O amparo legal ao direito dos animais e seu combate ao crime de maus tratos no cenário pandêmico de covid-19: um olhar acerca da lei n° 14.064/2020

Cairilayne Danielly Souto Batista – Discente do curso de Direito do Iles Ulbra.  Email: cahsoutoo@gmail.com

Orientador: Prof. Jaquiel Robimson Hammes da Fonseca

Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso se pauta na problemática no acontecimento do aumento exorbitante acerca dos maus tratos aos animais no cenário pandêmico de covid-19 e sua eficácia acerca dos meios jurídicos dos animais no Brasil. Pretende-se analisar os direitos dos animais sencientes, seu impacto no ordenamento jurídico vigente, sob a Lei n. 14.064 de 2020 e sua evolução no combate aos maus tratos de animais durante a pandemia de covid-19. Para tanto, a metodologia escolhida irá se constituir a partir de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa e método indutivo, através de levantamentos bibliográficos, como doutrinas clássicas do Direito Animal, sendo o autor principal objeto de estudo Tom Regan e sua defesa á senciência. Por fim, conclui-se que o embasamento ao feito mais louvável quanto à proteção dos animais atualmente, seja ela a lei sansão (n° 14.064/20), é possível constatar-se nela a eficácia jurídica na proteção dos direitos dos animais, cujo mudou a visão e a forma de tratamento aos animais sencientes.

Palavra-chave: Covid-19. Direito dos animais. Maus tratos. Senciente. Lei Sansão.

 

Abstract: The present end-of-course paper is based on the event of the exorbitant increase of animal abuse in the pandemic scenario of covid-19 and its ineffectiveness on the judicial means of animal in Brazil. It is intended to analyze the rights of sentient animals, its impact on the current legal system, under Law n. 14.064 of 2020 and its evolution in the fight against animal mistreatment during the covid-19 pandemic. To this end, the chosen methodology will constitute from a descriptive research, with qualitative approach and inductive method, through bibliographic surveys, as classical doctrines of Animal Law, being the main author object of study Tom Regan and his defense to speciesism. Finally, it is concluded that the basis for the most praiseworthy achievement as to the protection of animals currently, be it the sanction law (No. 14.064/20), it is possible to see in it the legal effectiveness in the protection of animal rights, which changed the view and the form of treatment to sentient animals.

Keywords:   Covid-19.    Animal    rights.    Mistreatment.    Sentient.    Sansão    Law

 

Sumário: Introdução. 1. A contextualização do direito dos animais, de tom regan à constituição federal de 1998. 2. A lei n° 14.064 de 2020 e sua aplicação direta no tocante à evolução dos animais em sua personificação como seres sencientes de direito. 3. A eficácia no ordenamento jurídico brasileiro acerca da proteção aos animais e o crescimento de maus tratos no cenário pandêmico. Considerações finais. Referências bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso trata de expor o problema científico jurídico, seja ele, o aumento exorbitante acerca dos maus tratos aos animais no cenário pandêmico de covid-19 e sua eficácia acerca dos meios jurídicos dos animais no Brasil.

A proteção aos animais se encontra em um estado de evolução, porém sabe-se que seu início foi de grande turbulência e lutas. Durante anos os animais foram tratados com descaso e vistos como uma espécie inferior aos demais.

A forma desumana e a falta de amparo legal no que tange a exploração de seus recursos naturais, era nítida, anti-ética e desonesta, eram vistos somente como produtos para satisfazer o ser humano, seja ele na área alimentícia, como carnes e peixes, ou em área de produtos domésticos, usando-os como experimentos, o qual permeia durante anos.

Assim, e sob esta perspetiva vem se consolidando discursos ativistas, através de autores renomados na seara académica, cujo defendem o animal como sujeito de direitos por serem seres sencientes, o caso do cientista autor Tom Regan, o qual será de suma relevância ao desdobramento do artigo científico.

Defesa esta que faz consigo correlação ao problema jurídico científico estudado neste artigo, seja ele o aumento exorbitante acerca dos maus tratos aos animais no cenário pandêmico de covid-19 e sua eficácia acerca dos meios jurídicos dos animais no Brasil.

Portanto, levando em consideração a problemática, é possível constatar a eficácia jurídica na proteção dos direitos dos animais a partir da teoria científica de Tom Regan juntamente com o ordenamento jurídico vigente? Estão eles amparados e protegidos efetivamente na atualidade?

Infelizmente, averiguou-se um crescimento significativo ao crime de maus tratos de animais durante esta época de crise sanitária e humanitária no cenário pandêmico covid-19, no Brasil. É o que aponta o dado retirado ao (DEPA) Delegacia Eletrônica de Proteção Animal.

Diante do exposto, surgiu-se a seguinte hipótese, é possível constatar a eficácia jurídica na proteção dos direitos dos animais, se baseando na teoria científica de Tom Regan e no ordenamento jurídico vigente.

Ante a relevância e atualidade do tema, tem por objetivo geral, analisar os direitos dos animais sencientes, seu impacto no ordenamento jurídico vigente, sob a Lei n. 14.064 de 2020 e sua evolução no combate aos maus tratos de animais durante a pandemia de covid-19.

Sendo ele subdividido em capítulos, visando primeiramente contextualizar a defesa do direito dos animais, sob a égide de autores base como Tom Regan e Peter Singer aos dias atuais.

Logo após, alertar acerca do crescimento dos maus tratos e abandono de animais durante a pandemia de covid-19 no Brasil, realidade esta constatada através de dados, artigos jurídicos e pesquisas retiradas de jornais online.

E por fim, concluir, com base nos levantamentos teóricos científicos de animais sencientes, sua eficácia jurídica na proteção dos direitos dos animais, se baseando na teoria científica de Tom Regan e no ordenamento jurídico vigente.

A metodologia escolhida irá se constituir a partir de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa e método indutivo, através de levantamentos bibliográficos com perspectivas de autores juristas, ressaltando seu viés doutrinário no que tange as defesas ao grupo de animais como sujeitos detentores de direitos.

Juntamente com a extração de leis infraconstitucionais, destarte o ordenamento jurídico brasileiro acerca dos direitos dos animais, bem como o levantamento de artigos, teses e dissertações científicas jurídicas disponíveis na Internet e devidamente identificadas nas referências.

 

1.    A CONTEXTUALIZAÇÃO DO DIREITO DOS ANIMAIS, DE TOM REGAN À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1998

Desde os primórdios, o homem procurou estabelecer uma relação de dominação com as demais espécies, considerando os animais como criaturas desprovidas de raciocínio ou intelecto, usavam-se, portanto, como argumento para práticas de atos de atrocidades a este grupo de seres vulneráveis.

No cerne deste cenário, há uma explicação histórica ao que diz respeito o discurso antropocêntrico, cujo preconiza o protagonismo do homem em detrimento dos demais seres, considerando os seres animais desprovidos de direitos e sentidos, sendo somente um objeto de exploração para o homem.

O sistema jurídico, geralmente ignora a relação humano-animal e os casos de maus-tratos e outros tipos de delitos contra os animais são frequentemente banalizados e tratados como crimes de penalidades menores, e independentes dos delitos contra as pessoas (RANDALL, 2008; ARKOW, 2020).

Comumente, o tratamento injusto se justificava, pois, os animais não seriam racionais. No entanto, o argumento é falho, uma vez   que os animais são seres sencientes, capazes de sentir e perceber, como a espécie humana.

Discurso este defendido pelo Cientista Tom Regan, em suas obras de grande prestígio e conhecidas internacionalmente, Animal Rights Human Obligation e The Case for Animal Rights, o qual far-se-á apontamentos e recortes breves destas obras.

A senciência animal, alegado por Regan, diz respeito as experiências de dor e de prazer do ser, de conforto e de bem-estar, de sofrimento e de felicidade, em sumo é a capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.

Desse modo, a defesa de um grupo de seres não humanos inferiorizados e explorados como personalidade autônoma sui generis, visto serem dotados de percepção e sensação, e por isso, têm direito à integridade física, direito à vida, à liberdade, etc, em sumo, o direito a ser tratado com respeito, não se deve parar na espécie humana. (REGAN, 2010).

Para Regan, todos os seres sencientes, independente de sua espécie, sendo seres vivos dotados de sensibilidade, sem exceção, têm vivências que, tornam-se tanto mais insuportáveis, quanto maior for o número de experiências dolorosas, ou mais intensas o sofrer.

O que é o caso dos animais sencientes e suas vivências de maus tratos, por serem seres indefesos, apesar de obterem sentidos sensoriais.

O primeiro atributo compartilhado por todo ser senciente, é possuir consciência ou uma vida mental. E alguns animais sencientes se assemelham aos seres humanos, no que diz respeito a casos sensoriais.

O que de certa forma lhe implicam, conseguintemente certos direitos, por se igualar aos humanos no quesito sensorial. Nas palavras de Regan:

Eles trazem o mistério de uma presença unificada psicológica para o mundo. Como nós, eles possuem uma pluralidade de capacidades sensorial, cognitiva, conativa e volitiva. Eles enxergam e ouvem, acreditam e desejam, lembram e preveem, planejam e pretendem. Mais do que isso, o que acontece com eles, lhes importa. Prazer e dor física – isso eles compartilham conosco. Além de medo e contentamento, raiva e solidão, frustração e satisfação, astúcia e imprudência. Estes e uma série de outros estados psicológicos e disposições

coletivamente ajudam a definir o estado mental e relativo bem-estar daqueles (na minha terminologia) sujeitos-de- uma-vida que conhecemos melhor como guaxinins e coelhos, castores e bisões, esquilos e os chimpanzés, você e eu. (REGAN, 2004, p. xvi).

 

Diante do exposto, percebe-se que para os seres vivos capazes de tal distinção, ainda que sua capacidade seja específica e não acessível a sujeitos de outras espécies vivas, sua vida se constitui em um valor inestimável, por ser detentor de reações sensoriais, sendo ele um ser senciente, e, portanto, devem ser igualados, de certa forma específica sensorial, aos humanos.

Sobre esse aspecto, Bentham (1989, p. 63) assenta que “o problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se eles falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer?” .

Tais sujeitos devem ser incluídos na comunidade moral humana, e amparados judicialmente, sob pena de sermos incoerentes e desumanos.

Conforme anota Regan (2010), sua defesa não se trata de conferir aos animais toda a igualdade de direitos concedidos aos seres humanos, o qual seria inviável.

O que se pauta é a defesa dos grupos de seres não humanos explorados e cientes como personalidade autônoma sui generis, visto serem dotados de percepção e sensação, e por isso, serem detentores a determinados direitos, como por exemplo, à integridade física, direito à vida, à liberdade, assim, o direito a ser tratado com respeito, não se deve parar na espécie humana.

Vêm sendo discutido, felizmente, no quesito global por grande parte da sociedade sobre os direitos dos animais, haja vista o crescente aumento dos maus tratos do homem com este grupo de seres vulneráveis e inertes de direitos, além da notável mobilização da mídia, o qual fora imprescindível para a iniciativa jurídica acerca do amparo legal aos direitos dos animais.

O maior marco de proteção animal, internacional, ocorreu em 1978 com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO no dia 27 de janeiro de 1978, em Bruxelas, Bélgica.

Nele houve a estipulação da necessidade de respeito aos animais, a proibição a qualquer tipo de maus tratos, proibindo o uso de animais em experiências, exploração e o abandono, dentre inúmeros outros direitos (SOUSA, 2020).

A referida declaração universal é composta por 14 artigos que reforçam o

entendimento de que os animais possuem direito a uma vida digna. Para isso,

impõem ao homem o dever de proteger e cuidar dos animais, sobretudo dos que estão em seu convívio.

Conforme anota em seu Art. 1° “Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência”.

Importante salientar também o art. 4° da declaração supramencionada, vez que, a mesma faz correlação indireta no que tange á senciência, objeto de estudo deste artigo.

Nesse contexto:

 

Art. 4º 1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. 2. toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

 

Assim sendo, resulta-se a necessidade de aprofundar juridicamente tais direitos, para Regan, é imprescindível a admissibilidade do meio judicial como via de uma solução palpável e real, no que se trata à defesa de direitos dos animais sencientes.

Devendo, tais projetos e leis infraconstitucionais dispor em consideração, em seu viés, os seres animais como detentores de direitos com base no estudo da “senciência animal”.

A capacidade de sofrer e ter satisfação, denominada de “senciência‟ é portanto, para o autor, um pré-requisito para que este determinado grupo de seres não humanos, possam ser detentores de direitos (SINGER, 2010).

No Brasil, a defesa de direitos dos animais se instituiu, primeiramente, através da Constituição Federal de 1988. A inovação que trouxe a tutela constitucional aos animais encontra-se consignada no artigo 225, §1º, inciso VII. Fundamento legal este que inovou quando impôs ao Estado a proteção dos animais contra a crueldade e maus-tratos.

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: […]

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

 

É imperioso consignar que, esta tutela constitucional mencionada, consubstanciou uma proteção específica aos animais, dispondo que “todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservar para as presentes e futuras gerações”.

Portanto, coibir atos cruéis contra animais é dever do Estado previsto não apenas na lei ambiental, mas, sobretudo na Constituição Federal no seu art. 225, VII, Parágrafo 1°.

Cabe alertar que, aquele que causar sofrimento a um animal lhe fazendo

de alguma forma, sofrer por maus tratos, infringe a Constituição Federal e incorrerá em delito previsto no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 (MÓL, 2016). Sendo de objeto para o próximo capítulo a alteração legislativa desta norma infraconstitucional.

 

Gomes e Chalfun (2010) afirmam que:

No Brasil, a maior inovação adveio com a Constituição Federal de 1988, dedicando capítulo inteiro ao meio ambiente, e considerando em seu artigo 225 o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, e em seu parágrafo 1º inciso VII, proteção aos animais, dando-lhes natureza difusa e coletiva, portanto bem sócio-ambiental de toda a humanidade, com imperativo moral que demonstra preocupação ética de vedar práticas cruéis contra os animais. Assim o direito conferido aos animais, torna-se dever do homem e verdadeiro exercício de cidadania.                (2010. Disponível em

<http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/ mery_chalfun.pdf>. Acesso em 20 de setembro de 2021).

 

 

Não obstante, no mesmo ano foi elaborada e sancionada a Lei nº 9.605 de 1988, mais conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”, cujo objetivo foi estabelecer sanções tanto penais como administrativas contra as condutas lesivas ao meio ambiente.

Haja vista que com o aumento da era industrial e tecnológica, houve um aumento significativo acerca dos crimes ambientais, problema que tornou-se crônico, e que optou-se por meios judiciais como uma via de solução para amenizar tais crimes.

A lei, portanto, é necessária em casos onde a sociedade se depara com atos condenáveis que não devem ser admitidos, seja pela ética ou pela moral. Essa relação entre repulsa social gerada e sua inclusão ao ordenamento jurídico evolui tempestivamente. As leis, naturalmente, acabam acompanhando esse processo, normatizando essas novas situações (MÓL E VENÂNCIO, 2015).

Esse viés legalista traz consigo apontamentos acerca da referida Lei Ambiental, o qual se constitui através do intuito que visa extinguir, ou ao menos, amenizar infrações ambientais, de forma legalista e punitivista.

A referida lei estabelece inúmeras sanções para cada ato ilegal ao meio ambiente, partindo da premissa da gravidade do ato, da situação económica do réu e antecedentes criminais.

No entanto, a lei estabeleceu em seus artigos sanções brandas para aqueles que praticarem crimes contra a fauna, sendo a maioria penas de detenção. Os crimes contra o meio ambiente eram, portanto, antes da Lei n° 14.064/2020, crimes de menor potencial ofensivo.

Causar sofrimento ao animal como privação de alimentos, mutilação, agressão com violência, essa detenção era vista aos olhares de juristas como irrisória, vez que, era incapaz de punir corretamente o infrator, resolvendo-se em geral, em uma multa e cesta básica para o infrator. (FROTA, 2020).

Portanto, vê-se que é imprescindível que haja um reconhecimento jurídico por parte do estado em assegurar os animais como sujeitos de direitos, visto que são seres sencientes, que embora não possuam a capacidade de racionar, são capazes de sentir, amar e sofrer.

 

2.    A LEI N° 14.064 DE 2020 E SUA APLICAÇÃO DIRETA NO TOCANTE À EVOLUÇÃO DOS ANIMAIS EM SUA PERSONIFICAÇÃO COMO SERES SENCIENTES DE DIREITO

Rememore-se que, antigamente, segundo a legislação brasileira, no que corresponde ao status do animal, mister recordar-se que eram estes classificados como bens.

No ordenamento jurídico brasileiro, antigamente, quando se tratava de casos jurisprudenciais, era comum o tratamento de “coisificação” dos animais, decisões estas que eram justificadas legalmente através do Código Civil de 2002, onde era feita aplicação de interpretação doutrinária extensiva acerca do art. 82, interpretando-os como coisas, e portanto sendo-os julgados de tal forma. (TJDFT , 2015).

Pois os classificavam como bem móveis e bens semoventes, com a mesma disciplina jurídica dos bens móveis e com a aplicação das regras correspondentes aos mesmos. Notem:

Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (BRASIL, 2002).

 

O art. 82 do Código Civil estabelece a subjugação dos animais aos interesses humanos no ordenamento jurídico pátrio, que por seu turno sofreu forte influência do direito romano, que considerava os animais como bens, uma propriedade do ser humano (MACHADO, 2005).

Felizmente, a lei está sempre em constantes mudanças para atender as necessidades da sociedade, diante desse contexto de evolução, a lei se adequa a futuras transformações culturais e econômicas para acompanhar os avanços sociais. O que antigamente não era visto como um ato infrator e repugnante para sociedade, hoje em dia é pauta de indignação e revolta social, um exemplo atual, diz

respeito ao tratamento do grupo de seres animais.

No dia 29 de setembro de 2020 foi sancionada a Lei 14.064 pela Presidência da República e publicada no Diário Oficial da União. A referida lei visa à natureza jurídica sui generis dos animais domésticos, cujo fundamenta uma qualificadora acerca da penalidade ao infrator que maltratar cães e gatos (art. 32, Parágrafo § 1º-A).

A lei ficou conhecida publicamente como “Lei Sansão”, em homenagem ao cão da raça pitbull, chamado Sansão, que fora agredido, amordaçado com arames farpados no focinho e suas patas traseiras decepadas, práticas de tortura animal que acarretou grande comoção da mídia.

A proposta original se refere ao projeto de Lei (PL) 1.095/2019, defendida pelo deputado Fred Costa do partido Patriota-MG, o qual apresentou como embasamento em todo seu projeto, a defesa dos seres sencientes, nela abrangia todas as espécies animais. No entanto, houve a rejeição das Emendas nºs 1°, 2° e 3°.

Seu intuito era acrescentar um parágrafo com natureza qualificadora no art. 32 da lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 2018). Mister observar, o art. 32, caput.

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

 

Já o parágrafo acrescentado (art. 32,§ 1º-A), pela novel faz jus ao sofrimento animal hodiernamente e sua aplicação sob a matéria da senciência, cujo impõe de forma pragmática no tratamento dos animais sua descoisificação, ficando portanto, revogado tacitamente o art. 82 do Código Civil, no que diz respeito a subjugação dos animais.

Diante do exposto, observa-se que a norma trouxe consigo um tipo qualificado, alterando, portanto, as penas mínima e máxima do tipo fundamental, que passaram a ser de dois e cinco anos, respectivamente, com multa e proibição de guarda.

Ao que diz respeito aos trâmites finais do projeto de lei, vê-se uma mudança significativa, a criação de um item específico para cães e gatos, abarcando somente os animais domésticos.

As críticas apontam que, o desígnio inicial do reconhecimento da senciência para todo e qualquer animal foi desvirtuado.

Mesmo que seja notória a presença de demais espécies de animais sujeitas a maus-tratos nas residências, como aves, roedores, cavalos de carga na área rural, entre outros, percebe-se que essa exclusão de espécies foram feitas com o intuito de lograr com êxito sua aprovação no plenário. O discurso acerca da senciência, passou a ser eletivo na votação do plenário.

As justificativas dadas pelos parlamentares   foram   que, dever-se-á focar a lei apenas aos gatos e cães, por se tratar de um número preponderante de animais domesticados na casa dos brasileiros.

Pois são elas as principais vítimas, em torno de 90% de denúncias nas delegacias brasileiras abarcando violência aos animais, se enquadram à eles.

Assim, está-se a elaborar um consenso de que, os animais merecem estar livres de danos e exploração. Aliás, mister reposicionar esta afirmação dentro da lógica darwiniana para que não sobejem dúvidas: a vulnerabilidade animal é também, nossa vulnerabilidade (BEKOFF, 2016).

Ainda que a nova lei não abrange todos os grupos de espécies de animais, como fora proposta inicial, é importante enfatizar que, certamente, se trata de um avanço nos direitos para a causa animal, enfatizando-se à defesa de animais sencientes, de Regan.

Desse modo, o seu diferencial se pauta no fato de sua penalidade ser uma qualificadora do tipo fundamental, sendo ela mais rigorosa, consequentemente perdendo a natureza de um crime de menor potencial ofensivo.

O que antigamente era julgado pela justiça brasileira como detenção de regime aberto ou semiaberto e multa, hoje, com a vigoração desta lei supramencionada, será julgada com pena de reclusão.

Estar-se-á a buscar Justiça para aqueles mais vulneráveis, animais humanos e não humanos: “(…) fortunately, recognizing the needs of animals does not minimize who we are as people”. (BEKOFF, 2016).

Outro diferencial acerca da lei é sua natureza punitivista, o legislador visou formas para punir o infrator, sem deixar demasiadas brechas ou benefícios pelos quais ele estará impedido de usufruir, conforme anota o Código de Processo Penal.

Uns dos casos se referem acerca da exclusão de benefícios como a composição civil dos danos e a transação penal e a suspensão condicional do processo, cujo pode ser aplicada a crimes de médio potencial ofensivo, todavia, exigindo que a pena mínima atribuída ao tipo seja de um ano.

Assim sendo, é notória a implicação de caráter punitivista no ordenamento jurídico, como forma de amenizar e punir tais infratores.

Hoje, o indivíduo que é pego praticando qualquer tipo de maus-tratos é preso em flagrante, conduzido à delegacia e o delegado não pode arbitrar a fiança. Já tivemos casos em que a prisão em flagrante por crimes de maus-tratos foi convertida em prisão preventiva.

Temos muito mais ferramentas para trabalhar do que tínhamos antes do advento da lei sansão, relata o delegado Bruno De Lima (PASQUINI, 2021).

Portanto, deve-se classificar a lei n° 14.064 de 2020 como um marco histórico no âmbito jurídico e uma vitória para os defensores de causas animais.

Esta considerável evolução judicial, vem consolidando seus efeitos práticos, já constam seus desdobramentos no dia-a-dia, um exemplo é o aumento de demandas judiciais, sendo o animal parte do processo, como sujeito personificado de direitos, seus direitos essenciais protegidos, na forma de lei. Animais representados em ações civis públicas pelo Ministério Público na seara criminal e também em ações civis de direito de família no que tange discussão da guarda, entre outros.

É evidente a evolução do movimento em prol dos direitos dos animais, daí, revelar-se acertadamente que a justiça animal é o movimento social do nosso tempo.

 

3.   A EFICÁCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ACERCA DA PROTEÇÃO AOS ANIMAIS E O CRESCIMENTO DE MAUS TRATOS NO CENÁRIO PANDÊMICO

Acerca da previsão de punições brandas existentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro contra maus tratos aos animais, destaca-se que, até setembro de 2020, eram considerados crimes de menor potencial ofensivo, conforme anotava-se na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605), art.32, caput, com pena de detenção, de três meses a um ano, e multa.

Portanto a eficácia nas penalidades aos infratores se constituia de maneira corretiva, vez que a aplicação de multa, nesses casos, se manifestava de forma bonançosa, sendo incapaz de dar o caráter imperativo normativo, o qual era necessário.

Far-se-á, neste momento, uma observação no que tange ao amparo legal em sua tutela de força constitucional aos animais, abrangendo tanto a fauna e a flora. Artigo 225, Parágrafo 1°, da Constituição Federal de 1988. Incumbe ao Poder Público:

[…]

VIII– promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

IX – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies e submetam os animais à crueldade. (BRASIL, 1988).

 

Todavia, a realidade cotidiana coloca a prova a capacidade estatal de cumprir tal mandado constitucional, vez que, infelizmente, desde o agravamento da pandemia no Brasil, constatou-se o crescimento alarmante nos casos de maus tratos aos animais.

O crime de abandono de animais e maus tratos cresceram cerca de 70% no país, em 2020, segundo um levantamento da AMPARA ANIMAL, uma associação de mulheres que ajuda abrigos e protetores independentes, feito em ao menos 530 desses locais espalhados pelo Brasil (PASQUINI, 2021).

Problema que tornou-se crônico, por qual interessa observar que vários elementos podem ter acarretado este cenário. Seja ela a crise financeira que permeou em várias famílias brasileiras advindas com a pandemia, ou a propagação de “fake news”, no qual alertavam acerca dos animais domésticos serem transmissores do vírus covid-19.

Viu-se que infelizmente, os donos optaram por desfazer de seus animais, ou a mal tratá-los neste período em específico.

Maus tratos e abandono vieram consigo justificativas, como por exemplo, o maior tempo das pessoas dentro de casa, desemprego, diminuição de renda, morte do dono, stress do dono por permanecer em casa e consequentemente o feito de atos violentos contra seu animal.

São os discursos usados pelos sujeitos infratores como pretexto, vez que nada justifica tamanha crueldade, é notório o distúrbio de personalidade a quem cometer tal adrocidade a seres indefesos.

O abuso de animais é um importante indicador de violência doméstica e comportamento criminoso (LOCKWOOD, 2000; MONSALVE et al., 2017).

Assim sendo, segundo a Lei Sansão, a qualificadora irá caber aos casos em que, o infrator não alimentar o animal diariamente; abandonar; agressões físicas; envenenamento; manter o animal preso com correntes ou cordas; não levar o animal doente ou ferido a um veterinário; ou trancado em locais pequenos e sem ventilação, entrada de luz e o menor cuidado com a higiene dentre outras medidas, todas estas ações irão se configurar em “maus-tratos” e conseguintemente á aplicação penalidade disposta no art. 32, § 1º-A da Lei de Crimes Ambientais.

Por conseguinte, o grande número de animais que foram abandonados se sujeita como meio de escape, o acolhimento de ONGS, e grupos independentes de proteção animal, que por maioria das vezes, infelizmente não conseguem acolher a grande demanda de animais carentes, devido à falta de recursos financeiros. Os mesmos recorrem às redes sociais pedindo ajuda financeira aos internautas para esta respeitosa causa animal.

Diante do exposto, percebe-se que atualmente, questões de pautas ativistas da causa animal vêm ganhando relevância no meio virtual, porém de nada se adiante a revolta virtual se, constatada o aumento de crimes contra os animais no cenário de pandemia mundial.

A comoção social é necessária, porém não é efetiva, se usada sozinha, reintegra-se novamente, acerca da problemática dos maus tratos e sua eficácia no ordenamento jurídico brasileiro.

Outros dados obtidos com exclusividade junto à organização SaferNet Brasil também indicam um aumento de conteúdos na internet demonstrando ou incitando maus tratos a animais durante o período da pandemia.

Entre 15 de março de 30 de junho deste ano foram registradas pela entidade 482% mais denúncias sobre o tema em comparação com o mesmo período do ano passado (VEIGA, 2021).

Cabe alertar que, o aumento de abuso, maus tratos e abandono de animais são preocupantes. Haja vista que o stresse causado pela situação atual de isolamento social, o confinamento e toda crise socioeconómico. Pode o animal se deparar como uma funcionalidade de crueldade advinda do ser humano, usando-as como álibi, recaindo sobre estes seres a forma brutal do ser humano de manifestar sua raiva e angústia advindas da pandemia.

Nesse contexto, percebe-se portanto que, qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízo de ordem física ou psicológica, incluindo atos caracterizados como abuso sexual, deve vir a ser devidamente punido e regularizado no ordenamento jurídico, o que, antigamente, infelizmente, não se havia disposição específica, até a Lei Sansão.

Infelizmente, existiram antes da Lei Sansão muitos julgados com fundamentos no princípio da insignificância, no que tange aos crimes cometidos contra os animais. A pena era branda, e na prática os atentados reincidiam. Era notória a ineficácia no ordenamento jurídico brasileiro naquela época.

O estudo de Souza e Souza (2018) agrega informações sobre as propostas de alteração de lei brasileiras e mostra o período em que outros países retiraram seus animais da categoria de “coisa”, reconhecendo-lhes a senciência, e   os elevaram à categoria de seres sencientes, o que objetiva conferir a este grupo de seres, direitos indispensáveis.

De acordo Ryder (2003, p. 83-84):

 

[…] descrever a discriminação generalizada praticada pelo homem contra outras espécies, e para estabelecer um paralelo com o racismo. Especismo e racismo são formas de preconceito que se baseiam em aparências – se outro indivíduo tem um aspecto diferente deixa de ser aceito do ponto de vista moral. O racismo é hoje condenado pela maioria das pessoas inteligentes e compassivas e parece simplesmente lógico que tais pessoas estendam também para outras espécies a inquietação que sentem por outras raças. Especismo, racismo (e até mesmo sexismo) não levam em conta ou sobrestimam as semelhanças entre o discriminador e aqueles contra quem este discrimina e ambas as formas de preconceito expressam um desprezo egoísta pelos interesses de outros e por seu sofrimento. (RYDER, 1996 apud FELIPE, 2003, P. 83-84).

 

Portanto, a defesa da senciência se pauta no reconhecimento de  que os animais são capazes de vivenciar sentimentos como dor, angústia, solidão, amor, alegria, raiva, etc.

Sob o ponto de vista jurídico, reconhecer-se-ia, portanto, que eles não podem ser descartáveis ou abandonados, como anota na Carta Magna, e consequentemente, seu descumprimento nos dias atuais.

É constatada, portanto, a não eficácia jurídica, sobre o dever estatal de não submissão dos animais à crueldade física e psíquica, visando o próprio bem-estar do animal, que merece ser tutelado como bem jurídico autónomo, algo que, na prática, não ocorre de forma integral, vez que se pauta de uma problemática abrangente e instável, sendo de certo modo impossível sua extinção, dever-se-á visar a diminuição aos crimes contra animais.

Em contrapartida, a discussão sobre a senciência no grupo animal e sua personificação como seres sencientes, foram de grande enriquecimento filosófico, jurídico e ambiental. O qual acarretou vários desdobramentos práticos, tanto na seara académica, quanto na seara de judicial.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que os objetivos foram alcançados e a hipótese foi confirmada. Sendo ela a afirmação de constatar a eficácia jurídica na proteção dos direitos dos animais, mesmo que em seu caráter parcial, no ordenamento jurídico vigente, mais especificamente na Lei Sansão.

Com base no que foi analisado ao decorrer dessa pesquisa, é eminente apontar a notável influência ao que diz respeito à defesa dos animais como sujeitos sencientes, uma caminhada árdua e incessante acerca da judicialização à proteção física e psíquica dos seres não humanos, indefesos, improvidos de se auto defender.

Cabe salientar que a metodologia escolhida se constituiu a partir de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa e método indutivo, através de levantamentos bibliográficos com perspectivas de autores juristas, ressaltando seu viés doutrinário no que tange a defesas ao grupo de animais como sujeitos detentores de direitos.

Juntamente com a extração de leis infraconstitucionais, destarte o ordenamento jurídico brasileiro acerca dos direitos dos animais, bem como o levantamento de artigos, teses e dissertações científicas jurídicas disponíveis na Internet e devidamente identificadas nas referências.

Desse modo foi realizada uma análise evidenciando a mudança e evolução por parte dos legisladores do sistema jurídico sobre a preocupação dos seres animais, mais especificamente a lei n° 14.064/20, o qual logrou-se êxito.

Um exemplo prático atual apresentado no decorrer deste trabalho, faz juz a problemática, o qual se remete ao aumento de maus tratos aos animais no cenário pandêmico de covid-19 no brasil e sua eficácia no ordenamento jurídico anterior.

É imprescindível, portanto, a necessidade de adequação da cultura. A imoralidade e ilegalidade à realidade na sociedade, sendo elas proporcionais as lei, cujo dever-se-ão conter complementação pelo judiciário em relação ao atraso e as lacunas legislativas que surgem ao decorrer dos anos.

Por conseguinte, tal necessidade acarretou à admissibilidade da lei n° 14.064/20, um meio de solução legal, visando amenizar os casos de maus tratos e punir de forma mais rigorosa o infrator que cometer o referido crime.

Em virtude dos fatos apresentados, pode-se concluir que as transformações na legislação Brasileira vêm ganhando cada vez mais presença, pois é um sistema de linha contínua o qual necessita ser atualizado, acompanhando a cultura e os paradigmas sociais de determinada coletividade.

Portanto, em conformidade com a referida norma infraconstitucional, é dever e obrigação do homem respeitar e proteger os animais como forma de proporcionar o bem-estar social, acrescentado o imperativo moral que demonstra preocupação ética de vedar práticas cruéis aos animais domésticos sencientes.

Desse modo, é imprescindível um trabalho em equipe de diversos setores, para uma maior efetivação no combate aos crimes contra animais, somente a área jurídica não é capaz de instaurar sozinha, a diminuição dos maus tratos.

Em suma, a construção de uma Dignidade Animal, se faz de modo contínuo, alicerçada em pesquisas científicas, estudos filosóficos, juntamente com a conscientização popular em campanhas informativas, e maiores investimentos em recursos públicos em ONGS e fundações que visam à causa animal, é imprescindível.

Logo, dever-se-á visar a proteção dos animais, ao ponto em que todos os seres vivos tenham direito à uma existência que não seja meramente a serviço da espécie humana. Para que assim, seja possível dotar o animal senciente como detentor de direitos, tornando jus a garantia de sua proteção, seja por métodos legais ou extralegais.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Âmbito Jurídico

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