O assédio moral no trabalho e a responsabilidade da empresa pelos danos causados ao empregado

Sumário: I. Introdução; II. O Assédio Moral; II.I.Conduta de Natureza Psicológica; II.II. Conduta repetitiva; II.III: Finalidade;II.IV. Dano Psicológico ou Emocional;III. Espécies de Assédio Moral; III.I. Assédio Moral Vertical; III.II. Assédio Moral Horizontal; III.III. Assédio Moral Misto; IV. O Assédio Moral e a Crise Econômica; V. Conclusão. Referências Bibliográficas.


I. INTRODUÇÃO


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Humilhações, afrontas, constrangimentos, rebaixamento, xingamentos, vexame. Estas e outras situações enfrentam os trabalhadores que são mortificados pelo Assédio Moral.


Apesar de estar em voga, o Assédio Moral não é uma figura nova. Surgiu praticamente junto com o trabalho. O que se tem de novo é a sua grande incidência na atualidade. Com a globalização, o capitalismo, a grande desvalorização do homem, o incentivo ao individualismo e o pânico do desemprego, encontra-se o ambiente perfeito para a intensificação do instituto.


A estudiosa francesa Marie-France Hirigoyen assim define o Assédio Moral[1]:


“O assédio moral no trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.


No Brasil, o instituto ainda não foi legislado, mas aos poucos vem sendo recepcionado por alguns ramos do direito, em especial pelo Direito do Trabalho, onde, da constatação do Assédio Moral, dentre outras conseqüências, podem ocorrer a nulidade da despedida e a reintegração ao emprego, resolução do contrato do empregado por descumprimento de deveres legais e contratuais ou por rigor excessivo ou exigência de serviços além das forças do trabalhador. Também autoriza a justa causa do agressor, que podem ser colegas, chefes, gerentes, diretores, responsáveis por agir ilicitamente. Além disso, aos poucos o instituto tem sido considerado como doença profissional, com todas as conseqüências que isso pode acarretar.


Mas, como será analisado, o mais importante efeito jurídico que o Assédio Moral pode gerar são as indenizações reparativas na esfera material e moral. Quando se fala em dano material, tem-se a reparação com as despesas e prejuízos pela perda do emprego com médicos, psicólogos dentre outros e na esfera moral, tem-se a reparação pela agressão à vítima de sua honra, da boa fama, do auto-respeito, da auto-estima. Ainda vale lembrar que o que também motiva essas indenizações, é o fato de ser assegurado pela Constituição o respeito à dignidade humana, à cidadania, à imagem e ao patrimônio moral do obreiro.


Enfim, o objetivo desse trabalho é dar uma ajuda aos empregadores para que possam proteger não só a vida do trabalhador como também sua higidez mental.


II. O ASSÉDIO MORAL


Assédio Moral é espécie do gênero assédio. Segundo o dicionário Aurélio, ”assédio é insistência, teimosia junto a alguém”. O Assédio pode ser de natureza Sexual ou Moral.


O Ministério do Trabalho e Emprego, em seu portal eletrônico[2], define de forme bem interessante esses dois institutos:


“Assédio sexual


A abordagem, não desejada pelo outro, com intenção sexual ou insistência inoportuna de alguém em posição privilegiada que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subalternos ou dependentes. Para sua perfeita caracterização, o constrangimento deve ser causado por quem se prevaleça de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Assédio Sexual é crime (art. 216-A, do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 1991).


Assédio moral


É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e freqüentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.


As condutas mais comuns, dentre outras, são:


· instruções confusas e imprecisas ao(à) trabalhador(a);


· dificultar o trabalho;


· atribuir erros imaginários ao(à) trabalhador(a);


· exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes;


· sobrecarga de tarefas;


· ignorar a presença do(a) trabalhador(a), ou não cumprimentá- lo(a) ou, ainda, não lhe dirigir a palavra na frente dos outros, deliberadamente;


· fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto ao(à) trabalhador(a) em público;


· impor horários injustificados;


· retirar-lhe, injustificadamente, os instrumentos de trabalho;


· agressão física ou verbal, quando estão sós o(a) assediador(a) e a vítima;


· revista vexatória;


· restrição ao uso de sanitários;


· ameaças;


· insultos;


· isolamento.”


Como visto, o Assédio Sexual é crime tipificado na legislação penal, enquanto o Assédio Moral ainda não é considerado crime.


Mas de qualquer forma, o direito do trabalho vem protegendo os trabalhadores que sofrem o Assédio Moral. Embora ainda não seja contemplado na legislação trabalhista, o entendimento é de que o trabalhabor que sofre esse tipo de Assédio tem que ser indenizado, até mesmo como forma de coibir novos casos de Assédio Moral.


Neste sentido, é exemplar o ensinamento do professo Luiz Otávio Linhares Renault [3]:


“(…)A empregada, ao celebrar o contrato de trabalho, coloca à disposição desta intrincada estrutura empresarial não apenas a sua força de trabalho, mas também a sua pessoa humana, com todos os seus valores de natureza moral, intelectual, cultural, familiar e religiosa. O trabalho é um prolongamento da vida privada, da residência, da casa, da personalidade de cada pessoa, por isso que o tratamento dispensado à trabalhadora tem de ser o reflexo do mínimo que se espera de uma relação intersubjetiva respeitosa. A trabalhadora não se despoja de nenhuma máscara, nem se veste de nenhuma fantasia, ou mesmo se investe em nenhum papel, quando ingressa na empresa – continua sendo o que é, com suas qualidades e defeitos, acertos e equívocos. No ambiente de trabalho, a pessoa humana não representa nenhum papel – é o que é, por isso que indispensável o respeito mútuo. Ninguém tem o direito de desrespeitar quem quer que seja. A intolerância é a porta da violência, do desrespeito e da mediocridade. Palavras desrespeitosas, insultuosas; xingamentos; ofensas; injúrias, apelidos, não cabem no Dicionário da Pessoa Humana, cujo tratamento digno é, simultaneamente, um direito e um dever. (…)”


Portanto, o Direito do Trabalho vem abraçando este trabalhador vítima do Assédio Moral, para que a Empresa ou os empregadores possam entender que essa atitude não pode ser tolerada, que o respeito nas relações humanas é indispensável, que não se pode fechar os olhos para esse tipo de violência.


Mas não é qualquer atitude ríspida sofrida pelo empregado que vai se caracterizar Assédio Moral. Quem mostra isso de maneira clara é o Desembargador Heriberto de Castro:


“O assédio moral, também conhecido como mobbing ou terror psicológico, vem a ser o atentado contra a dignidade humana, entendido como a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exerce uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente, durante tempo prolongado sobre outra pessoa. Esse comportamento pode ocorrer não só entre chefes e subordinados, mas também entre colegas de trabalho com vários objetivos, mas não se confunde com outros conflitos que são esporádicos ou mesmo com más condições de trabalho, exigências do poder diretivo e práticas modernas de competitividade e qualificação, pois o assédio moral pressupõe o comportamento (ação ou omissão) premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vítima,(…).”[4](Grifo nosso)


Para tanto, são necessários alguns requisitos que serão discutidos à seguir.


II.I. CONDUTA DE NATUREZA PSICOLÓGICA


Para se caracterizar o Assédio Moral é preciso qualquer conduta agressiva ou vexatória, com o objetivo de constranger a vítima, humilhá-la, fazendo-a se sentir inferior. É exatamente por isso que o Assédio Moral também é conhecido como terror psicológico, psicoterror, violência psicológica.


Segundo Sônia Mascaro Nascimento[5], esta conduta pode se manifestar especialmente através de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam ofender a personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ou colocar seu emprego em perigo ou ainda degradar o clima de trabalho, podendo ser também como prática persistente de danos, ofensas, intimidações ou insultos, abusos de poder ou sanções disciplinares injustas que induzem, naquele a quem se destina, sentimentos de raiva, ameaça, humilhação, vulnerabilidade que minam a confiança em si mesmo.


O Magistrado Cláudio Menezes diz mais sobre a conduta do agressor:


“Aquele que assedia busca desestabilizar a sua vítima.(…)


Daí a preferência pela comunicação não-verbal (suspiros, erguer de ombros, olhares de desprezo, silêncio, ignorar a existência do agente passivo) ou pela fofoca, zombaria, ironias e sarcasmos, de mais fácil negação em caso de reação, pois o perverso e assediante não assume seus atos. Quando denunciado, freqüentemente, se defende com frases do tipo: “Foi só uma brincadeira”, “não é nada disso, você entendeu mal”, “a senhora está vendo e/ou ouvindo coisas”, “isso é paranóia sua”, “ela é louca”, “não fiz nada demais, ela (ele) é que era muito sensível”, “ela faz confusão com tudo”, etc. é muito encrenqueira, histérica”.[6]


Assim, a conduta do assediador deve ter sempre o objetivo de acabar com a auto estima do assediado, de inferiorizá-lo, de fazê-lo sentir-se humilhado e muitas vezes de fazer com que ele ache que é o grande culpado pela situação que está passando.


É exatamente pela subjetividade dessa conduta – que visa atingir o psicológico – que torna-se difícil identificar o assédio moral, pois a situação envolve tanto a pessoa, que algumas vezes ela é levada a pensar que é merecedora do sofrimento ou até mesmo causadora da situação.


II.II. CONDUTA REPETITIVA


Este é o segundo elemento caracterizador do assédio moral e talvez o mais importante. Isto porque estamos tratando de uma situação onde a vítima sofrerá lesões psíquicas e isto não ocorrerá com um ato esporádico. A vítima vai lidar doses ‘homeopáticas’ de ofensas, humilhações, xingamentos de forma reiterada, repetitiva, até que os poucos isso vá afetando sua auto-estima.


“Devemos ter em foco que o assédio moral não se caracteriza por eventuais ofensas ou atitudes levianas isoladas por parte do superior. Muito mais do que isto, o assédio moral somente estará presente quando a conduta ofensiva estiver revestida de continuidade e por tempo prolongado, de forma que desponte como um verdadeiro modus vivendi do assediador em relação à vítima, caracterizando um processo específico de agressões psicológicas. Deve estar caracterizada a habitualidade da conduta ofensiva dirigida à vítima. Caso contrário, teremos meras ofensas esparsas, mas que não possuem o potencial evidenciador do assédio moral.”[7]


Não há que se falar em período determinado de tempo que para que se configure o assédio moral. Alguns defendem o prazo mínimo de 1 a 3 anos. Mas pela própria natureza humana, cada pessoa reage de uma forma ao assédio, não podendo se determinar quanto tempo levará para que a vítima tenha seu psicológico alterado. Assim, deverá se analisar o caso concreto.


II.III. FINALIDADE:


Como já demonstrado anteriormente a finalidade do assediador deve ser bem determinado: excluir a vítima de seu local de trabalho, acabar com sua auto-estima, fazer com que ela se sinta inútil, imprestável, levando-a a comunicar sua demissão, aposentar-se precocemente ou ainda obter licença médica.


Aqui trata-se da intenção do agressor, pouco importando, neste ponto, se o objetivo foi alcançado.


Mas podemos encontrar a prática, pelo agressor, de atitudes que causem o terror psicológico por outros motivos.


Pode ser que o agressor pratique a violência psicológica simplesmente pelo prazer de manter a vítima submetida a torturas de ordem psíquica e moral, motivando sua conduta pela tendência sádica.


E ainda outra possibilidade ocorre quando o agressor pratica o assédio com a finalidade exclusiva de provar o seu poder através do predomínio do medo e da insegurança não só da vítima como dos demais trabalhadores da empresa.


Muitas vezes o objetivo do assediador é massacrar alguém mais fraco, cujo medo gera conduta de obediência, não só da vítima, mas de outros empregados que se encontram a seu lado. Ele é temido e, por isso, a possibilidade de a vítima receber ajuda dos que a cercam é remota.[8]


Assim, são três as características basilares para a configuração do Assédio Moral que devem aparecer conjuntamente: conduta psicológica, repetitiva e com a finalidade de excluir a vítima.


Caso algum destes três requisitos não esteja presente, a situação não será enquadrada como assédio moral.


Mas surge uma questão: Alguns discutem a existência de um quarto requisito – a configuração do abalo psíquico emocional.


Este requisito será debatido à seguir.


II.IV. DANO PSICOLÓGICO OU EMOCIONAL:


Muito se discute na doutrina e jurisprudência sobre a necessidade ou não da existência do dano psicológico na vítima para se concretizar o assédio moral.


Nascimento[9], é muito clara neste ponto:


“(…)a não configuração do assédio moral pela ausência do dano psíquico não exime o agressor da devida punição, pois a conduta será considerada como lesão à personalidade do indivíduo, ensejando o dever de indenizar o dano moral daí advindo.


Destarte, a pessoa que resiste à doença psicológica, seja por ter boa estrutura emocional, seja por ter tido o cuidado de procurar ajuda profissional de psicólogos ou psiquiatras, não será prejudicada, pois sempre restará a reparação pelo dano moral sofrido, ainda que o mesmo não resulte do assédio moral.


Assim, reiteramos nosso entendimento no sentido de que nem todo dano à personalidade configura o assédio moral, como se percebe na maioria dos estudos jurídicos atuais e, principalmente, nas decisões da Justiça do Trabalho.(…)


Nessa esteira, entendo que a configuração do assédio moral depende de prévia constatação da existência do dano, no caso, a doença psíquico-emocional. Para tanto, necessária a perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal.


Ressalto que a prova técnica para a constatação do dano deve ser produzida por perito da área médica, sem o que não há como se falar em assédio moral, eis ausente seu pressuposto essencial: o dano psicológico ou psíquico-emocional.(…)”(grifo nosso)


Como visto, para a Autora é de fundamental importância a constatação do dano psíquico-emocional para a configuração do assédio moral, devendo a vítima passar inclusive por perícia médica para comprovar o dano.


E parte da jurisprudência concorda com esse entendimento de que é necessária a existência do quarto requisito para configuração do Assédio Moral:


“EMENTA ” ASSÉDIO MORAL ” INDENIZAÇÃO – Na caracterização do assédio moral, conduta de natureza mais grave, há quatro elementos a serem considerados: a natureza psicológica, o caráter reiterado e prolongado da conduta ofensiva ou humilhante, a finalidade de exclusão e a presença de grave dano psíquico-emocional, que comprometa a higidez mental da pessoa, sendo passível de constatação pericial. Por outras palavras, o assédio moral, também conhecido como “terror psicológico”, mobbing, “hostilização no trabalho”, decorre de conduta lesiva do empregador que, abusando do poder diretivo, regulamentar, disciplinar ou fiscalizatório, cria um ambiente de trabalho hostil, expondo o empregado a situações reiteradas de constrangimento e humilhação, que ofendem a sua saúde física e mental. Restando evidenciado nos autos que o empregador, ao instaurar “Rito de Apuração Sumária”, para apurar irregularidades imputadas à reclamante, extrapolou os limites regulamentar que lhe são facultados, expondo a reclamante a um período prolongado de pressão psicológica, além do permitido no Regulamento, devido se torna o pagamento da indenização pleiteada.”(Grifo nosso)[10]


“EMENTA ” ASSÉDIO MORAL ” NÃO CONFIGURAÇÃO ” INDEVIDO O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO – Na caracterização do assédio moral, conduta de natureza mais grave, há quatro elementos a serem considerados: a natureza psicológica, o caráter reiterado e prolongado da conduta ofensiva ou humilhante, a finalidade de exclusão e a presença de grave dano psíquico-emocional, que comprometa a higidez mental da pessoa, sendo passível de constatação pericial. Por outras palavras, o assédio moral, também conhecido como mobbing, ou “hostilização no trabalho”, decorre de conduta lesiva do empregador que, abusando do poder diretivo, regulamentar, disciplinar ou fiscalizatório, cria um ambiente de trabalho hostil, expondo o empregado a situações reiteradas de constrangimento e humilhação, que ofendem a sua saúde física e mental. Não restando provado os autos os requisitos mencionados, indevido o pagamento da indenização por dano moral pleiteada.”(Grifo nosso)[11]


Por outro lado, alguns doutrinadores como Alice Monteiro de Barros e parte da jurisprudência dispensam a confirmação do Dano psíquico emocional na configuração do Assédio Moral:


Quanto ao último elemento (dano psíquico), nós o consideramos dispensável, data venia de inúmeras posições contrárias. O conceito de assédio moral deverá ser definido pelo comportamento do assediador, e não pelo resultado danoso. Ademais, a constituição vigente protege não apenas a integridade psíquica, mas também a moral. A se exigir o elemento alusivo ao dano psíquico como indispensável ao conceito de assédio, teríamos um mesmo comportamento caracterizando ou não a figura ilícita, conforme o grau de resistência da vítima, ficando sem punição as agressões que não tenham conseguido dobrar psicologicamente a pessoa. E mais, a se admitir como elemento do assédio moral o dano psíquico, o terror psicológico se converteria em um ilícito sujeito à mente e à subjetividade do ofendido.[12]


Analise-se algumas jurisprudências que dispensam a presença deste quarto elemento:


“EMENTA: DANO MORAL – ASSÉDIO MORAL – DEFINIÇÃO – O assédio moral pode ser definido no local de trabalho como conduta abusiva, de natureza psicológica, exercida por uma ou mais pessoas sobre um colega, subordinado ou não, que atenta contra a dignidade psíquica deste, de forma reiterada, com o objetivo de comprometer seu equilíbrio emocional. O ilícito praticado pode estar afeto, como no caso dos autos, à intimidação na execução do trabalho, o qual ocorre quando se verifica atitudes inadequadas à real condição laborativa do empregado que precisa se reabilitar para o trabalho, cujo efeito é prejudicar a atuação da vítima, por criar uma situação que lhe é hostil. Comprovada tal conduta imprópria e abusiva, o dever de indenizar a vítima é medida que se impõe”. (Grifo nosso).[13]


“EMENTA: ASSÉDIO MORAL –CARACTERIZAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OFENSA ATRATIVA DO DEVER DE REPARAR – O assédio moral no trabalho tem sido caracterizado como “uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integralidade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho (…)” (Nascimento, Sônia A. C. Mascaro). Para caracterização da figura é necessário, portanto, que as humilhações sejam sistemáticas e freqüentes, perdurando por um tempo prolongado, não se confundindo com conflitos meramente esporádicos, aborrecimentos passageiros ou lídima atuação de natureza exclusivamente profissional por parte de superior hierárquico no cumprimento das normas da empresa, como in casu.” (Grifo nosso)[14]


“EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM VIRTUDE DE ASSÉDIO MORAL – AUSÊNCIA DE PROVAS SOBRE O ASSÉDIO – O assédio moral se configura quando uma pessoa ou grupo de pessoas exerce violência psicológica sobre um determinado empregado. Essa violência psicológica se dá de forma premeditada, sistemática, prolongada no tempo, e tem como objetivo desestruturar a vítima, para fazer com que ela procure meios de se afastar do emprego voluntariamente, seja através de pedido de demissão, transferência, remoção, ou aposentadoria precoce, dentre outros.(Grifo nosso)”[15]


A jurisprudência mais moderna vem dispensando a presença deste quarto elemento e de forma muito apropriada.


A mesma conduta não pode esperar resultados diferentes dependendo da forma como a vítima irá reagir. A conduta punível é a do agressor e não da vítima. Portanto, a reação da vítima não pode ser o fato determinante à incidência ou não do Assédio Moral, senão estaria se avaliando a comportamento da vítima e não a do agressor.


Desta forma, o entendimento majoritário é o de se dispensar este quarto elemento, sendo necessária à configuração do Assédio Moral apenas os primeiros três elementos.


III. ESPÉCIES DE ASSÉDIO MORAL:


Muito se comenta sobre o Assédio Moral direcionado do detentor do poder, superior hierárquico – muitas vezes o gerente, supervisor, diretor – ao seu subordinado. É certo que esta é a hipótese mais recorrente, mas casos diferenciados ocorrem também de forma rotineira e são reconhecidos como espécies típicas de assédio.


No campo do assédio moral, é possível se identificar três espécies básicas, a saber: o assédio moral vertical, o assédio moral horizontal ou o assédio misto.


III.I. ASSÉDIO MORAL VERTICAL:


Esta espécie de Assédio ocorre de duas formas. A uma quando praticado pelo hierarquicamente superior visando atingir o seu subordinado, conhecido como vertical descendente. A outra, quando praticado pelo hierarquicamente inferior, com o intuito de assediar o seu superior, denominado se vertical ascendente.


A primeira forma – assédio vertical descendente – como já comentado anteriormente, é a mais comum. Quando se pensa em assédio moral, logo vem à mente a figura do chefe ou qualquer superior hierárquico pressionando o empregado. É muito comum até pelo poder diretivo, disciplinar, fiscalizatório inerente à empresa que é repassado aos seus prepostos. O problema é o abuso no uso dessas prerrogativas, como por exemplo deixar um empregado sem trabalho ou sem equipamentos de trabalho, dar-lhe uma tarefa difícil e procurar os erros que tenha cometido para depois demiti-lo por essa falha, dentre outros.


A segunda forma – assédio vertical ascendente – é bem mais rara de ocorrer. É, a título de exemplo, o caso da secretária que sabe de algum fato errado praticado pelo seu chefe e passa a assediá-lo de forma que ele faça suas vontades sob pena de ela o entregar. Vale lembrar que esse tipo de assédio, onde a vítima é o superior hierárquico, pode ocorrer tendo como agressor não só um, mas vários funcionários ao mesmo tempo.


Sobre situações assim, leciona Marie-France Hirigoyen:


“É a cumplicidade de todo um grupo para se livrar de um superior hierárquico que lhe foi imposto e que não é aceito. É o que acontece com freqüência na fusão ou compra de um grupo industrial por outro. Faz-se um acordo relacionado à direção para ‘misturar’ os executivos vindos de diferentes empresas, e a distribuição dos cargos é feita unicamente por critérios políticos ou estratégicos, sem qualquer consulta aos funcionários. Estes, de um modo puramente instintivo, então se unem para se livrar do intruso” (HIRIGOYEN, 2002, p. 116).


Assim, tem-se que a agressão psicológica sofrida pela vítima no assédio vertical ascendente é tão grave quanto a sofrida no assédio vertical descendente.


III.II. ASSÉDIO MORAL HORIZONTAL:


 O assédio horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estão no mesmo nível hierárquico, inexistindo entre eles relações de subordinação.


Nesta situação, a vítima se vê diante de circunstâncias em que seus pares são os agressores.


Existem os mais variados motivos para esse tipo de assédio: busca de uma promoção, intolerância religiosa, ética, política, discriminação sexual, dentre outros.


Essa espécie de assédio lembra muito a figura do Bullying (no Brasil usado também como sinônimo de Assédio Moral). Á princípio esse instituto, muito utilizado na Inglaterra, foi criado para caracterizar o comportamento hostil e humilhante de uma criança ou grupo de crianças, em relação à outra ou outras. E sabe-se que entre crianças é muito comum este tipo de comportamento. Não existe uma hierarquia entre elas, mas pode ocorrer a agressão como forma de exclusão por motivos muitas vezes de características pessoais ou de personalidade. Este instituto, segundo Marie-France Hirigoyen, se estendeu às agressões observadas no exército, nas atividades esportivas, na vida familiar – em particular com relação a pessoas de idade, e, evidentemente, no mundo do trabalho” (HIRIGOYEN, 2002, p. 79).


E o que se tem notado é que as empresas observam esse tipo de assédio e se mantêm inertes acreditando que esse tipo de assédio estimula a produtividade. Mas se esquecem que a empresa também terá responsabilidade pelo ocorrido, na medida em que o assédio persiste em razão da omissão, da tolerância ou até mesmo do estímulo da empresa em busca de competitividade interna.


III.III. ASSÉDIO MORAL MISTO:


O assédio moral misto exige a presença de pelo menos três sujeitos: o assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima. Neste caso, o assediado é atingido por todos, superior e colegas.


A agressão terá um ponto de partida que pode ser do superior ou dos colegas, mas com o decorrer do tempo tenderá a se generalizar. É o caso do superior que começa a excluir um empregado e os outros empregados ou por medo ou por quererem se posicionar ao lado do superior, adotam a mesma posição. A vítima passa a ser culpada por tudo de errado na empresa. Os “espectadores” do assédio normalmente passam a agir ou a se omitir, contribuindo para o resultado pretendido pelo agressor originário. Dentro das empresas a vítima é conhecida como “Bode Espiatório”.


IV. O ASSÉDIO MORAL E A CRISE ECONÔMICA:


Como visto anteriormente, é difícil identificar o assédio moral, é muito subjetivo seu foco. Por este motivo, não se tem estatísticas reais sobre a incidência do Instituto.


Mas o que se sabe é que desde fim de 2008, aumentou consideravelmente o número de trabalhadores que ingressaram na Justiça do Trabalho alegando humilhações e ameaças no emprego. Dificuldades nas empresas por causa da crise podem gerar situações de assédio, embora não exista legislação federal específica no país.


De acordo com um jornal informativo[16], Procuradores do Ministério Público do Trabalho em seis Estados (Rio, Pernambuco, Piauí, Ceará, Santa Catarina e São Paulo) e no Distrito Federal investigam 145 denúncias recebidas neste ano (2009) sobre assédio nos setores aéreo, bancário, metalúrgico e de comércio.


Ainda segundo este informativo, ‘com o acirramento da competição, o assédio moral tende a crescer intra e entre os grupos nas empresas de diferentes setores -principalmente em segmentos onde a tensão é maior, como mercado financeiro e empresas que tiveram o patrimônio reduzido na crise.’


No Brasil pesquisas começam a ser feitas e publicadas sobre o assédio moral nas empresas. Segundo MENEZES, de um total de 4.718 profissionais ouvidos, 68% deles afirmaram sofrer humilhações várias vezes. E a maioria, 66% afirmaram que já foram intimidados por seus superiores.


Pesquisa feita recentemente pela Anamatra (associação que reúne os juízes trabalhistas do país)[17]mostra que 79% dos juízes apontaram a necessidade de que o assédio moral seja regulamentado em lei.


Não há dúvidas de que a regulação é muito importante pois estabelecerá critérios objetivos do que é ou não assédio, de que forma ocorre e como deve ser indenizado. Os juízes vão se sentir mais seguros na hora de julgar um caso, os empregadores terão limites mais claros de suas atuações e os empregados poderão discernir quando realmente estão sendo agredidos moralmente.


V. CONCLUSÃO:


Como mostrado durante todo o trabalho, o Assédio Moral é uma realidade e deve ser levado em consideração pelas Empresas para que possam fazer suas adaptações, principalmente quanto à relação entre os empregados, pois certamente responderão pelo Assédio Moral realizado entre eles. Mesmo que não tenham conhecimento, serão as responsáveis pela composição dos danos causados à vítima, pois ‘deveriam’ estar cientes de todas as situações ocorridas dentro de seu estabelecimento ou seu campo de responsabilidade. Lembrando que posteriormente poderão ajuizar ação de regresso contra o agressor.


O Assédio Moral também deve ser levado a sério pelos empregados, pois muitas vezes os empregadores confundem o poder diretivo e disciplinar com abuso de poder, e os empregados não são obrigados a tolerar situações que vão além de suas obrigações. Mas infelizmente os empregados normalmente não sabem que estão sendo vítimas de Assédio Moral, pensam que faz parte de sua atividade tolerar situações humilhantes.


Concluindo vale ressaltar que após a Emenda Constitucional 45 de 2004, os casos de dano moral decorrentes das relações de trabalho passaram a ser de responsabilidade da Justiça do Trabalho. Assim, todos os casos de reparação aos danos sofridos pelo Assédio Moral, tanto na esfera material quanto na esfera moral, deverão ser apreciados pela Justiça Especializada Trabalhista.


 


Referências bibliográficas:

BARRETO, M. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp; PUC, 2000. Disponível em <http://www.assediomoral.org/spip.php?article1>. Acesso em 13/06/2009.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1976. (3a ed., revista e ampliada em 1999); 6a reimpressão, Curitiba, 2004 (1ª reimpressão Positivo.)

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

HIRIGOYEN, Marie-France, Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.

JURISPRUDÊNCIAS: <http://www.mg.trt.gov.br>. Acesso em 18 de junho de 2009.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 14, n. 161, p. 140-152, dezembro 2002.

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO: <http://www.mte.gov.br/trab_domestico/trab_domestico_assedio.asp>. Acesso em 13 de junho de 2009.

MUNIZ, Mirella Karen de Carvalho Bifano. Aspectos Relevantes Acerca do assédio moral e assédio sexual no Direito do Trabalho. Disponível em<http://www.jusvi.com/artigos/36075>. Acesso em 10 de julho de 2009.

NASCIMENTO, Sônia A.C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5433>. Acesso em 17 de junho de 2005.

SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Editora e livraria jurídica do Rio de Janeiro, 2005.

VIEIRA, Ana Carolina Gonçalves. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho: Uma violação silenciosa à dignidade humana no âmbito das relações de emprego. Belo Horizonte: PUC, 2007.


Notas:

[1] HIRIGOYEN, 2001, p.83.

[2] http://www.mte.gov.br/trab_domestico/trab_domestico_assedio.asp

[3] Acórdão processo 01148-2008-106-03-00-7 RO, Publicação em 16/03/2009, TRT/MG.

[4] Acórdão Processo 00472-2008-035-03-00-5 RO, Publicação 03/06/2009 TRT/MG

[5] NASCIMENTO, 2004, p. 7.”

[6] MENEZES, 2002..

[7] SILVA, 2005, p. 15.

[8] BARROS, 2006, p. 893.

[9] NASCIMENTO, 2004, p.

[10] Processo 00715-2005-080-03-00-7 RO Data de Publicação 20/05/2006 – Órgão Julgador Terceira Turma – Relator Maria Lúcia Cardoso de Magalhães – Revisor Bolívar Viégas Peixoto

[11] Processo 00622-2005-084-03-00-8 RO Data de Publicação 21/01/2006 – Órgão Julgador Terceira Turma – Relator Convocado José Eduardo de Resende Chaves Júnior – Revisor Bolívar Viégas Peixoto

[12] BARROS, 2006, p.890.

[13] Processo 01361-2007-134-03-00-7 RO – Data de Publicação 04/12/2008 – Órgão Julgador Setima Turma – Relator Paulo Roberto de Castro – Revisor Alice Monteiro de Barros

[14] Processo 01602-2007-108-03-00-1 RO – Data de Publicação 22/11/2008 – Órgão Julgador Quarta Turma – Relator Júlio Bernardo do Carmo – Revisor Antônio Álvares da Silva

[15] Processo 01281-2007-103-03-00-3 RO – Data de Publicação 08/11/2008 – Órgão Julgador Sexta Turma – Relator Jorge Berg de Mendonça – Revisor Emerson José Alves Lage

[16] http://www.assediomoral.org/spip.php?article427 – Acesso em 5 de julho de 2009.

[17]http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2009/03/06/Brasil/Magistrados_e_vitimas_querem_lei_.shtml – publicado em 06 de março de 2009 – Acesso em 05 de julho de 2009 – Magistrados e Vítimas querem Lei que Defina o Assédio Moral.

Informações Sobre o Autor

Luciana Santos Trindade Capelari

Advogada trabalhista e empresarial, Especialista em Direito Processual, e em Direito do Trabalho e mestranda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas


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Equipe Âmbito Jurídico

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