Resumo: O presente artigo se justifica em analisar a responsabilidade penal da pessoa jurídica na seara ambiental que, como a pessoa natural, sofre limitações. Logicamente, não as mesmas limitações, tendo em vista que se trata de naturezas diversas, porém a responsabilidade aqui tratada é aplicada de maneira equivalente, mas não semelhante, em ambos os casos. A responsabilidade penal da pessoa jurídica, não só na esfera ambiental, mas de forma geral, ainda é alvo de muita divergência doutrinária, pois contraria os conceitos clássicos enraizados no Direito Penal. Assim, hão de serem ultrapassadas essas ideias clássicas para se compreender e aplicar essa responsabilidade as pessoas jurídicas, no que pese a doutrina clássica se remeter a individualização da culpabilidade. Ou seja, os conceitos esposados na raiz clássica do direito penal, não se mostram efetivos e compatíveis com a responsabilização penal da pessoa jurídica. Logo, depara-se com a necessidade de superar e evoluir as definições clássicas no sentido de moldar a realidade social, no que se refere à criminalidade ambiental. O advento da Constituição Federal de 1988, foi um grande marco evolutivo ao prever como possível infratora, a pessoa jurídica que incorrer a práticas lesivas ao meio ambiente, em seu art. 225, §3º. Bem como, a fim de efetivar e corroborar o quanto assegurado constitucionalmente, a Lei de Crimes Ambientais dispõe expressamente que as pessoas jurídicas hão de ser responsabilizadas no âmbito administrativo, civil e penal, conforme a redação de seu artigo 3º e a partir dessa temática que o presente estudo será guiado[1].
Palavras-chave: Responsabilidade penal; Pessoa jurídica; Crimes ambientais; Limite à responsabilidade penal; Meio ambiente.
Abstract: This article is justified in analyzing the criminal responsibility of the legal person in the environmental field that, as the natural person, suffers limitations. Of course, not the same limitations, given that they are of different natures, but the liability here treated is applied in an equivalent but not similar way in both cases. The criminal responsibility of the juridical person, not only in the environmental sphere, but in general, is still the object of much doctrinal divergence, as it contradicts the classic concepts rooted in Criminal Law. Thus, these classic ideas will have to be overcome in order to understand and apply this responsibility to legal persons, in spite of the classic doctrine if it refers to the individualization of guilt. That is, the concepts handcuffed in the classic root of criminal law, are not effective and compatible with the criminal responsibility of the legal person. Therefore, it is necessary to overcome and evolve the classic definitions in the sense of shaping the social reality, as far as environmental crime is concerned. The advent of the Federal Constitution of 1988, was a great evolutionary milestone in predicting as possible offender, the legal entity that incurs practices harmful to the environment, in its art. 225, §3. As well as, in order to enforce and corroborate the constitutional guarantee, the Environmental Crimes Law expressly provides that legal entities should be held accountable in the administrative, civil and criminal spheres, according to the wording of its article 3 and from this subject that The present study will be guided.
Keywords: Criminal responsibility; Legal person; Environmental crimes; Limit to criminal liability; Environment.
Sumário: Considerações Iniciais; 1 A Proteção Jurídica do Meio Ambiente; 2 O Reconhecimento da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica; 3 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais; 4 Os Limites da Responsabilidade Penal nos Crimes Ambientais cometidos por Pessoa Jurídica; Considerações Finais
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A necessidade de proteger os recursos naturais e preservar o meio ambiente não é tão recente na humanidade. Desde que o ser humano passou a entender os processos de interação, químicos, físicos e biológicos entre os seres bióticos (que possuem vida) e abióticos (que não possuem vida), se deparou com a finitude dos recursos naturais. Com isso, surgiu a necessidade de preservar o meio ambiente, pois até então os recursos naturais eram considerados infinitos. Com o advento da Revolução Industrial, os impactos ambientais se tornaram cada vez mais evidentes, inclusive ocasionando diversas tragédias, ao ponto da Organização Internacional exigir um posicionamento da Organização das Nações Unidas em relação ao meio ambiente. Necessário se faz ressaltar que a Revolução Industrial teve uma contribuição positiva do âmbito industrial, porém, o que se discute aqui são os impactos sofridos pelo meio ambiente, ou seja, a gritante degradação ambiental decorrente dessa revolução.
Diante disso, em 1972 foi realizada a primeira grande reunião sobre o meio ambiente, conhecida como a Conferência de Estocolmo, pois essa foi a cidade-sede da reunião. O fruto dessa reunião foi a Declaração de Estocolmo, como é popularmente conhecida, a qual reuniu 26 princípios em prol do meio ambiente, sendo o Brasil, um dos países signatários. Nesse talvegue, em 1981 foi sancionada a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e, posteriormente, a legislação ambiental do Brasil só foi crescendo e se complementando.
Nesse seguimento, houve a promulgação da atual Constituição Federal de 1988 que dedicou o capítulo VI, composto pelo art. 225, ao meio ambiente. Protegendo-o da forma mais ampla possível, inclusive prevendo as sanções de caráter administrativo, civil e penal, responsabilizando a pessoa natural e jurídica que viessem incorrer à prática do delito. Entretanto, fez-se necessário a criação de uma lei que elencasse as condutas delituosas relacionadas ao meio ambiente, por isso, em 12 de fevereiro de 1998 foi sancionada a Lei nº 9.605, ou seja, a Lei de Crimes Ambientais.
A Lei de Crimes Ambientais, de forma a regulamentar o quanto disposto constitucionalmente, instituiu a responsabilidade da pessoa natural e da pessoa jurídica que praticassem crimes ambientais. Prevendo, ainda, a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica. Ocorre que, a responsabilidade da pessoa jurídica, ao logo do tempo, vem sendo objeto de ampla discussão e divergência doutrinária. Assim, o presente artigo partirá desse ponto com o intuito de explanar, fundamentadamente, quais são as correntes doutrinárias acerca do tema e como vem sendo aplicada a responsabilidade penal da pessoa jurídica face a infração ambiental.
1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE
Considera-se meio ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abarca e rege a vida alcançando todas as suas formas, como afirma a lei nº 6.938/81 denominada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). Nesse seguimento, a Constituição Federal, mais especificamente em seu artigo 225, caput, garante o direito ao Meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo de forma a conferir uma sadia qualidade de vida essencial à população delegando ao Poder Público a função de defender e preservar de modo geracional e intergeracional, ou seja, para que a presente geração possa desfrutar do meio ambiente e com isso as gerações vindouras não venham ser prejudicadas por esse uso, pois uma das funções do Poder Público é exatamente garantir e preservar o meio ambiente para que as futuras gerações venham usufruir do mesmo.
Verifica-se que o bem jurídico tutelado não é definido com exatidão no texto constitucional, ensejando assim uma amplitude que infere em abarcar tudo o que permite a vida, que abriga e rege (RIBEIRO, 2010, s.p.). Na concepção de José Afonso da Silva (2004, p. 20), o meio ambiente é a relação entre elementos naturais, artificiais e culturais que, mediante suas interações, propicia o desenvolvimento equilibrado da vida e todas as suas formas. Nesse sentido, Luciana Uchôa Ribeiro leciona que
“Conforme a doutrina e a própria Constituição Federal (que reconheceu as várias formas de meio ambiente) o meio ambiente está subdividido em: a) meio ambiente natural (é aquele que existe sem a influência do homem, a fauna, a flora); b) meio ambiente artificial (interação do homem com o meio o meio ambiente por seus equipamentos construídos); c) meio ambiente cultural (também fruto da interação do homem com o meio ambiente natural, mas com um valor especial adquirido, integrados pelos os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico); e d) meio ambiente do trabalho (interação como meio ambiente na atuação de proteção da saúde e segurança do trabalhador)” (RIBEIRO, 2010, s.p.).
Diante dessa subdivisão, cumpre salientar o alcance da ciência ambiental, sob a ótica holística da concepção de meio ambiente traduzindo assim, o aspecto abrangente e multidisciplinar na órbita da problemática ambiental (MILARÉ, 2007, p. 112). Mediante a análise perfunctória da problemática aludida, verifica-se que as ciências correlacionadas seriam a jurídica ambiental, ecológica e biológica, pois estas articulam as legislações pertinentes a preservação do meio ambiente e doutrinas ecológicas e biológicas, como afirma Luciana Uchôa Ribeiro (2010, s.p.). Ainda nesse sentido, Enrique Leff (2002, p. 17) destaca que o ambiente não significa ecologia em si, mas a complexidade do mundo. Assim, o ambiente não se restringe aos conceitos naturais, como fauna e flora, sua amplitude é bem maior e sua composição é completa e heterogênea, pois estaremos sempre submetidos a um tipo de meio ambiente (RIBEIRO, 2010, s.p.).
No que tange a multidisciplinaridade da problemática ambiental, Luciana Uchôa Ribeiro (2010, s.p.) elucida que a legislação ambiental brasileira com o escopo protecionista em relação ao meio ambiente, instituiu sanções à prática de determinadas condutas previstas na lei nº 9.605/98. Elucida ainda, que a Constituição Federal e a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente regulam e estabelecem normas dos órgãos ambientais nacionais e locais com a finalidade de coibir a prática de condutas degradantes ao meio ambiente, ou seja, ferindo assim o bem jurídico ambiental.
Logo, a legislação dispõe de mecanismos que asseguram a proteção do meio ambiente ante determinadas práticas, denominados de instrumentos de política ambiental. Luciana Uchôa Ribeiro (2010, s.p.) exemplifica esses instrumentos sendo as formas de licenciamento, estudo de pacto ambiental (EIA), o relatório de impacto ambiental (RIMA), alguns dos instrumentos que buscam regulamentar a permissividade de atividade potencialmente degradadora ou poluidora, viabilizando assim, o controle da gestão dos recursos naturais, bem como atuam na prevenção a postulação judicial relacionada aos ilícitos ambientais acarretados pela exploração de atividade econômica.
2 O RECONHECIMENTO DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
No âmbito do Direito Penal, a matéria discutida se volta para a individualização da culpabilidade e os conceitos explicitados não se compatibilizam com a responsabilização penal da pessoa jurídica, ou seja, há necessidade de superar os conceitos clássicos dessa matéria a fim de se amoldar a realidade social em relação a criminalidade, seja na esfera de crimes econômicos, ambiental ou social de forma a se obter uma resposta satisfatória à resolução de tal criminalidade (SMANIO, 2004, s.p.).
Nesse sentido, segundo Gianpaolo Poggio Smanio (2004, s.p.) verifica-se a necessidade de gerar um novo sistema teórico com o escopo de resolução de conflitos supraindividuais surgidos hodiernamente e, devido a época em que os conceitos clássicos foram formulados, a situação atualmente vivida extrapolava a visão tradicional. Situação essa, que não é exclusiva do Direito Penal e sim de todos os Direitos ante a evolução da sociedade. Uma das principais mudanças necessárias do direito está diretamente ligada ao reconhecimento da capacidade penal da pessoa jurídica, pois todas as correntes doutrinárias convergem no sentido da importância da pessoa jurídica atualmente na criminalidade, desde a prática do crime até sua ocultação.
“Historicamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica foi admitida na Idade Média e por um período da Idade Moderna, especificamente entre os séculos XIV e XVIII. Depois, caiu em desuso, voltando a firmar-se na segunda metade do século XIX, com a teoria da realidade de Gierke, em contraposição à teoria da ficção. Para a teoria da realidade, a pessoa jurídica é um autêntico organismo, realmente existente, ainda que de natureza distinta do organismo humano. A vontade da pessoa jurídica é distinta da vontade de seus membros, que pode não coincidir com a vontade da pessoa jurídica. Assim, a pessoa jurídica deve responder criminalmente pelos seus atos, uma vez que é o verdadeiro sujeito do delito”. (SMANIO, 2004, s.p.)
Neste passo, o sistema de dupla imputação fora adotado de forma que, o crime cometido pela pessoa jurídica, não venha alcançar seus sócios – pessoas físicas –, pois nem sempre a vontade desses são compatíveis com a realidade e assim, gozam de pleno tratamento penal tradicional com conceitos e garantias individuais fixados. Ressalta Gianpaolo Poggio Smanio (2004, s.p.), no que se refere as pessoas jurídicas, a necessidade de um novo sistema para atender a realidade da criminalidade empresarial de maneira rápida e eficaz.
Gianpaolo Poggio Smanio (2004, s.p.), salienta a ideia de que a pessoa jurídica poderá praticar ações divergentes do que as pessoas físicas que as integram, praticaria, como também ações independentes. Nesse seguimento, leciona Fausto Martin de Sanctis
“(…) as pessoas jurídicas possuem vontade própria e se exprimem pelos seus órgãos. Essa vontade independe da vontade de seus membros e constitui uma decorrência da atividade orgânica da empresa. Conclui-se, portanto, que diante dessa vontade própria é possível o cometimento de infrações, de forma consciente, visando à satisfação de seus interesses” (SANCTIS, 1999, p. 09).
A ação institucional ou ação praticada pela pessoa jurídica se difere em relação a ação praticada pelos seres humanos, assim, o dolo e a tipicidade são observados por outro ângulo. A ação em tela provém de um evento inter-relacional composta por cada um dos participantes e a instituição, resultando uma concorrência de fatores independentes da vontade de seus membros, diretores ou sócios. Nesta senda, David Baigún (1999, p. 35) alega que a conduta da pessoa jurídica tem como base para sua formação três aspectos, quais sejam o normativo, organizacional e o interesse econômico. Partindo desse entendimento, sobreleva notar que em consonância com a legislação de cada país, a decisão institucional é considerada um fruto normativo estabelecido no estatuto social, levando-se em consideração que existem divisões tanto internas, quanto externas, administrativas, de representação, não obstante a distribuição das funções e responsabilidades de cada um. Diante disso, vale ressaltar que as decisões institucionais não deverão sair dos moldes delineados pelos estatutos.
Outrossim, de forma a compor essa tríplice, há a organização que, por sua vez, detém um elo com a ordem normativa, todavia autônoma. Isso ocorre, pois abarca todos os seres humanos que compõem a empresa, o sistema controle interno e um sistema institucionalizado de comunicação. Sob a perspectiva do interesse econômico, está enraizado na justificativa da empresa em existir, tendo em vista que esse é seu objetivo, porém não funciona de forma deserta, assim, necessitando de complementação por parte dos componentes normativos e organizacionais para que se produza a ação institucional (BAIGÚN, 1999, p. 35).
Ainda em relação ao interesse econômico que paira sobre a empresa, vale salientar que esse é um fator de grande importância e, ao mesmo tempo, está inserido no papel de cada sujeito componente da instituição, como os agentes da organização que fazem o motor da ação institucional funcionar. Insta acentuar que os interesses econômicos da instituição ultrapassa os interesses econômicos individuais, se caracterizando o interesse próprio da empresa por meio de seus integrantes. Em suma, a ação institucional há características próprias, independendo da conduta das pessoas físicas e formando suas próprias características de maneira diferenciada, assim, Silvio Rodrigues (2003 apud CUNHA, 2015, s.p.) argui que “a sociedade nasce e ganha vida e personalidade independente dos indivíduos que a compõem”. Com isso, deverão ser analisados os elementos subjetivos, seja dolo ou culpa e, por conseguinte, a tipificação da conduta institucional (SMANIO, 2004, s.p.). Ante o entendimento esposado, João Marcello de Araújo Júnior leciona que
“A doutrina inglesa, holandesa e americana, tendo à frente, principalmente, John Vervaele, de Utrecht, sustenta que, se a pessoa jurídica tem capacidade de ação para contratar, tem também capacidade para descumprir, por exemplo, criminosamente o contratado, logo tem capacidade de agir criminosamente. Além do mais, principalmente no que se refere ao Direito Penal Econômico, ilícitos existem em que a lei prevê, exclusivamente, a conduta da empresa. É o que acontece, entre outros exemplos, com os crimes contra a livre concorrência. Quem exerce a concorrência desleal é a empresa. A ação da pessoa natural que atua por conta e no proveito dela é expressão do agir da empresa, pois quem pratica a ação é a própria empresa” (ARAÚJO JÚNIOR, 1999, p. 89).
Vislumbra-se que a pessoa jurídica possui capacidade para ação, assim, impera a necessidade de estabelecer quanto a possibilidade da mesma quanto a imputação penal e a culpabilidade institucional. Sob a ótica da dupla imputação, a culpabilidade remete a ideia de culpabilidade do fato, logo fica claro que a culpa é algo individual no Direito Penal e deve ser levado em consideração a situação e circunstâncias individuais dentro de suas distinções (SMANIO, 2004, s.p.). Nesse seguimento, Shecaira (1999, p. 78) defende que há culpa mediante a prática de um “ato em particular”, sendo esse o marco inicial para a intervenção penal. Consoante a lição geral do Direito, esse ato particular é a prática de uma conduta típica, ou seja, um fato delituoso previsto em lei. Diante disso, nasce a culpabilidade da pessoa jurídica, a qual permite o Direito Penal aplicar suas normas, com escopo de responsabilização perante a prática de graves delitos.
Ao revés, Araújo Júnior (1999, p. 91-92) alude que a culpabilidade não se comunica com a capacidade de propor alguma ação em juízo. No entanto, há de se associar a teoria do risco da empresa, decorrente da culpa da própria organização e atuação, legitimando a responsabilidade penal da pessoa jurídica e, via reflexa, justificando as atribuições devidas, seja de maneira isolada ou cumulada, do ato delituoso praticado em benefício da empresa.
Nesse talvegue, Pacelli e Callegari (2015, p. 227) explicitam seu entendimento no sentido de que o cerne da culpabilidade sempre esteve ligado ao ser humano, qual seja capaz de distinguir a conduta lícita e ilícita de forma a entender o momento em que concorre à prática do ato ilícito. Com isso, seria inviável a pessoa jurídica arcar com o ônus advindo da conduta delituosa que praticou, ou seja, a culpabilidade não alcançava a pessoa jurídica. Nesses termos, Sánchez (2003, p. 359) leciona claramente no sentido de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica ainda é um instituto que não fora desenvolvido de maneira satisfatória. A propósito, deve-se levar em consideração que a responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez relacionada a responsabilidade penal da pessoa natural, não devem ser aplicadas de forma idêntica, tendo em vista as particularidades de ambos (PACELLI; CALLEGARI, 2015, p. 227). Face as considerações aduzidas, Sirvinskas assegura que
“O tema é conflituoso, especialmente porque impera, no direito penal, a princípio da culpabilidade (juízo de reprovabilidade). Pune-se a pessoa física com base na sua culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa). Como seria possível punir penalmente um ente fictício com pena de multa, restritiva de direitos ou prestação de serviços à comunidade, por exemplo? Normalmente, a dosimetria da pena se baseia na culpabilidade da pessoa física. Já a dosimetria da pena, em relação a pessoa jurídica, estaria adstrita às consequências e à extensão dos danos causados ao meio ambiente” (SIRVINSKAS, 2015, p. 892).
Nessa continuidade, Pacelli e Callegari (2015, p. 227) salientam, ainda, que há de ser respeitadas as especificidades teóricas de cada situação, fazendo nascer a ideia de que há uma culpabilidade que se molda aos aspectos da pessoa jurídica e, por outro lado, existe a ideia de culpabilidade relacionada a pessoa natural. Apesar de serem diferenciadas, dada as circunstâncias, a essência funcional da culpabilidade é aplicada de forma equivalente em ambos os casos. Portanto, toda essa discussão que envolve a responsabilização da pessoa jurídica foi atenuada com o advento da Constituição Federal, mais especificamente a redação do §3º do art. 225 desse diploma (SIRVINSKAS, 2015, p. 892), como será discorrido cautelosamente a seguir.
3 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS
Preliminarmente, vale acentuar que tanto na esfera da pessoa jurídica, quanto à pessoa natural, nem todos possuem a capacidade de culpabilidade, ou como ensina Pacelli e Callegari (2015, p. 227), nem todas serão imputáveis. No que tange a pessoa jurídica, serão imputáveis certas organizações empresariais, desde que detenham um sistema complexo interno e, ao mesmo tempo, suficiente para justificar sua responsabilidade penal. Isso ocorre também no caso da pessoa natural, em que os menores de idade não tem condições internas suficientes e complexas para arcar com o ônus advindo dessa responsabilidade penal (DIÉZ, 2013, p. 32-35).
Não há um conceito preciso de culpabilidade da pessoa jurídica, porém Pacelli e Calegari (2015, p. 227) se pautam no entendimento de Günter Heine para afirmar que a culpabilidade não se baseia somente no fato, mas dada as circunstâncias e os aspectos que compõem a forma de condução da empresa. Em suma, Díez (2013, p. 45) leciona que “o injusto empresarial estaria vinculado com a organização da empresa; a culpabilidade empresarial referir-se-ia à cultura da empresa”.
Nesta senda, a tutela penal do meio ambiente é imprescindível, ainda mais quando as medidas punitivas na seara administrativa e civil não lograrem êxito. Essas medidas penais visam precaver, bem como reprimir as condutas delituosas em desfavor do meio ambiente. Seguindo a trilha da doutrina moderna, a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 a(Lei de Crimes Ambientais) adotou o posicionamento de que a pena privativa de liberdade há de ser uma exceção, ou seja, aplicada apenas a casos extremos, pugnando pelas penas alternativas aos infratores que incorrerem à tal prática (SIRVINSKAS, 2015, p. 887). Nesse sentido, Pacelli e Callegari complementam
“Em relação ao sancionamento da pessoa jurídica, o juiz deve sopesar as penas dispostas em lei e aplicar aquela mais apropriada à finalidade preventiva (geral e especial), atentando para que as sanções, quando pecuniárias, não sejam absorvidas pelos custos da empresa, sob pena de perder seu caráter intimidatório. Deve-se, ainda, ter consciência de que a pena aplicada à pessoa jurídica pode lesionar interesses de terceiros, especialmente os empregados da empresa e seus credores, sendo necessário que o julgador avalie tais interesses no momento da definição da reprimenda penal mais adequada” (PACELLI; CALLEGARI, 2015, p. 228-229).
No direito brasileiro, tanto a Constituição Federal de 1988, quanto a Lei de Crimes Ambientais, preveem que a pessoa jurídica deve ser responsabilizada. Bem como a Lei nº 9.605/98 prevê, especialmente, a punição para a pessoa jurídica sobrelevando a “independência da responsabilidade da pessoa coletiva em relação à responsabilização da pessoa natural” (PACELLI; CALLEGARI, 2015, p. 229). Dessa forma, necessário se faz a transcrição dos artigos referentes a esse assunto nos diplomas supracitados
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [omissis]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados […]” (BRASIL, 1988). (grifamos)
A partir de então, a pessoa jurídica teve sua responsabilidade expressamente descrita nas normas constitucionais, mais especificamente no art. 225, o qual versa, de forma completa, sobre o meio ambiente nas suas mais diversas faces. Nessa esteira, com escopo de proporcionar maior efetividade a norma constitucional, a Lei de Crimes Ambientais, trouxe no corpo de seu art. 3º, a possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica, não só na esfera criminal, mas também na seara administrativa e cível. Destacando-se a relação de independência disposta no parágrafo único do artigo supracitado, em que não se comunica, ou melhor, não se exclui a responsabilidade das pessoas naturais ante a responsabilização das pessoas jurídicas (PACELLI; CALLEGARI, 2015, p. 229). Com isso, impende transcrever
“Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato” (BRASIL, 1998). (grifamos)
Seguindo o entendimento de Sirvinskas (2015, p. 887), o meio ambiente não é de ninguém individualmente e, simultaneamente, de todos. Isso significa dizer que a proteção ao meio ambiente não abarca somente alguns, mas sim todas as pessoas, independentemente do país que seja. Sob a justificativa que um desastre de natureza ambiental, poderá atingir vários países, como ocorre no desastre nuclear ou na contaminação de rios internacionais, por exemplo. O que se verifica é que o bem aqui tutelado ultrapassa, em amplitude, os outros delitos penais. Para isso, o direito penal moderno pende pela aplicação do princípio da intervenção mínima do Estado Democrático de Direito. Dessa sorte, Ivete Senise Ferreira (1995, p. 13) acentua que a tutela penal deve ser aplicada em ultima ratio, isso traduz o entendimento de que a responsabilidade em voga deverá ser aplicada somente após não lograrem êxito nas tentativas de aplicação de mecanismos intimidatórios na esfera cível e criminal, assim, aplicar-se-á medida punitiva constante na seara penal.
Essa noção propedêutica é necessária ao entendimento de que grande parte da doutrina ainda se volta à impossibilidade da responsabilização da pessoa jurídica, isso, pois a ideia expressa por esses doutrinadores clássicos se pautam na ideia de um período anterior ao funcionalismo. Todavia, a realidade nacional é diversa como se vislumbra na condução do presente artigo, levando-se em consideração que a Constituição Federal, de forma incisiva, consagra a responsabilização penal da pessoa jurídica. Em relação as críticas diante dessa disposição constitucional, Pacelli e Callegari (2015, p. 229-230) defendem que “a vontade do intérprete não pode se sobrepor a de todos os demais interessados na compreensão e na aplicação das normas jurídicas”. Ou seja, o simples inconformismo legislativo ou constitucional, não enseja a invalidade da norma.
Por fim, Sirvinskas (2015, p. 892), em sua lição, esclarece que o polo ativo dos crimes ambientais podem ser compostos por pessoas jurídicas. Apesar de serem entes fictícios, a Lei de Crimes Ambientais prevê penalidades em face dessas, quais sejam, a multa, as restritivas de direitos, a prestação de serviços a comunidade, consoante explicita o art. 21 da lei supramencionada. Não obstante, a desconsideração da pessoa jurídica com fulcro na disposição do art. 4º, bem como a execução forçada conforme o art. 24, ambos da Lei nº 9.605/98.
4 OS LIMITES DA RESPONSABILIDADE PENAL NOS CRIMES AMBIENTAIS COMETIDOS POR PESSOA JURÍDICA
Inicialmente, é relevante lembrar que a responsabilidade penal em relação a pessoa jurídica ante a prática de infrações de natureza ambiental, se consubstancia num instrumento de política criminal em prol da promoção do princípio ambiental da prevenção. Tal princípio reza que devem existir medidas a fim de afastar ou dirimir os danos causados ao meio ambiente, via reflexa, garantindo a “perenidade da sadia qualidade de vida” face as presentes gerações, bem como as vindouras. Além disso, visa preservar os recursos naturais presentes no planeta, assim, minimizando o processo de degradação ambiental com riscos e impactos, já sabidos no âmbito científico (CLAUDINO, 2012, s.p.).
Como cediço, a Lei de Crimes Ambientais em seu art. 3º confere as pessoas jurídicas a possibilidade de arcar com o ônus decorrente da prática de infrações penais, devendo-se destacar a disposição do parágrafo único o qual não desvincula a responsabilidade da pessoa jurídica em relação a responsabilidade da pessoa física, enquanto “autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato” (BRASIL, 1998). Com isso, Eduardo Souza (2017, s.p.) explica que, nesse caso, para efeitos de responsabilização da pessoa jurídica, mesmo que detenham personalidade jurídica própria, o respectivo ente fictício não faz jus a vontade voluntária e consciente, sobretudo, por não serem seres humanos.
Nesse diapasão, a responsabilidade das pessoas jurídicas devem ser analisadas sob a perspectiva do concurso de agentes, tendo em vista que a vontade desses entes fictícios se materializam mediante ação original daqueles que os representam. O cerne da questão no Direito Penal em relação aos delinquentes é proceder o recolhimento do convívio em sociedade proporcionalmente com a necessidade da intervenção do Estado que, in casu, desempenha a função de garantidor do “cumprimento da vontade delegada pela sociedade de perseguir a retidão e o efetivo cumprimento da norma” (SOUZA, 2017, s.p.). Assim, esse mesmo autor prossegue com o raciocínio ao explanar que
“Entretanto, inexiste a tal possibilidade para pessoas jurídicas. As pessoas coletivas estão sujeitas a penas de responsabilidade e reflexas de direito, ou seja, ou submete-se a reparação pecuniária ou a perda de direitos que lhe são inerentes. Assim, a existência da criminalização provoca uma discussão praticamente inócua que, condensado pelo apelo social na busca de culpados, alcançará seus gestores, e por consequente terão dupla responsabilização. A primeira por ter ordenado ou coordenado as ações delituosas da pessoa ficta, a segunda, pela pena pecuniária ou restritiva de direitos que esta virá a ter. Sobejamente claro que os dispositivos legais delimitam a responsabilização penal desses entes, no entanto, as disposições processuais de manejo e aplicabilidade dessa realidade não se fez acompanhar pelo códex e assim, inviabilizaram a prestação jurisdicional”. (SOUZA, 2017, s.p.). (grifamos)
Nessa esteira, Grigorio (2013, s.p.) afirma que, apesar de reconhecida a responsabilidade penal da pessoa jurídica que incorre na prática de infrações ambientais, é inviável a imputação somente desse ente coletivo. Se não identificada a pessoa natural corresponsável, deve-se investigar a infração, ou melhor, a situação minunciosamente. Sob o entendimento de que é incongruente responsabilizar unicamente a pessoa jurídica, restando impune a pessoa natural que incorreu ao delito. Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou em relação ao questionamento em tela, reconhecendo a imprescindibilidade da dupla imputação ao processar ações penais que apuram a infração ambiental, veja
“Parece-me que, na atual configuração constitucional, é possível, em tese, a responsabilização penal da pessoa jurídica, segundo o sistema da dupla imputação e em bases epistemologicamente diversas das utilizadas tradicionalmente, sendo competência do Juízo de instrução a regular análise de cada caso concreto” (Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 88544 MC / SP – SÃO PAULO, Medida cautelar no habeas corpus, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 27-04-2006, publicado no DJ de 05-05-2006, p. 50).
Com isso, faz-se necessário observar que a penalização da pessoa jurídica, somente, é viável no direito privado em que o ato criminoso se consubstancia em proveito próprio. Noutra senda, o legislador foi omisso em relação as disposições ambientais, ou seja, quanto as infrações que gerem danos ao meio ambiente, bem como em relação a responsabilidade de seus gestores. Em suma, vale concretizar o entendimento pautado no concurso de pessoas, pois o Código Penal pátrio, em seu art. 29, expressa que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (BRASIL, 1940). Impende destacar que a Lei de Crimes Ambientais também dispõe acerca do presente questionamento em seu art. 2º, o qual reza em relação aos concorrentes para a prática de quaisquer delitos elencados por essa lei. Nesse talvegue, aqueles que concorrem para a ação delituosa incide nas penas cominadas, proporcionalmente a sua culpabilidade, extensivo aos administradores, membros de conselho e de órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica, uma vez que, tendo conhecimento da conduta, não diligencia no sentido de impedi-la nas situações em que poderia ter evitado (SOUZA, 2017, s.p.).
Ocorre que, todas as condutas emanam da ação do ser humano, assim, viável se faz a responsabilização por ricochete ou responsabilidade reflexa. Assim, sempre que uma pessoa jurídica compor o polo passiva de uma demanda penal ambiental, deverá estar atrelada a uma pessoa natural (SOUZA, 2017, s.p.). Tecendo comentários acerca da matéria, Pacelli e Callegari (2015, p. 230) asseveram que “corre-se o risco até de afetação do princípio do ne bis in idem, com a punição de ambos (pessoas físicas e pessoa jurídica), na medida em que a decisão da prática do ato tem a mesma origem e fonte”.
Como aduzido anteriormente, o STF já promoveu o reconhecimento da dupla imputação nas ações penais que tratam de infração ambiental. Dessarte, o Tribunal Superior de Justiça (STJ), bem como os demais tribunais adotaram esse entendimento, como pode-se verificar pelos acórdãos proferidos e transcritos abaixo
“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA EM MANIFESTO CONFRONTO COM JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. ART. 557, § 1º-A, DO CPC. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO MONOCRÁTICO. APLICAÇÃO EQUIVOCADA DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE À AÇÃO PENAL PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. DUPLA IMPUTAÇÃO. RESPONSABILIZAÇÃO SIMULTÂNEA DA PESSOA JURÍDICA E DA PESSOA FÍSICA. CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. JULGADO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO PRETÓRIO EXCELSO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Não há que se falar em ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão é proferida pelo relator, com base no regramento previsto no artigo 557, parágrafo 1º-A, do Código de Processo Civil.
2. A necessidade de dupla imputação nos crimes ambientais não tem como fundamento o princípio da indivisibilidade, o qual não tem aplicação na ação penal pública. Aplica-se em razão de não se admitir a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física.
3. Não há contrariedade ao princípio da interpretação conforme a constituição, quando a decisão agravada encontra-se em consonância com o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal.
4. Agravo regimental a que se nega provimento (Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 898302/PR. Relatora: Ministra Maria Tereza de Assis Moura, Julgamento em 07-12-2010, publicado no DJE em 17-12-2010). (grifamos)
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO.
Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que “não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio” cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 889.528 – SC. Relator: Min. Felix Fischer, julgamento em 17-04-2007, publicado em 18-06-2007). (grifamos)
Autos de Mandado de Segurança – Crime contra o meio ambiente Responsabilidade de pessoa jurídica. Trancamento da Ação Penal Inépcia da denuncia. Em função da teoria da dupla imputação há necessidade, nos delitos de natureza ambiental, da responsabilidade simultânea do ente jurídico e da pessoa física, ausente este requisito há de se reconhecer a necessidade de trancamento da ação penal. Ordem concedida” (Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Mandado de segurança 200930125198. Relator: Desa. Albanira Lobato Bemerguy. Julgamento em 12-02-2010, publicado no DJ de 22-02-2010 p. 68). (grifamos)
Nesse liame, a lei penal ambiental brasileira encontra-se restrita e diretamente ligada a ação humana, portanto, todo o exposto corrobora o posicionamento de que é relativamente impossível a “responsabilização pela ausência de vontade consciente desta na prática do delito, na prática apenas penas restritivas de direitos e penas pecuniárias poderiam ser aplicáveis”. Tudo isso porque a pessoa jurídica é caracterizada como ente fictício e, por outro lado, há o ser humano que possui capacidade para incorrer à prática da infração ambiental e, ao contrário da finalidade do direito penal que é ressocializar o agente, aqui se visa a reparação do dano causado (SOUZA, 2017, s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o entendimento esposado no presente artigo, verifica-se que a responsabilidade penal da pessoa jurídica, apensar de alguns avanços, ainda encontra muitas divergências na doutrina. Em contrapartida, tanto a Constituição Federal, em seu artigo 225, quanto na Lei de Crimes Ambientais (art. 3º) encontra-se evidenciado tal responsabilidade. Deve-se lembrar que essa responsabilidade na esfera penal, apensar de alcançar a pessoa natural e jurídica, são aplicadas de maneira equivalente e não idênticas, pois existem algumas peculiaridades em razão da natureza do ser humano em relação a um ente coletivo. Outrossim, a Lei de Crimes Ambientais, por ser um diploma atual, já segue a tendência moderna do direito penal quanto a aplicabilidade da pena privativa de liberdade, sendo essa, aplicada em casos extremos. Não obstante, a responsabilidade penal deverá ser aplicada após o insucesso nas outras esferas, qual seja, administrativa e cível. Sobreleva lembrar que, como a pessoa natural, a pessoa jurídica também não tem plena capacidade para a responsabilização penal.
Consoante o estudo realizado nesse trabalho, a pessoa jurídica também sofre limitações quanto a responsabilidade penal ambiental. Tendo em vista que o entendimento do Supremo Tribunal Federal, mais recente, nesse sentido versa que deverá ser analisada a responsabilidade penal da pessoa jurídica que incorrer para a prática de crimes ambientais, sob o crivo da dupla imputabilidade. Ou seja, basicamente significa que a pessoa jurídica nunca será responsabilizada sem que esteja vinculada a pessoa natural responsável e que concorreu para prática dessa ação delituosa, uma vez que a pessoa jurídica, por si só, não tem capacidade para infringir a norma penal ambiental. Logo, deverá ser punida a pessoa que é dotada desse discernimento e, ainda, responsável pelo dano ambiental.
Ora, deve-se pensar a contrario sensu, assim, depara-se com uma situação ilógica em que a pessoa jurídica infratora arcará com o ônus do dano ambiental, todavia a pessoa natural que teve a ideia e arquitetou e concorreu para tal prática estará impune. Portanto, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, seguido pelo Superior Tribunal de Justiça e os demais Tribunais Estaduais, procura dirimir esse impasse, ainda aflorado na doutrina, porém já pacificado pela jurisprudência.
Acadêmica de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos FAMESC Unidade Bom Jesus do Itabapoana
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
Acidentes de trânsito podem resultar em diversos tipos de prejuízos, desde danos materiais até traumas…
Bloqueios de óbitos em veículos são uma medida administrativa aplicada quando o proprietário de um…
Acidentes de trânsito são situações que podem gerar consequências graves para os envolvidos, tanto no…
O Registro Nacional de Veículos Automotores Judicial (RENAJUD) é um sistema eletrônico que conecta o…
Manter o veículo em conformidade com as exigências legais é essencial para garantir a sua…
Os bloqueios veiculares são medidas administrativas ou judiciais aplicadas a veículos para restringir ou impedir…