Resumo: O presente artigo trata das modificações trazidas pela lei 12.433/11 à Lei de Execuções Penais, em especial no que tange ao instituto da remição de parte do tempo de execução de pena por estudo ou por trabalho.
Palavras-chave: Remição. Lei 12.433/11. Lei de Execução Penal. Trabalho. Estudo.
Sumário: Introdução. 1. Cômputo das horas para fins de remição, atividades estudantis abrangidas e formas de estudo para fins de remição. 2. Remição acrescida / Remição contemplada / Remição Intelectual / Remição formatura / Remição da Remição. 3. Possibilidade de acumulação dos casos de remição (trabalho + estudo). 4. Quebra da exclusividade dos regimes fechado e semiaberto?. 5. Remição nas prisões cautelares. 6. Abatimento dos dias remidos. 7. Declaração dos dias remidos. 8. Periodicidade das informações de trabalho e atividade de ensino; E a ausência de normatização quanto à periodicidade da declaração da remição. 9. Perda dos dias remidos. 10. Cômputo dos dias remidos para todos os fins. Conclusão.
Introdução
Seguindo a onda desenfreada de inovações no âmbito penal e processual penal com o fito de se ajustar os textos de lei à nova realidade social, doutrinária e jurisprudencial, no dia 29 de junho de 2011 a Lei 12.433 de 2011 foi sancionada, alterando a Lei de Execuções Penais, Lei nº 7.210/ 84, mais conhecida como LEP até então vigente.
A lei 12.433/2011 alterou os arts. 126, 127, 128 e 129 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho.
Trataremos no presente trabalho apenas das modificações da Lei de Execuções Penais implementadas pela lei 12.433/2011, não pretendendo esgotar o tema. Os pontos da LEP omissos no presente estudo é porque não foram objeto de alteração por parte da lei 12.433/11.
Remição, no sentido atécnico (não jurídico), significa ato ou efeito de remir; libertação; resgate.[1].
Na Teologia o significado de remir é livrar das penas do inferno. Contemporaneamente, sem querer tornar algo sério em anedota, poderíamos embutir o conceito de remição da Teologia para o direito penal, pois é cediço que as prisões no Brasil hoje são um verdadeiro inferno.
O conceito de remição adotado pela Lei de Execuções Penais guarda contornos puramente técnico-jurídicos
Com o advento da lei 12.433/2011, a remição passou a ser conceituada como um benefício concedido ao preso consistente em reduzir o tempo de pena privativa de liberdade por meio de tempo de trabalho ou de estudo (artigo 126, caput da LEP).
Notem, que a nova lei incluiu o estudo como forma de remição, positivando, assim, um instituto que já era implementado na prática pela maioria dos juízes e Tribunais (inclusive a súmula 341, STF previa – e ainda prevê que: a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob o regime fechado ou semiaberto), mas que era rejeitado por muitos sob o argumento de falta de previsão legal, e também sob o argumento de que embora estudo e trabalho fossem espécies do tratamento penal, tinham feitios diversos quanto à essência, à execução e outros aspectos, os quais, na sua globalidade não recomendariam trato analógico in bonam partem.
O instituto da remição seja na modalidade trabalho ou na modalidade estudo guardam enorme importância prática, pois a cruel realidade dos presídios no Brasil hoje requer a manutenção mínima do acusado no cárcere e a ressocialização máxima do sentenciado, e o instituto da remição permite isso.
A remição pelo trabalho ou pelo estudo do preso é útil para este, haja vista que o premia com redução de pena, além de servi-lo como terapia, desvinculando-o do ambiente criminógeno dos presídios, favorecendo assim à sociedade como um todo que irá mais à frente recebê-lo, que poderá ter as chances de receber um egresso ressocializado.
Aponta o saudoso jurista Julio Fabbrini Mirabete:
“A gravidade jurídica de um crime não tem um valor absoluto para a determinação do tempo de duração da pena. O rigor punitivo, não deve, por isso, ser determinado por todas, nem ser proporcional, exclusivamente, à importância penal da infração. Uma vez fixada na sentença, a pena pode ser diminuída durante a fase executiva, desde que os fins de integração ou reintegração social do condenado tenha sido atingidos”.[2]
Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli informam que o Código Penal brasileiro segue o sistema conhecido como das penas “relativamente indeterminadas”, […] possibilitando, sempre, uma margem para a consideração judicial, de conformidade com as regras gerais de que é o juiz que deve aplicá-las ao caso concreto.[3] E continuam, Zaffaroni e Piarangeli:
“Este sistema opõe-se, na legislação comparada, ao chamado sistema de “penas fixas”, nas quais o Código não outorga ao juiz nenhuma faculdade individualizadora. Este último sistema não mais existe na legislação comparada contemporânea, e decorre de um critério eminentemente retributivo e intimidatório. Vigorou, entre nós, no Código do Império (1830)”[4]
Sabe-se que esse sistema das penas relativamente indeterminadas, explicitado por Zaffaroni, informa não só a fase de aplicação da pena, mas também a Execução Penal, pois mesmo após a sentença, a pena continua incerta, haja vista que quanto ao aspecto quantitativo da pena há possibilidade de redução com o instituto da remição, e sob o aspecto qualitativo há a progressão de regime, livramento condicional etc. Contudo, entendemos que na fase executiva a nomenclatura desse sistema deve vir acrescida do termo “minimizantes programadas”, ou seja, “Sistema das penas relativamente indeterminadas minimizantes programadas”, pois o sentenciado pode traçar programas para a redução da sua pena por meio do exercício de trabalho, e hoje, com o advento da novel lei, mais certamente com o estudo.
Como se afirma na exposição de motivos a remição, ao lado do livramento condicional e do indulto, constituem hipóteses práticas de sentença indeterminada como fenômeno que abranda os rigores da prefixação invariável, contrários aos objetivos da Política Criminal e da reversão pessoa do delinquente.[5]
1. Cômputo das horas para fins de remição, atividades estudantis abrangidas e formas de estudo para fins de remição
Em muitos pontos a lei 12.433/2011 veio para colocar fim a inúmeras controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias que geravam insegurança jurídica e tratamento disparitário no trato com os presos, e um dos pontos que merecia regulamentação era justamente a especificação das atividades estudantis que seriam abrangidas e como se daria o cômputo de horas para fins de remição da pena.
Com a atual redação (artigo 126, §1º, I, LEP), o condenado poderá ter sua pena remida nas atividades de ensino fundamental, médio, profissionalizante, superior, ou ainda de requalificação profissional, devendo ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados. Para tanto, o número de horas de atividade de estudo necessárias para o desconto de (1) um dia de pena será feita à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar divididas, no mínimo, em 3 (três) dias.
Percebam que o legislador impôs um limite mínimo de distribuição das horas de estudo. O condenado para conseguir remir 1 (um) dia de pena terá que desenvolver atividade de estudo pelo período de 12 horas, mas não 12 horas consecutivas, mas sim 12 horas divididas em pelo menos três dias.
Embora tenha o legislador sanado a problemática da falta de regulamentação quanto ao número de horas e dias necessários de estudo para o desconto de pena e também os tipos de estudo envolvidos, é certo que se omitiu com relação aos seguintes questionamentos brilhantemente traçados por Guilherme de Souza Nucci antes mesmo da alteração legislativa: “[…] Computar-se-ia somente aula ou também as atividades-extraclasse, como feitura de lições e exercícios? O estudo individual teria validade? Seria necessário atingir um mínimo de nota ou aprovação? […]”.[6] Tais questionamentos de NUCCI serão analisados com maior profundidade nos próximos parágrafos deste trabalho.
As atividades educativas ora elencadas, de acordo com o novo § 2º do artigo 126 da LEP, poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância, devendo ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.
Quanto ao referido § 2º do artigo 126 da LEP, a lei pecou, portanto, na falta de detalhes acerca do método de ensino à distância e a forma de supervisão do cômputo dessas horas. Há no Brasil o método à distância Televisivo, telepresencial, via internet e o método unicamente apostilado.
A dúvida diz respeito ao método apostilado de ensino, se este valeria como cômputo de horas de atividade educacional ou não. Valeria aqui a pergunta de NUCCI: O estudo individual teria validade? Computar-se-ia a feitura de lições e exercício? O nosso entendimento é no sentido da possibilidade do método de estudo apostilado, desde que possa ser supervisionado quanto às atividades e possa ser computada as horas reais de estudo, o que na prática, todavia, será de difícil fiscalização. A nova redação do artigo 129 da LEP faz referência à expressões “atividades de ensino” ou “horas de frequência escolar”, ou seja, ao fazer alusão a expressão “atividades de ensino” nos parece que tal expressão envolveria o ensino apostilado e também as atividades extraclasse, embora entendamos que tais atividades sejam de difícil fiscalização para fins de cômputo de horas, pois tal cômputo terá alta carga de subjetivismo que poderá ensejar burlas e fraudes à sistemática da remição.
Tem grande relevância o seguinte questionamento de NUCCI em face da nova redação da LEP: Seria necessário atingir um mínimo de nota ou aprovação para que haja a remição? Entendemos que não é necessária a aprovação do reeducando para que seja beneficiado com a remição simples prevista no artigo 126, §1º, I, pois a lei somente falou em cômputo de horas, devendo-se fazer interpretação favorável ao sentenciado. Ademais, analisando a nova redação do artigo 129, caput da LEP, não notamos a necessidade de aprovação, pois o referido artigo 129, caput diz que “a autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou atividades de ensino de cada um deles”. Todavia, no que tange ao § 5º do artigo 126 da LEP (incluído pela lei 12.433/11) nos parece que haveria exigência de aprovação no curso, atingindo o mínimo de nota, para que o sentenciado seja agraciado pelo novo instituto, que denominamos de remição acrescida / remição contemplada / remição intelectual / remição formatura / remição da remição. O § 5º do artigo 126 reza que: “O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação” (este novo instituto veremos no próximo item).
Ponto inovador foi o fato de a lei 12.433/11 ter implementado ao texto do § 1º do artigo 129 da LEP a possibilidade de o juiz autorizar o condenado a estudar fora do estabelecimento penal. Neste caso deverá o próprio condenado (e não a autoridade administrativa – como ocorre no caso do artigo 129, caput da LEP) encaminhar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a “frequência” e o “aproveitamento escolar”. Uma dúvida que surge é se esse “aproveitamento escolar” exigido pelo artigo 129, § 1º da LEP no caso de o condenado estudar fora do estabelecimento seria um mínimo de nota ou aprovação para que haja a remição. Fazendo-se uma análise sistemática do artigo 129, § 1º da LEP (que exige que seja encaminhado documento demonstrando aproveitamento escolar) em conjunto com os artigos 126, § 1º, I e 129, caput (que só exigem que seja encaminhado ao juízo frequência escolar e as atividades de ensino desempenhadas), ambos também da LEP, nos pareceria, prima facie, um paradoxo tal exigência, mas entendemos que não se trata de um paradoxo, pois a lei exigiu o aproveitamento escolar (nota mínima ou aprovação) ao condenado que estude fora do estabelecimento porque o reeducando não estará sendo fiscalizado pela autoridade penitenciária, sendo este um meio de se garantir certa fiscalização sobre as atividades do reeducando (seria uma fiscalização indireta por parte da máquina estatal). Já quanto ao reeducando que estuda no interior da penitenciária não se exigiu o aproveitamento escolar pelo fato de o reeducando estar diretamente fiscalizado pelos olhos da máquina estatal.
2. Remição acrescida / Remição contemplada / Remição Intelectual / Remição formatura / Remição da Remição
O novo § 5º do art. 126 da LEP trouxe previsão louvável com vistas à ressocialização pelo aperfeiçoamento cultural, nos seguintes termos: “O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação”.
O referido dispositivo trouxe a denominada remição acrescida / remição contemplada / remição intelectual / remição formatura / remição da remição. Na realidade, o que pretendeu o legislador com o referido dispositivo foi aumentar o premiação do abatimento na pena do reeducando em mais 1/3 (um terço) em decorrência de ter concluído o curso fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que chancelada pelo órgão competente via certificado de conclusão de curso.
Percebam que não foram todas as atividades educativas do artigo 126, § 1º, I da LEP que foram contempladas com o benefício da remição acrescida de 1/3 em razão da conclusão de curso, pois se verifica que o texto abrangeu somente a conclusão de curso fundamental, médio e superior, não inserindo o ensino profissionalizante e o de requalificação profissional. Assim, somente, os cursos fundamental, médio e superior que estão acobertados pelo § 5º do artigo 126 da LEP.
3. Possibilidade de acumulação dos casos de remição (trabalho + estudo)
Admite-se com a nova redação da LEP a acumulação dos casos de remição – trabalho + estudo -, desde que exista compatibilidade das horas diárias (art. 126, § 3º, LEP).
A lei silenciava a respeito da acumulação dos casos de estudo e trabalho para fins de remição. Em razão disso, a doutrina e a jurisprudência divergiam acerca dessa possibilidade. A nova redação do artigo 126, § 3º da LEP colocou fim à discussão, incorporando a tese da acumulação ao texto. A nova redação estimula o indivíduo ao esforço em busca de atividades de caráter educacional ou laborativo, premiando-o com a remição, pois quanto mais se empenhar, mas rapidamente cumprirá a pena que lhe foi imposta. A nova redação prestigia o esforço e o envolvimento do encarcerado nas primordiais atividades que o levarão à reintegração social, iluminando assim o Sistema das penas relativamente indeterminadas minimizantes programadas.
Como se trata de norma mais benéfica ao sentenciado, não há dúvidas que aqueles sentenciados que tiveram suas acumulações negadas no judiciário possam pedir ao juiz a “revisão” daquele julgado para que incida a norma vigente.
4. Quebra da exclusividade dos regime fechado e semiaberto?
A LEP, antes da lei 12.433/11, previa (e ainda prevê) no seu artigo 126, caput que têm direito à remição pelo trabalho os presos que se encontrarem em regime fechado ou semiaberto. A nova redação manteve o texto originário, acrescentando que também haverá direito à remição em razão do estudo aos presos que também se encontrarem no regime fechado ou semiaberto.
Ocorre que, mais à frente, a lei 12.433/11 incluiu o § 6º ao art. 126, que informou que o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, à razão de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em 3 (três) dias.
A opção do legislador em incluir a redação do § 6º ao artigo 126 da LEP não foi feliz, pois ao permitir a remição da pena no regime aberto ou semiaberto e também na liberdade condicional em razão da atividade de ensino, abriu, sem sombra de dúvidas, possibilidades de surgirem precedentes para incluir, por meio da analogia in bonam partem, o trabalho no referido dispositivo para fins de concessão de remição mesmo em regime aberto ou semiaberto. A inovação trazida no § 6º do artigo 126 da LEP só fará com que se retome novamente aquela velha discussão que pairava acerca do antigo texto do artigo 126, caput da LEP, que só previa o trabalho como hipótese de remição. Tendo em vista a inexistência de distinção da natureza do trabalho, para fins de remir o tempo da execução da reprimenda, o § 6º do artigo 126 tornou-se porta de entrada para admitir então a remição pelo trabalho no regime aberto ou semiaberto e até mesmo na liberdade condicional.
Assim, comungamos da opinião que a redação do § 6º do artigo 126 da LEP acabou por aniquilar a exclusividade do regime fechado e semiaberto para o trabalho para fins de remição, afinal estudo é uma forma de trabalho, e por isso o trabalho deve ser abrangido no dispositivo. O trabalho que autoriza a remição é tanto o físico quanto o mental […].[7]
5. Remição nas prisões cautelares
A lei 12.433/11, inserindo o § 7º do artigo 126, foi além, e passou a propor a possibilidade de remição pelo estudo também em relação ao preso cautelar.
6. Abatimento dos dias remidos
Antes da lei 12.433/11, em razão da omissão da antiga redação da LEP no que tange à fórmula de como deveriam ser realizados os descontos dos dias remidos, surgiram duas correntes:
1ª corrente (STJ): a pena remida deve ser considerada como pena cumprida, devendo-se somar ao tempo cumprido (benéfica ao condenado)
2ª corrente: o tempo remido deve ser abatido do total da pena aplicada.
A segunda corrente (prejudicial ao condenado) era prevalente em sede de 1º grau, e em razão disso via-se uma enorme carga de recursos subindo aos Tribunais Superiores, que adotavam a 1ª corrente, para reformarem a decisão. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça diversas vezes adotou a 1ª corrente (mais benéfica).
A lei 12.433/11, elogiavelmente, colocou fim à controvérsia que pairava no Judiciário, adotando a 1ª corrente (mais favorável), dando ao art. 128 da LEP a seguinte redação: “O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos”.
7. Declaração dos dias remidos.
Pela redação antiga da LEP (artigo 126, § 3º) a declaração dos dias remidos é realizada pelo juiz da execução, mas somente depois da manifestação do Ministério Público.
Notem que não havia no texto antigo previsão da possibilidade da defesa do reeducando ser previamente ouvida acerca da declaração dos dias remidos. Assim, buscando garantir o princípio do contraditório e da ampla defesa a lei 12.433/11 incluiu o defensor no procedimento de declaração dos dias remidos pelo magistrado da execução penal, inserindo o § 8º ao artigo 126 da LEP.
A participação da defesa no procedimento de declaração permitirá que haja uma adequada fiscalização na decisão da declaração dos dias remidos. Embora se trate, prima facie, de simples cálculo matemático para a concessão do benefício, é cediço que o defensor poderá apurar a regularidade do cálculo e também analisar eventual carga de subjetivismo na análise das horas de estudo e de trabalho a serem efetivamente computadas.
Assim, sem sombra de dúvidas o artigo 126, § 8º da LEP veio para acentuar ainda mais o papel do defensor (que tem status de assistente jurídico do preso – artigo 16, LEP), em especial da defensoria pública, que se tornou órgão da execução com advento da Lei nº 12.313, de 2010.
8. Periodicidade das informações de trabalho e atividade de ensino; E a ausência de normatização quanto à periodicidade da declaração da remição.
A autoridade administrativa deverá encaminhar mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles. Essa é a nova redação dada ao artigo 129 da LEP pela lei 12.433/11.
Comparando o novo texto do artigo 129 da LEP com o antigo 129, notamos que a única inovação foi ter incluído ao texto que a autoridade administrativa deverá encaminhar também ao juízo das execuções as informações das horas de frequência escolar e as atividades de ensino dos reeducandos. A referida alteração foi necessária para se compatibilizar ao novo sistema da remição em razão da realização de atividades educativas.
A lei 12.433/11 deveria ter ido além, pois perdeu as chances de ter estabelecido também o período em que o juiz avaliaria a possibilidade de declarar remido um determinado número de dias de pena.
A omissão legislativa quanto à periodicidade da declaração da remição ainda continua, e incorreu o legislador, portanto, na mesma omissão do texto anterior.
Guilherme de Souza Nucci, ao tratar da falta de estipulação legal acerca da periodicidade da delcaração da remição, arremata que:
“Alguns magistrados, o fazem mensalmente; outros, mais sobrecarregados de trabalho, terminam por proferir a declaração da remição em períodos diversos (a cada três meses; a cada seis meses). É importante verificar o total geral da pena para não prejudicar o sentenciado. Se a pena é longa, nada impede o reconhecimento da remição a cada seis meses, por exemplo. Entretanto, sé curta, torna-se cauteloso fazer a verificação mensal, permitindo a liberação no menor tempo possível”.[8]
A ausência de periodicidade na declaração da remissão pode gerar eventual hipertrofia da punição, pois a ausência de análise por parte do magistrado acerca da remição poderia impedir eventual direito do reeducando a eventual progressão de regime, por exemplo. Assim, falhou o legislador em não ter abordado a referida temática na lei 12.433/11.
De forma a equacionar o erro repetido pelo legislador, omitindo a ausência de periodicidade, seria conveniente e oportuno que o juiz das execuções interpretasse extensivamente o novo § 2º do artigo 129 da LEP (que repetiu o texto do antigo parágrafo único do artigo 129 da LEP). O referido § 2º do artigo 129 reza que: Ao condenado dar-se-á a relação de seus dias remidos. Dever-se-ia interpretar extensivamente a expressão “ao condenado” no sentido de abranger também seu defensor constituído ou na falta deste a defensoria pública, pois o condenado por si só (sem assistência de defensor) não tem reais condições de calcular dias remidos e apurar a possibilidade de concessão de benefícios (ex.: progressão de regime). Deixar tais informações somente nas mãos do condenado sem assistência de defensor poderá gerar séria hipertrofia da sua pena, deixando-o em um regime mais gravoso de cumprimento de pena, sendo que poderia estar em regime menos severo. Aliás, com o advento da lei 12.313/2010, é incumbência da Defensoria Pública requerer a remição da pena (artigo 81-B, alínea e da LEP). Ademais, a Defensoria Pública com o advento da lei 12.313/2010 ganhou status de verdadeiro assistente jurídico do condenado (conforme artigo 16 da LEP), e extensivamente também do preso cautelar.
9. Perda dos dias remidos.
A perda dos dias remidos encontrava-se regulada no art. 127 da LEP, com a seguinte redação: “O condenado que for punido por falta grave perderá o direito a tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”.
O rol das faltas consideradas graves no cumprimento de pena privativa de liberdade encontra-se no art. 50 da LEP.
A questão relativa à perda dos dias remidos sempre foi passível de discussão na doutrina, já que, na visão de alguns, a situação deveria ser encarada como direito adquirido do condenado[9], posicionamento que se mostrava minoritário.
A respeito do assunto, o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, decidiu que o sentenciado não tinha direito adquirido ao tempo remido, pois o art. 127 da Lei 7.210/84 o subordina a condição do não cometimento de falta grave, sob pena de perda daquele período. Vejamos alguns dos informativos do STF que demonstravam o referido entendimento:
“Informativo nº 394. Falta grave e perda dos dias remidos. Nos termos do artigo 127 da lei 7.210/84 (lei de Execução Penal), o condenado que comete falta grave durante o cumprimento da pena perde os dias remidos, iniciando novo período a partir da infração disciplinar, não havendo que se falar em ofensa ao direito adquirido ou à coisa julgada. Precedente citado: HC 77592/SP (DJU de 12.3.99). HC 85552/SP, rel. Min. Carlos Britto, 28.6.2005.
Informativo nº 138. Pena: REMIÇÃO. O instituto da remição não constitui direito adquirido. É benefício sujeito a condição resolutiva, ligado ao comportamento carcerário do condenado. HC 78.178-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 9.02.99”.
O STF, mantendo sua linha tradicional de entendimento, terminou por editar a Súmula Vinculante n. 9, que tem a seguinte redação: “O disposto no artigo 127 da Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”, colocando fim à discussão doutrinária e jurisprudencial que pairava, tornando a decisão do STF vinculante.
Assim, a súmula vinculante número 9 pacificou o tema, deixando claro que a remição estava submetida à cláusula rebus sic stantibus, pois sua concessão ficava condicionada a comportamento futuro do condenado. Então, os dias trabalhados pelo preso criavam mera expectativa de direito, não havendo que se falar em direito adquirido ou coisa julgada.
Após a edição da súmula vinculante nº 9, que colocou fim à discussão que pairava na doutrina e na jurisprudência, o legislador, em claro descontentamento quanto ao posicionamento do STF, alterou a redação do artigo 127 da LEP, trazendo em seu novo texto que o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57 da LEP, segundo o qual, na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.
Denota-se, portanto, que a lei 12.433/11 revogou a súmula vinculante número 9 do STF, criando um direito adquirido parcial com relação aos dias remidos, facultando ao juiz das execuções a revogação de até 1/3 do tempo remido no caso de haver falta grave por parte do condenado, levando-se em consideração o artigo 57 da LEP. O juiz das execuções, para apurar o quantum dessa revogação, o juiz execuções deverá, com certa margem de discricionariedade, levar em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão.
Cometida a infração disciplinar recomeça-se a contagem dos dias remidos, preservando-se, por óbvio, os dias que sobraram em decorrência da revogação de até 1/3 do tempo remido em razão da falta grave cometida.
É certo que a nova redação do artigo 127 da LEP tonou-se mais favorável ao sentenciado, e alcançará, portanto, os fatos ocorridos antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da CF.
A questão que se faz é seguinte: se o sentenciado depois de ter reduzido os seus dias remidos em até 1/3 em razão do cometimento de falta grave, e após algum tempo comete nova falta grave. A redução decorrente dessa segunda falta grave incidirá sobre a soma dos dias remidos anteriormente reduzidos e dias remidos da nova contagem a partir da infração disciplinar? Ou somente incidirá sobre a nova contagem, não atingindo os dias remidos conquistados e reduzidos pela falta grave anterior? Resposta: A lei omitiu-se sobre o assunto. Entendemos que deve ser aplicada a redução somente no que tange à nova contagem em razão da segunda falta grave, pois se permitisse a redução de 1/3 sobre a soma dos dias remidos anteriormente reduzidos e dias remidos da nova contagem estaria havendo bis in idem, pois se estaria apenando novamente os dias remidos que já foram objeto de sanção em decorrência da primeira falta grave. Para melhor ilustrar o caso, utilizaremos do seguinte exemplo:
Imaginemos que o sentenciado tinha 90 dias remidos e cometeu uma falta grave. Sendo assim o juiz aplicou redução em seu grau máximo (1/3). Assim, restaram 60 dias remidos em prol do sentenciado. A partir da sua falta grave iniciou-se nova contagem para fins de remição. O sentenciado, nessa segunda contagem, obteve novamente mais 90 dias remidos, contudo acabou por praticar uma segunda falta grave. O juiz das execuções aplicou mais 1/3 a título de redução dos dias remidos em decorrência da segunda falta grave. Surge a questão: O juiz deverá aplicar essa segunda redução sobre a soma dos 60 dias restantes anteriores à nova contagem + 90 dias da nova contagem? Ou somente deverá aplicar essa segunda redução sobre os 90 dias (que se referem somente à nova contagem)?
Se o juiz aplicar a segunda redução de 1/3 sobre os 60 dias anteriores restantes da 1ª redução + 90 dias da nova contagem, o sentenciado teria um desconto de 50 dias sobre o total dos dias remidos de pena,sobrando-lhe apenas 100 dias de pena remidas, e estaria ocorrendo bis in idem, pois se estaria aplicando nova redução à 1ª contagem, violando o direito adquirido do sentenciado aos 60 dias que lhe eram garantidos após a redução decorrente da primeira falta grave.
Se o juiz aplicar a segunda redução de 1/3 somente sobre os 90 dias da nova contagem, o sentenciado teria apenas 30 dias reduzidos, restando-lhe 120 dias remidos de pena em razão da cumulação do tempo remido restante da primeira redução (60 dias) mais o tempo remido restante da segunda redução (60 dias), não havendo aqui bis in idem.
Assim, pelo exposto, filiamo-nos à corrente de que no caso de nova falta grave, a redução de até 1/3 desta nova falta incidiria somente sobre o cômputo dos dias remidos a partir da nova contagem, preservando-se o tempo remido antes dessa nova contagem resultante da primeira redução em decorrência da primeira falta grave.
10. Cômputo dos dias remidos para todos os fins.
A redação antiga do artigo 128 da LEP rezava que: o tempo remido será computado, para a concessão de livramento condicional e indulto.
A doutrina, praticamente de forma unânime, embora o artigo 128 da LEP não tivesse feito qualquer referência do cômputo do prazo remido para efeito de progressão nos regimes penitenciários, entendia que o tempo remido também deveria influir no prazo mínimo de cumpriemento da pena para o efeito da progressão. Afinal, o próprio artigo 111 da LEP determina que, para a determinação de regime de cumprimento, deve ser observada, inclusive , a remição .[10]
NUCCI, também entendia que na realidade, os dias remidos são computados para todos os fins e não somente para a concessão de livramento condicional ou indulto.[11]
A lei 12.433/11, corrigindo o erro do artigo 128 da LEP, modificou o seu texto, e abraçou o entendimento doutrinário e jurisprudencial dizendo que: o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
Conclusão
A lei 12.433/11 trouxe, indubitavelmente, modificações importantes à Lei de Execuções Penais, solucionando muitos impasses doutrinários e jurisprudenciais que geravam insegurança jurídica aos sentenciados. Contudo, em muitos pontos a referida lei foi tímida e aquém do esperado. Há vários pontos que irão gerar dúvidas no que tange à operacionalização da normas. Verificou-se, também, ao longo da exposição que a lei 12.433/11 trouxe novos problemas, como apontado no item “da perda dos dias remidos” e no item “quebra da exclusividade dos regimes fechado e semiaberto”. Em outro ponto o legislador repetiu o mesmo erro anterior em não normatizar a periodicidade da declaração da remissão.
Há ainda muitos pontos da LEP a serem melhorados, e só com novos debates pela doutrina e pela jurisprudência poder-se-á implementar tais melhoramentos.
A lei 12.433/11 espelhou nada mais nada menos do que aquela velha máxima: “Onde há sociedade há o direito (ubis societas ibi ius). Se a sociedade evolui, o direito evolui”. Então, a lei 12.433/11 acompanhou a jurisprudência e a doutrina, adequando-se à nova realidade social, embora de forma tímida.
Advogado, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura. Especialista em Direito Público pela Universidade de Potiguar em Convênio com a Faculdade Damásio de Jesus. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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