Direito Civil

Multiparentalidade à Luz dos Princípios Constitucionais Norteadores do Direito de Família

Autora: Letícia Ribeiro Valadares – Acadêmica de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS.(email: leticiavaladares28@gmail.com)

Orientadora: Prof. Dra. Cármen Lúcia Antunes Rocha. (Jurista, professora titular e coordenadora do Núcleo de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e atual ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)).

Resumo: A estrutura familiar está em constante mutação e abarca conceitos culturais e sociais heterogêneos. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88) existia um único modelo familiar patriarcal, patrimonial e vinculado ao casamento. Neste diapasão, o paradigma jurídico referente à filiação seguia conceitos discriminatórios entre os filhos concebidos dentro e fora da relação conjugal. Somente a partir da Constituição Cidadã (CF/88) houve o reconhecimento dos institutos de proteção à família e à filiação fundamentados nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da igualdade. Seguindo uma análise do conceito de família e filiação nas Constituições passadas, é possível perceber a evolução da proteção aos direitos fundamentais, sobretudo o reconhecimento das relações familiares baseadas no afeto. Com base nesses parâmetros, através de pesquisa doutrinária, consulta a legislação e a jurisprudência brasileira, o presente trabalho tem como escopo apresentar o caminho para a possibilidade do reconhecimento do fenômeno social da multiparentalidade amplamente amparado pelos princípios constitucionais, bem como seus efeitos jurídicos.

Palavras-chaves: Princípios. Filiação. Multiparentalidade. Parentalidade. Afetividade.

 

Abstract: Family structure is constantly changing and encompasses heterogeneous cultural and social concepts. Until the promulgation of the Federal Constitution of 1988 (CF / 88), there was a single patriarchal family model, patrimonial and linked to marriage. In this fork, the legal paradigm regarding affiliation followed discriminatory concepts between children conceived within and outside the marital relationship. It was only after the Citizen Constitution (CF / 88) that the institutes for protection of the family and affiliation based on the constitutional principles of human dignity, affectivity and equality were recognized. Following an analysis of the concept of family and affiliation in past Constitutions, it is possible to see the evolution of protection of fundamental rights, especially the recognition of family relationships based on affection. Based on these parameters, through doctrinal research, consulting Brazilian legislation and jurisprudence, the present work aims to present the path to the possibility of recognizing the social phenomenon of multiparenting largely supported by constitutional principles, as well as its legal effects.

Keywords: Principles Affiliation. Multiparenting. Socio-affectivity. Affection.

 

Sumário: Introdução. 1 Entidade familiar no Brasil. 1.1 Disposições sobre família nas constituições passadas. 1.2 Proteção ao instituto familiar na constituição de 1988. 1.3 Direitos da personalidade à luz da constituição de 1988. 2 Poder familiar. 2.1 Parentesco. 2.2 Filiação. 3 O instituto da multiparentalidade e os princípios constitucionais. 3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 3.2 Princípio da afetividade. 3.3 Princípio da igualdade entre filiações. 3.4 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 3.5 Princípio da solidariedade familiar. 3.6 Princípio da paternidade responsável. 4 Multiparentalidade. 4.1 Viabilidade jurídica para o reconhecimento da multiparentalidade. 4.2 Efeitos advindos do reconhecimento da pluriparentalidade. 4.2.1 Efeitos quanto ao nome. 4.2.2 Efeitos em relação ao direito de visitas e guarda. 4.2.3 Efeitos quanto à obrigação alimentar. 4.2.3 Efeitos no direito sucessório. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

A família é considerada para o ser humano seu ponto de origem, onde se dá uma trajetória diária composta por diversos aspectos como afeto, compreensão e carinho. É no núcleo familiar que são desenvolvidos os valores pessoais de cada indivíduo, ou seja, é a base para a formação pessoal, logo é imprescindível o amparo constitucional.

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, o instituto familiar era reconhecido pelo ordenamento jurídico como um modelo único, patriarcal, patrimonialista e hierarquizado, baseado apenas no casamento. Neste contexto, havia grande discriminação entre os filhos, caracterizados como “ilegítimos” e “legítimos”.

Em virtude a tantas mudanças ocorridas na estrutura familiar, ao passar do tempo houve alteração do conceito e critério de paternidade, passando a ser permitido o reconhecimento de diferentes vínculos parentais sobre uma única pessoa. Tais mudanças buscam amparo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade, da convivência familiar, da igualdade entre filiações, da pluralidade das entidades familiares e paternidade responsável.

A desconstituição da família possibilitou que a parentalidade deixasse de ter uma fonte exclusiva. Assim, a doutrina e jurisprudência reconhecem a existência de três critérios para se estabelecer o vínculo entre pais e filhos, podendo ser devido a origem biológica por laços genéticos, por imposição da lei ou através das relações de afeto, que é o caso da parentalidade socioafetiva.

Ressalta-se que o ordenamento jurídico utiliza de elementos havidos dos costumes sociais para a ordenação social. Neste ponto de vista, a Constituição Federal brasileira passou a reconhecer a entidade familiar como base do indivíduo, pela qual possui proteção Estatal em suas três esferas: federal, estadual e municipal.

À vista disso, serão demonstradas as mudanças de conceitos e paradigmas trazidos pela promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), passando a estabelecer novos parâmetros para formação da estrutura familiar baseada na afetividade. Infere-se que tais evoluções ocorridas no Direito de Família consagram a família atual eudemonista, isto é, baseada nas relações de afeto, carinho e felicidade, surgidas em decorrência do processo de repersonalização das relações familiares.

Em uma primeira análise, serão esclarecidos alguns conceitos básicos essenciais à filiação. Uma vez que o conceito de paternidade atualmente não é apenas considerado pelo laço genético, como também pela convivência familiar, onde a afetividade é o elemento principal que define a união familiar.

A análise principiológica, tem o cunho de demonstrar a realidade fática atual abrangente de novas formas familiares desvinculadas do conceito antigo de pai-mãe-filhos. Por conseguinte, em uma família que determinada pessoa próxima, que embora não possua vínculo biológico com o filho, cumpra funções originalmente do pai/mãe, dá-se ensejo ao surgimento do vínculo afetivo, o que gera direitos e obrigações legais, sem desobrigar os genitores biológicos.

O presente estudo através do método dedutivo, propõe analisar o instituto da multiparentalidade através de uma abordagem histórica em relação aos principais temas afetos ao direito de família, demonstrando ainda os efeitos jurídicos e sociais surgidos nessa nova forma de estrutura familiar.

Por fim, para atingir o objetivo proposto e abordar as questões acima referenciadas, o estudo realizou-se através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial sobre a temática da multiparentalidade.  Assim, foram empregados métodos dedutivos de abordagem do tema, utilizando o procedimento hermenêutico e monográfico, através da técnica de pesquisa documental bibliográfica.

 

1 Entidade familiar no Brasil

No decorrer do tempo, existiram alguns modelos de família, mas todos com a característica comum da proteção e união entre os membros. Dessa forma, as diferentes entidades familiares refletem no momento social da época e surge a todo momento a necessidade de adaptações e criação de novos institutos jurídicos de proteção aos direitos inerentes à pessoa humana.

A sociedade atual é marcada pelo grande avanço nos campos da política, economia, cultura e educação, o que afeta fortemente todos os aspectos relacionados a realidade pessoal e social dos indivíduos. Assim, a entidade familiar se fundamenta nas relações pessoais e “o direito de família possui forte conteúdo moral e ético. As relações patrimoniais nele contidas são secundárias, pois são absolutamente dependentes da compreensão ética e moral da família”. (VENOSA, 2006).

Muito embora o direito brasileiro conceitue a família de forma restrita, este instituto está em constante mutação em consonância ao reconhecimento de diversas relações afetivas e pessoais, modalidades essas protegidas primordialmente a partir do surgimento da Constituição da República de 1988, conforme será apresentado.

 

1.1 Disposições sobre família nas constituições passadas

Entre os vários organismos sociais e jurídicos, a família é a que mais sofre alterações no decorrer do tempo (VENOSA, 2006).  Assim, antes de delimitar os aspectos relacionados a este instituto, é pertinente apresentar um breve traçado histórico, apontando a forma como as Constituições passadas abordavam e protegiam a família.

Incialmente, salienta-se que a primeira Constituição chamada de Constituição do Império de 1824, foi marcada pela carta outorgada por D. Pedro I, onde o poder estatal era concentrado na monarquia hereditária e constitucional. Neste cenário, existia na Constituição apenas disposições sobre a família imperial e sua sucessão no poder (COSTA. 2014).

Para tanto, a Constituição Republicana (1891) em seu artigo 72, § 4º estabeleceu que “a República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.” Por conseguinte, não faz menção especial à família, dispondo apenas sobre o casamento.

Em 1933, na cidade de São Paulo, foi eleita a Assembleia Constituinte, pela qual redigiu a Constituição (1934), tendo como caraterística marcante a consagração dos direitos sociais, onde a família passou a ser protegida constitucionalmente pelo Estado e foi considerada constituída através do casamento.

Posteriormente, a Constituição Brasileira de 1937, conhecida como “Polaca” ressaltou que a família era formada através do casamento indissolúvel em seu artigo 124, mas não definiu sua forma (COSTA. 2014).

Com o passar do tempo, a proteção familiar foi estando mais presente no ordenamento jurídico do país. A Constituição Civil (1946) fez clara menção a proteção do Estado ao instituto familiar, pelo qual era considerado constituído através do casamento indissolúvel. Neste momento o casamento religioso passou a ter os mesmos efeitos do civil, sendo exigido o registro civil, além de prever a assistência à infância e adolescência e à maternidade, critérios estes que foram mantidos pela Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional nº1 de 1963.

Com o surgimento da Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977 foi posto fim ao casamento indissolúvel e instituído a possibilidade dos casais se divorciarem em nosso país. Assim, o casamento passou a poder ser dissolvido nos casos expressos em lei, desde que houvesse ação judicial por mais de três anos.

 

1.2 Proteção ao instituto familiar na constituição de 1988

Diante do contexto apresentado no título anterior, é necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã em razão da grande evolução nos direitos da personalidade, em especial o reconhecimento de novas entidades familiares, da igualdade entre os cônjuges e proteção mais incisiva e evidente da criança. Assim, entende Sílvio Venosa (2006) “Em nosso país, a Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas do direito de família”.

A doutrina brasileira anteriormente respeitava os preceitos do Código Civil de 1916 (CC/16), que dividia o Direito de Família em três partes: direito matrimonial, direito parental e direito assistencial. Isso apenas mudou com a chegada da nova Constituição, uma vez que a distribuição de matérias perdeu a consistência.

Neste sentido, entendeu o Senhor Ministro Luiz Fux (2017) no julgamento do Recurso Extraordinário 898.060 de sua relatoria: “A Constituição de 1988 promoveu verdadeira revolução no campo do Direito de Família. Sabe-se que, sob a égide do Código Civil de 1916, a família era centrada no instituto do casamento, vínculo indissolúvel e objeto de especial proteção da lei. Era estabelecida vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos, baseando-se a filiação na rígida presunção de paternidade do marido (pater is est quem nuptiae demonstrant). O paradigma de então não era nem o afeto entre os familiares, nem sequer a origem biológica, mas sim a presunção baseada na centralidade do casamento. ”

A promulgação desta Constituição representou no Direito de Família o reconhecimento da entidade familiar muito além dos aspectos patrimoniais e materiais. Logo em seu artigo 1º, A Constituição Federal (1988) estabeleceu:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I –  a soberania; II –  a cidadania; III –  a dignidade da pessoa humana; IV –  os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V –  o pluralismo político.”

Neste sentido, a nova Constituição passou a amenizar as desigualdades, onde os princípios deixaram de ser utilizados apenas como orientação ao sistema jurídico infraconstitucional e passaram a ter força normativa, de modo a efetivar o alcance à dignidade da pessoa humana. “O Código Civil de 2002 completou e estendeu esses princípios, mas sem dúvida a verdadeira revolução legislativa em matéria de direito privado e especificamente de direito de família já ocorrera antes, com a Constituição.” (VENOSA, 2006).

Nada obstante, durante a história do nosso país é grande a incidência de discriminação das minorias. Em especial durante a vigência do Código Civil de 1916, onde os interesses pessoais eram menos valorizados que os patrimoniais e as diferenças entre os direitos dos homens e mulheres eram gritantes.

Com a promulgação da Constituição Cidadã, a entidade familiar impulsionada pelo processo de constitucionalização do Direito Privado passou a possuir direitos fundamentais e responsabilidades para o cumprimento destes. Em especial, o dever de proteção do Estado em suas três esferas: federal, estadual e municipal. Conforme a CF (1988), no caput do artigo 226 estabelece:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

  • 1º O casamento é civil e gratuito a celebração.
  • 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
  • 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
  • 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
  • 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
  • 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
  • 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. ”
  • 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Nesta perspectiva, a Constituição de 1988 positivou o respeito ao princípio da paternidade responsável atrelado à previsão do direito ao planejamento familiar.  Assim, o critério para constituição de família deixou de ser absolutamente jurídico e passou a ser fático e afetivo.

Assim, com advento da evolução da sociedade, a família foi apresentada em sentido amplo.  O artigo 226, § 4º da Constituição Federal, menciona a tendência de inclusão das pessoas ligadas através do vínculo jurídico de natureza familiar (DIAS, 2015).

Resta evidente que a Constituição Federal de 1988 consagrou o fato de que a família é o início de toda a sociedade e dessa forma deve receber proteção do ordenamento jurídico, o que pouco depois foi reafirmado no Código Civil de 2002. Neste sentido, a doutrina e jurisprudência no âmbito jurídico, exercem a função de apoio e proteção ao instituto familiar abordado nas cláusulas pétreas, onde são adequados os valores que unem as pessoas atualmente.

 

1.3 Direitos da personalidade à luz da constituição de 1988

Os direitos da personalidade foram reconhecidos e ganharam força a partir da Constituição de 1988, sendo amplamente abrangido pelo Código Civil de 2002 nos artigos 11 a 21, onde foi reservado um capítulo específico, pelo qual elenca um rol ilustrativo amparado pelos princípios constitucionais.

Estes direitos possuem respaldo constitucional e devem ser resguardados, considerando que protegem todas as pessoas até mesmo depois de seu falecimento. Além disso, são inerentes ao indivíduo como forma de proteção a sua dignidade, tratando-se da vida, honra, imagem, intimidade, integridade física e psíquica, etc.

Sabe-se que o Direito de Família se encontra em constante evolução e mudança, devendo o judiciário se adaptar a elas, uma vez que não há como a legislação prever todas as situações possíveis que possam surgir. Os direitos da personalidade foram instituídos como forma de proteção a pessoa e sua dignidade, conforme a CF (1988) cláusulas pétreas no art. 5º, inciso X, que preceitua, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

18 X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

Nesta lógica, estes direitos passaram a ser considerados absolutos em detrimento a sua imposição a toda sociedade; extrapatrimoniais, pois não possuem aspectos econômicos; indisponíveis, por não poderem ser renunciados ou transmitidos; imprescritíveis, tendo em vista que são reconhecidos a qualquer tempo; impenhoráveis e vitalícios. Deste modo, são considerados direitos gerais, por atingirem todos os indivíduos em razão simplesmente de existirem.

No que toca o instituto da multiparentalidade cabe ressaltar seus efeitos, como por exemplo o direito à inclusão na certidão de nascimento dos nomes do pai/mãe socioafetivo juntamente com os pais biológicos, medida em que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a partir do Recurso Extraordinário 898.060.  Nesta toada, segundo Cassettari (2018) “(…) o direito ao nome, à identidade e à origem genética estão intimamente ligados ao conceito de dignidade da pessoa humana”.

Desta feita, a breve análise dos direitos da personalidade aqui apresentados nos permite entender sua importância em relação às mais variadas entidades familiares, em especial o direito ao nome, à privacidade e à intimidade que se destacam no direito de família em especial ao instituto da multiparentalidade.

 

2. Poder familiar

Inicialmente, insta salientar que o poder familiar consiste em direitos e deveres inerentes à figura dos pais em igual condição em relação aos filhos menores e a seus bens, em especial a proteção da integridade física e intelectual do filho. Neste sentido, Venosa (2006) preleciona: “Ambos os pais devem exercer o pátrio poder, em ambiente de compreensão e entendimento. O conflito poderá ser, em última análise, definido pelo tribunal.”.

Anteriormente à promulgação da Constituição da República de 1988, o Código Civil de 1916, indicava a antiga denominação pátrio poder ou patria potestas como um poder exclusivamente exercido pelo marido. Conforme prelaciona a Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962, em seu artigo 380: “Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade.”

Assim, o marido era detentor dos deveres relacionados ao sustento, alimentação, saúde e educação. Por consequência disso, detinha a responsabilidade de tomar todas as decisões inerentes a casa e a família, podendo a esposa apenas colaborar com as responsabilidades quanto aos cuidados com a casa e cuidados com os filhos e exercer o pátrio poder na falta do marido.

O Código Civil de 2002, trouxe disposições antes não conhecidas no Código Civil de 1916 no que toca ao Direito das Famílias. Como exemplo, é possível citar a mudança da terminologia “pátrio poder” para “poder familiar” (art. 1.630) e o tratamento dos filhos provenientes do casamento e fora dele sem distinções (art. 1.596).

Conforme visto, a Constituição Cidadã (CF/88) passou a apontar o poder  de família em situação de simultaneidade e igualdade entre os genitores, na função de educação, criação, amparo, defesa,  dos interesses patrimoniais e existenciais do menor. Assim, entende Sílvio de Salvo Venosa (2006)  “Ambos os pais devem exercer o pátrio poder, em ambiente de compensação e entendimento.”

Por fim, cabe ressaltar que estas responsabilidades são atribuídas a apenas um dos genitores em situações excepcionais, cabendo ao poder Estatal a fiscalização e regularização da responsabilidade em apreço. Assim, o poder familiar dever ser exercido fundamentalmente no interesse do filho menor, podendo o Estado interferir nessa relação, onde a lei disciplina casos em que o titular deve ser privado de seu exercício, temporária ou definitivamente.

 

2.1 Parentesco

Se adotarmos o conceito formulado pelo importante civilista Sílvio de Salvo Venosa (2006) tem-se que parentesco é a relação em que une duas ou mais pessoas devido ao fato de descenderem uma da outra por procederem de um genitor comum.

Na esfera jurídica, a divisão do parentesco se dá em linhas retas ou diretas, onde são referenciadas as pessoas que descendem umas das outras diretamente e linhas colaterais ou transversais, que relacionam aqueles que não descendem uns dos outros, mas possuem um ancestral em comum (tios, primos,etc). A contagem do vínculo entre os parentes é atribuída em graus, que apontam a distância entre os parentes em linha colateral ou reta.

O vínculo de parentesco em linha direta ou reta não possui limite. No entanto, o Código Civil Brasileiro (2002) em seus artigos 1594 e 1595 apenas considera como parentes os colaterais até o quarto grau e a contagem é feita em cada grau a partir do número de intermediários entre o ancestral incomum.

Neste sentido, Cassettari (2018) elucida como exemplo que: “(…) o parentesco consanguíneo e socioafetivo conta-se, na linha reta, pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente”. Assim, quando há a constituição da relação socioafetiva, as pessoas passam a se vincular afetivamente aos avós, bisavós, irmãos, primos, tios, etc.

Em uma mera busca ao dicionário Dicio (2020) é possível entender o significado de parentesco como algo atrelado ao conceito de relação e vínculo, preceitua, in verbis: “Característica ou particularidade de parente. Em que há relação sanguínea (consanguinidade) ou apresenta uma relação de vínculo ocasionada pelo casamento (afinidade). Que demonstra ou contém aspectos comuns; semelhança.”

Já pela abordagem do dicionário técnico jurídico, tem-se que “Parentesco é o vínculo existente entre pessoas, por afinidade (entre um cônjuge e os parentes do outro), consanguinidade ou cognição (oriundo da mesma ascendência) (GUIMARAES, 2012).

Neste prisma, é possível perceber que não há diferenciação quanto ao vínculo por afinidade ou consanguinidade. Conforme afirma Cassettari (2018): “A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção.”

Pertinente a este enfoque, ressalta-se que no decorrer da história a relação de parentesco ganhou novos significados influenciados pelos interesses e pelas funções que a família adota em cada época. Para o autor Lôbo (2000), parentesco pode ser conceituado como: “A relação jurídica estabelecida pela lei ou por decisão judicial entre uma pessoa e as demais que integram o grupo familiar. A relação de parentesco identifica as pessoas como pertencentes a um grupo social que as enlaça num conjunto de direitos e deveres. É, em suma, qualidade ou característica de parente”.

Assim, o parentesco advém de vínculos fundados no critério de afetividade e consanguinidades que ligam as pessoas e criam um grupo familiar. A partir deste vínculo, são estabelecidas obrigações jurídicas que asseguram direitos e deveres recíprocos entre os parentes que variam a depender da maior e menor proximidade, como ocorre na obrigação de prestar alimentos, por exemplo (ALVES, 2017).

O Enunciado 256 do Conselho da Justiça Federal (CJF) no mesmo sentido, possibilita o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco: enunciado 256 do CJF – art. 1.593. A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil.

O ambiente familiar, atual é considerado plural, igualitário e tem como base as relações de afeto. Conforme entende Zeni et al. apud Konrad, Trentin e Bracellos (2014): “Nesse sentido, a família patriarcal tornou-se incompatível com a dinâmica e a instabilidade das relações sociais contemporâneas. Isso se deve as inúmeras mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, das quais se destacam a inserção da mulher no mercado de trabalho, as evoluções científicas e tecnológicas e os reflexos do movimento feminista, bem como a rapidez com que informação e cultura se propagam nessa sociedade globalizada, multifacetada”.

Por conseguinte, as relações de parentesco pela afetividade surgem em detrimento às novas configurações de família, onde não se engloba apenas pai e mãe biológicos, como também toda pessoa que pertença ao núcleo familiar e que assume a postura parental ainda que não exista vínculo sanguíneo, conforme será demonstrado a seguir.

 

2.2 Filiação

Conforme visto, a partir das mudanças do século XX, a legislação pátria foi se atualizando de forma a incluir garantias familiares e sucessórias a todos os filhos, independente da forma de concepção.

Na vigência do Código Civil de 1916, havia distinção entre os filhos havidos dentro do casamento, sendo estes considerados “legítimos” e os concebidos fora do casamento eram considerados “ilegítimos” e não possuíam os mesmos direitos.

A partir do advento do Decreto Lei nº 4.737 de 24 de setembro de 1942, os filhos havidos em relações extraconjugais passaram a ter sua paternidade reconhecida após o disquite. Anos depois, a Lei nº 883 de 21 de outubro de 1949 revogou o Decreto Lei supracitado e trouxe a hipótese de reconhecimento dos filhos chamados “ilegítimos”.

Posteriormente, a Lei nº 6.515 de 26 de dezembro de 1977 (Lei do Divórcio), possibilitou o reconhecimento dos filhos havidos em decorrência de relações extraconjugais através do chamado testamento cerrado, bem como equiparou o direito de herança de todos os filhos (HIRONAKA, 2000).

Entretanto, conforme demonstrado anteriormente, apenas em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, a filiação passou a ser reconhecida em decorrência da relação de parentesco natural ou civil pelo vínculo consanguíneo ou afinidade, em casos de adoção ou reconhecimento judicial. Tais tipos de filiação não sofrem distinção quanto sua legitimidade, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 227, § 6°,in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a ali­mentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, explo­ração, violência, crueldade e opressão.

  • 6.° Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualifica­ções, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas a filiação.”

Neste prisma, a Constituição Federal trouxe a concepção de filiação como forma de proteção ao núcleo familiar originado através da ligação afetiva e moral entre os pais e filhos independente da genética, posto que a família fundamentada exclusivamente pelo vínculo matrimonial deixou de existir aos olhos do legislador.

No cenário atual, todas as espécies de filiação são protegidas  constitucionalmente, e não há distinção do tratamento quanto ao vínculo biológico, jurídico ou afetivo. Logo, o mais importante é a proteção dos filhos e não a forma como eles foram concebidos. Christiano Cassettari (2018) elucida: “(…) a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas. E, caso seja comprovada, entendemos que os filhos socioafetivos deverão ter os mesmos direitos dos biológicos, em razão da igualdade prevista em nossa Constituição”.

Em suma, a família é considerada como o núcleo da sociedade e a principal responsável pelo desenvolvimento do indivíduo, considerada fonte de solidariedade e afeto, o que ultrapassa os laços sanguíneos.

 

 

3. O instituto da multiparentalidade e os princípios constitucionais

Os princípios consagrados constitucionalmente atuam na orientação à atuação do aplicador do direito ao passo que limita a atuação dos juristas. Outrossim, servem como amparo às diretrizes para a atividade interpretativa das normas de forma a dar coesão ao sistema jurídico.

Muito embora não possam ser utilizados para tipificar comportamentos, eles são de suma importância para orientar o intérprete. Conforme dispõe Maria Berenice Dias (2015): “Princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes […] e princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade. Alguns princípios não estão escritos nos textos legais, mas têm fundamentação ética […], inexistindo hierarquia entre os princípios constitucionais explícitos ou implícitos. Princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes […] e princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade. Alguns princípios não estão escritos nos textos legais, mas têm fundamentação ética […], inexistindo hierarquia entre os princípios constitucionais explícitos ou implícitos. ”

Por conseguinte, os princípios constitucionais conduzem a aplicação das normas e amparam todo o ordenamento jurídico. Assim, a evolução histórica dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais contribuem imensamente para o Direito de Família, de forma a proteger e consolidar as diferentes formas de família que existem e as que surgiram no decorrer do tempo, possibilitando inclusive o direito ao reconhecimento de mais de um pai ou mãe socioafetivo.

 

3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Para que haja a convivência harmônica e pacífica entre os indivíduos que compõem determinada sociedade, é necessário a proteção dos direitos humanos indispensáveis à proteção da dignidade. Assim, a dignidade da pessoa humana recebeu proteção constitucional e este valor conduz todo o ordenamento jurídico (civil, penal, trabalhista, administrativa, eleitoral, etc).

Considerado como macroprincípio, “a  dignidade  da  pessoa humana é o princípio havido como superprincípio constitucional, aquele  no qual se fundam todas as escolhas   políticas   estratificadas   no   modelo   de Direito    plasmado    na    formulação    textual    da Constituição”(ROCHA, 2001).

Consensualmente, na leitura de Flávio Tartuce (2009) “Trata-se daquilo que se denomina princípio máximo, ou superprincípio, ou macro princípio, ou princípio dos princípios”.

Tanto é sua importância, que está previsto no artigo 1º, inc, III, da Constituição Federal de 1988 e desde a sua promulgação, colocou o indivíduo sob proteção do Estado e provocou a personalização dos institutos jurídicos e a despatrimonialização. Vejamos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana (grifo nosso)” (BRASIL, 1988).

O que se extrai, é que houve um grande avanço da democracia em nosso país com advento da promulgação da Constituição Federal de 1988, permitindo que os direitos fundamentais tivessem significativo reconhecimento e passassem a ser tratados como núcleo da proteção da dignidade da pessoa humana.

À vista disto, este princípio é atribuído à pessoa independente de sua origem, sexo, raça, condição socioeconômica ou estado civil pelo simples fato de ser pessoa humana, o que a torna merecedora de proteção Estatal.

Ademais, sua importância se dá sobretudo por contemplar toda diversidade de valores existentes na sociedade e conduzir a atuação Estatal. A este respeito, a Senhora Ministra Cármen Lúcia Rocha (2001) reafirma: “O Estado somente é democrático, em sua concepção, constitucionalização e atuação, quando   respeita   o   princípio   da   dignidade   da pessoa humana.  Não há verbo constitucional, não há verba governamental que se façam legítimos quando não se voltam ao atendimento daquele princípio.”

Desta feita, em virtude ao avanço significativo do reconhecimento e proteção dos Direitos Humanos considerando o cenário atual do Estado Democrático de Direito, ao positivar este princípio, ele passou a ser valor estrutural de todo arcabouço jurídico de nosso país. Assim, no Direito de Família, “o equilíbrio do privado e do público é matrizado exatamente na garantia do pleno desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que integram a comunidade familiar(…)” (LOBO, 2017).

A aplicação e contextualização de tal princípio nas relações familiares se adequam à realidade e modernização da sociedade, sendo instituto da dignidade da pessoa humana imprescindível para mudança de paradigmas tradicionais. O Min. Luiz Fux, ao relatar o RE 898.060/SC (2017), afirmou que a dignidade humana, no âmbito do Direito de Família, “exige a superação de óbices impostos por arranjos legais ao pleno desenvolvimento dos formatos de família construídos pelos próprios indivíduos em suas relações afetivas interpessoais”.

Ainda pelo entendimento do Ministro Luiz Fux (2017), foi afirmado: “Assumindo caráter de sobreprincípio fundante do ordenamento, insculpido logo no art. 1º, III, da Carta magna, a dignidade humana passa a exercer papel fundamental nesse contexto Assumindo caráter de sobreprincípio fundante do ordenamento, insculpido logo no art. 1º, III, da Carta magna, a dignidade humana passa a exercer papel fundamental nesse contexto”.

Em síntese, o Direto deve atuar de maneira dinâmica transformando e inovando para valorizar a pessoa humana. Mormente, verifica-se no reconhecimento da multiparentalidade o apoio em tal princípio, uma vez que afetividade passa a ser elemento essencial para basear a extensão do vínculo parental ou maternal, deixando para trás a premissa de que o fator biológico é o único critério para o vínculo filial, em respeito à dignidade inerente da pessoa.

 

3.2 Princípio da afetividade

Juntamente com o princípio da dignidade humana, a afetividade tem como fundamento basilar no Direito de Família as relações de carinho, proteção e dedicação tutorial, não possuindo previsão legal específica. Para Tartuce (2009) “o princípio da afetividade é importantíssimo, pois quebra paradigmas, trazendo a concepção da família de acordo com o meio social”.

Desta forma, o princípio da afetividade assim como os demais, visa resguardar todos os direitos fundamentais inerentes aos indivíduos, levando em consideração que o núcleo familiar é formado pelas relações sentimentais entre seus membros, o que faz surgir uma relação obrigacional de cuidado, proteção e amparo.

O Estado portanto, possui o dever de assegurar os direitos inerentes ao indivíduo mesmo que não tenham previsão legal. Assim, é inegável o caráter principiológico conferido a afetividade, na medida em que a Constituição de 1988 está amplamente amparada pelos valores da solidariedade e da dignidade.

Ademais, no decorrer de todo texto constitucional foi priorizado o afeto como norte das relações familiares. Outrossim, Lôbo (2002) evidencia que a “afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se extingue”.

O cuidado surge nas entidades familiares pela capacidade do ser humano de afeiçoar-se às pessoas com quem se relaciona. Este vínculo entre os filhos e os pais socioafetivos, advém da identificação dos indivíduos pelo carinho mútuo em relações baseadas na solidariedade e responsabilidade. Assim dispõe Tartruce (2009): “A defesa da aplicação da paternidade socioafetiva, hoje, é muito comum entre os atuais doutrinadores do Direito de Família”. Tanto isso é verdade que, na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal sob a chancela do Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado n. 103, com a seguinte redação: “O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”.

Por conseguinte, o afeto é um valor jurídico que possui consequências no âmbito da responsabilidade civil, em razão de constituir elemento essencial ao desenvolvimento da personalidade da criança. Neste seguimento, a Constituição Federal dispõe de maneira implícita diversas vezes sobre o princípio da afetividade, conforme ressalta Lôbo (2002): “A Constituição abriga princípios implícitos que decorrem naturalmente de seu sistema, incluindo-se no controle da constitucionalidade das leis. Encontram-se na Constituição Federal brasileira algumas referências, cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da afetividade, constitutivo dessa aguda evolução social da família(…)”.

À razão disto, o Código Civil de 2002, embora também não faça uso do vocábulo “afeto”, vale-se deste princípio ao possibilitar o reconhecimento daquele que cuida como legítimo o filho, deferindo a guarda em favor de terceira pessoa. Assim dispõe Lôbo (2002): “onde houver uma relação ou comunidade unida por laços de afetividade, sendo estas suas causas originária e final, haverá família”.

Assim, tal princípio através do instituto da multiparentalidade passou a permitir que a pessoa que cria, ama, cuida e possui o sentimento genuíno de filiação, pudesse ter essa relação reconhecida legalmente, sem que fosse excluída a paternidade biológica.

 

3.3 Princípio da igualdade entre filiações

Inicialmente, é importante salientar que a Constituição Federal assegura o direito de igualdade entre os indivíduos em seu art.5º, caput da CRF/88, sendo considerado um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

A supremacia deste princípio representou um grande avanço na legislação pátria, em especial aos filhos. Como já abordado, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) valoriza as relações baseadas no afeto e defende a eliminação de desigualdades entre os filhos, cônjuges e companheiros.

No tocante a isonomia entre os filhos, muito embora a paternidade biológica e afetiva tenham origens diferentes, ambas geram os mesmos direitos e deveres em relação aos pais/mães e filhos, sob proteção da Constituição Federal de 1988 (CF/88) no artigo 227, §6°. Verifica-se que “na convivência familiar em que se estabelece vínculo sólido de afetividade entre pais e filhos, um dos indícios da sua ocorrência será a guarda fática exercida pelo genitor(a)” (CASSETTARI, 2018).

Em complemento ao Texto Constitucional, o artigo1596 do Código Civil de 2002 consagra o disposto no artigo 227, §6 da Constituição Federal de 1988 (CF/88), proibindo qualquer tipo de discriminação entre os filhos e transformando o princípio em norma jurídica.

Em decorrência disso, a isonomia da filiação é de suma importância para o reconhecimento dos filhos através de um ato declaratório. Calha a exposição firmada por Flávio Tartuce (2009): “Em suma, juridicamente, todos os filhos são iguais, havidos ou não durante o casamento. Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação heteróloga (com material genético de terceiro). Diante disso, não se pode mais utilizar as expressões filho adulterino ou filho incestuoso, as quais são discriminatórias. Também não podem ser utilizadas, em hipótese alguma, as expressões filho espúrio ou filho bastardo. Apenas para fins didáticos utiliza-se a expressão filho havido fora do casamento, já que, juridicamente, todos os filhos são iguais”.

Outrossim, destaca-se o disposto no artigo 1.609 do Código Civil atual, pelo qual possibilita o reconhecimento a qualquer tempo dos filhos havidos fora do casamento, reconhecendo mais uma vez a isonomia entre eles:

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I – no registro do nascimento;

II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes”.

Observa-se que o legislador atribuiu ao Estado o dever de impedir qualquer tipo de discriminação ou distinção entre os filhos e proteger a plena equivalência da prole.  Esse novo modo de pensar, com fundamento na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, extinguiu os privilégios provenientes da origem biológica. Cristiano Cassettari (2018) elucida: “A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção”.

Logo, a igualdade entre os filhos é necessária para respaldar o reconhecimento da coexistência da parentalidade biológica, afetiva ou jurídica. Assim sendo, o princípio da igualdade protege a filiação multiparental, que surge muitas vezes devido ao carinho tido pelo pai/mãe socioafetivo que apoia de forma significativa a vida do indivíduo.

 

3.4 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

A proteção à criança e ao adolescente busca amparo nas normas jurídicas vigentes por se tratar de um grupo considerado de maior vulnerabilidade, que carece de grande proteção e amparo da legislação vigente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) disciplina em seu artigo 6º que a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento e em decorrência disso, possuem direito a preservação de seu melhor interesse.

Ainda sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, Venosa (2006) dispõe: “Esse diploma, em 267 artigos, regula extensivamente a problemática assistencial social e jurídica do menor, inclusive vários institutos originalmente tratados exclusivamente pelo Código Civil, como a perda e suspensão do pátrio poder, tutela e adoção”.

Assim, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente busca amparo em nosso ordenamento jurídico, através de expressa previsão na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227, caput e no Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º, caput, e 5º. No mesmo sentido, o Brasil promulgou e ratificou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1990, onde se determina em seu artigo 3.1 que todas as atitudes relativas às crianças, devem considerar, primordialmente, o interesse superior delas.

A Convenção acima citada serviu de inspiração para o legislador brasileiro quanto ao surgimento do “ECA”, pelo qual passou a reconhecer de maneira mais incisiva o direito de desenvolvimento da criança e do adolescente em um ambiente familiar amparado pelas relações de afeto, compreensão e amor. Nesse sentido, coloca Cassettari (2018): “O direito fundamental da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio da sua família, assevera a ementa em comento, está preconizado no art. 19 do ECA e engloba a convivência familiar ampla, para que o menor alcance em sua plenitude um desenvolvimento sadio e completo. Atento a isso é que o Juiz deverá colher os elementos para decidir consoante o melhor interesse da criança”.

Para concessão da proteção integral à criança e ao adolescente e efetivação do princípio em questão, é necessário averiguar a melhor decisão para a vida deles.  Nesse diapasão, o artigo 3º do ECA (1990) reforça que: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

À vista disso, o instituto familiar contemporâneo baseia-se na afetividade recíproca, por conseguinte o laço de afeto paterno-filial tido entre indivíduos que compõem determinado núcleo familiar que sobrepõe ao vínculo filial biológico em respeito ao melhor interesse à criança e ao adolescente. Conforme dito, os pais possuem não somente dever material para com os filhos, como também o dever de zelar pelo desenvolvimento destes, em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Assim, no contexto atual efetiva-se a relação espontânea de afeto entre o filho e pai/mãe sociafetivo, que muitas vezes não acontece na relação biológica através da multiparentalidade. A partir daí a relação paterna/materna é reconhecida e passa a caber legalmente a essa pessoa o dever de guarda, sustento e educação aos filhos menores, não desobrigando o pai/mãe biológico.

 

3.5 Princípio da solidariedade familiar

A solidariedade encontra previsão no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 assegura que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, I- construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Desta forma, considerando a família como base da sociedade, em consonância ao disposto no art. 226, da CF/88, é estabelecido aos indivíduos que a compõe, o dever de proteção e assistência recíproca na relação familiar.

É imperioso ressaltar que estes princípios repercutem em todas as relações familiares, inclusive nas baseadas no vínculo de afeto, como ocorre na multiparentalidade. Com isso, são gerados deveres como o pagamento de alimentos no caso de sua necessidade, nos termos do art. 1.694 do atual Código Civil.

Por conseguinte, o princípio da solidariedade em sentido amplo, considera as esferas patrimonial, social, afetiva e moral, onde os indivíduos que compõem determinada entidade familiar possuem direitos e deveres com relação uns aos outros em posição igualitária.  No mesmo sentido, elucida Cassettari (2018): “Com isso, podemos afirmar que a família moderna possui amparo no princípio da solidariedade, insculpido no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, que fundamenta a existência da afetividade em seu conceito e existência e dá à família uma função social importante, que é a de valorizar o ser humano. ”

Logo, existe a imposição de solidariedade pelas pessoas ligadas através do vínculo familiar, considerado essencial nas relações de parentesco socioafetivas.

Vale ressaltar que tal princípio pode ser observado em diversos institutos protegidos pelo Código Civil, como por exemplo, o dever de mútua assistência moral e material entre os indivíduos que integram a família previsto no artigo. 1.566, no instituto da adoção previsto no artigo 1.567, no poder familiar previsto no artigo 1.630, dentre outros.

Desta maneira, a solidariedade inscrita como princípio jurídico a partir da Constituição de 1988, possui grande importância no Direito de família por garantir uma boa convivência e obrigações mútuas entre os integrantes de determinado núcleo, o que foi reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 4º.

 

3.6 Princípio da paternidade responsável

Igualmente ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o princípio da paternidade responsável visa promover a proteção integral às pessoas que devido sua idade são consideradas de maior vulnerabilidade e necessitam de proteção mais abrangente. Tal princípio é garantido expressamente no art. 226§ 7º da Constituição Federal (1988): Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (…)

  • 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

Outrossim, implicitamente o princípio da paternidade responsável foi incluído no artigo 27 do ECA, dispondo “reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

Por conseguinte, os pais possuem o dever de prover assistência não apenas material aos filhos, como também intelectual, afetiva e moral. Esta responsabilidade abrange todo contexto da entidade familiar, sendo os pais os maiores apoiadores da criança e do adolescente.

Nesse caminhar, a multiparentelidade possibilita o reconhecimento jurídico da paternidade em relação a mais de um pai ou mãe, de forma a produzir efeitos jurídicos em relação a todos eles com seu filho socioafetivo, conforme será demonstrado.

 

4. Multiparentalidade

No que concerne à família e a estrutura familiar, a partir das mudanças do direito, houve a necessidade do reconhecimento da chamada eudemonista ou afetiva, que conforme demonstrado anteriormente, é caracterizada pela relação de respeito, comunhão e afeto recíproco entre seus membros independente do vínculo biológico. Neste diapasão, o instituto social da multiparentalidade surgiu como forma de legitimação da paternidade/maternidade baseado no vínculo de amor, para que seja incluído no registro civil de nascimento o nome da mãe ou pai socioafetivo.

Aduz assim, que a possibilidade do reconhecimento de mais de um vínculo paterno ou materno se originou a partir da admissão das relações socioafetivas. O nosso código civil (CC/2002), estabelece que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem. Assim, a expressão “de outra origem” faz referência às relações baseadas no afeto e, por conseguinte, as regras de parentesco natural se aplicam ao socioafetivo (CASSETTARI, 2018).

A doutrina conceitua a multiparentalidade em lato sensu ou stricto sensu. A primeira, refere-se a este instituto social como o reconhecimento jurídico da hipótese em que determinado indivíduo possua vínculo afetivo com mais de um pai ou mãe, o que comporta não apenas os casos de biparentalidade, como também as situações de vínculos multiparentais e casos de biparentalidade homoafetiva. Já em um sentido estrito, este instituto social abrange as hipóteses em que pessoas possuam três ou mais vínculos parentais, ou seja, no mínimo, duas mães e um pai ou dois pais e uma mãe. (SCHREIBER, 2016).

De qualquer modo, nosso ordenamento jurídico, bem como a doutrina e jurisprudência, busca em sua maior parte eliminar qualquer tipo de hierarquia entre os pais socioafetivos e biológicos, levando em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana, da afetividade, da igualdade entre filiações, dentre outros. Destarte, a multiparentalidade é uma forma de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos, considerando que não é possível captar a complexidade da relação tida no ambiente familiar através de um exame laboratorial.

Neste sentido Schreiber e Lutos (2016) elucidam: “Trata-se de notório avanço na desejada aproximação entre o Direito e a realidade social, permitindo que se concretize relevante comando da Constituição, que, ao consagrar a plena igualdade de direitos entre os filhos (art. 227, §6º), veda qualquer relação de hierarquia, apriorística ou não, que se pretenda estabelecer entre os critérios de fixação da parentalidade, quer  se trate de parentalidade biológica, socioafetiva ou jurídica (presumida).”

De qualquer modo, este fenômeno representa uma importante conquista para o Direito de Família, sendo reflexo dos novos modelos de família baseados na afetividade. No mesmo sentido, Venosa (2006) elucida que “O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que os geraram ou o adotaram”.

Em decorrência disso, os princípios inerentes à família, principalmente o da afetividade e da dignidade da pessoa humana, servem como base para diversas decisões que já admitem este instituto social como realidade no direito.

 

4.1 Viabilidade jurídica para o reconhecimento da multiparentalidade

Conforme já exposto, a partir das mudanças sociais que refletem no convívio diário entre os indivíduos, a estrutura familiar sofreu várias transformações e novos conceitos da relação de parentesco surgiram, permitindo o reconhecimento da coexistência da paternidade biológica com a socioafetiva. Nesse sentido, no momento em que o pai ou a mãe, ou ambos, conjuntamente ou de forma sucessiva, reconhecem voluntariamente um filho, é cumprido um dever legal.

Neste sentido, o STF reconheceu a paternidade socioafetiva mesmo à falta de registro, tema que ainda encontrava resistência por parte da doutrina. Assim, o Doutor Anderson Schreiber (2016), ao analisar o julgado, explicou: “De uma só tacada, o STF (a) reconheceu o instituto da paternidade socioafetiva mesmo à falta de registro – tema que ainda encontrava resistência em parte da doutrina de direito de família –; (b) afirmou que a paternidade socioafetiva não representa uma paternidade de segunda categoria diante da paternidade biológica; e (c) abriu as portas do sistema jurídico brasileiro para a chamada “multiparentalidade”.

Evidencia-se, que após algumas decisões que possibilitam o reconhecimento da paternidade socioafetiva, o Supremo Tribunal Federal, em sessão ocorrida em 21 de setembro de 2016, em sede de Recurso Extraordinário 898.060, por maioria dos votos, aprovou a tese que defende que mesmo existindo a falta de registro civil da paternidade socioafetiva, esta será reconhecida, gerando mudanças na configuração das famílias no ordenamento jurídico brasileiro.

O Recurso Extraordinário acima referenciado foi de relatoria do Ministro Luiz Fux e contou com auxilio no julgamento da lide amicus curiae da Associação do Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

O Ministro Luiz Fux ressaltou a importância do reconhecimento legal e aplicação do princípio da paternidade responsável como forma de proteção e reconhecimento dos vínculos de filiação oriundos do vínculo afetivo e dos constituídos pela ascendência biológica em relação de igualdade. Segundo o Ministro, caso seja de interesse do filho, não deve haver impedimento do reconhecimento de ambas as formas de paternidade.

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (2017), presidente da Corte ressaltou ainda: “amor não se impõe, mas cuidado sim e esse cuidado me parece ser do quadro de direitos que são assegurados, especialmente no caso de paternidade e maternidade responsável”.

A hipótese de coexistência de duas espécies de paternidade/maternidade é amplamente discutida pela doutrina e jurisprudência de forma a dispor que ambas não devem ser tratadas em posição de igualdade. Neste sentido, ressalta Cassettari (2018): “[…] a máxima “a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica”, consagrada pela jurisprudência em casos de negatória de paternidade, deve ter aplicação ponderada, pois acreditamos que ambas as espécies podem coexistir, formando, assim, a multiparentalidade”.

Assim, originou-se o Tema de Repercussão Geral nº 622 (STF, 2017), que restou firmado a tese: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos propostos”.

Como já foi amplamente discutido, os vínculos de afeto são a base das relações familiares.  Oportuno ainda, mencionar que para Schreiber (2016) “a tese aprovada na análise da Repercussão Geral 622 representa um passo largo e decidido rumo à consagração de um direito de família efetivamente plural e democrático no Brasil”.

Seguindo este precedente, os Tribunais de Justiça passaram a aderir o reconhecimento da pluriparentalidade. Veja-se a decisão do relator Getúlio De Moraes Oliveira (2016):

“DIREITO DE FAMÍLIA E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE ADOÇÃO.MULTIPARENTALIDADE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO BIOLOGICO PREEXISTENTE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. DUPLA PARENTALIDADE. POSSIBILIDADE. DECISÃO DO STF COM REPERCUSSÃO GERAL. 1. A paternidade biológica declarada em registro público não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem socioafetiva, com os efeitos jurídicos próprios, como desdobramento do sobreprincípio da dignidade humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais. 2. “A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade.” Tese fixada com repercussão geral no julgamento do RE 898060/SC – STF. 3. Recurso conhecido e provido.”

Foi a partir dessa perspectiva que restou pacificado o entendimento de que a possibilidade da cumulação da paternidade ou maternidade socioafetiva com a biológica, nada mais é que um reflexo daquela exercida de maneira espontânea e voluntária. Isso se dá em razão da convivência em uma família reconstituída, a partir do comportamento dos indivíduos que compõem o mesmo seio familiar.

 

4.2 Efeitos advindos do reconhecimento da pluriparentalidade

Partindo da premissa que a Constituição Federal de 1988 garante à filiação socioafetiva o tratamento igualitário das outras formas de filiação, a admissão da multiparentalidade pelo ordenamento jurídico brasileiro, possibilitou o reconhecimento do vínculo de filiação socioafetivo em concomitância com a paternidade biológica, gerando todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais desta relação.

Anderson Schrieber e Paulo Franco (2016) defendem que “a isonomia constitucional entre filhos de qualquer origem impõe que, uma vez reconhecido o vínculo parental, todos os efeitos jurídicos que emanam da relação parental sejam produzidos em sua plenitude”.

À vista disso, para que haja o reconhecimento desta modalidade de parentesco é necessário a prevalência dos princípios afetos à família, de forma que não ocorra a prevalência dos interesses patrimoniais acima do afeto, carinho e amor tidos na relação de parentesco. Assim, serão gerados todos os efeitos pessoais e patrimoniais inerentes desta relação, em consonância ao disposto nos enunciados nº 06 e nº 09 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) (BRASIL, 2010).

 

4.2.1 Efeitos quanto ao nome

Com o reconhecimento da multiparentalidade, o registro de nascimento passa a constar o nome dos pais biológicos concomitantemente ao dos pais sociafetivos, de forma a reconhecer o laço de carinho e amor havido entre os protagonistas da relação afetiva.

O nome é um dos direitos de personalidade em consonância ao disposto nos artigos 16 ao 19 do Código Civil atual e considerando o entendimento da doutrina e jurisprudência, não pode ser vedado o uso do sobrenome do pai pelo filho por se tratar de direito fundamental. Tal direito decorre do Princípio da Dignidade Humana previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

A partir da entrada em vigor do disposto na Lei nº 11.924 de 17 de abril de 2009, que alterou o artigo 57, §8ª, da Lei de Registros Públicos, o enteado(a) passou a poder requerer em casos de consensualidade e sem prejuízos dos sobrenomes dos genitores que passe a constar em seu registro civil, o sobrenome do padrasto ou madrasta. Assim, é dado respaldo jurídico à realidade vivenciada em diversas famílias brasileiras (BRASIL, 2009).

No mesmo sentido, é necessário apontar que o acolhimento do sobrenome do pai/mãe socioafetivo é de suma importância para reafirmar os laços entre eles. Deste modo, o registro de nascimento é o local onde se é oficializada essa relação.  Neste sentido, Cassettari (2018) dispõe que: “O registro de nascimento é o local adequado para se fazer qualquer anotação sobre paternidade. Assim sendo, reconhecida uma paternidade afetiva, apta a gerar as consequências do parentesco, tais como a obrigação de alimentos, imprescindível que essa parentalidade seja constituída no local correto, qual seja o de registro de nascimento […]. ”

Depreende-se que a filiação é demonstrada oficialmente através do registro civil. Por isso, nos casos de reconhecimento de mais de um pai ou mãe para que sejam cumpridos os efeitos relativos à parentalidade, é necessária modificação no assento de nascimento, com o cunho de dar publicidade a esta relação.

Portanto, a multiparentalidade permite o reconhecimento no registro civil de mais de uma mãe e/ou pai de forma a constar o sobrenome dos pais e/ou mães biológicos e socioafetivos sem discriminação.

 

4.2.2 Efeitos em relação ao direito de visitas e guarda

Conforme visto anteriormente, as relações afetivas são amplamente protegidas sobretudo pelos princípios constitucionais. Destarte, deve ser levado em consideração o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que garante o direito à guarda e visitas ao filho, não havendo o que se falar em preferência entre o genitor biológico ou socioafetivo.

A guarda é um dever que surge a partir do poder familiar e pode ser exercida tanto de forma unilateral quanto compartilhada, em consonância ao disposto nos artigos 1.583 ao 1.590 do Código Civil. Resta evidente que o genitor que não possuir a guarda, terá direito de visitas, bem como deverá fiscalizar sua manutenção e educação. Frisa-se que o direito de conivência se estende aos avós biológicos e/ou socioafetivos.

Assim dispõe o Código Civil de 2002 em seu artigo 1589: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente.”

Neste sentido, os pais biológicos e socioafetivos possuem direito à guarda do filho e caso a criança ou adolescente não esteja sob companhia do pai/mãe socioafetivo, possui o direito de acompanhar o crescimento do filho através de visitas, prevalecendo sempre a guarda na modalidade compartilhada.

Após o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº8.069/90, foi reconhecido o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente que dispõe sobre a proteção do menor quando há a dissolução conjugal de seus genitores.  Neste sentido, o artigo 19 da referida lei dispõe: “É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” (BRASIL, 1990).

Por fim, o instituto da multiparentalidade permite que pelo menos um pai ou mãe fique com a guarda da criança, mas não desobriga todos os pais de proporcionar amor, carinho, educação e cuidados ao infante, independente da forma como surgiu o vínculo parental. Do mesmo modo, qualquer dos pais constantes na certidão de nascimento da criança ou adolescente possui o direito/dever de visitá-lo e prestar alimentos, conforme será demonstrado.

 

4.2.3 Efeitos quanto à obrigação alimentar

O indivíduo, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essências ou necessários para a sobrevivência. Neste sentido, os alimentos podem ser conceituados como tudo aquilo necessário para subsistência.

Não menos importante, a obrigação de prestar alimentos é assegurada aos protagonistas da relação socioafetiva. Ademais, o direito aos alimentos está previsto no artigo 1.694 do Código Civil (2002) e é medida que se impõe independente da origem do parentesco, conforme preceitua o dispositivo:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

  • 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
  • 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Neste prisma, a obrigação alimentar advinda do vínculo familiar, ocasiona no pagamento de pensão alimentícia. Assim, o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente abrange a possibilidade do filho reconhecido pelo laço afetivo de pleitear a obrigação alimentar em face de todos os genitores constantes em sua certidão de registro civil.

Conforme ressalta Anderson Shireiber e Paulo Franco, (2016)  muito embora o reconhecimento da filiação seja considerado como uma forma de proteção aos filhos, estes também passam a ter o dever de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, conforme dispõe o artigo 229 da Constituição Federal de 1988, incluindo o dever de prestar alimentos.

Em razão da característica de irrenunciabilidade, os alimentos não são objetos de retratação posterior ou disposição. Sendo assim, o alimentante não poderá ser desincumbido da obrigação nem mesmo pelo alimentando.

A irrenunciabilidade dos alimentos consiste, portanto em uma garantia legal que visa a proteção do direito do alimentando. Nesse sentido, dispôs o legislador no artigo 1.707, do Código Civil (2002): “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”.

Além disso, a prestação alimentar é irrestituível, imprescritível e possui caráter personalíssimo, que estabelece que os alimentos sejam fixados em razão da pessoa do alimentando, não podendo ser restituídos, prescritos ou transferidos.

Diferentemente do que parte da doutrina entende, Cassettari (2018) acredita que é necessário separar a constituição da parentalidade da obrigação alimentar. Deste modo, não é justo uma pessoa se vincular a outra paternalmente apenas devido a obrigação alimentar se não existe relação de afeto entre as partes.

Perante este contexto, após o reconhecimento legal da parentalidade socioafetiva, há uma regulamentação de direitos e deveres. Assim, a multiparentalidade ocasiona no surgimento de obrigações recíprocas entre os envolvidos, conforme preconiza o artigo 1.590 do CC (2002), a criança ou adolescente, ou maiores incapazes, devem receber alimentos de mais um pai e/ou mãe, do mesmo modo que deve ampará-los em situação de dependência financeira ou quando tornarem idosos.

 

4.2.3 Efeitos no direito sucessório

Com o falecimento do indivíduo, é perdida sua titularidade sobre os bens e a partir daí surge o direito sucessório, o qual regula a destinação do patrimônio post mortem. Neste condão, existem duas modalidades da sucessão causa mortis, a decorrente de lei e a testamentária, conforme preconiza o disposto no artigo 1.786 do Código Civil de 2002, “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”.

Considerando a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1829 do Código Civil (2002), os descentes em concorrência com o cônjuge ou companheiro, figuram em posição de preferência no chamamento à sucessão.  Assim, no que diz respeito aos filhos havidos pelo vínculo afetivo, estes passam a ter todos os direitos sucessórios, uma vez que concorrem em posição de igualdade com os consanguíneos, devendo haver a partilha em quotas iguais.

No tocante a multiparentalidade, um de seus efeitos é a possibilidade do filho receber a herança dos pais biológicos e dos pais afetivos e vice-versa. Ademais, o direito à herança é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, XXX da Constituição Federal de 1988.

De tal maneira, a partir do momento em que há o reconhecimento dos pais sociafetivos, surge o direito à herança tanto com relação aos pais biológicos, quanto aos afetivos, levando em consideração que se trata de uma garantia fundamental prevista em nosso ordenamento jurídico constitucional, com amparo ainda na doutrina e jurisprudência.

Seguindo este entendimento, em 28 de março de 2017, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.618 – RS (2016/0204124-4), a Terceira Turma do STJ reconheceu o direito de um idoso de 68 anos a receber a herança de seu pai biológico, por meio de uma ação de reconhecimento de paternidade, muito embora já tivesse recebido a herança de seu pai socioafetivo.  Conforme ementa do STJ, RE nº1618230/RS (2018), “RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STJ. 1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, 46 afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal). 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis. 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido.

No caso em apreço, em razão das posições doutrinárias defendidas anteriormente e no tocante aos argumentos apresentados no julgado, é possível perceber o valor jurídico havido pelo vínculo da afinidade no direito sucessório, além de assegurar o princípio da igualdade demonstrando que inexiste hierarquia entre o vínculo paterno/materno biológico e socioafetivo.

É necessário mencionar ainda, o Projeto de Lei 5.774/19 apresentado em 30 de outubro de 2019 pelo Deputado Federal Afonso Motta (PDT/RS), onde se pretende alterar o artigo 1.837 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), de forma a equiparar os pais biológicos aos socioafetivos nos casos de multiparentalidade. O referido projeto de Lei encontra-se aguardando parecer do Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF).

Desta forma, no direito sucessório caso seja aprovado o referido projeto de lei, terá a previsão legal revista, no que tange à concorrência dos genitores (pais ou mães) com o cônjuge sobrevivente. Assim, dispõe: “É neste ponto que consideramos a multiparentalidade e os direitos sucessórios dela advindos. Direitos estes já reconhecidos pela jurisprudência e pela doutrina que vem dirimindo os conflitos emergentes de situações onde o falecido não deixa descendentes, mas deixa cônjuge e duas mães e um pai, ou cônjuge e dois pais e duas mães e assim por diante. Afinal, são inúmeras as hipóteses de multiparentalidade.” (PJ5.774/19)

Com relação ao referido Projeto de Lei, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) publicou em seu site uma notícia em que destaca o entendimento do advogado José Fernando Simão (2020) diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e afirma a importância de tal lei, dizendo: “O texto segue a nova estrutura jurídica do Código Civil e já tem apoio inclusive nas jornadas de direito civil. É um bom projeto porque traz a socioafetividade em matéria sucessória e corrige um erro do Código Civil que estava só ‘o ascendente’”.

Por fim, cabe ressaltar que nos casos em que há o reconhecimento da parentalidade socioafetiva de mais de uma mãe ou pai, a doutrina segue em sua maioria o entendimento pela divisão em quotas iguais entre os ascendentes em concorrência com o cônjuge, não havendo distinção entre os filhos sob proteção do princípio da igualdade.

 

Considerações finais

Por todo o exposto, nota-se a evolução da entidade familiar desde a primeira Constituição, a chamada Constituição do Império de 1824 até a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), onde foi dado respaldo e proteção a nova concepção de família plural. Nesse aspecto, desde os primórdios, o ordenamento jurídico transforma-se com surgimento de novos valores que ocorrem na sociedade.

Nessa alçada, com o desenvolvimento e mudança da entidade familiar e possibilidade do surgimento de novos modelos familiares heterogêneos, ocorreram diversas adequações nos paradigmas sociais em especial às relações advindas do afeto e não apenas do vínculo de consanguinidade. Em razão disso, a norma, doutrina e jurisprudência se adequam à nova realidade social de forma a proteger as relações oriundas de laços afetivos.

A partir do surgimento da família plural, o presente trabalho apresenta uma exposição do tratamento jurídico da multiparentalidade à luz dos princípios afetos ao Direito de Família, abordando características, causas e efeitos jurídicos deste fenômeno social crescente no Brasil.

Em síntese, o ordenamento jurídico apenas fazia proteção ao instituto familiar tradicional, patriarcal, patrimonial e tido pelo matrimônio. Com as mudanças ocorridas no desenvolvimento social, tornou-se necessário a admissão de outros tipos de famílias além da constituída pelo casamento, que muito embora não estejam positivadas em lei, recebem amparo e proteção nos princípios constitucionais.

Vale ressaltar que o Código Civil de 2002, assim como a Constituição Federal de 1988, reconheceu a existência de laços sociafetivos e reafirmou que a relação de parentesco não necessita ser oriunda da consanguinidade. Assim, o afeto é uma forma voluntária de estabelecer laços parentais tidos pelos pais e filhos de forma simultânea a parentalidade biológica.

Não há na legislação vigente qualquer respaldo ou proibição ao reconhecimento da multiparentalidade. Por conseguinte, os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os filhos, dentre outros, possibilitam o reconhecimento da parentalidade ocorrida por laços de afeto.

A atuação da justiça por meio do Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento em sede de repercussão geral do Recurso Extraordinário 898.060 / SC, em 21 de setembro de 2016, determinou o reconhecimento da paternidade socioafetiva com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais idênticas das havidas do vínculo biológico. Assim, conferiu base jurisprudencial para o reconhecimento da concomitância entre a parentalidade biológica e afetiva em casos semelhantes.

Logo, pelo âmbito prático e jurídico, o ordenamento pátrio reconhece como pacífico e torna legítimo que a paternidade biológica não pode ser considerada mais significativa que a afetiva, concedendo ao filho sociafetivo os mesmos direitos e deveres dos biológicos, sem qualquer distinção ou discriminação. Desta forma, a presente pesquisa apresenta o caminho para a aceitação jurídica e atribuição de efeitos legais à multiparentalidade.

Por fim, resta evidente que é necessário para o desenvolvimento integral da criança ou adolescente, o carinho e cuidado vindo dos pais, independente de socioafetivos ou biológicos. Em consequência disso, a legitimação da paternidade/maternidade surgida pelo vínculo afetivo garante proteção aos interesses dos genitores, da criança ou adolescente e da unidade familiar.

 

Referências

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