Resumo: A Ciência Jurídica, de modo geral, sempre abarcou em seu seio as necessidades e carências suscitadas pela população, principalmente, no que tange às condutas que atentem contra a integridade dos indivíduos que a constituem, pondo em risco a harmonia da coletividade. Para tanto, com o escopo de evitar a ocorrência de um cenário caótico, delineado pela presença da vingança privada, aprouve ao legislador, ao elaborar o Estatuto Repressor Penal, consagrar condutas atentatórias contra os indivíduos. Nesta esteira, o presente artigo tem como fito primordial discorrer, de forma contundente, acerca da conduta criminosa abarcada pela redação do artigo 149 do Código Penal Brasileiro, qual seja: o crime de redução a condição análoga à de escravo, tal como o liame existente com a ramificação trabalhista da Ciência Jurídica. De igual maneira, buscar-se-á também explanar sobre as diversas peculiaridades intrínsecas nas múltiplas faces do tipo penal em exame, salientando, sobretudo, os aspectos mais relevantes e os pontos pacificados pela doutrina contemporânea. Ainda nesse sentido, é latente a necessidade do estudo em tela discorrer a respeito da visão dos Tribunais Pátrios sobre o tema em apreço, com o escopo de ofertar sedimentos para estruturação de pilares.
Palavras-chaves: Escravidão. Dignidade da Pessoa Humana. Código Penal.
Sumário: 1 Comentário Introdutório; 2 Redução a Condição Análoga à de Escravo: Noções Gerais; 3 Tipos Objetivo e Subjetivo; 4 Consumação e Tentativa; 5 Cerceamento ao Trabalhador com o fim de retenção no local de trabalho; 6 Formas Qualificadas; 7 Distinção; 8 Ação Penal
1 Comentário Introdutório
Ab initio, ao se assentar um exame sobre o tema em apreciação, imperioso se apresenta a análise da Ciência Jurídica, assim como suas múltiplas ramificações, a partir de um prisma sustentado pelas relevantes modificações que passaram a permear seu arcabouço. Nesta linha de exposição, tendo em conta os aspectos de mutabilidade que passaram a emoldurar o Direito, mister se faz realçar que não mais subsiste a ótica da mencionada ciência como algo pétreo e estanque, indiferente ao sucedâneo de situações inauguradas pela sociedade. Como resultante do acinzelado, constata-se que não mais vigora a imutabilidade dos cânones que em momentos pretéritos norteavam o Direito, a imutabilidade maciçamente é suprimida pelos anseios e carências vivenciadas pela sociedade.
Nesta senda de raciocínio, “é cogente a necessidade de adotar como prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Com efeito, a utilização da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como rotundo axioma de sustentação é instrumento que se impõe, notadamente, quando se tem, como objeto de ambição, a adequação do texto genérico e abstrato das normas que integrem o arcabouço pátrio às nuances e complexidades que influenciam a realidade moderna.
Ademais, há que se citar o voto magistral proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Articula, ainda, o aludido ministro, destacando, com grossos traços e contornos bem definidos, que:
“É do presente, na vida real, que se toma as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida — e vida é movimento. Assim, o significado válidos dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos”[3].
Afora isso, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Por oportuno, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos pilares de sustentação do Direito, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica sobre a qual a Ciência Jurídica se edifica e, por conseguinte, o arcabouço normativo, passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Gize-se, por necessário, a brilhante manifestação apresentada pelo Ministro Marco Aurélio, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental N° 46/DF, que, ao abordar acerca das linhas interpretativas que devem orientar a aplicação da Constituição Federal de 1988[5], expôs:
“Nessa linha de entendimento é que se torna necessário salientar que a missão do Supremo, a quem compete, repita-se, a guarda da Constituição, é precipuamente a de zelar pela interpretação que se conceda à Carta a maior eficácia possível, diante da realidade circundante. Dessa forma, urge o resgate da interpretação constitucional, para que se evolua de uma interpretação retrospectiva e alheia às transformações sociais, passando-se a realizar a interpretação que aproveite o passado, não para repeti-lo, mas para captar de sua essência lições para a posteridade. O horizonte histórico deve servir como fase na realização da compreensão do intérprete”[6].
Nesta toada, os princípios jurídicos são erigidos a condição de elementos que trazem em seu âmago a propriedade de oferecer uma abrangência ampla, contemplando, de maneira única, as diversas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Em razão do esposado, tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[7]. Os dogmas jurídicos se desdobram em verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[8]. Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação penal da Ciência Jurídica, mormente quando se analisa os crimes em espécie.
2 Redução a Condição Análoga à de Escravo: Noções Gerais
No decorrer do século XX, foram realizadas múltiplas conferências pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o escopo de erradicar a escravidão, a servidão e os trabalhos forçados, culminando com a edição de diversas convenções, como, por exemplo, a Convenção sobre o trabalho forçado ou obrigatório, adotada na 14ª sessão da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, realizada em 28 de junho de 1930. Aludida convenção, em seu artigo 2º, estabelece que “a expressão 'trabalho forçado ou obrigatório' compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”[9].
Desta feita, é possível evidenciar que o trabalho forçado compreende àquela para o qual a vítima não se ofereceu volitivamente, sendo, portanto, a ele imposto por meios aptos de inibir sua vontade. “Não só trabalhar forçosamente, mas também impor a um trabalhador jornada exaustiva de trabalho, isto é, aquela que culmina por esgotar completamente suas forças, minando sua saúde física e mental”[10]. Nesta esteira de exposição, o Desembargador Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, ao relatoriar a Apelação Criminal 70018104836, manifestou-se no sentido:
“[…] Parece fora de nossa realidade, pelo menos aqui no estado do Rio Grande do Sul, que ainda haja trabalho escravo. Quase cento e vinte anos depois da abolição da escravatura, através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, soa quase como uma mentira falar em trabalhador em regime de escravidão. Contudo, não foi isso que revelou a realidade dos autos. O conjunto probatório comprovou que o denunciado efetivamente submeteu as vítimas, seus empregados, a jornadas exaustivas de trabalho, bem como restringiu a liberdade de locomoção dos mesmos e, inclusive agrediu fisicamente uma delas, condutas essas que servem para caracterizar o delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal, devendo ser mantida a condenação”[11].
De mesma sorte, há trabalhos que sujeitam as vítimas a condições tidas como degradantes, desumanas, ofensivas ao mínimo ético. As condições degradantes são aquelas em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, como também falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. “É o crime que os antigos chamavam plagium. Etimologicamente, ‘plágio’ é desvio de escravo e ‘plagiário’ o que toma para si escravo alheio”[12], como bem afiançam Mirabete e Fabbrini.
Nesta senda, quadra por em evidência que “trabalhadores submetidos a condições de trabalho degradantes, num cenário humilhante de trabalho, havendo não apenas desrespeito a normas de proteção do trabalho, mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e alimentação”[13], configuram situação que se amolda a conduta delituosa contida no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[14], que institui o Código Penal. Desta sorte, diante do caso concreto, se o trabalhador, ao prestar serviços, é exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, restam materializadas as condições consideradas como degradantes.
Nesta linha, se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, tal como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, assegurando-lhe descanso e permita o convívio social, existe materializado o cenário de trabalho em condições degradante. Da mesma forma, se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações, no que concerne à sua alimentação, à sua higiene ou à sua moradia, resta caracterizado o trabalho em condições degradantes. Trata-se de situação em que o indivíduo tem sua personalidade completamente anulada, havendo a redução da vítima a um estado de submissão física e psíquica, estabelecendo-se trabalhos forçados, com proibição de ausentar-se do local onde exerce suas atividades laborativas.
Em mesmo sentido, a Ministra Rosa Weber, ao apreciar o Inquérito N° 3.412/AL, manifestou-se no sentido de que quando a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, “se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal”[15], porquanto os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, havendo privação de valores inerentes ao ser humano, tais como liberdade e dignidade. “Atividade que se tornou muito comum, principalmente na zona rural, diz respeito ao fato de que o trabalhador, obrigado a comprar sua cesta básica de alimentação de seu próprio empregador, quase sempre por preços superiores aos praticados no mercado”[16], torna-se um refém de sua própria dívida, passando a trabalhar tão somente para adimpli-la.
O bem juridicamente protegido pelo artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[17], que institui o Código Penal, é a liberdade da vítima, que se vê, em razão da sua redução a condição análoga à de escravo, obstado o seu direito de ir e vir, ou mesmo permanecer onde queira. Em mesmo sentido, sustentam Mirabete e Fabbrini, em especial quando evidenciam que “o bem jurídico protegido é, primordialmente, a liberdade individual, em especial o status libertatis do homem, que é a de se livre da servidão ou do poder de fato de outra pessoa”[18]. O objeto material da conduta entalhada no dispositivo legal supramencionado, por sua vez, é o indivíduo contra qual recai a conduta do agente, que a reduz a condição análoga à de escravo.
No que se refere ao sujeito ativo, é possível que qualquer indivíduo perpetre a conduta por um das formas previstas no dispositivo e não somente o empregador, não se cuidando, deste modo, de crime próprio. Ao lado disso, todo ser humano, sem distinção de raça, sexo ou idade, pode ser vítima do delito, não importando que seja pessoa civilizada ou não. Ademais, o tipo penal é taxativo que tão somente o ser humano pode ser reduzido a condição análoga à de escravo. Em se tratando de animal submetido à condições cruéis, restará materializada conduta delituosa distinta. Em sendo a vítima criança ou adolescente, incidirá a causa de aumento de pena, prevista no §2° d no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[19], que institui o Código Penal.
3 Tipos Objetivo e Subjetivo
O tipo objetivo, contido no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[20], que institui o Código Penal, busca proteger a liberdade em todas as suas formas de exteriorização. Não se trata de o sujeito submeter a vítima à escravidão, mas sim se refere, o aludido dispositivo, a condição análoga à de escravo, sendo o indivíduo transformado em pessoa totalmente submissa à vontade do agente delituoso, como se fosse escravo, porquanto tal figura jurídica não mais existe no país. O tipo não visa a uma situação jurídica, ao contrário incide sobre um estado de fato. Nesta esteira, a conduta típica está assentada em sujeitar alguém totalmente à vontade do sujeito ativo.
A primeira forma de se reduzir alguém a condição análoga à de escravo consiste na submissão a trabalhos forçados. Nesta toada, a vítima é privada da liberdade de escolha e a execução do trabalho decorre de um liame de dominação e sujeição, contra a qual não tem a possibilidade de se insurgir. A conduta do sujeito ativo pode ser perpetrada por meio de constrangimento que incide diretamente sobre a vontade da vítima, por violência ou ameaça, mas também mediante a criação ou aproveitamento de circunstância que obstem o exercício da opção de não se submeter ao trabalho. Prima anotar que “não elide o crime a circunstância de efetuar o agente o pagamento de qualquer importância a vítimas pelos trabalhos forçados”[21], consoante evidenciam Mirabete e Fabbrini.
Da mesma forma, perpetra a conduta delituosa aquele que submete outrem à jornada exaustiva ou ainda a condições degradantes de trabalho. Em ambas as situações, conquanto a atividade possa ser executada em razão de uma relação trabalhista e, em princípio, com o livre consentimento da vítima, existe abuso na sua exigência pelo agente, quer quanto à sua quantidade, quer quanto às condições propiciadas para sua execução. Sobre o conceito de condições degradantes de trabalho, Guilherme de Souza Nucci leciona que:
“Condições degradantes de trabalho: degradação significa rebaixamento, indignidade ou aviltamento de algo. No sentido do texto, é preciso que o trabalhador seja submetido a um cenário humilhante de trabalho, mais compatível a um escravo do que a um ser humano livre e digno. Logo, apesar de se tratar de tipo aberto, dependente, pois, da interpretação do juiz, o bom senso está a indicar o caminho a ser percorrido, inclusive se valendo o magistrado da legislação trabalhista, que preserva as condições mínimas apropriadas do trabalho humano”[22].
A última situação prevista no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[23], que institui o Código Penal, incrimina a prática consistente na privação de liberdade de alguém em decorrência de dívida, por vezes artificiosamente criada ou incentivada, com o pretexto exclusivo de ulterior exploração abusiva do trabalho. A conduta se materializa por meio da restrição da liberdade de locomoção da vítima por qualquer meio, alcançando o enclausuramento e o confinamento. É reclamado, todavia, que a conduta seja perpetrada em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, não descaracterizando a infração a circunstância de ser o crédito legítimo. Ao lado disso, quadra anotar que o consentimento do ofendido se revela como irrelevante, posto que a situação de liberdade do homem constitua interesse preponderante do Estado.
No que se refere ao elemento subjetivo, é crime doloso em que se revela imprescindível a consciência do sujeito ativo de estar reduzindo outrem a um estado de submissão por uma das formas previstas no dispositivo. “Caso o fim da conduta seja o de criar, educar, corrigir ou proteger uma pessoa, não existirá o crime por ausência de dolo, caracterizando-se eventualmente o delito de maus-tratos ou outra infração quando houver excesso”[24]. Neste passo, a sujeição de alguém a outra pessoa, independentemente da vontade desta, não caracteriza o delito, por não restar substancializa a conduta típica, que é sempre comissiva.
4 Consumação e Tentativa
A conduta delituosa em apreço será considerada consumada quando o sujeito passivo passa ao domínio de outrem, por meio da supressão de sua liberdade de locomoção ou de sua vontade de não executar o trabalho que lhe é exigido. “Consuma-se o delito com a privação da liberdade da vítima, mediante as formas previstas pelo tipo do art. 149 do Código Penal ou com a sua sujeição a condições degradantes de trabalho”[25]. O crime disposto no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[26], que institui o Código Penal, é considerado como permanente, sendo que sua consumação se protrai no tempo, dependente da conduta do sujeito ativo. Ao lado disso, é permitida a autuação em flagrante delito enquanto durar a redução a condição análoga à de escravo. Ao lado disso, cuida destacar que o Ministro Gilson Dipp, ao relatoriar o Habeas Corpus N° 239.850/PA, firmou entendimento robusto que “o crime de redução a condição análoga à de escravo consuma-se com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear”[27].
Consoante já manifestaram Mirabete e Fabbrini, “não basta, entretanto, a sujeição meramente instantânea ou momentânea da vítima, sendo necessária uma certa duração do estado de submissão”[28]. A tentativa terá assento quando o sujeito ativo não obter o resultado de submissão à sua vontade, apesar das condutas praticadas. Rogério Greco[29] pondera que, em sendo uma conduta delituosa classificada, doutrinariamente, como plurissubsistente, é plenamente possível que ocorra a tentativa.
5 Cerceamento ao Trabalhador com o fim de retenção no local de trabalho
Em altos alaridos o §1° do artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[30], que institui o Código Penal, estabelece que, nas mesmas penas contidas no caput do dispositivo supra, incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho (inciso I); mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho (inciso II). É observável que o §1° estabelece outros meios específicos de que se pode valer o sujeito ativo para reduzir a vítima a condição análoga à de escravo. Para as formas insculpidas no dispositivo supra permanecem válidas as formas de condutas as considerações quanto à necessidade, para configuração do crime de um estado de submissão da vítima, em decorrência do qual se encontre privada da liberdade de locomoção, “não se caracterizando o delito, igualmente, por um único ato do agente, mas pela permanência, durante certo tempo, da condição cerceadora imposta ao trabalhador”[31]. Entretanto, a conduta que não atende aos pressupostos, pode materializar o rime de retenção de documentos.
6 Formas Qualificadas
O §2° do artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[32], que institui o Código Penal, prevê as formas qualificadas do delito, que determinam o aumento de pena da metade, se o crime for cometido contra criança ou adolescente (inciso I) ou, ainda, por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (inciso II). Na primeira situação, a causa de aumento de pena encontra como justificativa em razão da menor capacidade de resistência física e moral da vítima à dominação pelo agente, sendo imperiosa a adoção dos conceitos estabelecidos, no que concerne à criança e à adolescente, na Lei Nº 8.069, de 13 de Julho de 1990[33], que dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Da mesma forma, é puído o delito com pena mais grave se a motivação do agente decorre de preconceito racial ou de outra condição apresentada pela vítima e aludida no dispositivo.
7 Distinção
Para a substancialização da conduta delituosa em apreço, é exigido que a vítima seja reduzida a condição análoga à de escravo, sendo praticada a conduta por qualquer das formas prevista no dispositivo legal. Uma vez verificada a ausência de tal condição, a prática de uma dessas condutas pode dar ensejo a outro crime, como o de maus-tratos, constrangimento ilegal, sequestro ou cárcere privado, o de tortura, previsto na Lei N° 9.455, de 07 de Abril de 1997[34], que define os crimes de tortura e da outras providências. Cuida assinalar que o trabalho abusivo, no curso da execução da pena, pode configurar o delito de abuso de poder ou de abuso de autoridade. “Expor a perigo a integridade e saúde do idoso mediante a submissão a condições desumanas ou degradantes ou a sujeição a trabalho excessivo ou inadequado configura o delito previsto no art. 99 da Lei n° 10.741, de 1°.10.2003”[35]
8 Ação Penal
O tipo penal em testilha prevê cominação de pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência, tanto para as hipóteses arvoradas no caput, como também para as hipóteses elencadas na redação do §1°. A conduta delituosa insculpida no artigo 149 do Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940[36], que institui o Código Penal, materializa crime contra a liberdade pessoal, e não contra a organização do trabalho, e a competência para sua apuração é, em princípio, da Justiça comum estadual. Entrementes, em sendo substancializada violação grave aos direitos humanos, é admitido o deslocamento da competência para a Justiça Federal, por provocação do Procurador-Geral da República, com o escopo de assegurar o integral cumprimento das obrigações assumidas em tratados internacionais.
Neste sentido, inclusive, o Ministro Og Fernandes, ao apreciar o Conflito de Competência N° 63.320/SP, decidiu, com bastante clareza e proeminência, que “crime de redução a condição análoga à de escravo fere a dignidade da pessoa humana, bem como colocam em risco a manutenção da Previdência Social e as instituições trabalhistas, evidenciando a ocorrência de prejuízo a bens, serviços ou interesses da União”[37]. Em mesmo sentido, já se manifestou a Ministra Jane Silva, ao apreciar o Recurso Especial Nº. 930.831/DF, posicionou-se no sentido que “esta Corte já pacificou o entendimento de que, em atenção ao comando constitucional do artigo 109, VI, a competência para processamento e julgamento do crime de redução a condição análoga à de escravo é da Justiça Federal”[38]. Em alinho ao expendido, colacionam-se, ainda, os seguintes arestos que, de modo mais robusto, sustentam as ponderações estruturadas até o momento:
“Ementa: Processo Penal. Conflito de Competência Negativo. Aliciamento de trabalhadores. Redução a condição análoga à de escravo. Atentado contra a liberdade de trabalho. Crime contra direitos humanos. Art. 109, V-A, VI, da Constituição Federal. Competência da Justiça Federal. 1. Tratam-se de crimes de aliciamento de trabalhadores, redução a condição análoga à de escravo e atentado contra a liberdade de trabalho, cujo alvo não se limitava a determinado grupo de trabalhadores. 2. Inteligência dos comandos insertos no art. 109, V-A, VI, da Constituição Federal, no art. 10, VII, da Lei n. 5.060/66 e no Título IV, da Parte Especial do Código Penal. 3. Precedentes do STF e deste STJ. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal de Marabá, suscitado.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ Conflito de Competência 47.455/PA/ Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 26.09.2007/ Publicado no DJ em 22.11.2007, p. 183).
“Ementa: Recurso Especial. Art. 149 do Código Penal. Delito contra a organização do trabalho. Art. 109, inciso VI, da Constituição Federal. Competência da Justiça Federal. Divergência Jurisprudencial. Comprovada. 1. O acórdão recorrido diverge do atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que se firmou no sentido de que o crime de redução a condição análoga à de escravo por se enquadrar na categoria de delitos contra a organização do trabalho é de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ Recurso Especial 909.340/PA/ Relatora Ministra Laurita Vaz/ Julgado em 25.09.2007/ Publicado no DJ em 05.11.2007, p. 358).
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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