A palavra “mistanásia” deriva do grego “mis” (infeliz) e “thanatos” (morte), representando uma morte infeliz, precoce e evitável. Esse conceito foi introduzido em 1989 pelo teólogo moralista brasileiro Márcio Fabri dos Anjos como um neologismo, diferenciando-se do termo “eutanásia social”. Enquanto a eutanásia busca uma morte tranquila e planejada, a mistanásia refere-se a uma morte indigna, resultante da exclusão social e da precariedade no acesso à saúde.
A mistanásia pode ser definida como a morte de indivíduos que, se tivessem acesso adequado aos serviços de saúde, poderiam ter suas vidas prolongadas ou melhoradas. Ela não é causada diretamente por uma doença incurável, mas por fatores externos, como a ineficiência do sistema de saúde, negligência médica ou omissão estatal.
Esse tipo de morte afeta principalmente pessoas em situação de vulnerabilidade, como indivíduos de baixa renda, moradores de áreas rurais ou regiões periféricas, e aqueles que dependem do sistema público de saúde. Um exemplo prático seria a morte de um paciente que, após esperar por horas ou até dias por um atendimento médico de urgência, acaba falecendo em uma fila de hospital. Tais mortes poderiam ter sido evitadas com um sistema de saúde mais eficiente e estruturado.
A mistanásia é caracterizada pela combinação de fatores sociais e estruturais que contribuem para a morte de pessoas em situações de desamparo. Esses fatores incluem:
No campo da enfermagem, a mistanásia está intimamente ligada à qualidade dos cuidados prestados ao paciente. Enfermeiros que atuam em regiões carentes ou em hospitais sobrecarregados frequentemente enfrentam dilemas éticos, ao verem pacientes morrendo por falta de recursos ou por falhas no sistema de saúde.
Os profissionais de enfermagem são muitas vezes os primeiros a presenciar a precariedade das condições de saúde pública. Em locais com falta de medicamentos, equipamentos ou até de leitos, a enfermeira ou o enfermeiro acaba desempenhando um papel crucial no suporte ao paciente, tentando mitigar, dentro de suas limitações, os efeitos da ausência de recursos.
O termo “mistanásia social” refere-se à morte causada por fatores sociais que poderiam ser evitados. Essa modalidade de morte é reflexo da exclusão social e da desigualdade na distribuição dos recursos de saúde. A mistanásia social ocorre, por exemplo, quando um paciente morre por falta de transporte adequado para chegar a um hospital, ou pela ausência de profissionais qualificados em regiões de difícil acesso.
Essas mortes são mais comuns em sociedades desiguais, onde os direitos básicos à saúde, educação e segurança são negados a uma parcela significativa da população. A mistanásia social evidencia a fragilidade do sistema público de saúde no Brasil e sua incapacidade de fornecer atendimento universal e equitativo.
A principal causa da mistanásia no Brasil está associada à ineficácia das políticas públicas de saúde. A Constituição Federal de 1988 garante o direito à saúde a todos os cidadãos, mas, na prática, muitos enfrentam barreiras burocráticas e estruturais que comprometem o acesso a esse direito.
Entre 2015 e 2018, o Brasil atravessou um período de crise econômica que afetou diretamente o orçamento destinado à saúde pública, agravando ainda mais o problema. A falta de investimentos e de uma gestão eficiente resultou na estagnação e no colapso de diversas unidades de saúde, especialmente nas regiões mais carentes do país. O resultado foi o aumento da incidência de mortes evitáveis, um reflexo direto da mistanásia.
Um exemplo claro dessa precariedade é a falta de equipamentos essenciais em hospitais públicos, como respiradores, anestésicos e soros, além de profissionais de saúde qualificados. Muitos hospitais estão mal equipados e sobrecarregados, o que aumenta o número de mortes por falta de atendimento adequado.
Apesar da gravidade do tema, a mistanásia ainda é pouco debatida na sociedade brasileira. Mídias sociais e meios de comunicação frequentemente trazem à tona histórias de pessoas que morreram esperando por atendimento, mas a discussão sobre as causas e as possíveis soluções para esses problemas estruturais ainda é escassa.
A conscientização da população sobre o problema da mistanásia é fundamental para pressionar o governo e as autoridades competentes a melhorarem o sistema público de saúde. É preciso que a sociedade civil se organize e exija o cumprimento do direito à saúde, conforme previsto na Constituição.
O estudo da mistanásia no campo da bioética e do biodireito levanta questões fundamentais sobre o direito à vida e à dignidade humana. Em uma sociedade que valoriza a vida, permitir que pessoas morram por falta de atendimento médico é inaceitável. O combate à mistanásia passa, necessariamente, pela melhoria das políticas públicas de saúde, pela maior eficiência na gestão dos recursos públicos e pelo combate à corrupção, que desvia recursos que deveriam ser destinados à saúde.
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, bem como a Constituição Federal de 1988, oferecem fundamentos sólidos para garantir o direito à saúde como parte essencial do mínimo existencial de qualquer cidadão. A partir desses princípios, é possível formular políticas que garantam um sistema de saúde mais justo e acessível.
A mistanásia é uma condição social cruel que reflete as falhas do sistema de saúde e da gestão pública no Brasil. Morrer em filas de hospitais, sem acesso a tratamento adequado, é uma realidade enfrentada por milhares de brasileiros todos os dias. A conscientização sobre o tema e a pressão por políticas públicas mais eficientes são passos fundamentais para combater essa forma desumana de morte.
Garantir o direito à saúde e à vida digna é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, onde todos tenham acesso aos serviços de saúde necessários para viver com dignidade. A erradicação da mistanásia deve ser uma prioridade em um país que se compromete a proteger e promover os direitos humanos de seus cidadãos.
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