Mediação: uma forma efetiva de pacificação social no estado contemporâneo

Resumo: O presente artigo tem por finalidade apresentar a mediação como uma das formas mais eficazes de pacificação de conflitos no Estado Democrático de Direito visando não apenas a pacificação jurídica mas também a social vislumbrando a evolução da sociedade como coletividade

Os conflitos de interesses são percebidos sob uma dupla dimensão (1), de um lado o conflito jurídico envolvendo direitos violados ou supostamente violados, e, de outro o conflito social envolvendo as relações entre indivíduos que desestabilizam a sociedade e nem sempre são reestruturados, muito embora, juridicamente, tenha-se solucionado o conflito emergente, pois que a insatisfação permanece latente entre os indivíduos; em realidade não se trata, o conflito, de meras questões materiais, mas subjetivas e emocionais, neste sentido comenta Warat (2) que o conflito é entendido como ” conjunto de condiciones psicológicas, sensibles, culturales y sociales que determinam um choque de actitudes em el vínculo de las personas”.

Figueira Junior (3) menciona que a insatisfação entre os litigantes é conseqüência de sentenças judiciais e arbitrais em que se tem a solução de um conflito em seu aspecto jurídico apenas, mencionando o autor que “a sentença ou a decisão arbitral que acolhe ou rejeita o pedido formulado inicialmente pelo postulante não solucionam o conflito sociológico, mas simplesmente compõem a lide processual que, por sua vez, significa nada mais do que a parcela do litígio que foi levado ao conhecimento do juiz ou árbitro”. Neste contexto tem-se a mediação como forma hábil de solucionar os conflitos sociológicos viabilizando a efetiva pacificação social (4) além de promover o exercício da cidadania, uma vez que o próprio indivíduo passa a exercer sua autonomia no sentido de dirimir seus conflitos e gerenciá-los.

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Warat (5) refere que:

As práticas sociais de mediação se configuram num instrumento ao exercício da cidadania, na medida em que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de decisões sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados por um conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um certo sentido, é se ocupar da capacidade das pessoas para se auto determinarem em relação e com os outros; autodeterminarem-se na produção da diferença (produção do tempo com o outro). A autonomia como uma forma de produzir diferenças e tomar decisões com relação a conflitividade que nos determina e configura, em termos de identidade e cidadania.

Como mecanismo alternativo de caráter extrajudicial (6) e autônomo, a mediação, privilegia a conciliação entres as partes e o restabelecimento das relações sociais. Nas palavras de Morais (7), “com o auxílio do mediador, os envolvidos buscarão compreender as fraquezas e fortalezas de seu problema, a fim de criar uma solução onde todos ficarão satisfeitos.” O objetivo principal da mediação seria, desta forma, não a busca do direito a ser aplicado ao conflito, mas, a busca do apaziguamento das partes envolvidas na controvérsia percebendo-se como indivíduos sociais.

Numa análise do desenvolvimento da mediação entre os indivíduos propugna Warat (8) que:

à diferença do que ocorre em um processo judicial, no qual na realidade são os advogados que intervêm e manejam o conflito, na mediação são as partes os principais atores, as donas do conflito que mantêm, em todos os momentos, o controle do mesmo, dizendo quais são as questões que estão envolvidas, assim como o modo de resolvê-las. O acordo decorrente de uma mediação, satisfaz, em melhores condições, as necessidades e os desejos das partes, já que estas podem reclamar o que verdadeiramente precisam e não o que a lei lhes reconheceria. Permite o encontro de alternativas que escapam das possibilidades que a justiça ou o árbitro podem oferecer, limitados pelas disposições legais e jurisprudenciais.

As partes contam para a composição do conflito com a figura do mediador, que exerce papel fundamental o processo de mediação (9) e, na concretização da justiça, as funções do mediador podem ser resumidas da seguinte forma: cooperador, eis que ajuda a discutir com respeito; coordenador da discussão entre as partes; ressalta as convergências e divergências em torno do objeto do conflito de interesses; identificador dos pontos de atrito entre as partes que originaram o conflito; motivador da criatividade na busca de alternativas para a solução do conflito bem como auxilia as partes a descobrir seus reais interesses, permitin que o acordo firmado por elas seja justo, eqüitativo e duradouro.

Warat (10), ressalta a relevância do papel desempenhado pelo mediador esboçando que:

tiene como función el ayudar a cada persona, envuelta em um conflicto, para que puedan aprovecharlo como oportunidad vital, um punto de apoyo para renacer, hablarse a sí mismo, reflexionar e impulsionar mecanismos interiores que los sitúen em uma posición activa delante de sus problemas. El mediador estimula a cada miembro del conflicto para que encuentrem, juntos, el rumbo que van a seguir salir de la encrucijada y recomenzar a andar por la vida com outra disposición.

Características do Instituto Mediação

Como instituto jurídico, a mediação apresenta características que lhe são peculiares como o sigilo, pois não tem o caráter da publicidade tal como ocorre na justiça comum; a controvérsia solucionada via mediação fica adstrita ao conhecimento das partes envolvidas e do mediador; a informalidade, em oposição ao formalismo existente no procedimento judicial, eis que não requer formulação de pedidos ou defesas na forma escrita; o baixo custo, resultante do fato de que com a mediação o único gasto é para com a figura do mediador, o qual deverá ser pago por ambas as partes, não há despesas judiciais, não há custas a serem pagas e nem mesmo honorários advocatícios eis que a participação de advogados não se faz obrigatória; a celeridade, resultante da própria informalidade, salientando-se que a maior celeridade será obtida nas hipótese de menor conflituosidade emocional entre as partes envolvidas; a redução do desgaste emocional das partes, pois o mediador tem o condão de facilitar a conversação dos indivíduos de modo que possam de uma forma pacífica sem cargas emocionais chegarem a um acordo.

Nesse mesmo sentido, acerca da análise conceitual da mediação, Morais (11) apresenta, diversas características, as quais ressalta tratarem-se em realidade de vantagens oferecidas pelo instituto, tais como: a privacidade pois desenvolve-se em ambiente secreto sendo divulgado somente mediante autorização das partes; a economia financeira e de tempo pois o conflito é solucionado no menor lapso temporal possível havendo consequentemente um menos custo do processo; a oralidade possibilitando que as próprias partes debatam em busca de uma solução para o conflito concretizando a informalidade do procedimento; a reaproximação das partes, pois enquanto o processo judicial tem como objetivo sentenciar impondo uma decisão as partes a mediação, como justiça informal, tem como objetivo prevenir conflitos pacificando as relações sociais entre as partes; autonomia das decisões dispensando a homologação pelo Judiciário pois cabe as partes decidirem sobre o conflito o que farão de acordo com o que for melhor para cada uma, em prol do restabelecimento social e o por último, o equilíbrio das relações entre as partes, estando estas em perfeita igualdade de tratamento viabilizando a pacificação das relações entre elas.

A mediação transcende à solução de conflitos, dispondo-se a transformar o contexto adversarial em colaborativo, estimulando e vitalizando a comunicação entre os indivíduos em conflito de modo a proporcionar o que a jurisdição pública certamente não possui condições de oferecer, celeridade e restabelecimento da relação social entre as partes.

Nesta perspectiva, faz-se necessário perceber que a justiça acompanha a evolução do homem dentro de suas necessidades, resultantes da evolução tecnológica, social, política, jurídica e econômica sendo necessário uma adaptação eis que do processo evolutivo o aumento da procura por soluções eficazes as quais podem ser obtidas não apenas por meios estatais, mas pela própria participação dos litigantes através de meios alternativos (12).

O Estado exerceu papel fundamental quando da organização do homem em sociedade, porém, ao mesmo tempo, representou o principal empecilho de seu acesso à justiça no momento em que concede inúmeros direitos e garantias ao cidadão sem, no entanto, possuir uma estrutura que suporte a realização material de tais direitos e garantias, e consequentemente impede o pleno exercício da cidadania.

Neste contexto, embrenhado na sistematização tradicional de composição de controvérsias, surge a mediação promovendo a autonomia do indivíduo, promovendo a sua cidadania e a concretização da democracia então base do Estado, comenta, Warat (13) a respeito informando que a mediação tem o condão de educar e ajudar a identificar as diferenças e a promover a tomada de decisões sem a intervenção de terceiros que decida o conflito pelo indivíduo, simbolizando, portanto, o instrumento de exercício da cidadania.

A busca constante pela justiça e a inoperância do Poder Judiciário em face de sua inadequação às exigências sociais atuais fez (re)surgir mecanismos alternativos que evoluem na sociedade oferecendo a rapidez e a eficácia almejada na composição dos conflitos. Assevere-se ao fato de que as garantias elencadas na Constituição Federal com o objetivo de resguardar o jurisdicionado, mas de pouca efetividade em face da crise enfrentada pelo direito, não podem representar obstáculos do cidadão à justiça a que garantem devendo dar-se respaldo aos novos meios compositivos de conflitos numa perfeita concretização do justo impedindo-se desta forma a injustiça legalizada pois caminham lado a lado o Poder Judiciário e os mecanismos alternativos devolvendo ao Estado a legitimidade perdida.

 

Notas:
1 Joel Dias Figueira Junior descreve a existência de duas espécies de lide, a sociológica e a jurídica, descrevendo-as da seguinte forma: “a lide sociológica representa a parte do conflito no plano material que não chegou a ser levado a juízo; por sua vez, a lide jurídica significa o contorno estatal ou privativa em busca de uma solução justa”. (Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. São Paulo: RT, 1999,p.126).
2 Warat, Luis Alberto. Mediación, el derecho fuera de las normas: para una teoría no normativa del conflicto. Scientia Iuris, Londrina, n.4, p.09, 2000.
3 Figueira Junior, op. cit.,p.129.
4 Sobre a questão refere-se Luis Alaberto Warat que: la mediación es um procedimento de intervención sobre todo tipo de conflictos, termina, así, siendo mucho más que um instituto procesal. Para hablar de mediación tiene que introducir uma teoría del conflicto más psicológica que jurídica. Em el momento em que los juristas hablan de conflicto lo reducen a la figura del litigio, lo que no es lo mismo. Cuando se decide judicialmente, por medio de um litigio se considera normativamente los efectos; de este modo el conflicto puede-quedar cristalizado, retornando agravado em cualquier momento futuro. Los juristas cuando interviene em um conflicto, apelan al imaginario juridico, que yo denomino de sentido común teórico del derecho. Em um litigio los jueces deciden lo pretendido por las partes conforme procedimientos de interpretación de las normas y referencias dogmáticas, sin llevar em consideración lo querido y sentido por las partes. (…) El sentido común teórico organiza su imaginariopensando el conflicto como controversial como disputa; una disputa, que por outro lado, se reduce a custiones dogmáticas, normativas e predominantemente patrimoniales. Los juristas nunca piensan el conflicto em términos de satisfación e insatisfacción emocional o sensible.(…) “( Warat, Luis Alberto. Mediación, el derecho fuera de las normas: para una teoría no normativa del conflicto. Scientia Iuris, Londrina, n.4, p.11, 2000.
5 Warat,Luis Alberto.A mediação. Disponível em:http:// www.almed.org.br.Acesso em: 10/08/2002
6 Joel Dias Figueira Junior menciona Mauro Cappelletti descrevendo a mediação como sendo uma forma de justiça coexistencial ” tendo em vista que busca a satisfação dos litigantes sem causar reflexos negativos comumente identificáveis nas imposições dos julgados ( ato de império marcado por violência simbólica),porquanto a autocomposição nasce e se encerra a partir das próprias partes, com a intervenção de um terceiro imparcial, o mediador.” ( Figueira Junior, Joel Dias Figueira. Arbitragem, jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9.307, de 23/09/1996. 2.ed. São Paulo: RT, 1999,p.131).
7 Morais, op.cit., p.146.
8 Warat, Gisela Betina.. Mediação: Uma possibilidade de transformação das relações e das pessoas. I.n: Warat. Luiz Alberto. (Org.). Em nome do acordo. A mediação no direito. Argentina: ALMED, s/d.
9 Não se pode confundir a mediação, assim como a arbitragem não se confunde com arbitramento e peritagem; com a transação e a conciliação. A transação, derivada do latim transactione (ato de transigir) vem a ser o negócio jurídico através do qual os sujeitos interessados fazem concessões recíprocas com o objetivo de extinguirem ou prevenirem conflitos e obrigações; a conciliação, derivada cuja origem etimológica encontra-se no latim conciliatio (harmonizar) representa a composição amigável das partes interessadas sem que tenham feito concessões a respeito do direito pretendido ou alegado ou da obrigação exigida. Enquanto que a mediação, derivada do latim mediatio (intervenção, intercessão) vem a simbolizar a aproximação das partes interessadas através de um intermediário determinado mediador, com a finalidade que aquelas obtenham por si próprias a composição do conflito, seja através da conciliação, seja por meio da transação. A mediação tem como resultado final a autocomposição efetivada pela conciliação ou pela transação.
10 Warat, op. cit., 2000, p.03.
12 Assevere-se ao fato de que quando se menciona “meio alternativo” não se quer dar o significado de “justiça alternativa” que são antagônicas. Fala-se em meio alternativo, no sentido de coexistência a atividade jurisdicional do Estado com embasamento legal concreto e não interpretações alheias às normas pré-constituídas. A esse respeito refere-se Figueira Junior no seguinte sentido: “não confundir a expressão” método alternativo “com o malsinado” direito alternativo “ou” justiça alternativa “ou ainda”,escola do direito livre”, concepção que não comungamos, por se tratar de verdadeira subversão do estado democrático de direito, à medida que apregoa a inobservância do direito legitimamente constituído em nome de uma pseudojustiça aplicável ao caso concreto. E, síntese, assim entendemos porque a “verdade hermenêutica” pode ser buscada através de técnicas disponíveis existentes no próprio sistema, capazes de levar o intérprete a encontrar os fins sociais da lei e as exigências do homem comum”. (Figueira Junior, Joel Dias. Arbitragem, jurisdição e execução. São Paulo: RT, 1999, p.114).
13 Warat, op.cit.,2000, p.15.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Astried Brettas Grunwald

 

Advogada, Mestre em Direito Público, Especialista em Direito do Trabalho, Especialista em Docência do Ensino Superior, Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira, campus Salvador(Brasil), Professora no Curso de Direito da Faculdade Dois de Julho, membro do Tribunal Arbitral do Rio Grande Do Sul/Brasil, ,membro do Instituto de Advocacia Pública.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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