Resumo – Analisa-se o acesso à justiça na perspectiva do Estado Democrático de Direito, a fim de verificar e compreender o que se endente por acesso à justiça, direito de ação e direito de defesa, bem como traçar as relações existentes entre os conceitos, tendo por base estudos da doutrina jurídica pátria.
Palavras-chave: Acesso à justiça; direito de ação; direito de defesa; Estado Democrático de Direito.
Sumário: Introdução. 1. Acesso à justiça. 2. Direito de Ação. 3. Direito de defesa. 3.1. Conceito. 3.2. Direito de defesa e abuso de direito. 3.3. A obrigatoriedade do direito de defesa. 4. O acesso à justiça na perspectiva do Estado Democrático de Direito. 5. Direito de ação e de defesa como corolários do acesso à justiça. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Muito se fala em justiça; muito se estuda sobre justiça; muito se sente sobre justiça. Porém, não se trata de um conceito que pode ser facilmente definido. Trata-se de uma concepção com elevada carga de abstração e subjetivismo, o que por si só já exprime a complexidade de seu exame.
Estudiosos de várias áreas do conhecimento travam inúmeras batalhas acadêmicas na busca de um conceito de justiça. Filósofos se debruçam sobre o tema há séculos. Atribui-se à Grécia Antiga algumas das primeiras discussões filosóficas[1] sobre o tema.
“A Grécia Antiga foi o berço das primeiras discussões filosóficas sobre o direito que vieram a influenciar várias correntes no decorrer da história. Especificamente no que interessa ao tema proposto, foi naquela época que começou a tomar forma a expressão hoje conhecida como isonomia, e cuja concepção, somada a correntes filosóficas como a jusnaturalista, teria grande influência no futuro, no que concerne à questão dos direitos humanos”. (CARNEIRO, 2000, p. 04).
Diante disso, o tema “acesso à justiça” encontra dificuldades já na sua essência, isto é, no conceito do que seja a própria justiça, à qual se busca o acesso.
Não obstante, o princípio jurídico do acesso à justiça representa importante fator no que diz respeito à (qualidade da) tutela jurisdicional prestada pelo Estado, por intermédio do Poder Judiciário, no atual contexto do Estado Democrático de Direito. É o primeiro passo na obtenção da tutela estatal do direito lesado ou ameaçado de lesão (art., 5º, XXXV, CR).
No âmbito do direito, a evolução do conceito ora estudado passou por modificações consideráveis, especialmente sob um aspecto substancial relativo ao seu significado. Diante das dimensões do presente trabalho, limitar-se-á a tecer breves comentários tendo por base a realidade brasileira.
1. Acesso à justiça
Ao se falar sobre a prestação da tutela jurisdicional e sua efetividade, sobretudo no tocante à concretização dos direitos fundamentais, tema assaz estudado pelo direito contemporâneo, imperativo se torna a abordagem acerca do acesso à justiça, já que são conceitos que estão essencialmente interligados.
O entendimento sobre o que consistia o acesso à justiça, há até pouco tempo, compreendia uma conotação um tanto quanto parca e insuficiente, ao menos em relação ao atual cenário do direito contemporâneo, marcado por uma sociedade plural e complexa, carente pela concretização dos direitos assegurados aos seus membros.
Por conseguinte, surgiram propostas hermenêuticas com uma vertente voltada à interpretação e consequente aplicação eficiente e atual do direito, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Tais características se identificam com a proposta do neoconstitucionalismo, segundo o qual “o direito deve ser entendido dentro das respectivas relações de poder, sendo intolerável que, em nome da ‘vontade do legislador’, tudo que o Estado faça seja considerado legítimo”. (CAMBI, 2011, p. 37) [2].
A atuação do Estado, assim como a dos particulares, evoluiu no sentido de que deve pautar-se pelo respeito aos direitos fundamentais e à Constituição, norma fundamental de indispensável observância, e cujos efeitos são irradiantes para todo o ordenamento jurídico. E é sob essa orientação que se apresenta de extrema importância o tratamento do direito fundamental de acesso à justiça.
A despeito dessa conjuntura, interessa apontar as diferenças existentes entre os conceitos de acesso à justiça e acesso ao Judiciário, os quais, por serem expressões parecidas, eventualmente podem ser confundidos e/ou tratados como sinônimos.
Como ensina Portanova (2001, p. 112), a utilização da expressão “acesso à justiça” permite proceder a duas interpretações, levando, desta maneira, a dois sentidos:
“O primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.”
Assim, ao se considerar os vocábulos justiça e judiciário como sendo expressões equivalentes, dar-se-iam por satisfeitos os anseios do ideal acesso/alcance à justiça pelo simples (apesar de, muitas vezes, não ser tão simples assim…) acesso ao Poder Judiciário, por meio de uma ação judicial, por exemplo, sem se preocupar com os efeitos e deslindes deste procedimento.
Pouco importaria, seguindo esse entendimento, a preocupação em garantir um resultado prático à tutela jurisdicional. A devida observância dos direitos e garantias fundamentais, por intermédio de uma decisão justa, tempestiva e efetiva, poderia não ser fundamental para essa concepção puramente formal de acesso à justiça.
Bastaria o acesso aos tribunais, e a obtenção de uma sentença de mérito, sem se considerar os reflexos deste julgamento na vida real, isto é, suas consequências fora do “mundo jurídico”. Aliás, até pouco tempo era essa a concepção predominante[3].
Evidentemente que se trata de um entendimento um tanto quanto simplificado e pouco abrangente; isso porque, atribuir à expressão “acesso ao Judiciário” o mesmo valor e intensidade que apresenta a expressão “acesso à justiça” não condiz com a atual e desejada concepção do aludido princípio.
Consequentemente, como ressalta Portanova (2001, p. 112), “a formulação do princípio optou pela segunda significação. Justifica-se tanto por ser mais abrangente, como pelo fato de o acesso à justiça, enquanto princípio, inserir-se no movimento para a efetividade dos direitos sociais”.
Portanto, mesmo o pleno acesso ao Judiciário, por si só, não garante o efetivo acesso à justiça, ainda que o acesso à justiça muitas vezes compreenda e exija o efetivo acesso aos tribunais.
O ingresso ao Poder Judiciário importa o primeiro passo para que, por meio de um (devido) processo (legal), atento aos direitos e garantias processuais (e) fundamentais (contraditório, ampla defesa, decisões devidamente fundamentadas etc.), bem como à realidade social na qual se insere[4], se possa atingir o (mais próximo do) ideal de justiça.
Uma sentença de mérito, apenas, não é suficiente. O pronunciamento judicial necessita ser materialmente (e não apenas formalmente) adequado, efetivo e tempestivo, resultando em consequências reais e positivas na vida do cidadão que teve seus direitos, de qualquer forma, violados ou ameaçados. Somente desta maneira, então, será observado o princípio do acesso à justiça, na sua melhor concepção.
Ligados ao princípio jurídico do acesso à justiça, merecem abordagem os direitos de ação e de defesa, como será visto adiante.
2. Direito de ação
O exame do direito de ação será realizado na perspectiva dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, conforme o presente texto se propõe, razão pela qual não serão estudadas as teorias tradicionais acerca da ação (dentre as quais se destacam a teoria concreta, abstrata e eclética).
A partir de uma abordagem à luz da Constituição, o direito de ação é considerado um direito fundamental processual, destinado à proteção e concreção de todos os direitos. Da mesma forma, não se limita a ser uma garantia de abstenção estatal (consistente na não vedação do acesso à jurisdição), mas também compreende a necessidade de o Estado como um todo (e não apenas o Estado-juiz) realizar prestações positivas voltadas à sua concreta realização (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016, p. 173-174).
Como ensinam Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 175):
“O legislador tem o dever de instituir técnicas processuais que permitam ao cidadão exercer a ação de maneira efetiva. Ou melhor, o legislador tem o dever de dar ao cidadão as ferramentas que lhe permitam construir e utilizar a ação adequada e idônea à proteção do seu direito material. Isto evidencia que o direito fundamental de ação não se volta somente contra o Estado-juiz”.
A prestação da tutela jurisdicional pelo Estado quando da violação ou ameaça de lesão a direito, para ser efetiva, deve corresponder ao direito material violado ou ameaçado, chegando o mais próximo possível do estado anterior, ou seja, da não-lesão ou não-ameaça. Ou seja, é imprescindível “(…) a fiel identificação da tutela do direito pretendida pela parte. Vale dizer: é preciso em primeiro lugar olhar para o direito material a fim de saber-se qual a situação jurídica substancial que se pretende proteger judicialmente” (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016, p. 188).
E é justamente por intermédio do direito de ação que o indivíduo vai obrigar a jurisdição, mediante “técnicas processuais adequadas para a efetivação do direito material” (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016, p. 183), a concretizar seu direito.
Portanto, a ação consiste em direito fundamental necessário ao alcance da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.
3. Direito de defesa
O direito de defesa, assim como o direito de ação e o acesso à justiça, consiste em direito fundamental. A Constituição da República brasileira prevê, em seu artigo 5º, a segurança ao contraditório e à ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes, tanto nos processos judiciais como administrativos.
Trata-se a ampla defesa, portanto, de importantíssimo direito do jurisdicionado, tanto – e principalmente – ocupante do pólo passivo como, também, do pólo ativo do processo[5].
É o que se passa a examinar.
3.1. Conceito
Para que seja atribuído um conceito ao direito de defesa, convém recorrer ao ordenamento jurídico pátrio em busca da compreensão deste instituto. E parece adequado investigar aludido direito a partir de sua previsão constitucional.
Como já fora salientado, a Constituição da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 5º, inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Em uma primeira constatação, verifica-se tratar de um direito constitucionalmente previsto (dotado, pois, de constitucionalidade formal e material), e incluso no rol dos direitos e garantias fundamentais, assim como o direito de ação (MARINONI, 2007, p. 20). É garantia assegurada tanto nos processos judiciais como administrativos.
Também é possível perceber, pela análise desse dispositivo, que o direito fundamental à ampla defesa abrange os meios e recursos indispensáveis ao seu adequado e efetivo exercício.
Junto à previsão constitucional da ampla defesa, a Constituição garante o contraditório, assim entendido o direito conferido a ambas as partes de participarem (dimensão formal) e influírem (dimensão substancial) na decisão judicial. (DIDIER JR., 2010, p. 52).
“O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. O princípio do contraditório deve ser visto como exigência para o exercício democrático de um poder”. (DIDIER JR., 2010, p. 52).
Nota-se, pois, a conexão entre os princípios do contraditório e da ampla defesa, de modo que “a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. O contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa”. (DIDIER JR, 2010, p. 55).
Contraditório e ampla defesa não são conceitos idênticos, não são a mesma coisa. São, na realidade, complementares, sendo a defesa o fundamento do contraditório, o qual também é (direito) exercido pelo titular do direito de ação. (MARINONI, 2011, p. 319).
Diante disso, decorre também que a defesa, em que pese ser ampla, não é ilimitada. Porém, não pode ser limitada irracionalmente, eis que “há situações que a limitação é necessária para permitir a efetividade da tutela do direito” (MARINONI, 2011, p. 319), tal como ocorre nos casos de tutela de urgência, onde a defesa é postergada[6].
“A eventual restrição do direito de defesa, caso justificada racionalmente, não fere o direito constitucional de defesa. O que importa é evitar que a restrição da defesa, nessa ocasião, redunde em “prejuízo definitivo”, retirando do réu a oportunidade de exercer a defesa em fase posterior à decisão proferida no curso do processo ou mesmo através do exercício de ação autônoma”. (MARINONI, 2011, p. 319).
Preza-se, pois, por uma condição de equilíbrio no processo, entre ação e defesa, e não absoluta identidade. Pode-se dizer que isso corresponde à exteriorização do princípio da isonomia na relação entre direito de ação e de defesa.
Como já ressaltado, vale relembrar que ampla não é sinônimo de ilimitada. A ampla defesa, assim como ocorre com o direito de ação, deve ser racionalmente distribuída de modo que possa conferir ao jurisdicionado (no caso de processo judicial) a condição de efetivamente participar e influir sobre a decisão, opondo suas razões e viabilizando o seu acesso à justiça.
“Ter ampla defesa não é, evidentemente, possuir uma possibilidade de defesa que supere o limite da dimensão de participação que se deve dar ao réu para que ele possa efetivamente influir sobre o juízo e evitar que a sua esfera jurídica seja invadida de forma não adequada ou necessária. Por ampla defesa se deve entender o conteúdo de defesa necessário para que o réu possa se opor à pretensão de tutela do direito (à sentença de procedência) e à utilização de meio executivo inadequado ou excessivamente gravoso”. (MARINONI, 2011, p. 318).
Com isso, outro tema merece atenção, qual seja, o do abuso do direito de defesa.
3.2. Direito de defesa e abuso de direito
Dentre as breves conclusões que podem ser aduzidas do presente trabalho, até o momento, sucede que não se deve confundir o pleno exercício da defesa com o uso abusivo desse direito.
O direito de defesa deve ser exercido de modo racional e equilibrado, de sorte que não extrapole seus limites e fira o direito do autor. (MARINONI, 2007, p. 20). Cabe aos sujeitos do processo, pois, o emprego de “técnicas adequadas à realização concreta dos direitos fundamentais à tutela efetiva e à duração razoável do processo” (MARINONI, 2007, p. 22); isso porque, como é sabido, “a demora do processo sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem”. (MARINONI, 2007, p. 25).
O abuso do direito de defesa, assim como o dos demais direitos, pode ser examinado sob a perspectiva do direito civil[7], ou seja, pode ser encarado como ato ilícito (vide artigo 187, do Código Civil), passível de indenização ao lesado. Como ressalta Theodoro Júnior (2001, p. 20):
“O uso abusivo do direito, isto é, aquele feito com desvio de sua função natural, para transformar-se em veículo do único propósito de lesar outrem, equipara-se a ato ilícito e, como tal, enquadra-se na hipótese prevista no art. 159[8], do Código Civil, acarretando para o agente o dever de reparar integralmente o prejuízo injustamente imposto ao ofendido”.
Nem sempre o titular do direito de defesa o utilizará com vistas à sua desejada finalidade. Muitas vezes, ele poderá ser usado mascaradamente com o evidente objetivo de protelar, a fim de manter o bem da vida, objeto do litígio, integrado ao seu patrimônio, mesmo sem razão, pelo maior tempo possível, em prejuízo do autor que tem razão. E o processo, lamentavelmente, pode contribuir com essa malsinada prática lesiva. (MARINONI, 2007, p. 26).
Por razões como essa, há punições processuais para o abuso do direito de defesa, como é o caso das penalidades impostas ao litigante de má-fé. Entretanto, não há de se confundir o abuso do direito de defesa com a litigância de má-fé.
A litigância de má-fé pode ocorrer a partir do uso abusivo desse direito, e o conteúdo do artigo 80, do Código de Processo Civil[9], pode contribuir para sua constatação.
“Frise-se que não é possível confundir abuso de direito de defesa com litigância de má-fé. Para efeito de tutela antecipatória, é possível extrair do art. 17 do CPC[10] alguns elementos que podem colaborar para a caracterização do abuso de direito de defesa. Mas isto não significa que as hipóteses do art. 17 possam servir de guia para a compreensão da tutela antecipada fundada em abuso de direito de defesa”. (MARINONI, 2007, p. 46).
Assim, até o momento, sucede que não se pode confundir o pleno exercício da defesa com o uso abusivo desse direito.
3.3. A obrigatoriedade do direito de defesa
Em que pese se tratar de direito fundamental, no processo civil o direito de defesa não é obrigatório. É – e deve sempre ser[12] – oportunizado. Todavia, o réu não pode ser obrigado a se defender; não se trata de um de seus deveres.
A regra do art. 344, CPC, segundo a qual “se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”, não obstante comportar exceções, indica que a defesa não é obrigatória no âmbito do processo civil. Como constata Marinoni (2011, p. 325)[13]:
“A defesa, no processo civil, é apenas oportunizada, não sendo obrigatória. O réu não possui o dever de apresentar defesa. O art. 285, segunda parte, afirma que “do mandado constará que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor”. E os arts. 223, caput, 225, II, e 232, V, dizem que a comunicação de citação pelo correio, o mandado de citação por oficial de justiça e o edital de citação devem fazer a “advertência a que se refere o art. 285, segunda parte”. Tais regras tem base no art. 319, que estabelece que, “se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”.
Apesar de não corresponder a um dever, o direito de defesa não pode ser tratado com negligência, sob pena de sérios riscos aos (demais) direitos do demandado.
Eventual alegação de que a ausência de citação do réu – ou seja, a falta de lhe conferir oportunidade de se defender ou, ao menos, de optar por não se defender, tendo em vista que a citação corresponde ao “ato processual de comunicação ao sujeito passivo da relação jurídica de direito processual (réu ou interessado) de que em face dele foi proposta uma demanda, a fim de que possa, querendo, vir a defender-se ou manifestar-se” (DIDIER JR., 2010, p. 477) – não lhe traz prejuízos não aparenta adequada. Partilhando desse mesmo entendimento, ou seja, de que a simples falta de contestação não isenta o réu de ônus, Marinoni (2011, p. 326) é assente ao afirmar que:
“É certo que, diante de tal contexto, seria possível argumentar que o réu que não contesta não sofre sequer ônus. Mas não é bem assim. A não apresentação de contestação retira do réu a principal oportunidade de oferecer ao juiz os argumentos de defesa. Só por isso não é razoável pensar que o réu nada sofre ao não contestar.”
O direito de defesa, portanto, deve ser sempre conferido ao réu, como expressão do caráter democrático do processo. Deve-lhe ser atribuído o direito de participar do processo, de ser ouvido, de influenciar no julgamento que também lhe afetará. Ou, ainda, por não ser obrigatório no processo civil, de optar por não exercê-lo.
4. O acesso à justiça na perspectiva do Estado Democrático de Direito
Inicialmente, importa a análise do princípio do acesso à justiça sob a perspectiva do novo constitucionalismo, pautado pela supremacia da constituição e dos direitos fundamentais, voltados para a plena realização do ser humano.
O Estado, por intermédio de seus órgãos, e pelos instrumentos por ele utilizados, deve estar voltado à justiça; ela mesma, fácil de sentir e difícil de conceituar. E a Constituição nos dá algumas pistas, tanto substanciais como procedimentais, para sua construção.
Primeiro, vem a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR). Todo ser humano deve ser tratado com dignidade. Isso se dá, dentre outros, por intermédio da liberdade e da solidariedade (art. 3º, I, CR) entre os cidadãos (art. 1º, II, CR), pelo desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CR), pela erradicação da pobreza e da marginalização, com a conseqüente redução das desigualdades (art. 3º, III, CR), e pela promoção do bem comum, pautado na tolerância e na harmonia social (Preâmbulo e art. 3º, IV, CR). Parece utopia? Pode ser. Mas, como ensina Eduardo Galeano, a utopia serve para nos fazer caminhar.
No plano processual, e consequentemente no tocante ao acesso à justiça, sem desviar a atenção dos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil acima esboçados, a Constituição prevê a inafastabilidade da jurisdição quando da lesão ou mesmo ameaça de lesão a direito (art. 5º, inc. XXXV, CR).
Não obstante, e se necessário ao acesso à justiça, ao Estado incumbe prestar assistência jurídica (que engloba tanto o plano judicial como também o extrajudicial) integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inc. LXXIV, CR).
Ao Judiciário cabe, portanto, a prestação da tutela jurisdicional, que deve ser procedida mediante um devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, CR), o qual pressupõe a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inc. LV, CR) e uma razoável duração de seu trâmite (art. 5º, inc. LXXVIII, CR). Seus julgamentos devem ser públicos e suas decisões devidamente motivadas (art. 93, inc. IX, CR), sob pena de nulidade do ato jurisdicional (PEREIRA, 2015, p. 148).
Tudo isso, em respeito ao Estado Democrático de Direito[11].
5. Direito de ação e de defesa como corolários do acesso à justiça.
A evolução do presente trabalho permite chegar à conclusão de que há manifesta sintonia entre o acesso à justiça, o direito de ação e o direito de defesa, eis que estes últimos decorrem daquele.
O direito de defesa e o direito de ação são corolários do acesso à justiça. O princípio democrático impõe haja diálogo entre as partes do processo. Ao se exercer o direito de ação em face de alguém, esse alguém exercerá seu direito de defesa, a fim de também participar e influir na decisão final – o que fundamenta o contraditório. Ambos, portanto, praticando o seu direito de acesso à justiça.
Assim, acesso à justiça consiste em princípio informativo tanto da ação como da defesa, “na perspectiva de se colocar o Poder Judiciário como local onde todos os cidadãos podem fazer valer seus direitos individuais e sociais”. (PORTANOVA, 2001, p. 113).
“Isso porque a questão do acesso à justiça se originou da necessidade de integrar as liberdades clássicas, inclusive as de natureza processual, como os direitos sociais. O direito de acesso à jurisdição – visto como direito do autor e do réu – é um direito à utilização de uma prestação estatal imprescindível para a efetiva participação do cidadão na vida social, e assim não pode ser visto como um direito formal e abstrato – ou como um simples direito de propor a ação e de apresentar defesa –, indiferente aos obstáculos sociais que possam inviabilizar o seu efetivo exercício”. (MARINONI, 2011, p. 316).
O acesso aos tribunais não poder oferecer obstáculos econômicos e sociais de modo a impedir o acesso à jurisdição – e à justiça –, “já que isso negaria o direito de usufruir de uma prestação social indispensável para o cidadão viver harmonicamente na sociedade”. (MARINONI, 2011, p. 316), e implicaria na legitimidade da decisão prolatada.
Além disso, o processo não se restringe a ser apenas um meio de se assegurar o cumprimento das garantias fundamentais (contraditório, ampla defesa etc.). É mais que isso. O processo é mecanismo de transformação social, de minimização das desigualdades e da exclusão. A jurisdição, assim como as demais funções do Estado, objetiva promover a justiça social. (PAULA, 2002, p. 207).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Optou-se por apresentar meras considerações finais ao presente artigo, como forma de impor um fecho ao assunto ora abordado. Isso porque, a bem dizer, as conclusões obtidas já foram expostas no item anterior.
Ademais, tendo em vista a importância do tema, não se pretendeu esgota-lo, tampouco considerar como suficientes os pontos de vista aqui apresentados. São necessários mais estudos e discussões, a fim de que se possa, cada vez mais, aperfeiçoar o tão importante acesso à justiça.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília UNIVEM; Pós-graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina UEL; Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília UNIVEM; Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina UEL; Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília UNIVEM
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