “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. IV – Na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente” (grifo nosso) (BRASIL, 1992).
Importante apontar para o fato de que, a depender da gravidade e ofensividade da “simples” má gestão, em casos em que “a conduta desonesta e a ineficiência forem suficientemente gravosas”, é possível a classificação de uma má gestão de coisa pública como improbidade administrativa, resultando então uma má gestão qualificada como improbidade, estando, portanto, sujeita a todas as penalizações do tipo legal (SOARES; PEREIRA, 2015.p.5).
A corrupção, por sua vez, possui responsabilizações na esfera penal, “para o seu surgimento, além do fato consubstanciar em uma improbidade também deverá se enquadrar num tipo penal cujo bem jurídico tutelado é a administração pública, e que vise ou facilite benefício particular” (SOARES; PEREIRA, 2015, p.5).
Sendo assim, em resumo: “É forçoso ainda concluir que os atos de má gestão simples estarão sob o crivo somente da ética pública e moralidade, ao passo que os atos de má gestão qualificados por uma grave desonestidade e ineficiência deverão ser reprimidos pela seara da improbidade administrativa, e por sua vez os atos de improbidade (grave ineficiência e grave desonestidade) que forem atos de corrupção (aqueles praticados para beneficiar particulares, e neste ponto sempre se enquadram a um tipo penal) além da censura do campo ético, da Lei 8.429/1992 (combate a improbidade) serão objeto de um uma sanção penal” (SOARES; PEREIRA, 2015, p.4).
Após a breve explanação acima, segue-se para o enquadramento das condutas dos agentes públicos do Município X.
3.1 A responsabilização funcional e patrimonial de agentes públicos
Um dos questionamentos realizados à Procuradoria Geral do Município X foi o seguinte: Os agentes públicos que participam do processo licitatório podem ser responsabilizados funcionalmente e patrimonialmente pelos prejuízos advindos da realização do contrato administrativo?
Dentro do contexto apresentado, a conduta dos agentes públicos envolvidos na compra das 10 (dez) toneladas de açúcar próximas ao vencimento pode ser classificada como ato de improbidade administrativa, passível de responsabilização funcional e patrimonial.
Conforme exposto em item anterior, a improbidade administrativa possui quatro modalidades, a conduta dos agentes públicos do Município X pode ser enquadrada nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial” e “ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública “, respectivamente.
As sanções passíveis de aplicação incluem a perda da função pública e ressarcimento integral dos danos, dentre outras, conforme incisos I e II do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa e ainda conforme o §4º do artigo 37 da Constituição Federal.
De acordo com Di Pietro, para que se justifique a aplicação das medidas sancionatórias se exige quatro elementos constitutivos de improbidade administrativa.
Deve ser identificado como sujeito passivo do ato uma das entidades mencionadas no artigo 1º da Lei de Improbidade. O sujeito ativo do ato deve ser um agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática ou dele se beneficie. Deve ter ocorrido um dos atos danosos descritos em lei, que seja causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, ou causador de prejuízo para o erário, que caracterize atentado contra os princípios da administração pública ou ainda a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário. O quarto elemento a ser identificado é o elemento subjetivo, ou seja, culpa ou dolo do agente. (DI PIETRO, 2019, p. 1807).
No caso em análise se identifica com sucesso os quatro elementos apontados pela autora.
O sujeito passivo é a administração pública direta do Município X. Os sujeitos ativos seriam os agentes públicos do mencionado município, prefeito e secretários, visto que agentes políticos se enquadram nessa classificação.
A identificação do ato danoso precisa ser abordada a partir de duas modalidades de improbidade administrativa, o dano ao erário e o atentado aos princípios da administração pública.
O dano ao erário seria qualificado a partir do prejuízo acarretado ao patrimônio público a partir da compra de um volume de bens consumíveis perto do vencimento que de maneira manifesta não poderão ser aproveitados por completo dentro do curto prazo para consumo, resultando em desperdício passivo do bem adquirido e dispêndio acima do necessário de recursos públicos.
Aqui o agravamento da situação se dá pelo fato de o município possuir o histórico de compras em volume excessivo e que de forma evidente não poderão ser aproveitados antes do vencimento, vide a licitação para compra de 10 (dez) mil pneus com prazo de validade de 5 anos.
Essa reincidência possui implicância na identificação do quarto elemento constitutivo do ato de improbidade administrativa, o elemento subjetivo.
Na modalidade danos ao erário, artigo 10 da Lei de Improbidade, a ação ou omissão do agente público que enseje perda patrimonial pode ser dolosa ou culposa.
O dolo, ou seja, a vontade do agente em acarretar a perda patrimonial pode ser facilmente sustentada a partir do volume evidentemente excessivo versus o período extremamente curto para consumo dos bens adquiridos.
Já a culpa dos agentes públicos envolvidos, na espécie negligência, pode ser sustentada a partir do histórico de recorrentes compras em grande volume, muito acima da necessidade do município, e com curto prazo para consumo, resultando em constante desperdício de recursos públicos e dispêndios financeiros acima do imprescindível.
Retornando para a identificação do terceiro elemento constitutivo do ato de improbidade administrativa, agora quanto ao ato danoso na modalidade atentado aos princípios da administração pública.
Os princípios da administração pública são diversos, podendo ser encontrados tanto em legislação constitucional como infraconstitucional, o próprio princípio da legislação sustentável, abordado em capítulo anterior, é um deles.
No entanto, existem cinco princípios que mais se destacam devido a sua disposição expressa em dispositivo constitucional. São estes os encontrados no caput do artigo 37 da CRFB/88: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Na compra das 10 (dez) toneladas de açúcar próximas ao vencimento pela Secretaria de Educação do Município X, assim como na compra dos 10 (dez) mil pneus com prazo de validade de 5 (cinco) anos, há o atentado aos princípios da legalidade, moralidade e da eficiência.
Carvalho Filho aborda o princípio da legalidade a partir das funções legislativa e administrativa da Administração Pública: “na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei” (grifo nosso) (CARVALHO FILHO, 2018, p. 74).
Portanto, o administrador público obrigatoriamente deve pautar suas ações dentro da legalidade, só podendo atuar quando permitido por ela, na forma permitida por ela e até o limite estabelecido em lei.
Conforme já demonstrado, a licitação proposta desrespeita dos padrões de legalidade previstos em legislação federal, consequentemente, desrespeita o princípio da legalidade.
O princípio da moralidade é abordado por Di Pietro a partir da definição de imoralidade administrativa, a relacionando diretamente com o desvio de poder: “a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente. Essa a razão pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder)” (grifo nosso) (DI PIETRO, 2019, p. 233).
Desvio de poder é espécie do gênero abuso de poder e caracteriza-se por uma atuação do administrador travestida de legalidade, visto atuar dentro de sua competência, através de meios legais, havendo, no entanto, desvio da finalidade, ou seja do interesse público.
Carvalho Filho aborda o desvio de poder diante da perspectiva de desvio de finalidade, afirmando que a partir disto a conduta se torna ilegítima: “a finalidade da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e prática, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio de finalidade” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 106).
A legitimidade de cada ato administrativo advém de sua legalidade, conforme abordado anteriormente, toda ação da administração pública deve ser precedida por permissivo legal. O desvio da finalidade pública, que inicialmente motivou a legalidade do ato, acaba por tornar o ato ilegítimo e consequentemente ilegal. “Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (DI PIETRO, 2019, p. 235-236).
A atuação moral seria então uma atuação não apenas dentro da legalidade, mas que também preserva a finalidade pública em cada ato administrativo, coadunando com a boa administração.
A atuação dos agentes públicos do Município X envolvidos na compra em análise desrespeita a moralidade administrativa, afastando-se da finalidade pública de atendimento da necessidade dos administrados, do bem-estar social, com desvio do interesse público, resultando em uma possível caracterização de desvio de poder, visto o uso de meios legais para atingimento de finalidades diversas daquelas preestabelecidas legalmente.
A compra de volume exagerado de açúcar com prazo de validade reduzido se afasta da finalidade da licitação, que deve ser proporcionar alimentação adequada e de qualidade para crianças e adolescentes matriculados na rede de ensino fundamental do Município X.
O bem-estar social dos administrados é desconsiderado a partir da necessidade de consumo excessivo de açúcar para evitar o desperdício do bem adquirido.
O desvio de poder pode ser considerado diante do volume ser manifestamente excessivo, assim como o prazo para consumo desse volume ser curto, podendo caracterizar o uso de um meio legal (licitação) para atingimento de finalidades escusas.
O princípio da eficiência é conceituado por Hely Lopes Meirelles da seguinte forma: “O que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 2003, p. 102).
Diante de todo o exposto e evitando a repetição das argumentações apresentadas, resta evidente que a atuação dos agentes públicos na contratação em análise não foi eficiente, e a concretização da compra de açúcar nas condições propostas não resultaria em resultados positivos na prestação de alimentação de qualidade para os alunos da rede pública do município e qualquer uma das possíveis resoluções para o caso, o consumo total do bem ou o desperdício de parte do volume adquirido, não atenderia de maneira satisfatória as necessidades da comunidade.
O último ponto de análise na questão é a identificação do elemento subjetivo no ato de improbidade por atentado aos princípios da administração pública. Aqui há um diferencial frente a modalidade danos ao erário, o legislador não trouxe como hipótese a desconsideração culposa dos princípios administrativos, é obrigatório que tenha havido dolo por parte do agente público. “No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da administração pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública” (DI PIETRO, 2019, p. 1825).
O dolo dos agentes públicos, o mínimo de má-fé nas palavras de Di Pietro, ao desrespeitar a legalidade, a moralidade administrativa e a eficiência dos serviços públicos na contratação em estudo pode ser sustentada no comportamento recorrente do Município X em realizar compras públicas em volume demasiado, com manifesto afastamento da finalidade e interesse público, diante do desperdício evidente, sem qualquer eficiência na prestação do serviço que a compra se propõe a servir, não havendo ainda qualquer atendimento a critérios de sustentabilidade socioambiental encontrados em legislação vigente.
3.2 A ausência de planejamento em contratações públicas como hipótese de responsabilização
O último questionamento realizado à Procuradoria Geral do Município X foi o que segue: A ausência de planejamento administrativo pode ensejar responsabilidade do prefeito e de seus secretários por má gestão e fiscalização de contratos?
Aqui novamente se recorre ao princípio da eficiência na administração pública. Di Pietro sustenta que há dois possíveis aspectos da eficiência na administração pública, o primeiro no modo de atuação do agente público e o segundo no modo de organização, estruturação e disciplina da organização pública (DI PIETRO, 2019, p. 243-244).
De tal forma, não apenas a atuação do agente como também a forma de estruturar e organizar suas atribuições deve ser eficiente.
Fernanda Marinela também aponta como objetivos da eficiência do serviço público o aumento da produtividade, a economicidade e a redução do desperdício dos recursos públicos, coadunando com o pensamento de Di Pietro, que afirma ser um dos aspectos da eficiência administrativa uma atuação organizada e disciplinada do gestor público. “O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.” (MARINELA, 2005, p. 41).
Sendo assim, considerando a conceituação do princípio e o detalhamento acima exposto, apreende-se que toda a atuação de um agente público deve ser exercida de forma produtiva, econômica, com redução de gastos, fornecendo serviços públicos de qualidade que atinjam a sua finalidade precípua, conforme determinado em legislação vigente, devendo ainda essa atuação se dar de forma disciplinada e organizada. “Deve ser objeto de reflexão, assim, o entendimento de que ‘a lei não pune o administrador incompetente, mas unicamente o desonesto’, ou ainda, que ‘não [pune] o inábil, despreparado, incompetente e desastrado’, especialmente quando se constata a inclusão do princípio da eficiência no rol constante do art. 37 da Constituição, donde se extrai que, sendo incompetência – e inabilidade, despreparo, falta de zelo, falta de planejamento etc. – e eficiência conceitos que mutuamente se excluem, por certo são insuscetíveis de coexistir harmonicamente como vetores da atividade estatal” (GARCIA; ALVES, 2011, p. 57).
A contínua falta de organização e planejamento financeiro dos agentes públicos nas licitações do Município X pode ser caracterizada como improbidade administrativa por atentado ao princípio da eficiência administrativa, de forma recorrente, resultando na possível responsabilização dos agentes envolvidos, com aplicação das sanções anteriormente abordadas.
Considerações finais
Conforme exposto em parte introdutória, toda a estruturação do presente trabalho foi orientada para responder a questionamentos de um caso prático, o do Município X. Buscando-se ao longo dos capítulos apresentar fundamentos jurídicos e doutrinários para a resolução adequada aos questionamentos feitos pelo prefeito à Procuradoria Municipal.
Diante disto, os dois temas de abordagem necessária foram a realização de licitações sustentáveis, a partir da inclusão de critérios de sustentabilidade socioambiental em compras pública, e a responsabilidade de agentes públicos na atuação em contratos administrativos, destaca-se, novamente, que toda a exposição das temáticas foi feita sob a perspectiva do caso do Município X.
A legalidade das licitações sustentáveis foi o primeiro ponto de análise, discorrendo-se sobre todo o arcabouço legal que sustenta a inclusão de critérios socioambientais em compras públicas, com destaque para mandamentos constitucionais de defesa do meio ambiente por parte do poder público, e dispositivos legais que demonstram o dever de alinhamento entre o desenvolvimento nacional sustentável e a busca por maior vantagem econômica para a administração pública, além da obrigatoriedade do poder público de considerar o impacto ambiental em todas as suas contratações, considerando ainda qual o nível desse impacto não somente no momento da contratação, mas também por toda a execução contratual, assim como no momento do descarte de resíduos.
A conclusão resultante foi a de que o Município X desrespeitou os padrões de sustentabilidade socioambientais previstos em legislação federal, com sugestão de utilização de boas práticas de gestão, ações e medidas encontradas na Instrução Normativa 01/10 do MPOG.
A atuação temerária de agentes públicos foi o segundo tema analisado no presente trabalho. Com a diferenciação entre atos que caracterizam “simples” má gestão, de atos de improbidade administrativa e atos de corrupção.
Tendo havido a conclusão pela possível caracterização dos atos dos agentes públicos do Município X em duas modalidades de improbidade administrativa, danos ao erário e atentado aos princípios da administração pública, sustentou-se que é possível a responsabilização funcional e patrimonial dos agentes por prejuízos advindos da realização do contrato administrativo pleiteado, com base no §4º do artigo 37 da CRFB/88 e incisos II e III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92.
Concluiu-se também pela possibilidade de responsabilização dos agentes políticos envolvidos na contratação pela recorrente falta de planejamento administrativo, má gestão e fiscalização contratual.
Referências
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[1] Advogada. Pós graduada em Direito Constitucional (DAMÁSIO), Direito Administrativo (PUC MINAS) e Direito de Família, da Infância e Juventude (UNDB). Membro da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Defesa e Proteção da Criança e do Adolescente da OAB/MA. E-mail: camila.costareis1993@gmail.com.
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