Resumo: O artigo aborda os entendimentos doutrinários acerca da imprescritibilidade das ações judiciais que buscam o ressarcimento de danos ao erário, bem como o posicionamento do Superior Tribunal Federal sobre a matéria.
Palavras-chave: Ressarcimento ao erário. Ato ilícito. Imprescritibilidade.
Sumário: 1) Introdução; 2) Entendimentos doutrinários e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal; 3) Conclusão; 4) Referências.
1. Introdução
A Constituição Federal, em seu art. 37, § 5º, preceitua que “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Prevê a Constituição, deste modo, o estabelecimento de prazos prescricionais na legislação ordinária para ilícitos que causem prejuízos ao erário, praticados por servidor ou não, expressamente ressalvando, por outro lado, as respectivas ações de ressarcimento, tidas pela doutrina majoritária como imprescritíveis[1].
2. Entendimentos doutrinários e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
No âmbito doutrinário, destacam-se os ensinamentos de RAQUEL MELO URBANO DE CARVALHO (2009, pp. 546-547):
“Certo é que a Constituição excluiu do legislador ordinário o poder de fixar prazo de prescrição quando se trata de prejuízo sofrido pelo erário em razão de conduta ilícita de agente público. Uma simples leitura do dispositivo deixa claro a imprescritibilidade que decorre da ressalva às ações de ressarcimento da lei futura que estabelecerá prazos de prescrição para ilícitos praticados por agentes. O constituinte não admitiu a ingerência de norma inferior que dispusesse prazos de prescrição para os ilícitos, recusando competência ao Poder Legislativo nesta matéria.(…)
A segurança jurídica e a paz social indispensáveis no mundo contemporâneo não são princípios e valores aptos a recusar validade e eficácia a dispositivo expresso da Constituição da República. O art. 37, § 5º, da CR teve o propósito manifesto de impor a imprescritibilidade diante de ilícito cometido por agente público que tenha causado prejuízo à Administração e, em consequência, a toda a sociedade, evitando que administradores cujas condutas se afastaram das normas do sistema jurídico gozem os frutos dos ilícitos praticados.
Consequentemente, a despeito de ser anômala, a imprescritibilidade deve ser reconhecida no sistema jurídico quando expressa como exceção constitucional, considerando valores superiores de interesse público que se busca proteger.”
Com efeito, ao ressalvar as ações de ressarcimento na parte final do dispositivo constitucional, o legislador constituinte previu verdadeira hipótese de imprescritibilidade da pretensão reparatória, reconhecimento ao Poder Público, a qualquer tempo, exercer sua pretensão indenizatória contra o agente público ou terceiro que praticou ato lesivo ao erário[2]. Trata-se, em verdade, de um regime jurídico de exceção estabelecido pelo poder constituinte originário em face da significativa dimensão conferida à defesa do erário e da inegável supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Acerca do tema, leciona JOSÉ AFONSO DA SILVA (2009, pp. 348-349):
“A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral do direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providências à sua apuração e à responsabilidade do agente, a sua inércia gera a perda de o seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5o, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus no sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada.”
Corroborando esta ilação, firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de serem imprescritíveis as ações judiciais que busquem o ressarcimento de danos ao erário, cabendo transcrever a seguinte ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BOLSISTA DO CNPq. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
I – O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor.
II – Precedente: MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.
III – Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição.
IV – Segurança denegada.” (STF, MS 26.210, Pleno, Rel. Min Ricardo Lewandowski, DJ de 10.10.08).
No mesmo sentido, as seguintes decisões daquela Corte:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. § 5º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS 26.210, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, decidiu pela imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos ao erário.
2. Agravo regimental desprovido.”(STF, RE 578.428-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Ayres Britto, DJe 14.11.2011).
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. Incidência, no caso, do disposto no artigo 37, § 5º, da Constituição do Brasil, no que respeita à alegada prescrição. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.”(STF, RE 608.831-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 25.6.10).
A questão relativa ao sentido e ao alcance a serem conferidos à ressalva final do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, todavia, encontra-se com repercussão geral novamente reconhecida no âmbito daquela Corte Suprema, que, nos termos da decisão proferida pelo Relator, Ministro Teori Zavascki[3], “transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma”.
3. Conclusão
Na pendência de novo posicionamento definitivo do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, por outro lado, tem-se que se mostra inafastável a aplicação da interpretação já consolidada em julgados anteriores, sendo certo que à luz da literalidade da norma insculpida no artigo 37, § 5º, do Texto Constitucional, e dos precedentes firmados na jurisprudência dos Tribunais superiores, é imprescritível o prazo para a Fazenda Pública pleitear o ressarcimento de danos ao erário decorrentes de atos ilícitos.
Procurador Federal. Pós-graduado em licitações e contratos administrativos. Coordenador de Matéria Finalística da Procuradoria Federal junto à ANAC
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