O campesino – Regime de economia familiar – Dupla profissão

O estudo que apresentamos é rápido e sucinto. Ainda assim tem a pretensão de abordar um tema instigante e profundo, tanto que representa situações comuns e que já renderam decisões (administrativas e judiciais) altamente injustas.

São comuns as situações de mulheres e homens do campo que em determinado momento de suas vidas exerceram, concomitantemente, as atividades rural como trabalhadores rurais, e urbana. Como atividades urbanas mais encontradiças nesta situação podemos citar a de professor, pedreiro, carpinteiro, embora possam ser citadas outras.

Sabido que no meio rural existem pequenas escolas, e que os moradores das pequenas localidades interioranas precisam construir galpões, estábulos, pocilgas, moradias e outras acessões físicas, a existência de quem se dedique a tais atividades é óbvia e necessária.

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Entretanto, os atos de ministrar aulas por meio dia, ou de proceder a eventuais construções – só para ficarmos nos exemplos adotados – via de regra não têm retorno financeiro suficiente para sustentar tais trabalhadores. Assim, a realidade social e econômica encarrega-se de destacar, nas próprias comunidades, pessoas com predicados para tais atividades e que nem por isso abdicam da atuação rural.

Professoras e Professores, pedreiros e carpinteiros, formam-se a partir de cursos regulares ou de aprendizado prático, e sem que os interessados abdiquem do meio em que vivem e da sua realidade, passam a exercer dupla profissão.

Aos olhos da comunidade são trabalhadores rurais, agricultores, só que destacados pela particularidade do exercício, concomitante, do outro labor, em meia jornada, ou em atuação eventual.

Do ponto de vista previdenciário, a situação assume relevo jurídico quando estas pessoas atingem a idade da aposentadoria (55 anos, se mulher, ou 60, se homem) ou diante da ocorrência da invalidez. A informação do exercício da segunda profissão[1] invariavelmente remete ao indeferimento administrativo da aposentadoria, e, salvo raras exceções, ao indeferimento do pleito judicial.

Na vertente da negativa do benefício, sempre e sempre vem a citação do art. 11, VII, da Lei nº 8.213/91, § 1º, que dispõe, in verbis: “Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.”

A interpretação então dada ao dispositivo, é a de que a norma reclama para a caracterização do Regime de Economia Familiar o TRABALHO EXCLUSIVO e INDISPENSÁVEL para a subsistência, bem como que a terra absorva toda a força de trabalho do grupo familiar.

Ou seja, a existência de uma segunda fonte de renda resultaria na certeza de que o trabalho rural deixou de ser indispensável, e que estaria a sobrar força de trabalho, depois de cultivada a terra. E indefere-se o benefício.

Traz-se à mente, neste momento, o caso de um cidadão idoso, acima dos 70 anos de idade e doente, que sobrevive a muitos anos de uma pequena parcela de terras. Desesperançado com a situação, resolveu adquirir um veículo popular, mediante favores fiscais, a fim de explora-lo como táxi, numa pequena localidade do interior. Não se dera conta ele de que a localidade tem menos de 20 residências, e quase todas providas de veículos próprios. Mesmo provando-se testemunhalmente que o veículo permanece na garagem, pois nem ponto possui, a aposentadoria é sistematicamente negada, tanto na via administrativa, quanto na judicial.

A questão que deve ser posta, portanto, é a seguinte: O EXERCÍCIO DE UMA SEGUNDA ATIVIDADE, em meia jornada ou em exercício eventual, paralela à da AGRICULTURA, funciona como prejudicial ao Regime de Economia Familiar?

A resposta é NÃO!

O art. 4º, II, do ESTATUTO DA TERRA, denomina as pequenas propriedades, origem do Regime de Economia Familiar, como:“Propriedade Familiar, o imóvel rural que, direta e pessoalmente, explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros;”

O artigo Primeiro, I, b, do DECRETO-LEI 1.166, de 1971, define como trabalhador rural “quem, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros;”

O art. 3º, b, da LEI COMPLEMENTAR Nº 11, de 1971 repetia o dispositivo acima transcrito.

Cotejando-se os diversos dispositivos citados, vemos que a exclusividade da profissão campesina não consta da lei. Vemos, ainda, que consoante o Estatuto da Terra, a atividade poderia até render PROGRESSO SOCIAL e ECONÔMICO, sem que estivesse afastado o Regime de Economia Familiar. Este aspecto realmente tem relevo jurídico, pelo que merece especial atenção.

Se da atividade rural exclusiva se gerasse progresso social e econômico, significaria que os campesinos em tal situação poderiam elevar o padrão social e progredir em termos patrimoniais, o que não vem ocorrendo. Ora, se alguém sendo agricultor ou agricultora, por exemplo, e ao mesmo tempo professor, e juntando as rendas apenas sobreviver – o que ocorre na totalidade dos casos, pois ninguém enriquece somando rendas de pequena propriedade com a do magistério – tal trabalhador conservará a qualidade de SEGURADO ESPECIAL.

Sob outro prisma, pode-se dizer com absoluta segurança que apenas duas situações rejeitariam ao regime da Economia Familiar: quando as rendas somadas gerarem riqueza extraordinária, ou quando o exercício da atividade dita urbana consumir toda a jornada de trabalho. Afora tais situações, mantém-se íntegra a qualidade de Segurado Especial.

Sensível a esta realidade, eis que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem desbravando este campo, para garantir em tais situações o direito ao benefício rural. É o que ocorreu, recentemente, quando foi reconhecido a um Professor Aposentado no Serviço Público, o direito de aposentar-se como TRABALHADOR RURAL.

Na ementa do julgamento, assim restou consignado: “A Lei 8.213/91 permite o exercício concomitante de mais de uma atividade remunerada, sujeita ao Regime Previdenciário (art. 11, § 2º); o que não se admite é a acumulação de benefícios com idêntico fato gerador, o que não é o caso.” (RESP nº 297.763 – RS, julgado em 07.11.02).

Trata-se, pois, de decisão tomada em caso específico, em que um Professor Aposentado pelo Serviço Público, logrou em decisão de terceiro grau aposentar-se também como Trabalhador Rural.

Desfaz-se, assim, uma situação de profunda injustiça, e abre-se caminho para que outras situações similares venham a ser reconhecidas.

Em arremate, cumpre registrar que existe um sentimento equivocado em relação aos benefícios rurais, e que seguidamente é revelado até mesmo no bojo de decisões judiciais: trata-se da concepção de que os benefícios rurais deferidos ao Segurado Especial sejam um favor, e que, como tal, devem sempre sofrer um exame restritivo.

Nada mais improcedente do que esta visão distorcida. Se se pode ter em tais benefícios um favor, tal “favor” tem raiz histórica e social relevante, qual seja a necessidade de fixar o homem no campo, sem embargos de reduzir na outra ponta a constante necessidade do socorro a ser prestado pelo Poder Público.

A conquista dos benefícios, é, pois, também, uma necessidade para a Nação, evitando o êxodo rural completo e melhorando o padrão de sobrevivência para que as pessoas do campo possam enfrentar por seus próprios meios às necessidades básicas.

Nota:
[1] A primeira é a rural, herdada de berço.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Iracildo Binicheski

 

Advogado na cidade de Três de Maio – RS.

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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