Leticia Cristina Costa Bezerra[1]
Resumo: A preocupação basilar deste estudo é refletir acerca da inércia estatal na proteção do patrimônio histórico cultural. Para isso, levaremos em consideração o conceito de meio ambiente, sua classificação e seus princípios fundamentais, para logo após explanar sobre a importância da tutela ao patrimônio histórico-cultural. Interessa-nos, portanto, sob a égide deste artigo, a proteção do meio ambiente cultural em que se vislumbra o amparo do patrimônio cultural, na forma dos bens imóveis.
Palavras-chave: Meio Ambiente. Tutela. Princípios. Patrimônio Histórico.
Environment and Legal Protection of Historical Heritage
Abstract: The basic concern of study is to reflect on the state’ s passivity in the protection of the historic cultural heritage. For this, we will take into account the concept of the envioronment, its classification the envionment its fundamental principles, shortly after explaining the importance of safeguarding the storical and cultural hertitage. We are interested, therefore, under the defense of this article, in the proctetio of the cultural, heritage can be seen, in the form of real estate.
Keywords: Envioronment. Guardianship. Principles. Historical Heritage.
Sumário: Introdução. 1. Meio Ambiente e Tutela Legal do Patrimônio Histórico. 1.1 Conceito de Meio Ambiente 1.2. Classificação do Meio Ambiente 2. Principios Estruturantes do Estado de Direito Ecológico para Tutela do Meio Ambiente Cultural. 2.1 Principio do Desenvolvimento Sustentável. 2.2 Principio da Sadia Qualidade de Vida ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado 2.3 Principio do Acesso Equitativo aos Recursos Naturais e Culturais 2.4. Principio da Precaução e Prevenção 3. A Compreensão do Patrimônio Histórico Cultural. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
A preservação dos aspectos naturais do meio ambiente, incluindo suas características físicas e biológicas, é essencial para a manutenção da vida no planeta. No entanto, também fazem parte do conceito de meio ambiente a história, a cultura e a identidade dos povos, sendo de suma importância o seu reconhecimento e preservação.
A Constituição Federal de 1988, conforme art. 225, CF protege precipuamente a vida e dignidade da pessoa humana, e, neste sentido, positivou o direito à preservação do Meio Ambiente, considerando-o bem de natureza difusa, essencial à sadia qualidade de vida, e incumbindo ao Poder Público e à sociedade em geral o dever de defendê-lo e preservá-lo para às presentes e futuras gerações.
Para tanto, em caso de violação a tal direito, foram instituídos instrumentos utilizados com o propósito de restaurar e manter o meio ambiente. Inseriu-se, portanto, no corpo do texto constitucional, alguns dispositivos referentes à tutela do meio ambiente, tais como os constantes no artigo 225 da Carta Magna, considerado o basilar no que pertine ao meio ambiente, uma vez que impõe obrigações ao Estado e sociedade visando à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
1 MEIO AMBIENTE E TUTELA LEGAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
1.1 Conceito de Meio Ambiente
O meio ambiente é um bem coletivo de interesse individual e geral. É um direito difuso, não se esgotando em uma só pessoa, mas se espraiando para toda a coletividade (MACHADO, 2009, p.118).
A noção de meio ambiente tem passado por alterações em razão das mudanças oriundas da modernidade, sendo um conceito ainda em desenvolvimento. De início, a sua acepção era ligada à natureza, ficando o artificial e cultural à beira das relações viventes.
Numa visão estrita, o meio ambiente equivale ao próprio patrimônio natural e as relações com entre os seres vivos. Todavia, em uma visão mais ampla, que ultrapassa os limites da Ecologia, o meio ambiente abarca toda natureza original e artificial, bem como os bens culturais. Logo, constata-se que o meio ambiente “é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. (SILVA, 2007, p.20)
A seu turno, pode-se dizer que se resguardam os elementos bióticos e abióticos e sua atinente interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida (ABELHA, 2002, p.58). Cabe, neste sentido, a importância do meio ambiente como sendo bem autônomo e juridicamente protegido, dos elementos que o circundam, porque o dano ocasionado ao meio ambiente é aquele que ataca o equilibro ecológico, e uma fortuita reparação deve levar em consideração a recuperação desse mesmo equilíbrio.
José Afonso da Silva (2007, p.29), ao dissertar sobre a proteção ambiental, assinala que “a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e a manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma fundamental da pessoa humana”. Isso nos remete à ideia de que em uma visão utilitarista, anteriormente abraçada, o homem adotava o papel de detentor dos bens naturais, os quais eram “alocados à sua disposição.” (ALVEZ, 2008, p.2)
Paulatinamente, o meio ambiente passou a ser concebido através de uma visão holística, no intuito de alcançar o caráter multidisciplinar que a problemática ambiental requer (MILARÉ, 2007, p.112). Esta visão foi tomando espaço, de modo a compreender o homem como um sujeito de interação com o meio ecologicamente equilibrado.
A Constituição Federal de 1988 encontra-se como principal instrumento protetivo ambiental, na medida em que estabelece em seu artigo 225, caput: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para às presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988)
Tal artigo determina, enquanto dever de toda a sociedade, a preservação do meio ambiente, ou seja, tanto a coletividade quanto o Poder Público restaram responsáveis pela concretização do ordenamento protetivo ambiental. Deste modo, a Constituição, ao mesmo tempo em que garante um direito fundamental da pessoa humana, estabelece um condão de obrigações, cujo descumprimento configura a responsabilização daquele cujo ato gerar danos ao meio ambiente.
Para tanto, foram instituídos instrumentos utilizados com o propósito de restaurar e manter o meio ambiente. Inseriu-se, portanto, no corpo do texto constitucional, alguns dispositivos referentes à tutela do meio ambiente, tais como os constantes no artigo 225 da Carta Magna, considerado o basilar no que pertine ao meio ambiente, uma vez que impõe obrigações ao Estado e sociedade visando à garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Anterior a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, “sistematizou uma política protetiva, descrevendo em seu artigo 3º, inciso I, o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Compreende-se, assim, que o conceito de meio ambiente abrange não somente os aspectos naturais, mas também os aspectos humanos decorrentes da atuação do homem na natureza.
Conforme pontua Leite (2004, p.50), qualquer que seja o conceito adotado, o meio ambiente conglomera o homem e a natureza, com todos seus elementos. Então, na ocorrência
A Constituição Federal de 1988 pondera alguns dispositivos inerentes à proteção ao meio ambiente, tais quais o artigo 5º, inciso LXXIII, que diz respeito ao instrumento da ação popular; o artigo 129, inciso III, que trata da instauração do inquérito civil e da propositura de ação civil pública, dentre outros.
1.2 Classificação do Meio Ambiente
O meio ambiente natural é aquele que “constitui a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna, a flora, o patrimônio genético e a zona costeira” (SIRVINSKAS, 2006, p. 29).
Entende-se por artificial o meio ambiente formado pelo espaço urbano construído ou modificado pelo ser humano, sendo formado por conjuntos de edificações e dos equipamentos públicos, abrangendo praças, áreas verdes, ruas (SILVA, 2007, p. 21).
O meio ambiente cultural encontra-se no artigo 216 § 3 da Constituição Federal, e é conceituado como aquele que integra os bens de natureza material e imaterial, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (SIRVINSKAS, 2006, p. 29).
Já o meio ambiente do trabalho é aquele que consiste na tutela do homem em seu ambiente laboral, e nas palavras de José Afonso da Silva (2007, P.23) “ o meio ambiente do trabalho merece consideração específica, sendo o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. […]”
O ambiente configura-se, portanto, como um bem jurídico complexo, devendo ser compreendido na totalidade de suas facetas, sejam elas naturais, urbanas, culturais ou laborais (ANTUNES, 2000, p. 46).
Ele é um todo e está regido por inúmeros princípios e valores disciplinados pela Política Nacional do Meio Ambiente e pela Constituição Federal. Sua categorização, portanto, essencialmente de cunho técnico-teórico, não busca estabelecer divisões estanques, isolantes, até mesmo porque isso seria um empecilho à aplicação da sua efetiva tutela, conforme artigo 216, CF em que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referencia a identidade, a ação, a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (CONSTITUIÇÃO, 1988)
A divisão do meio ambiente, em aspectos que o compõem, procura facilitar a identificação da atividade danosa e do bem atacado. Não se pode esquecer que o direito ambiental tem como objetivo máximo tutelar a vida saudável, de maneira que tal classificação apenas aponta o aspecto do meio ambiente em que valores maiores foram aviltados.
No tocante à preservação e conservação do meio ambiente urbano e cultural, por exemplo, é preciso que as cidades estejam organizadas estética e harmoniosamente acopladas à natureza e à cultura. Quando se refere à harmonia das cidades em relação à cultura, alude-se de modo especial aos prédios históricos em que o antigo se coaduna com o novo, contemporâneo. E o que atualmente se considera novo, futuramente será reconhecido como o antigo, uma vez que a sociedade transforma incessantemente os seus valores. (MEIRA, 2004, p.04)
A paisagem urbana, no contexto das cidades, reporta à identificação de seu povo em determinada época. O ser humano carece apreender o seu passado que, em muitas ocasiões, está gravado nos modelos arquitetônicos. (SILVA, 2007, p.307)
Quando a sociedade exercita o direito à memória, automaticamente inicia-se a conservação o patrimônio cultural. Deste modo, para a constituição das concepções “cidadania, identidade nacional e soberania” é necessário resguardar os patrimônios de nossa cultura. Nesse caso, o valor tornado essencial pelo direito é a própria cultura, que se desmembra em memória, identidade e estética. Ela é, portanto, fundamental para a garantia da qualidade de vida. Não se pode falar em qualidade de vida sem considerar o aspecto cultural, uma vez que este é inerente ao ser humano. (REISEWITS, 2004, p. 59)
Ademais, cabe ao Poder Público e à comunidade conservar aquilo que realmente consiga refletir a identificação cultural, ajustando-o ao crescimento urbano e das cidades, fazendo-se relacionar o ambiente cultural com a propriedade privada através de sua função social.
Nesse sentido, o patrimônio histórico-cultural, ao ser integrado como parte da própria cultura de um povo ou nação, passa a estar protegido à luz da função social, com o escopo de que se mantenha e conserve, não podendo este ser utilizado ao arbítrio de quem o possua ou titulariza.
De igual modo, estende-se ao Estado, por força do art. 225 da Constituição Federal, o dever de garantir a preservação destes bens, mediante os instrumentos de controle e fiscalização que lhe são disponibilizados por força de lei. (BRASIL, 1988)
Incide aí o princípio da proteção do patrimônio histórico-cultural, tanto como limite ao titular no exercício do domínio de bem que integre tal patrimônio, como incentivador do Estado para intervenção protetiva. (SOUZA FILHO, 1997, p.9)
Assim, vemos que o estudo e a proteção do meio ambiente não se limitam apenas aos recursos naturais, mas engloba também todos aqueles elementos que contribuem para o bem-estar da humanidade. É essencial, portanto, que recorramos inicialmente, em um estudo generalizado, a análise do meio ambiente e seus aspectos e princípios gerais, a fim de chegarmos à delineação parcial de nosso objeto, a saber, ao estudo do meio ambiente cultural consubstanciado na defesa do patrimônio histórico.
Neste lastro, o meio ambiente equilibrado, seja na sua esfera natural ou artificial, se perfaz como condição indispensável para a qualidade de vida. Contudo, para que haja a materialização desse direito fundamental na ordem jurídica, é preciso alicerces guiados por princípios constitucionais ambientais os quais passaremos a analisar.
O Direito Ambiental é uma ciência nova, porém autônoma. Essa independência lhe é garantida em parte pela existência de princípios diretores próprios, materializados especialmente nas normas constitucionais (FIORILLO, 2009, p. 26). Tais princípios estruturantes da esfera ambiental servem de fundamento ao desenvolvimento da doutrina e dão suporte as suas compreensões (MILARÉ, 2007, p.770). Todavia, carecem das demais espécies de normas (regras e princípios menos abstratos) para alcançar densidade e, ao mesmo tempo, transparência. Deste modo, tal conjunto de normas forma uma unidade material e sistemática cuja função é direcionar os conceitos e instrumentos fundamentais à política ambiental (ARONNE, 1999. p. 11 e 12).
Neste sentido é que o advento da Constituição Federal ratificou as diretrizes estabelecidas pela Lei nº 6.938/81 (da Política Nacional do Meio Ambiente), especialmente quanto aos princípios adotados como produto da precisão de uma ecologia equilibrada e indicativos dos meios apropriados para a proteção ambiental, em consonância com a realidade social e os valores culturais de cada Estado (FIORILLO, 2009, p. 27).
Dessa forma, os princípios servem para nortear, interpretar, criar regras jurídicas e direitos, garantindo valor ao sistema jurídico. Além de fornecerem maior unidade ao sistema ao determinar as medidas a serem adotadas e os valores a serem conseguidos, os princípios conferem equilíbrio ao ordenamento, ao dar direção à interpretação e aplicação das demais normas.
De imediato, a ideia de Estado Ecológico, posto por Canotilho (1998, p.9), possui o viés de Estado Constitucional que “(…) além de ser e dever ser um Estado Democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos (…). Assim, para que o Estado Constitucional Ecológico tutele o meio ambiente é necessário partir do pressuposto que não se trata de uma opção discricionária, é um dever fundamental que carece ser garantido.
Posto isso, passaremos a analisar os princípios atinentes a proteção do meio ambiente, fazendo uma síntese de seu conteúdo. Dentre inúmeros princípios do Direito Ambiental, alguns foram escolhidos tendo em vista a aplicabilidade deles com a tutela do patrimônio cultural.
2.1. Princípio do Desenvolvimento Sustentável
Observa-se a constatação deste princípio no artigo 225 da CF. Interessante frisar que os recursos ambientais são inesgotáveis, logo deve existir uma harmonia entre economia e meio ambiente. Sendo assim, é necessário o desenvolvimento de forma sustentável, com vistas que os recursos existentes não venham a se esgotar, proporcionando que as futuras gerações possam utilizar e usufruir destes.
Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável tem por aspecto substancial a manutenção dos fundamentos vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, defendendo uma relação aceitável entre o homem e o meio ambiente, com o desígnio que as futuras gerações também tenham chance de desfrutar dos mesmos recursos que temos hoje a disposição. (FIORILLO, 2009, p. 28)
Em outras palavras, pretende-se um desenvolvimento ambiental, um desenvolvimento econômico, um desenvolvimento social. Houve na verdade, uma integração do que se denomina hoje de desenvolvimento sustentável visto que, a busca incessante de uma mediatriz entre o desenvolvimento sustentável e a utilização dos recursos naturais depreca um apropriado planejamento territorial que tenha por base os limites da sustentabilidade.
Assim, pode-se afirmar que este principio é denominado de princípio guarda-chuva, por abarcar todos os princípios dentro dele, tanto em seu arcabouço material como o procedimental.
No que pese os ensinamentos de SIRVINSKAS (2006, p.35): “O princípio do desenvolvimento sustentável procura conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico para melhoria da qualidade de vida do homem. É a utilização racional dos recursos naturais não renováveis.”.
Como se percebe, o princípio possui grande importância, na proporção em que, porquanto numa sociedade desregrada, á deriva de parâmetros de livre concorrência e iniciativa, o caminho inabalável para o caos ambiental é uma certeza. Não resta nenhum equívoco de que o desenvolvimento econômico também tem um valor importante da sociedade. Destarte, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem andar entrelaçados, de modo que aquela não acarrete a exclusão desta.
Então, entende-se que o princípio não possui como finalidade evitar o desenvolvimento econômico. Sabemos que atividade econômica, na maioria das vezes, importa uma degradação ambiental. O apropriado é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para mínimo de degradação possível. O desenvolvimento sustentável advém de duas palavras: necessidades e limites. As necessidades da geração do presente serem consentidas respeitando-se um exato limite: o de que as gerações do futuro tenham elementos para igualmente atenderem as suas necessidades. (MONTEIRO, 2012, p.12)
Nesse sentido, é imprescindível que haja uma ponderação entre as justiças intergeracional (justiça com as gerações futuras, a qual se realiza pela preservação a qualidade e diversidade do ambiente cultural e natural) e intrageracional (justiça dentro da geração presente, a qual se realiza pelo desenvolvimento econômico e social) com o intuito que possamos chegar ao ponto ótimo do desenvolvimento sustentável. (MONTEIRO, 2012, p. 19)
A inquietação com o advento das gerações futuras requer obrigatoriamente uma forte preservação do meio ambiente, na acepção de se conservar não só a qualidade do ar, da água, etc., mas de se conservar a diversidade de ecossistemas e de seres vivos como um todo.
Portanto, a base ética do desenvolvimento sustentável incide em atribuir às gerações que vivem hoje, a responsabilidade pelos seus atos e omissões que desenham o presente e, igualmente, que irão projetar o futuro. E, sendo responsáveis pelo desenho do presente e do futuro, temos que procurar fazê-los da melhor forma possível. (MONTEIRO, 2012, p. 27)
2.2 Princípio da Sadia Qualidade de Vida ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
Um ambiente equilibrado, seja em seu aspecto natural ou artificial, é basilar à agradabilidade dos meios de reprodução e subsistência humanos. Leme observa que a ligação da ordem econômica com a ordem ambiental tende à sadia qualidade de vida, completando que este “é um elemento finalista do Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum, com o fim de superar a estreita visão quantitativa, antes expressa no conceito de nível de vida” (2004, p.37).
O direito a um meio ambiente sadio entende-se como extensão do direito à vida, tanto sob “o aspecto da própria existência física e saúde dos seres humanos, quanto ao aspecto da dignidade dessa existência” (MILARÉ, 2007, p. 762).
Neste sentido, somente se obteve maior interesse por parte do Estado, quanto à tutela deste direito, com a percepção da deterioração da qualidade de vida advindos da crise ambiental e do desenvolvimento econômico (VARELLA, 1998, p.52).
Voltou-se, assim, a Política Nacional do Meio Ambiente, à tutelar elementos que viabilizam a existência humana, regulamentando questões ecológicas e buscando atingir o piso vital mínimo com valores indispensáveis à sua qualidade. Embora preconize a promoção da saúde de forma integrada com a proteção do meio ambiente, tal política necessita ainda de regulamentação e de um controle se gestão ambiental eficaz, de modo a garantir realmente aos cidadãos o direito à saúde e a um ambiente equilibrado no contexto do desenvolvimento sustentável (PELICIONI, 1998, p.29).
A salutariedade do meio ambiente transveste-se assim na qualidade de bem ou patrimônio, cuja preservação, recuperação ou revitalização se tornaram um imperativo do Poder Público e da coletividade, com o objetivo de garantir boas condições de trabalho, educação, saúde, habitação e cultura, ou seja, de resguardar o bem-estar do homem e seu desenvolvimento (SILVA, 2007, p.22).
É interessante notar que, enquanto o meio ambiente sadio está vinculado à própria saúde humana, o meio ambiente equilibrado põe a natureza como bem jurídico autônomo para satisfação das necessidades humanas, sejam elas de ordem material ou imaterial.
A deterioração do patrimônio histórico, por conseguinte, constitui não apenas perda de qualidade de vida, mas de cidadania e de senso de pertencentes aos locais e aos grupos comunitários. Por isso, o patrimônio histórico é responsável pela “sequência histórica de um povo, de sua identidade cultural. Ao mesmo tempo em que elenca personalidades excepcionais para cada cidade, patrocina a orientação e a apreensão do espaço urbano” (PAIÃO, 2010, p.01).
Logo, através da conservação do meio ambiente cultural, subtende-se a sadia qualidade de vida sendo incumbido ao Poder Público e a coletividade, preservar e conservar para presentes e futuras gerações.
2.3. Princípio do Acesso Equitativo aos Recursos Naturais e Culturais
Os bens que unificam o meio ambiente, como água, ar e solo, devem atender as necessidades comuns de todos os povos, podendo estas passar tanto pelo uso como pelo não uso do meio ambiente (MACHADO, 2007, p. 57).
O Estado Ambiental tem como escopo a propositura de normas, políticas e instrumentos que indiquem como atender às necessidades de uso dos recursos ambientais pela sociedade. Não é suficiente a vontade de usar esses bens de forma aleatória. É preciso, contudo, constituir a razoabilidade desta utilização, e caso não haja razoabilidade, negar-lhe o uso, ainda que os bens não sejam imediatamente insuficientes.
Assim, o Estado de Justiça Ambiental configura-se como um regime estatal qualificado pela vedação da repartição não equitativa dos benefícios e malefícios da extração e do bom emprego dos recursos naturais. Dentro desse cenário, ganha valor o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais, em que os bens ambientais devem ser distribuídos de forma equânime entre os povos do planeta (CANOTILHO, 1996, p.47-48).
A prioridade do uso dos bens ambientais não implica exclusividade de uso. Os usuários prováveis ou simplesmente os que desejam usar os bens e não os usam, precisam provar suas necessidades atuais. Os usuários só poderão usar os bens ambientais na proporção de suas necessidades presentes, e não futuras. (MACHADO, 2007, p.59)
No que se remete a reserva de bens ambientais, haveria a guarda desses bens para gerações futuras se fosse auferido que a não utilização atual fosse com o escopo de evitar o esgotamento dos recursos, proporcionando uma equidade de acesso aos recursos naturais.
A alusão mais importante ao princípio do acesso equitativo é a do art. 225 do texto constitucional que afirma o meio ambiente como “bem de uso comum do povo”, equidade essa voltada às gerações futuras. Neste sentido, a apropriação privada dos recursos ambientais coletivos assim como a promoção de riscos ambientais, são exemplos de ofensas diretas ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (BRASIL, 1988).
De igual modo, permitir o acesso irrestrito aos recursos naturais, não observando as sujeições sociais concretas, pode provocar, na prática, a consagração das desigualdades e injustiças socioambientais existentes.
Wolkmer (1997, p. 42), corroborando pra tal entendimento, preceitua que “Admitir que os textos legais consagrem o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o acesso equitativo aos recursos naturais, sem levar em consideração os condicionamentos sociais concretos, implica na prática na aceitação e na consagração das desigualdades e injustiças existentes”
A revitalização do patrimônio histórico-cultural está diretamente atrelada à perspectiva de acesso equitativo aos recursos naturais, visto que a preservação deste patrimônio visa também garantir às futuras gerações o acesso à cultura presente e passada, resguardando o conhecimento histórico dos meios sociais.
Silva (2001, p.149) alude que a tutela dos bens denominados como de valor cultural tem por escopo essencial defendê-los de “ataques, tais como: a degradação, o abandono, a destruição total ou parcial, o uso indiscriminado e a utilização para fins desviados, que aviltam o patrimônio, desconstituindo seus desígnios”. Igualmente, não se imagina que um bem inventariado como patrimônio cultural possa ser desmoralizado ou extinto ao típico livre-arbítrio de seu proprietário.
Nesse passo, a preservação como forma de acesso ao meio ambiente cultural é importante afim de que passemos inserir de que a ideia de restrição de uso indiscriminado desse patrimônio encontra-se com respaldo no princípio do acesso equitativo aos recursos naturais.
2.4 PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO
Dois dos mais relevantes princípios de Direito Ambiental são os princípios da precaução e da prevenção. Apesar de singulares em sua fundamentação, ambos se completam no escopo de uma atuação preventiva para a preservação do meio ambiente.
O princípio da precaução tem como fundamento principal o critério do não afastamento da obrigatoriedade de preservação ambiental ante situações eivadas de incerteza científica acerca da efetiva degradação do meio ambiente, abraçando medidas eficazes para evitar o dano, ainda que incerto (PHILIPPI, 2004, p.630). Em outras palavras, sempre que houver perigo do aparecimento de um dano grave ou irreversível, a ausência de certeza científica absoluta de sua ocorrência não será empregada como ensejo para se delongar a adoção de medidas eficazes com o objetivo de impedir a degradação ambiental (LEITE, 2003, p.46).
Conforme a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento adotada pela Conferência das Nações Unidas, o artigo 15 traz em seu bojo, o princípio da precaução como diretriz fundamental a ser observado pelos Estados e apontando no caso de “(…) haver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.
Assim, o ato precaucional é precedido de uma avaliação de riscos, fazendo uma breve e aguçada ponderação entre as vantagens e os possíveis riscos de degradação ao meio ambiente a fim de verificar o nível de danosidade da atividade, propondo uma medida de precaução mais adequada ao caso concreto.
A utilização do princípio da precaução é uma decisão a ser adotada quando a informação científica é lacunosa e haja implicações de que os presumíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais possam ser potencialmente arriscados e conflitantes com o nível de proteção escolhido (MILARÉ, 2007, p.767).
Além disso, é importante apontar o caráter prévio como uma característica essencial e indeclinável para a exploração dos princípios da precaução e prevenção. Não há que se falar de uma avaliação a posteriori, depois da realização da atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente e, quem sabe ainda, posterior a consumação do dano (LEITE, BELLO FILHO, 2004, p.180).
Todavia, a aplicação do princípio da prevenção/precaução não pode implicar no engessamento das atividades humanas, nem tampouco na abstenção de uso dos recursos naturais de forma indiscriminada. Originalmente, o princípio da precaução surgiu como uma resposta às infindáveis intervenções humanas sobre o ambiente, gerando uma sociedade inábil de reagir adequadamente ao produto de seus próprios experimentos (BALICK, 2007, p. 148). Em consequência, a precaução tem sido cotada pelo legislador brasileiro que, em muitas normas positivadas, a fez redundar numa série de medidas com vista à avaliação de impactos ambientais reais e prováveis suscitados pelos grandes empreendimentos (ANTUNES, 2007, p.38).
Assim, adotando o princípio da precaução, o enfoque do direito ambiental passa a ser a cautela, a prudência e a vigilância na convivência com as atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, em vez do aspecto da tolerância com tais atividades (PERALTA, 2010, p.48).
Pelo mesmo motivo, o princípio da prevenção tem-se evidenciado como “preceito fundamental, uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis”, como leciona Fiorillo (2009, p.54).
A atuação preventiva se reveste então de um papel fundamental no viés ambiental, através de medidas selecionadoras, diferenciadoras e restritivas, designadamente no tocante à utilização de espaços e recursos naturais. Um exemplo típico da atuação preventiva é o instrumento do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, em que se busca avaliar a plausibilidade de projetos potencialmente causadores de degradação ambiental (LEITE, 2003, p. 50).
Tal princípio busca em regra o impedimento da ocorrência de danos ambientais irreparáveis ante a constante inviabilidade da reposição do status quo ante, sendo sua reparação por vezes muito difícil e custosa, quando não impraticável. Desta forma, a prevenção alude ao mecanismo antecipatório do modo de desenvolvimento da atividade econômica, mitigando e ponderando os aspectos ambientais negativos (PERALTA, 2010, p.48).
Vale mencionar que este princípio, assim como o da precaução, não deve ser gerido ao extremo, mas precisa situar-se entre limites razoáveis, levando em consideração que um mínimo de degradação ambiental, em favor do desenvolvimento econômico, é imprescindível e inevitável (GOMES, 1999, p.179).
Fiorillo (2009, p. 53) ao explanar sobre estes dois princípios, entende que o principio da precaução precede ao da prevenção, pois o seu alcance tenciona-se não para evitar o dano ambiental, mas sim impedir riscos ambientais. Se os riscos são conhecidos, deve-se preveni-los. Entretanto, se os riscos não são conhecidos, deve-se ter a razoável redução do risco, na ocorrência futura do dano ambiental.
A prevenção e a preservação devem ser consolidadas através de uma consciência ecológica, a qual deve ser desenvolvida por meio de uma política de educação ambiental. É a consciência ecológica que proporciona o sucesso no combate preventivo do dano ambiental. Todavia, em virtude do atual estágio de nossa realidade ambiental, em que ainda não se observa tal consciência, faz-se necessária a existência de instrumentos relevantes para execução de ambos os princípios, tais como o EIA/RIMA, o manejo ecológico, o tombamento, a compensação ambiental, dentre outros.
Os bens ambientais de natureza arquitetônica e cultural demandam a ingerência constante de particulares e Poder Público para sua conservação e manutenção, uma vez que são de fácil perecimento, ante a ação do tempo e do meio. Desta forma, uma gama de medidas protetivas, inclusive de caráter intervencionista são postas à disposição da administração com o fim de garantir a conservação destes bens em sua essência histórica.
Destarte, servem os princípios da precaução e da prevenção para garantir a durabilidade da sadia qualidade de vida para às presentes e futuras gerações, permitindo o acesso equitativo a estes recursos. A necessidade de conservação e preservação do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural dá-se como forma de impedir a eminência de eventuais riscos e a ocorrência de possíveis danos ambientais capazes de fazer perecer a memória de um povo.
O meio ambiente, como apontado no início deste estudo, pode ser compreendido como um todo complexo, embora uniforme, ou vislumbrado a partir de uma de suas quatro dimensões, quais sejam, natural, artificial, cultural e do trabalho. Cumpre-nos, ao momento, após analisar em linhas gerais a compreensão de ambiente, voltar os olhos a seu aspecto cultural, objeto do presente estudo.
De fato, não só os elementos formadores do meio ambiente natural são proeminentes para a preservação da espécie humana. É importante observar também que as pessoas têm um referencial histórico e cultural revelador de sua identidade, conectando o presente a seu futuro. Os bens culturais se inserem como parte do patrimônio ambiental, sendo igualmente essencial a sadia qualidade da vida humana (COSTA NETO, 2008, p. 186).
Para que um bem seja identificado como patrimônio histórico é necessário sua vinculação com a identidade, a ação e a memória de um ou mais dos diferentes grupos formadores da sociedade (FIORILLO, 2009, p.300).
O marco principal referente à proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural foi firmado em 23 de novembro de 1972, na França, pela Conferência da UNESCO. Tal conferência, dentre outros aspectos, estabeleceu a classificação dos bens culturais que tenham valor mundial, como bens naturais e culturais.
A primeira vertente considerou bens culturais, os monumentos, conjuntos e locais de interesse. A segunda vertente entendia que os bens naturais os monumentos constituídos por formações físicas e biológicas que apresentem valor universal. A UNESCO logo percebeu sua falha quanto tal dissociação – cultural e natural-, e reviu a inadequação, utilizando-se apenas a denominação Convenção sobre Patrimônio Mundial (DELPHIN, 2009, p. 193).
Vale ressaltar que o maior progresso do Patrimônio Cultural deve-se a Constituição da República Federativa do Brasil. O artigo da cultura “dilatou de forma considerável o conceito até então preponderante de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ao substituí-lo pelo conceito de Patrimônio Cultural Brasileiro” (DELPHIN, 2009, p. 194).
De igual modo, os valores que integram a proteção do Patrimônio Cultural estão presentes no ordenamento jurídico brasileiro, de forma a proteger os bens que abrangem a ação, a memória e a identidade do povo brasileiro (BOSCH, 2011, p.211). A Constituição Federal conceitua patrimônio cultural, em seu artigo 216 como: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV -as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” (BRASIL, 1988)
Consideram-se patrimônio cultural brasileiro os bens citados no artigo 216 da CF/88, todavia esta não estabelece rol taxativo de elementos, o que admite a existência de outros. O patrimônio histórico e artístico cultural é formado de bens de natureza materiais ou imateriais, com valores históricos, artísticos, científicos ou associativos que tenham a vinculação com a identidade de uma comunidade, devendo ser conservados como herança para as gerações futuras (FIORILLO, 2009, p.238).
Os bens culturais materiais são bens móveis como as obras de artes, livros, documentos, que para serem considerados bens culturais, além de representarem valores históricos, devem conter condições de integridade e autenticidade. Os bens imóveis obedecem aos mesmos pré-requisitos referentes aos bens móveis e são eles: patrimônio natural e paisagístico, o patrimônio urbano e arquitetônico, os quais contêm valor de uso (FIORILLO, 2009, p. 109).
O Decreto-Lei nº 25/37 estatui os deveres e direitos dos proprietários privados no que se refere à revitalização dos imóveis tombados. Primeiramente, os proprietários têm a obrigação de comunicar que o bem tombado carece de reparos, de acordo com o artigo 9º do referido Decreto. Nesse caso, o proprietário que não possuir recursos suficientes para conservar ou reparar o bem, deverá informar o IPHAN ou aos órgãos públicos competentes.
Deste modo, com o propósito de garantir a manutenção da memória, identidade e ação dos bens culturais de natureza material, têm-se a presença dos guardiões da memória que ostentam o papel de assegurar a preservação dos pontos marcantes da história, conservando fatos do passado ou do presente visando o tempo futuro. O patrimônio material pode ser abarcado pelos os prédios antigos, praças, monumentos, museus; portanto, esses bens são preservados em razão dos “sentidos que despertam e dos vínculos que mantêm com as identidades culturais” (PELEGRINI, 2006, p.115).
O patrimônio histórico-cultural deve, assim, ser preservado e tutelado pelo Poder Público e pela sociedade civil, nos moldes do que preconizam os artigos 225 e 216 de nossa Constituição Federal.
A preservação do patrimônio cultural de um povo está assim diretamente relacionada à garantia de sobrevivência de sua identidade e memória. A sua proteção encontra então guarida na necessidade de identificação do povo, interligando-o aos seus antepassados.
Assim dispõe Häberle (1996, p.104) sobre a importância do papel do Estado na proteção do patrimônio cultural que “a proteção do patrimônio cultural nacional é somente um fragmento de um contexto muito mais geral: toda Constituição vive por fim da dimensão cultural. A preservação do bem cultural, as liberdades culturais especiais, as cláusulas expressas da herança cultural e todos os artigos culturais estatais formam sobretudo as explicações especiais – gerais – da dimensão cultural da Constituição. Se o grau de desenvolvimento atual do Estado constitucional realiza particularmente a proteção do patrimônio cultural, aprimorada e em curso de aperfeiçoamento, então aquele chega na completa função de sua identidade cultural”
A Constituição Federal estabelece que a competência para legislar sobre o Patrimônio Histórico-Cultural é concorrente entre União, Estados-membros e Municípios. Portanto, confere-se ao Município legislar segundo for de seu interesse local, de acordo com o artigo 30, incisos I e II da Constituição Federal. A competência material é comum a todos os entes federados, conforme determina no artigo 23, incisos III, IV e V da Constituição Federal.
A mesma demonstrou a sua preocupação com o meio ambiente cultural, conferindo a todos os entes a competência material e legislativa (FIORILLO, 2009, p.131). Todavia, a existência de normas protetivas, por si só, não garante a sustentabilidade do patrimônio cultural. Ao Poder Público cabe apoiar, incentivar, valorizar e difundir as manifestações culturais, com a participação da sociedade, a qual é agente fundamental na conservação do valor cultural de seus bens.
Diante disso, surge um conjunto de deveres e obrigações atinentes ao Estado e a comunidade, com o fito de proteger integralmente o meio ambiente, exercendo o papel de guardiã do Patrimônio Cultural, de acordo com §1º do art. 216 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Para uma melhor preservação dos bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e de valor significativo de interesse coletivo, o Estado pode empregar o tombamento, seu principal instrumento jurídico, instituído pelo Decreto n° 25 de 1937, que coloca os bens materiais sob sua responsabilidade, não sendo permitida a sua demolição ou descaracterização.
Além do tombamento, existem outros meios utilizados para o acautelamento e preservação do patrimônio cultural, tais como: registros, inventários, vigilância e desapropriação, elaboração de leis, a restauração, a manutenção de museus, a fiscalização e a própria utilização de ações judiciais, previstos no §1º do artigo 216 da Constituição Federal, e a depender da natureza do bem é estabelecido um destes meios.
Inclusive, no que se refere à fiscalização e manutenção da memória de um povo, há de certa forma, uma ineficiência e inércia do Poder Público no que concerne a preservação do bem ambiental.
Todavia, segundo Nabais (2001, p. 27), no que reporta a aplicação dos instrumentos de proteção e valorização do patrimônio cultural, há que proceder a uma ponderação permanente entre a defesa e a valorização do patrimônio cultural e a salvaguarda de direitos, liberdades e garantias fundamentais.
A partir daí, nota-se que o Estado e os demais entes públicos são os primeiros e principais responsáveis pela tutela do patrimônio cultural, tanto na vertente de conservação, como na sua valorização e enriquecimento. Portanto, em relação ao direito do patrimônio cultural deve estar ao lado das ideias de “estadualidade”, “publicidade” e “civilidade”.
Os bens que compõem o patrimônio cultural são assim compreendidos como de titularidade pública, no tange a sua natureza jurídica. Já os bens culturais pertencentes à titularidade privada, são considerados impróprios. A natureza jurídica do patrimônio cultural pode-se por assim dizer, tem como consequência uma dualidade de regimes jurídicos onde os bens impróprios estariam sujeitos a limitações decorrentes do interesse cultural (NABAIS, 2001, p. 20).
Depreende-se, portanto, que a preservação dos imóveis de um centro histórico está subordinada ao uso que é destinado a eles, visto que não existindo uso adequado e ajustado com o bem, calha sua deterioração e destruição. Resta claro, que o uso deve ser em conformidade com as características estruturais do bem, venerando seu valor histórico e cultural, com o escopo de atribuir a função social da propriedade.
Por este viés, surge a noção de restauração do bem ambiental que consiste na “operação técnica destinada a reintegrar as partes comprometidas ou deterioradas de uma obra de arte ou de um objeto considerado artístico ou de valor, com o fim de assegurar a conservação” (MACHADO, 2007, p.955).
Assim, os termos “preservação” e “conservação” são utilizados em seu sentido mais amplo, denotando um conjunto de atos propostos a garantir a constância do valor simbólico do bem cultural. A preservação tem como escopo a permanência dos bens de interesse da coletividade. O ato de preservar ultrapassa a condição material do bem (patrimônio arquitetônico, equipamentos, símbolos), pois alcança sua condição imaterial (significados históricos, sociais, culturais). Neste instante, a preservação do patrimônio denota a manutenção da identidade contraída com o passado, a vivência e a edificação do presente, que incluídos, vem a constituir os valores a serem preservados no futuro (BOGEA, 2007, p.40).
Com efeito, apesar do consagrado entendimento de que o meio ambiente deve ser mantido em seu equilíbrio ecológico, a exata noção de ecossistema nos revela a constante mutabilidade das relações naturais entre as diferentes espécies e o meio. De igual modo, a noção de urbanismo caracteriza-se tão ou ainda mais mutável que o meio ambiente natural, vez que as cidades estão em constante adaptação de desenvolvimento e crescimento. O patrimônio cultural material, entretanto, denota a ideia de conservação baseada na originalidade do bem, gerando um esforço de máxima imutabilidade, a fim de preservar-lhe as características que lhe conferem o título de patrimônio cultural. Diferenciam-se, portanto, as formas e instrumentos de conservação dos bens ambientais, dependendo de sua natureza.
A obrigatoriedade de conservação e preservação dos bens ambientais, em especial dos culturais e históricos, fundamentada na compreensão e nos princípios de Direito Ambiental que têm como escopo o acesso equitativo aos recursos naturais e a garantia de uma sadia qualidade de vida a todos, implicam, desta forma, na responsabilização não só de particulares, como também do Poder Público, pelas ações nocivas ao patrimônio cultural.
Diferentemente dos demais danos ambientais, portanto, a caracterização do prejuízo ao patrimônio histórico dá-se não só de forma comissiva, como também pela omissão em sua preservação e conservação, ante a evidente necessidade de manutenção do bem em seu status original.
CONCLUSÃO
O patrimônio cultural material institui um direito fundamental de natureza difusa e transindividual compreendido dentro dos bens ambientais, detendo a identidade, memória e a história de um povo e resultando numa outra dimensão do meio ambiente indispensável à sadia qualidade de vida.
Levando-se em conta que o patrimônio histórico e cultural de um povo é inserido no meio ambiente cultural, é salutar considerar a valoração de sua tutela, que deve ser almejada pela união de esforços do Estado, sociedade e proprietário. Nesse sentido, o Estado é o principal responsável pelo dever de salvaguarda do meio ambiente cultural, conforme instituído no artigo 225, da Constituição Federal.
Diante do exposto, temos a expectativa de que, em conjunto, os instrumentos de implementação dos princípios ambientais continuem sendo avigorados, organizados e efetivamente utilizados, para que todos, exercendo os papéis de intérpretes ambientais, tornem exequível a vida saudável almejada no processo de desenvolvimento sustentável.
Por fim, conclui-se que o “Estado Constitucional Ecológico” (Canotilho, 1998, p. 9) a que todos aspiram, assentados nos princípios do desenvolvimento sustentável, sadia qualidade de vida, precaução, prevenção, acesso equitativo e função socioambiental tem se mostrado na prática uma utopia, a qual só passará a ser realidade plena se a geração presente estabelecer uma verdadeira relação de solidariedade e respeito para com as gerações futuras, através da elevação da responsabilidade da preservação e da gestão dos recursos ambientais.
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