Ítalo Lustosa Roriz[1]
Resumo: O presente estudo possui o escopo de analisar teorias, conceitos e posicionamentos dos institutos probatórios, suas regras de distribuição, quem seria o responsável pelo ônus de provar e a possibilidade de realização de negócios jurídicos, construídos e aperfeiçoados ao longo dos anos, a fim proporcionar uma visão mais privilegiada, mais crítica desse instituto, que desfrutou de importância ímpar na elaboração do novo sistema processual. Mas que, contraditoriamente, não detém a atenção que lhes é merecida pelos operadores do direito na prática forense cotidiana. Desta feita, realizada a análise inicialmente proposta, objetiva-se, por conseguinte a promoção de uma melhor compreensão do tema de modo a revelar sua importância pragmática para os operadores do direito.
Palavras-chave: Prova; Distribuição; Negócios Jurídicos; Ônus da prova; Novo CPC.
Abstract: The present study has the scope of theories, concepts and positions of the probe institutes, and long – term distribution rules, in order to allow the realization of studies on copyright, constructed and perfected over the years. The most privileged, most critical view of the institute, which enjoyed its skill in drafting the new procedural system. But that, contradictorily, does not hold the attention that people are responsible for the functions of law in daily forensic practice. In this way, it carried out a proposal analysis, aiming to promote a better understanding of the subject in order to divulge its pragmatic importance to the operators of the law.
Keywords: Proof; Distribution; Legal Business; Burden of proof; New CPC.
Sumário: Introdução; 1. Prova: Conceito e valoração; 2. A teoria da distribuição estática do ônus da prova; 3. A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova; 4. Negócios jurídicos processuais, princípio da cooperação e o ônus da prova no novo código de processo civil; Conclusão.
INTRODUÇÃO
Inegavelmente que a temática da prova não ocupa o lugar que lhe é devido nas pesquisas da ciência do direito, trata-se de tema de suma importância, possuindo concepção híbrida por relacionar-se tanto com a matéria substantiva quanto à instrumental. É cediço que tratando-se de sistema probatório, muitos embaraços e confusões manifestam-se na prática forense diante das tentativas de diferenciar ou compatibilizar as regras materiais e processuais.
Muitas discussões acerca da positivação do sistema probatório nos diplomas materiais entusiasmam o estudo do presente instituto. Processualistas como Alexandre Freitas Câmara criticam o tratamento legal da prova em leis materiais (CÂMARA, 2004, p. 397). Em contrapartida, contestando a posição de grande parte dos processualistas, o Civilista Sílvio de Salvo Venosa defende ser “acertado o enfoque do Código Civil ao traçar os princípios fundamentas e dispor sobre os meios de prova”. (VENOSA, 2003, p. 543)
Entretanto, diante das idiossincrasias do tema proposto para a presente pesquisa, limitamo-nos a apresentar conceitos de prova em consonância com Teoria Geral da Prova, uma vez que tratam-se de conceitos aproveitados em ambas as vertentes, materiais e processuais, para seguidamente abordar a quem incumbe o ônus de provar os fatos. Para tanto, abordaremos as Teorias Estática e Dinâmica de distribuição do ônus probatório, e a possibilidade de convenção por negócio jurídico processual, apresentando ainda as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil – NCPC/2015.
Nas lições de Clóvis Beviláqua (1972, p. 260, apud TARTUCE, 2015, p.171), a prova pode ser conceituada como “um conjunto de meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de negócios jurídicos”.
Já os processualistas Marinoni e Mitidiero, entendem que prova é o “meio retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições controversas no processo, dentro de parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais”. (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p.334)
Afinal, conforme ensinamentos do já citado Sílvio Venosa, “de nada adianta possuir um direito se não se tem os meios para prová-lo. Na verdade, o que se prova não é o direito. Prova-se o fato relacionado com um direito”. (VENOSA, 2003, p. 549)
Apesar da plurissignificância da terminologia prova, para o presente trabalho, com viés mais processualista, adotaremos a noção de prova como sendo “o farol que deve guiar o magistrado nas suas decisões”, conforme definição proferida pelas Ordenações Filipinas.
É válido ao presente estudo registrar a correta acepção da terminologia ônus de provar. Observa-se que a palavra ônus deriva do latim (onus/éris) que expressa uma noção de carga, peso ou fardo. Desta feita, ônus de provar não se trata de dever ou obrigação, mas sim de um encargo o qual o litigante deve desincumbir-se
Vale registrar ainda que devidamente concluída a fase instrutória, com as provas devidamente produzidas, cabe ao magistrado efetuar a valoração das provas apresentadas e, por meio da sua atividade jurisdicional, apontar a verdade formal e dizer quem é o detentor do direito ora postulado. Para tanto, com a vigência do Novo Código de Processo Civil, o sistema de valoração da prova foi alterado, antes tínhamos o sistema do livre convencimento motivado, atualmente contamos com o sistema da persuasão racional, ou convencimento motivado.
Insta acrescentar que os principais sistemas de valoração das provas no Direito são: a) sistema da prova legal ou tarifada, em que a lei concebe previamente o valor da prova, vedando ao julgador a valoração da prova conforme critérios próprios; b) sistema do livre convencimento puro, em que o julgador tem total liberdade para apreciar e valorar a prova, não havendo sequer necessidade de expor os motivos que lhe formaram convencimento; c) o sistema do livre convencimento motivado, no qual se reconhece liberdade do julgador para apreciar e valorar a prova, com a condição de que, na decisão, exponha as razões de seu convencimento (CPC/1973) e d) sistema do convencimento motivado ou da persuasão racional, previsto no NCPC, relaciona-se diretamente com o princípio da necessidade da prova, determinando que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, sendo estas provas relativas, não possuindo valor decisivo ou maior privilégio que outras. Este sistema prevê ainda obrigatoriedade do juiz, ao fundamentar sua decisão, expor pormenorizadamente, os motivos que o levaram a tomar tal decisão, devendo ainda, justificar os motivos que o levaram a aceitar e a refutar quaisquer provas.
Percebe-se que acerca do sistema do convencimento motivado ou da persuasão racional, previsto no Art. 371 do NCPC/2015, a intenção do legislador ao restringir a liberdade de convencimento foi a de evitar as discrepâncias jurisprudenciais havidas nos tribunais pátrios, fortalecendo o sistema de precedentes, tão defendido pelo NCPC.
Não obstante, em 1978, da leitura do trecho a seguir, percebe-se que Ovídio Baptista da Silva já defendia a tese de que o sistema processual civil brasileiro deveria seguir o sistema da persuasão racional, ensinando que o juiz teria o “[…] dever de fundamentar sua decisão, indicando os motivos e as circunstâncias que o levaram a admitir a veracidade dos fatos em que o mesmo baseara sua decisão. Cumpre-lhe indicar, na sentença, os elementos de prova com que formou sua convicção, de tal modo que a conclusão sentencial guarde coerência lógica com a prova constante dos autos”. (SILVA, 1978, p. 288)
Vale ressaltar que a mudança havida no sistema de valoração probatória, a qual resultou na mitigação, senão na supressão do livre convencimento do juiz, fora fruto de uma “conquista hermenêutica” sugerida pelos juristas Lênio Luiz Streck, Fredie Didier, Dierle Nunes e Luís Henrique Volpe, ratificada pelo relator do projeto Paulo Teixeira.
Considero isso uma conquista hermenêutica sem precedentes no campo da teoria do direito de terrae brasilis. O Projeto, até então, adotava um modelo solipsista stricto sensu: veja-se que o artigo 378 falava que “O juiz apreciará livremente a prova…”. Já o artigo 401 dizia que “A confissão extrajudicial será livremente apreciada…”. E no artigo 490 lia-se que “A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra”. (STRECK, 2015)
Pelo que se nota dos conceitos externados, evidentemente há uma grande diferença e distância entre “alegar um fato” e “provar um fato”.
Superados as colocações iniciais, passaremos ao objeto do presente estudo, qual seja, identificar, conforme a nova lei processual, a distribuição do ônus probatório, ou seja, identificar a quem cabe o encargo de provar.
Verifica-se do CPC/1973 que o ônus probandi, anteriormente regulamentado pelo seu Art. 333, repartindo entre o Autor e o Réu a carga probatória conforme a natureza das alegações fáticas carreadas no processo, permaneceu no atual CPC. Trata-se da chamada teoria estática de distribuição do ônus da prova, teoria inicialmente elaborada por Betti, Carnelutti e Chiovenda, hoje, encontra-se positivada no NCPC possuindo a seguinte redação:
“Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”
Percebemos da interpretação do supramencionado artigo, que ao determinar que incumbe ao Autor a prova do fato constitutivo de seu suposto direito e, incumbe ao Réu, além da contraprova do fato constitutivo do direito do Autor, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse mesmo direito, constata-se que a teoria de distribuição estática prevê que cada parte arque com o prejuízo causado pela insuficiência probatória, sem, sequer considerar qual das partes possui melhores condições de produzir determinada prova.
Marinoni e Arenhart dissertam que a regra esculpida, inicialmente por Carnelutti baseava-se na perspectiva de que “o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção”. Trata-se da máxima popular “aquele que alega tem que provar” ou “o ônus da prova incumbe a quem alega”. (MARINONI; ARENHART, 2011)
Sobre distribuição estática do ônus da prova, aduz Barbosa Moreira: “O juiz não tem que se preocupar com as regras legais da distribuição do ônus da prova, a não ser no momento de sentenciar. Se ele verifica que o fato não provado era constitutivo, atribui ao autor as consequências nefestas dessa lacuna probatória. Se ele verificar que a prova faltante é de fato impeditivo, modificativo ou instintivo, quem suportará as consequências melancólicas será o réu”. (MOREIRA, apud, PACÍFICO, 2000, p. 138)
Entendemos um tanto equivocada a rigidez do sistema estático de distribuição probatória, por carrear um verdadeiro e pesado ônus à parte. Verifica-se que não resta estabelecido para a parte um dever de provar as suas alegações, porém, determina as consequências que ela sofrerá caso não prove a existência do direito alegado.
Daí a classificação desse sistema de distribuição do ônus da prova como estático e rígido. Ou seja, o Autor assume o risco de perder a causa caso não consiga êxito em provar suas alegações – “o autor perderá a causa se o julgador não tiver elementos de convicção suficientes para se convencer da veracidade dos fatos constitutivos do direito alegado, enquanto o Réu será vencido caso não vier aos autos prova da existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor”. (PEREIRA, 2015)
Critica-se ainda o sistema estático de distribuição do ônus probandi, pelo fato de o Réu não necessitar fazer nenhuma prova (senão nas hipóteses em que optar por alegar novos fatos em contestação em detrimento da posição jurídica sustentada pelo Autor). Bastando ao Réu negar a veracidade dos fatos alegados pelo Autor para que, caso este último não se esquiva-se de provar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito o Réu sairia vencedor da demanda.
Em suma, temos que a problemática da distribuição prévia, abstrata e estática do ônus probatório entre as partes, baseada unicamente em sua respectiva posição processual (Autor X Réu) e na natureza dos fatos objeto da produção probatória, conforme determinação do Art. 333 do CPC/1973, atualmente no Art. 373 do CPC/2015, surge exatamente por desconsiderar eventuais peculiaridades e particularidades do caso em concreto.
Com o escopo de solucionar a problemática enfrentada pelo sistema estático de distribuição probatória, Jorge W. Peyrano, no final do século XX, na Argentina, defendeu que a carga probatória, a depender das peculiaridades do caso concreto, cabe a quem tem maior facilidade e melhores condições de produzi-la. Mitigando assim o rigor da distribuição do ônus da prova traçado pelo art. 333 do CPC/73, ratificando a possibilidade de uma distribuição dinâmica do ônus da prova. Para Peyrano, (apud LOURENÇO,2015, p.96):
“Em tren de identificar la categoría de las ‘cargas probatorias dinámicas’, hemos visualizado – entre otras –como formando parte de la misma a aquélla según la cual se incumbe la carga probatória a quien – por las circustancias del caso y sin que interese que se desempeñe como actora o demandada – se ecuentre em mejores condiciones para producir la probanza respectiva”. (PEYRANO apud LOURENÇO,2015, p.96)
Impende salientar que há quem defenda que a origem da presente teoria é da doutrina espanhola, aonde é denominada de Princípio da Disponibilidade e Facilidade Probatória.
Em tese, a teoria dinâmica da distribuição do ônus probandi considera que incumbirá a carga probatória àquele que estiver em posição mais privilegiada em relação ao material probatório, quando comparado ao seu adversário. Isto é, o ônus probatório é de responsabilidade daquele que detém “melhores condições de produzir a prova […] em função do papel que desempenhou no fato gerador da controvérsia, ou por estar na posse da coisa ou do instrumento probatório, ou por ser o único que dispõe da prova etc.” Para Alexandre Freitas Câmara, “melhores condições de produzir a prova”, corresponde a “melhor posição para revelar a verdade. (CÂMARA, apud, LOURENÇO, 2015, p. 90)
Não obstante os benefícios havidos com a inserção da teoria dinâmica de destruição do ônus da prova no NCPC, cuidado especial deve ser tomado na valoração das provas produzidas, haja vista que as provas produzidas pela parte que detenha a melhor posição para produção, também terá melhores condições de desvirtuá-las em benefício próprio.
A positivação da presente teoria no NCPC ocorreu nos Arts. 370 e 373, conferindo ao magistrado amplos poderes instrutórios, adequando o novo diploma processual ao sistema inquisitorial.
Desta feita, o juiz, ao verificar que determinada parte possui melhor posicionamento para produção de determinada prova, deve determinar, expressamente a sua produção apontando para a parte o ônus de produzi-la, indicando quais fatos devem ser reconstituídos ou produzidos, justamente por quem está em melhor posição para tanto.
Assim, apesar de o NCPC manter a distribuição estática do ônus probatório entre autor (quanto ao fato constitutivo de seu direito) e réu (quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor), abriu-se, no §1º do artigo 373, a possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz no caso concreto. Vejamos a nova redação do dispositivo processual:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Depreende-se do retro mencionado artigo que o NCPC permite expressamente a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz, desde que devidamente observada a legislação bem como as peculiaridades de cada caso concreto.
Ressalte-se que o legislador ao falar em “casos previstos em lei”, não quer dizer necessariamente que estamos tratando do Art. 6º do CDC, uma vez que este artigo trata da inversão do ônus da prova e não de sua distribuição. Ou seja, distribuição não se confunde com inversão do onus probandi.
O dispositivo processual prevê ainda a necessidade de fundamentação pormenorizada da decisão judicial que tratar do tema, positivando entendimento já pacificado no STJ, de que o momento adequado para a distribuição do ônus da prova é o saneamento do processo (NCPC, art. 357, inciso III).
Ademais, o §2º do artigo 373 do NCPC dispõe que a decisão de distribuição do ônus probandi não pode produzir “situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”. Isto é, caso a prova seja considerada/declarada “diabólica” para todas as partes da demanda, o juiz deverá decidir, respeitando as outras provas eventualmente produzidas, conforme as regras da experiência e nas presunções.
Por fim, vale ratificar que a possibilidade de distribuição diversa do ônus da prova por convenção/negócio jurídico processual das partes, prevista no CPC/1973, continua possível no NCPC, possuindo as mesmas exceções, quais sejam, recair sobre direito indisponível da parte e/ou tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Vale consignar que a decisão que dinamiza o ônus da prova pode ser recorrível por Agravo de Instrumento (NCPC, Art. 1.015, XI), todavia, a decisão de não distribuição da prova deve ser atacada em forma de preliminar nas razões ou contrarrazões da Apelação (NCPC, Art. 1.009, §1º).
O novo texto processual, como já exposto, inova ao flexibilizar as regras clássicas de distribuição do ônus da prova. Entretanto, mantem a antiga possibilidade de distribuição do ônus probandi acordado por convenção entre as partes. Para tanto, pretendemos abordar neste tópico, o hodierno princípio da cooperação previsto no Art. 6º do NCPC. Abordaremos, ainda que de forma superficial, o conceito e os aspectos gerais dos negócios jurídicos processuais acerca do ônus probatório.
Nas palavras de Fredie Didier Jr. o princípio da cooperação “orienta o magistrado a tomar uma posição de agente colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras”. (DIDIER, 2007, p. 56)
Quanto às partes do processo, o princípio da cooperação postula que o juiz deve exigir uma participação mais ativa e efetiva das partes, cabendo-lhes ainda o dever de colaborar para facilitar e estimular essa colaboração. A cooperação processual pressupõe “absoluta e recíproca lealdade entre as partes e o juízo, entre o juízo e as partes a fim de que se alcance a maior aproximação possível da verdade, tornando-se a boa-fé pauta de conduta principal no processo civil do Estado Constitucional.” (MITIDIERO, apud, LOURENÇO, 2015, p. 102)
A fim de respeitar o princípio da cooperação, verifica-se que alguns deveres tornaram-se ainda mais fundamentais ao processo. Em suma, ao magistrado é imposto o dever de esclarecer, de consultar e prevenir as partes. Às partes, restam estabelecidos os deveres de lealdade, boa-fé, veracidade e solidariedade.
Apenas respeitando estes deveres, as partes em relação aos juízes e os juízes, em relação as partes, estaríamos diante de “colaboradores necessários”. Ou seja, cada participante age no processo buscando satisfazer seu interesse, mas, a ação combinada dos envolvidos serve à justiça, galgando sempre a resolução do conflito. (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2008, p. 61)
Lamentavelmente, acreditar que as partes irão colaborar voluntariamente com o processo é um tanto otimista, ou até utópico, mormente no que se refere ao ônus da prova, haja vista que a parte ao colaborar, poderia colocar-se em uma situação prejudicial ao seu interesse. Nesse sentido protesta Rodrigo Klippel: “É de se esperar que a parte junte aos autos documento ou apresente testemunha que deponha contra seus interesses? Obviamente que não.” (KLIPPEL apud LOURENÇO, 2015, p.122)
Porém, a participação cooperativa, mostra-se de suma importância, pois, caso não tenhamos uma cooperação ativa, de boa-fé, com solidariedade, estas tentativas hão de aproximar as partes. E desta aproximação, poderemos ter a celebração de convenção/negócio jurídico processual.
Nessa perspectiva, as convenções acerca do ônus da prova são negócios processuais que têm por objeto a distribuição específica e diferenciada da carga probatória, colocando-a de maneira distinta da regulamentada previamente em lei.
Nessas convenções, as partes, em comum acordo, negociam quem deve provar determinados fatos e, qual delas assumirá as consequências da ausência de prova.
Cabe registrar que a inspiração legislativa deste instituto processual veio do Código Civil Português e há previsão semelhante no Código Civil italiano.
Para Ravi Peixoto e Lucas Buril a razão para estipulação do negócio jurídico processual acerca do ônus probandi:”[…] é variável e não pode ser limitada à regulação adequada da situação material. Basta, ao negócio, a vontade de redistribuir o ônus da prova e o respeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, independentemente das razões que ensejaram a celebração da convenção, que pode, por exemplo, ser estipulado mediante pagamento de quantia – é dizer, o sujeito trocará eventual situação processual por vantagem econômica. Finalmente, é de se relembrar que negócio processual acerca da distribuição do onus probandi é permitido expressamente pelo Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 333, parágrafo único, e tem também sua permissão textual no novo Código de Processo Civil, em seu art. 373, § 3º, que possui uma redação mais técnica”. (BURIL; PEIXOTO, 2015)
Forçoso constar na presente pesquisa as críticas erigidas acerca da possibilidade de convenção do ônus da prova. Há quem defenda que essa convenção fere incisivamente a isonomia material, assim como o devido processo legal. (LOURENÇO, 2015, p. 107)
Nesse mesmo sentido, defendem Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald que: “Não existem partes iguais, nesse sentido, uma convenção provavelmente, somente agravaria essa desigualdade. Temos, então, um dispositivo que fatalmente gerará uma inconstitucionalidade. Observe-se que o mencionado dispositivo, cremos, apresenta-se inócuo. Sobre direitos indisponíveis não seria possível uma convenção e, de igual modo, não se pode admitir uma convenção que onere de maneira excessiva a outra. Seria melhor que o parágrafo único afirmasse não ser admissível convenção sobre ônus probatório”. (FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 612).
Malgrado estes respeitáveis posicionamentos, acreditamos na doutrina majoritária, a qual fundamenta que um processo civil cooperativo consagra a isonomia material, tornando-se mais propício a evitar injustiça ou desigualdades.
CONCLUSÃO
Acreditamos que as propostas traçadas com a positivação da teoria dinâmica do ônus da prova são bastante aceitáveis, inovadoras e queremos crer que sejam mais benéficas. Todavia, difícil será a mudança da concepção clássica para a sua aceitação na prática forense.
Concordamos que também é acertada a permanência da previsão de distribuição legal e prévia (estática) do ônus da prova como regra (NCPC, Art. 173, I, II), enquanto que a nova previsão de dinamização tem-se por exceção (NCPC, Art. 173, §).
Porém, diante do desinteresse da parte em colaborar para um melhor resultado do processo, um dos melhores instrumentos previstos pelo NCPC é a possibilidade de dinamização do ônus da prova, mas para tanto, é necessário seguir alguns requisitos: a) Investigação da verossimilhança das alegações fáticas; b) Extrair qual a parte em melhor condição de provar os fatos discrepantes; c) Ao distribuir o encargo probatório, fazê-lo de modo cauteloso; d) Considerar que a distribuição do ônus da prova não pode resultar em prova diabólica.
Cumpre-nos ressaltar que acerca da modificabilidade da decisão que dinamiza o ônus da prova, pode ser revista pelo juiz através de decisão devidamente fundamentada e desde que seja concedido à parte, prazo razoável para produção da prova.
Da pesquisa ora elaborada, podemos concluir que com o advento do NCPC o judiciário será consideravelmente mais exigido, e para que essas propostas não sejam frustradas, será necessário um melhoramento do poder judiciário. A possibilidade de distribuição convencional do ônus da prova, vem sendo tratada com pouca preocupação doutrinária e, na prática, não se vê muito o seu uso. Porém, trata-se de consequência cultural-processual que impede o advento da autonomia da vontade.
Quanto às previsões do princípio da cooperação e do negócio jurídico processual, acreditamos que são ferramentas processuais de aproximação e diálogos das partes para se chegar a uma resolução de conflitos, no mínimo, menos traumática.
Diante dessa revolução dos institutos ligados ao ônus da prova, inovando e modificando ideias consagradas desde o Direito Romano, temos certeza que os operadores do direito terão de ser reeducados.
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[1] Bacharel em direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco – FACESF; Advogado – Escritório Carneiro Leão & Lustosa Advogados Associados; Especialista em Processo Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE; Mestre em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã – FADIC.
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