Resumo: O crime de cartel é de difícil comprovação. Desde o início da era capitalista, quando ainda nos primórdios de seu surgimento, ele já o era. E isso porque os atos praticados pelos agentes ativos do referido crime muito se confundem com o normal caminhar do mercado. Apesar disso, o crime citado pode ser de dano substancial à economia do país ou região atingida. No Brasil, os cartéis tiveram seu início logo quando os ideais capitalistas aqui chegaram. Por volta do início do século XIX, com a advinda da energia provinda de combustível, é que o supracitado crime começou a se proliferar. Não obstante não ser a única modalidade de cartelização, o cartel formado em postos de gasolina tem uma incidência muito grande no Brasil. No Nordeste esse é o tipo mais comum de cartelização, e isso ocorre por diversos fatores, sendo alguns deles a desinformação da população acerca do crime, a homogeneidade do produto e a semelhança de custos. Recentemente ocorreu um caso de cartel em postos de gasolina no Município de São Luis, Maranhão. Um episódio escândalo, que, tal qual a maioria dos processos referentes a este crime, foi arquivado pelo Ministério Público. O presente trabalho, assim, propõe uma investigação acerca do que leva processos como este a serem arquivados, bem como a influência desta medida para a reincidência do crime. [1]
Palavras-chave: cartel. Suspensão condicional do processo. Cartel em são luis-ma. Acordos de cessão
Abstract: The cartel crime is difficult to prove. Since the beginning of the capitalist era, when still in the early days of its appearance, it already was. This is because the acts performed by the active agents of that very crime are confused with normal walking market. Nevertheless, the said crime can be substantial damage to the country or affected region economy. In Brazil, the cartels got their start just when the capitalist ideals arrived here. By the early nineteenth century, with the arising of fuel stemmed energy, is that the above crime began to proliferate. Despite not being the only form of cartel, the cartel formed at gas stations have a very high incidence in Brazil. In the Northeast this is the most common type of cartelization, and this occurs by several factors, some of which the misinformation of the population about the crime, the homogeneity of the product and the similarity of costs. Recently there was a cartel case at gas stations in São Luis, Maranhão. A scandal episode, which, like most processes relating to this crime, was filed by prosecutors. This paper therefore proposes an investigation about what leads processes like this to be filed, and the influence of this measure to the recurrence of crime.
Keywords: cartel. Conditional suspension of the process. Cartel in são luis-ma. Assignment agreements
Sumário: Introdução. 1 Contexto histórico do crime de cartel e sua incidência no Brasil. 1.1 Carteis em postos de gasolina. 2 Suspensão Condicional no crime de cartel. 3 A pena cominada pela prática do crime de cartel prevista nas Leis nº 8.137/90 e nº 12.529/11 a partir do caso de cartelização na venda de combustível em São Luis do Maranhão. 4 Os reflexos da não recepção pela Lei 12.259/11 do instituto de suspensão condicional do processo nos acordos de cessação de prática do crime de cartel. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O cartel é um crime contra a ordem econômica e também concorrencial tipificado pela Lei nº 8.137/90, com redação atual dada pela Lei nº 12.529/2011 (Nova Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência). É um crime de difícil comprovação tendo em vista que as práticas referentes à eliminação da concorrência são feitas de forma velada, sigilosa, pelos autores do ilícito. Isso porque o acordo é, na maioria das vezes, verbalizado, o que torna difícil a colheita de provas documentais. E, quando se torna possível a comprovação da prática do crime, as ações penais por formação de cartel são abertas e os indivíduos envolvidos respondem a processo criminal.
Na antiga Lei nº 8.137/90, no decorrer do processo, o Ministério Público poderia propor a suspensão condicional do processo por dois a quatro anos para autor de crime cuja pena de acusados que não estivessem respondendo a outro processo ou que ou não tevessem sido condenados por outro crime.
Ocorre que essa brecha na antiga lei era usada de maneira recorrente, e inclusive foi empregada no processo que apura o crime de cartelização na venda de combustível em São Luis do Maranhão no ano de 2011, situação em que houve a suspensão do processo e os envolvidos tiveram suas penas convertidas em multas, doação de cestas básicas e material de construção a associações sem fins lucrativos. Isso significa que um crime contra a ordem econômica era transformado em crime comum.
Com as alterações promovidas pela Lei nº 12.529, de 2011, não obstante, mudou-se a força penal do crime de cartel na medida em que se alterou, mesmo de maneira tímida, a pena. A mudança foi que o crime de formação de cartel não permite mais o benefício da suspensão condicional do processo e a pena de multa passa a não mais ser alternativa, mas cumulativa.
Esse é, portanto, o norte do presente artigo. Ademais, conhecer as diferenças entre a Lei nº 8.137 de 1990 e a sua nova redação na Lei nº 12.529/11, sobretudo no que tange a pena cominada; saber-se-á, então, se esta nova lei tem carga punitiva mais satisfatória às demandas da sociedade que a anterior, ou não.
A relevância deste presente estudo para a sociedade é que a caracterização do crime de cartel permitirá que a prática deste ilícito seja percebida pelos usuários dos postos de gasolina. E a sociedade consumeirista deste país ficará mais alerta no momento de suas pesquisas de preço e do consumo de combustível nos postos de gasolina, e principalmente no estado do Maranhão.
1 contexto histórico do crime de cartel e sua incidência no brasil
Mediante levantamento doutrinário sobre o cartel, crime contra a ordem econômica, elencar-se-á sobre ele seus elementos objetivos, o tipo de ação penal cabível e quem é legitimado para propô-la, de forma que haja uma melhor compreensão da natureza do crime de cartel.
Além disso, neste tópico, abordar-se-á o instituto da suspensão condicional do processo com o fim de entender sua natureza, as condições que dão ensejo a sua ocorrência, assim como os benefícios que concedidos ao réu.
De maneira inicial, se faz importante comentar que o crime de cartel teve o seu início ainda no século XIX, aonde a segunda revolução industrial começa a se instaurar. Ele se inicia com uma consequência lógica do capitalismo arraigado.
Antes dessa revolução, o comércio se dava de maneira monopolizada, oligárquica, e, de certa forma, hierárquica. Com o advento da dita revolução, o monopólio das industrias começou a ser quebrado, dando, agora, lugar à concorrência.
A lógica da economia capitalista é: se um empresário detém o monopólio de determinado produto, certamente o fará ao preço que bem lhe desejar, e o faz de acordo com a procura. Essa é a lei da oferta e da procura. (MARX, 1982). Por outro lado, se existe outro empresário que faça o mesmo produto ou preste o mesmo serviço, constituindo, assim, uma concorrência, isso faz com que os produtos melhorem a sua qualidade e seus preços baixem. Esse foi o princípio impetrado pela segunda revolução industrial.
Ocorreu, no entanto, que, de forma acelerada, o comércio prestou-se a crescer intensamente. As indústrias ficaram cada vez mais capacitadas e, por outro lado, os preços ficaram cada vez menores, tendo em vista a grande concorrência que outros industriais faziam. Este fato era baseado em princípios que norteavam a ideia de capitalismo: princípios da livre iniciativa e concorrência. (CORDEIRO, 2006).
A livre iniciativa está ligada ao princípio da livre concorrência. Para Luis Régis Prado (2014, p.35), “a livre iniciativa é como um princípio de decorrência lógica da proteção ao principio da livre concorrência, eis que todos devem ter o direito de se inserir no mercado contestando os que já se encontram nele, buscando a melhor qualidade dos produtos e fixando preços mais competitivos”.
Eis, portanto, o objetivo do mercado capitalista: obter mais lucro com o menor gasto possível. Isso se torna árduo quando há muita concorrência. A ideia dos grandes industriais foi, então, combinar preços e qualidade dos produtos, para que assim pudessem impor os preços que quisessem sem, contudo, aprimorar seus produtos e serviços. A prática ficou conhecida historicamente como cartelização. Uma espécie de tabela combinada entre os empresários para impedir a incidência de novas concorrências, tabelar preços exorbitais e não investir na qualidade de seus produtos. A conduta foi, então, tida como crime, pois feria, em todos os aspectos, a proposta do capitalismo liberal.
No brasil, a tal figura foi tipificada pela primeira vez em 1938, com o Decreto-lei n. 869/38, em seu artigo 2º, inciso III. O Decreto dizia:
“Art. 1º Serão punidos na forma desta lei os crimes contra a economia popular, sua guarda e seu emprego. Art. 2º São crimes dessa natureza: III – promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio”; (grifo nosso)
Tempos depois, com a Lei n. 1.521 de 26 de Dezembro de 1951, o crime tomou moldes atuais, os quais perduram, em grande parte, até a contemporaneidade. A lei arraigava:
“Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes e as contravenções contra a economia popular. Esta Lei regulará o seu julgamento; Art. 2º. São crimes desta natureza: VIII – celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda ou exigir do comprador que não compre de outro vendedor; Art. 3º. São também crimes desta natureza: III – promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transportes ou comércio”; (grifo nosso)
A incidência do crime, até então, ocorria, mas, de forma sucinta. Quatro décadas se passaram e uma nova lei procurou regulamentar de maneira mais específica a cartelização. A Lei n. 8.137/90, em seu artigo 4º impetrava:
“Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;
b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;
c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.
III – discriminar preços de bens ou de prestação de serviços por ajustes ou acordo de grupo econômico, com o fim de estabelecer monopólio, ou de eliminar, total ou parcialmente, a concorrência;”
Em 2011, apesar das alterações promovidas pela Lei nº 12.529, de 2011, o crime se caracterizou de maneira muito parecida com a lei antecessora:
“Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; § 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;
III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado”; (grifo nosso)
Seja observado que, com o decorrer dos anos, o cartel foi, aos poucos, tomando uma forma mais palpável. O crime foi melhor caracterizado. A conduta foi melhor tipificada. Contudo, não foi somente em sua caracterização que adviera tal melhoria. Para conclusão deste tópico, se faz importante concordar que, apesar de se ter qualificado de maneira mais clara o crime estudado, a maior contribuição dessa última lei, em relação à sua antecessora, foi, na verdade, no que toca penalidade que o agente sofre. Essa diferenciação será melhor analisada no tópico seguinte.
1.1 CARTEIS EM POSTOS DE GASOLINA
O órgão responsável pela investigação dos carteis no Brasil é chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC, ou, SDE). De acordo com dados apresentados na própria página do Ministério da Justiça:
“Denúncias de prática de cartel na revenda de combustível respondem por um terço do total das denúncias recebidas pela SDE, sendo que atualmente a SDE investiga aproximadamente 130 cartéis de combustíveis. É sabido que o setor de combustíveis é propenso à cartelização por ter características como produto homogêneo, semelhança dos custos, barreiras regulatórias e atuação ativa por parte de Sindicatos de forma a auxiliar na uniformização ou coordenação das condutas comerciais de seus filiados”. (grifou-se).
O número tão elevado de casos investigados está estritamente ligado com a dificuldade de comprovação e manejo jurídico no ato de se penalizar tal crime. A procuradora federal Rossana Malta de Souza Gusmão afirma que (…) “verificou-se que um número extremamente pequeno de casos envolvendo cartel no setor de combustíveis, efetivamente, resultava em condenações. A imensa maioria dos casos era, ao final, arquivada, muito embora demandasse grande dispêndio de recursos públicos durante o processo de investigação e julgamento” (2012). Ela continua sua tese dizendo que as dificuldades em se caracterizar o crime e na de penalizar de forma veemente e intimidatória são os maiores óbices.
Eis, portanto, o motivo do foco do presente trabalho: a grande incidência do crime citado no mercado de combustível petrolífero.
2 SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO EM CRIMES DE CARTEL.
Antes de mais nada, cumpre anotar neste tema que, no Brasil, desde a incidência da Lei nº 8.137/90, a competência para julgamento do referido crime depende das circunstâncias fáticas. Guilherme de Souza Nucci (2008) leciona que, saber se a competência é da Justiça Federal ou da Justiça Estadual dependerá tão somente do caso concreto. O STJ proferiu o seguinte acórdão que muito esclarece sobre o assunto:
“HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL. COMPETÊNCIA. EMPRESAS DO RAMO DE GÁS INDUSTRIAL. CONTROLE DO MERCADO NACIONAL. INTERESSE SUPRA-REGIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTE DO STJ. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 150/STJ. EXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM NA DENÚNCIA E ILICITUDE DA PROVA. QUESTÕES A SEREM APRECIADAS NO JUÍZO COMPETENTE. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, PORÉM, PARA RECONHECER, EM PRINCÍPIO, A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, SEM PREJUÍZO DA AVALIAÇÃO ULTERIOR DO JUIZ FEDERAL SOBRE A SUA PRÓPRIA COMPETÊNCIA. 1. A Lei 8.137/90, relativa aos crimes contra a ordem econômica, não contém dispositivo expresso fixando a competência da Justiça Federal, competindo, em regra, à Justiça Estadual o julgamento dessa espécie de delito; todavia, isso não afasta, de plano, a competência da Justiça Federal, desde que se verifique hipótese de ofensa a bens, serviços ou interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas, nos exatos termos do art. 109, inciso IV, da Carta Constitucional, ou que, pela magnitude da atuação do grupo econômico ou pelo tipo de atividade desenvolvida, o ilícito tenha a propensão de abranger vários Estados da Federação, prejudicar setor econômico estratégico para a economia nacional ou o fornecimento de serviços essenciais”.(grifo nosso) (STJ – HABEAS CORPUS: HC 117169 SP 2008/0217483-5. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento em 19/02/2009. Quinta Turma. Publicação no DJe em 16/03/2009)
No que tange a competência para denunciar, embora qualquer pessoa possa oferecer a denúncia, a ação cabível aqui é uma ação civil pública. O Ministério Público que é, em regra, o legitimado ativo do conflito. Poderá haver, também, iniciativa da população, que também pode ser impetrante da ação. Contudo, a denúncia é apresentada pelo MP.
Há de se frisar que, embora seja atacado por uma ação civil pública, o cartel é crime regido pelo direito penal, com previsão de pena privativa de liberdade, com como multa.
No que tange o instituto de suspensão condicional do processo, em glorioso artigo científico acerca do assunto, o Juiz de Direito Alfredo José Marinho Neto define o instituto da seguinte forma: “A suspensão condicional do processo consiste em um instituto de natureza híbrida, de direito penal e processual penal, que foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº. 9.099/95, que dispõe essencialmente sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.” (2007, p. 1).
Ao recorrer à Lei nº 9.099/95, em seu artigo 89, vemos quais tipos de crime se podem ser beneficiadas por uma suspensão do processo:
“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena”.
A Lei n. 8.137/90, ao caracterizar o crime de cartel como um dos delitos contra a ordem econômica do país, definia a seguinte pena: “Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.” (grifo-se). Vê-se, desta feita, que a pena poderia ser escolhida entre reclusão, cuja tem a pena mínima de 2 anos, ou a pena de multa.
Ora, a lógica que se valia para o crime de cartel tipificado pela lei de 1990 é: o juiz poderia escolher imputar ao agente a pena de multa. Essa pena, por sua vez, desmancha a primeira hipótese de cabimento do artigo 89 Lei nº 9.099/95 (pena igual ou inferior a um ano). Se é apenas multa, a mesma certamente deve ser incluída no rol de possibilidades de suspensão do processo, tendo em vista que este tipo de penalidade é menos gravosa que a de reclusão seja lá o quantum de tempo que for. E assim o acontecia, desde que o indivíduo se encaixasse nas demais características citadas no texto da Lei.
Até o início do ano de 2011, esse era o entendimento que se vigorava. Veja-se um acórdão proferido pelo TRF em 2010, o qual mostra com perfeição tal entendimento:
“Ementa: PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 4º DA LEI Nº 8.137 /90. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. REJEIÇÃO. ILICITUDE DA PROVA. INVESTIGAÇÃO UNILATERAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. TRANSAÇÃO PENAL. DESCABIMENTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. 1. A denúncia imputa a prática de formação de cartel no transporte de veículos novos, acarretando reflexos em mais de um estado-membro, limitando o livre exercício da atividade profissional no setor, a exigir a interferência da União e a competência da Justiça Federal. 2. Tratando-se a incompetência territorial de causa de nulidade relativa, conforme dispõe o art. 108, caput, do Código de Processo Penal, exige-se que a exceção de incompetência do juízo seja formulada oportunamente, ou seja, por ocasião da defesa preliminar, acarretando a preclusão da matéria em caso de inércia da parte. 3. Ao Ministério Público é conferida a função primordial de titular da ação penal, revestindo-se de destinatário dos procedimentos investigativos, concebidos para auxiliar o órgão acusador a formar sua opinio delicti, razão pela qual não se concebe seja simplesmente alijado da possibilidade de investigar diretamente atos tidos como ilícitos penais. 4. Da leitura dos autos depreende-se que a denúncia encontra-se formalmente perfeita, atendendo aos requisitos mínimos previstos pelo artigo 41 do Diploma Processual Penal. 5. Desde que devidamente fundamentado, o magistrado é livre para decidir acerca da necessidade e conveniência da diligência requerida, indeferindo as inúteis ou meramente protelatórias, o que restou configurado nos autos, sem acarretar qualquer ofensa ao direito de defesa da parte. 6. O critério legislativo para a aplicação do procedimento previsto na Lei nº 9.099 /95 sempre foi o da pena máxima cominada ao crime, independente de previsão alternativa de pena de multa, não merecendo trânsito a pretensão defensiva de nulidade do feito por irregularidade no procedimento. 7. Considerando que ao delito imputado é cominada pena de multa, alternativamente à pena privativa de liberdade, a pena pecuniária consiste na menor sanção penal estabelecida para a figura típica em apreço, a exigir a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099 /95.” (TRF-4 – APELAÇÃO CRIMINAL: ACR 7397 RS 2003.71.00.007397-5.Relator TADAAQUI HIROSE. Julgamento 02/03/2010, Sétima Turma. Publicação: 10/03/2010).
A lei, em conjunto com o entendimento jurisprudencial, davam a constatar que, em algumas hipóteses (não tão difíceis de ocorrerem), os grandes empresários saíam praticamente impunes do crime que cometiam. Com a organização dos carteis eles lucravam milhões, e, quando pegos cometendo o crime, o que já era de tão difícil comprovação, sua pena era abrandada, ocorria uma suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos, a denúncia ficava detença e, por fim, o processo era arquivado na maioria dos casos. A conclusão era de que, ao final, os empresários nada sofriam em detrimento do crime que haviam cometido contra a ordem econômica do país. A reincidência, pois, parecia ser a consequência lógica deste fato.
Observe-se, pois, que a simples conjunção coordenativa alternativa “OU” causava grande mal estar no sistema econômico brasileiro. A pequena palavra com somente duas letras fazia com que o crime fosse praticamente banalizado, e principalmente em um sistema político corrupto e clientelista. Fez-se necessário, então, a revogação dessa conjunção alternativa pela aditiva “E”. A pequena mudança da lei parece ter tido um efeito eficaz no combate da febre da cartelização, sobretudo nos casos de postos de gasolina. É o que se verá no capítulo seguinte.
3 A pena cominada pela prática do crime de cartel prevista nas Leis nº 8.137/90 e nº 12.529/11 a partir do caso de cartelização na venda de combustível em São Luis do Maranhão
Antes de mais nada, cabe relembrar a fixação da possibilidade da suspensão condicional do processo. A Lei nº 9.099/95, como vista antes, traz medidas despenalizadoras na resolução de conflitos para os crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles previstos no artigo 61 da lei 9.099/1995 que assim os classifica: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”. (BRASIL, 1995).
Dentre as medidas despenalizadoras estão a transação penal, a composição civil e a suspensão condicional do processo que, segundo Tozatte (2014, p.01):
“Estes institutos são decorrentes do princípio da oportunidade regrada da propositura da ação penal, que confere ao Ministério Público, titular da ação, a faculdade de dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la, sob certas condições. Nos termos da lei, o Ministério Público somente poderá dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que exista a concordância do autor da infração e a homologação judicial.”
No entanto o instituto suspensão condicional não é mais cabível nos crimes de cartel, porque a expressão “ou”, que foi retirada da pena, indicava que a pena de multa era alternativa à reclusão. Isso permitia que o réu caso fizesse jus ao benefício penal e tivesse os requisitos que prevê a lei 9.099/1995 –– como foi explicado no capítulo 01 deste trabalho –– fosse julgado de maneira que obtivesse o benefício da suspensão condicional do processo por dois a quatro anos, conforme o artigo 89 da referida lei que diz:
“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.”
Essa suspensão segundo Farina (2003, p. 03) no caso do crime de cartel constitui “verdadeira medida despenalizadora indireta, tendo em vista que permitia a extinção da pretensão punitiva do Estado, evitando a imposição de sanção penal, inscrição do nome no rol de culpados, caracterização de reincidência e maus antecedentes”. Prevê-se, portanto, que o crime de cartel tinha pouca gravidade, ao permitir que as conseqüências da pena prevista para esse crime fossem minoradas pela suspensão condicional do processo.
Isso é tão verdade que apontando a punição dos crimes de cartel que ocorreram em São Luís do Maranhão verifica-se que o abrandamento da pena claramente, justamente para um crime que tanto tutela a livre concorrência e a livre iniciativa (Prado, 2014, p.46), gerando reflexos prejudiciais ao consumidor que fica sem escolha quando utiliza o serviço.
Antes do artigo 4º da lei 8. 170/90 ser alterada, Badin (2009, p.01) afirmava que:
“O novo projeto de lei prevê impedir uma pessoa acusada desse crime de suspender o processo na Justiça em troca de deixar de fazer cartel e cumprir penas alternativas. Hoje esse é um artifício recorrente. "Quando chega à Justiça, o cartel [que fere a ordem econômica] é tratado como um crime comum. Não faz sentido que o sujeito que participou de um cartel termine o processo penal dando cestas básicas para a igreja Nossa Senhora do Ó."
As alterações que a Lei nº 12.529/11 fizeram na lei nº 8.137/90 trouxeram mudanças significativas na pena cominada para o crime de cartel, segundo Farina (2013, p. 01) “afetaram largamente não só o âmbito administrativo do sistema brasileiro da concorrência, mas também o direito penal”.
Comparando os dois dispositivos que os incisos III a VII da lei nº 8.137/90 foram revogados, há uma redução na letra da lei. Além disso, teve-se a modificação do inciso I que englobou a alínea “a” e teve o acréscimo da expressão “mediante qualquer forma”. Essa faz parte de uma tentativa de melhor se caracterizar o crime em questão, conforme visto no tópico anterior
De outra maneira, no artigo 4°, inciso I da lei nº 8.137/90 já citado no tópico anterior, a pena para o crime era de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos ou multa. Ocorre que, após a alteração promovida pela lei nº 12.529/11, a redação do artigo 4° e a pena cominada ficaram da seguinte forma: “Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.” Vê-se que, acerca da pena cominada do crime de cartel, alterou-se apenas uma palavra, substituindo-se o “ou” pelo “e” realizando uma alteração substancial na penalização da conduta.
Segundo Farina (2003, p. 03) “isso significa que o crime de cartel não poderá mais, de qualquer forma, ser equivocadamente “etiquetado” como delito de menor potencial ofensivo, e, portanto, a lei 9.099/1995 não poderá, de forma alguma, ser aplicada”.
Essas foram as palavras do presidente da Superintendência Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que representam a necessidade de reforma que a lei 8.170/90 precisava, pois o sentimento de impunidade que todos sentiam em relação às pessoas que cometiam o crime de cartel era muito grande naquela época.
Ressalta-se como forma de demonstrar essa sensação de impunidade imposta pela pena prevista no tipo penal os casos de cartelização que ocorreram em São Luís do Maranhão, no ano de 2011, e a punição que foi dada aos agentes desse crime. Essa benevolência que a antiga lei proporcionava aos agentes do crime de cartel pode ser exemplificada em outra reportagem de Torres (2014, p.01) no portal imirante ao afirmar que os dados do processo Nº 38687-73.2012.8.10.0001 que corre em segredo de Justiça por determinação judicial mostram que cinco empresários – donos de postos de combustível – tiveram suas penas convertidas em doação de cestas básicas e material de construção a associações sem fins lucrativos. A referida reportagem ainda afirma que:
“A Justiça condenou os acusados, mas uma brecha na lei – a "suspensão condicional do processo" – fez com que os acusados, em vez de serem presos, fossem obrigados a pagar multas. O valor delas foi estipulado a partir de acordo, entre todas as partes: Promotoria, réus e Justiça.”
Ainda na reportagem de Torres, restou notória a sensação de impunidade demonstrada pelo promotor que investigou o caso, como vemos abaixo:
“A multa ficou acertada em audiência e os empresários foram obrigados a pagar valores que variavam entre R$ 30 mil e R$ 60 mil. […] O promotor justificou ainda que a redação da lei à época era de pena de 2 a 5 anos de reclusão ou multa. Como foi pedida a suspensão do processo, os empresários aceitaram o pagamento de multa. “Eu iria pedir a multa de R$ 250 mil, mas muitos deles não tinham como pagar isso” disse o promotor antes de ligar para a secretaria onde está o processo e ter a confirmação de que pelos menos três empresários ainda não pagaram a multa estipulada. “Eu deveria ter mandado prender todos, mas como a lei dizia que poderia ser aplicada a pena de reclusão ou a multa…”
Com louvores, a partir aalteração que a Lei nº 12.529/11 fez no artigo 4º da Lei nº 8.170/90, a pena de multa passa a não ser mais alternativa, mas cumulativa, segundo Farina (2003, p. 03) isso altera significamente a natureza penal do crime de cartel que deixa de integrar as hipóteses de suspensão condicional do processo referidas no artigo 89 da Lei 9.099/1995.
Portanto, a pena para o crime de cartel se torna mais severa aos seus agentes. Dessa forma, todos os autores do crime de cartel serão condenados a no mínimo 2 (dois) anos de reclusão mais a multa. Essa foi uma forma encontrada pelo legislador de evitar que esse crime seja tratado como crime comum e o agente consiga suspender o processo na justiça, cumprindo apenas penas alternativas, sendo este, hoje, como nos afirma Badin (2009, p.01) “um artifício extremamente recorrente” nos processos que investigam esse crime. Ademais, segundo Farina (2003, p.02) pela súmula 711 (MIX20102434) do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo cartel ser um crime permanente quando ele for praticado a vigência da nova lei, ou seja, após 30/05/2011 (fim da vacatio legis) serão regidos pela nova redação do art. 4.º da antiga Lei nº 8.137/1990.
4 Os reflexos da não recepção pela Lei 12.259/11 do instituto de suspensão condicional do processo nos acordos de cessação de prática do crime de cartel
A justiça brasileira possui acordos que aqui destacaremos dois que são a cessação de prática do crime de cartel e o de leniência, ambos previstos na Lei 12.529/2011. Segundo Bottin (2013, p.01) “são mecanismos que oferecem aos participantes de cartéis a oportunidade de colaboração com os órgãos públicos para desmantelar a organização, em troca de benefícios ou da extinção da punição”. Isso se justifica porque o crime de cartel é de difícil comprovação. Então o legislador, como forma de “desmantelar” o cartel previu para o delator bonificações que o estimulassem a contribuir com a justiça.
O disposto no parágrafo único do artigo 16 da lei 8.137/90, segundo Farina (2003, p.05) abrangia os crimes contra a ordem tributária, econômica e nas relações de consumo. E o referido dispositivo previa situações distintas para quem comete crimes em quadrilha ou coautoria ao afirmar que “Nos crimes previstos nesta lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”.
Como visto há um beneficiamento de diminuição de pena condicionada a informações da trama delituosa às autoridades policiais por parte dos agentes do crime, caso contrário não obterão o benefício. Em relação aos delitos econômicos, a Lei nº 8.884/1994 criou o acordo de leniência. Esta lei foi alterada e teve dispositivos a ela acrescentados pela Lei nº 10.149/2000. Esta última prevê em seus artigos 35-B e 35-C o acordo de leniência. O primeiro diz que:
“A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais co-autores da infração; e II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.”
O artigo 35-C da referida Lei afirma que:
“Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei n. 8.137, de 27 de novembro de 1990, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia.”
Segundo Oliveira (2010, p.61) o acordo de leniência tem a intenção de desfazer trustes, tarefa esta que vai além das estruturas investigatórias das agências governamentais. Esse acordo oferece a extinção da punibilidade e tem como fundamento da sua constitucionalidade os mesmos utilizados pela delação premiada. Mas, para que o acordo de leniência fosse firmado, o Ministério deveria concordar, inclusive porque o crime da Lei n 8.170/90, eram de ação pública incondicionada, portanto aquele pode impetrar a ação penal.
Entretanto, com as alterações promovidas pela Lei nº 12.529/11, o artigo 16 da lei 8.170/90 foi revogado apenas para os crimes de ordem econômica, mantendo-se em vigor o referido artigo para a esfera administrativa e consumeirista. Segundo Farina (2003, p. 06) o beneficiário do acordo de leniência tem a critério do CADE a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 a 2/3 da pena administrativa aplicada, havendo benefícios penais.
Esses benefícios são expressos no artigo 87 da lei nº 12.529/11 ao afirmar que:
“[…] a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.”
Vê-se que o acordo de leniência resguarda o agente da esfera criminal. Não que o crime desapareça, mas com o acordo firmado entre o Ministério Público, o agente e o CADE, fica, o Ministério Público, sem o interesse de oferecer denúncia penal contra o beneficiário do acordo de leniência. Agora, caso não haja o acordo do Ministério Público no momento em que o CADE firma o acordo de leniência, o delator não estará livre da condenação penal prevista para o crime de cartel. Todavia, para que isso ocorra, o Ministério Público deve entender que as informações prestadas pelo delator sejam necessárias para solucionar o caso de cartel. Ademais, o CADE não pode usurpar o poder judiciário, além de o primeiro não ter competência para que sozinho extinga punição na esfera penal.
Em relação ao acordo de cessação de prática do crime de cartel, é previsto no artigo 9º, inciso V da lei nº 12.529/11 que:
“Compete ao Plenário do Tribunal, dentre outras atribuições previstas nesta Lei: – V aprovar os termos do compromisso de cessação de prática e do acordo em controle de concentrações, bem como determinar à Superintendência-Geral que fiscalize seu cumprimento”.
Isso significa que o CADE, pelo seu Regimento Interno, impõe nos compromissos de cessação de prática de cartel que o agente, além de cessar a conduta criminosa, pague um valor pecuniário. Segundo Bottin (2013, p.02) o CADE cria uma “obrigação não prevista expressamente em lei, aproximando o instituto da leniência”. Diferencia-se desse último somente porque, no acordo de cessação, não há quaisquer benefícios na esfera penal, ficando o agente suscetível de responder o processo e ser punido penalmente.
Além disso, o agente que firma o acordo deve confessar a prática do crime e assinar o termo de compromisso; confissão esta que não é imposta pela norma, pois o princípio nemotenetur se detegere diz que o imputado tem o direito de não fazer prova contra si mesmo, podendo recusar-se a praticar todo e qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa (LOPES, 2014, p. 404).
Com as alterações promovidas pela Lei nº 12.529/11 no artigo 4º da Lei nº 8.137/1990, a pena de reclusão de no mínimo 2 (dois) anos mais a multa serão aplicadas cumulativamente e isso pode causar, segundo Farina (2003, p. 04), “consequências desestimuladoras”, pois, na celebração do acordo de cessação, a assinatura do termo de compromisso configura, segundo Bottin (2013, p.03), “uma nota de culpa confessa, que será usada para instruir uma ação penal contra o próprio signatário ou seus integrantes”.
Consequentemente, poucas pessoas celebrarão esse acordo confessando um crime que cometeram e tendo em troca apenas imunidade administrativa, ficando na iminência de responder a um processo penal. Bottin (2013, p.04) diz que isso pode ser uma forma dos agentes do crime optarem mais pelos acordos de leniência, pois ele assegura benefícios penais. A crítica é que esse objetivo de celebrar mais acordos de leniência não seja conseguido infringindo-se direitos constitucionais que os autores de crimes possuem, tal como os princípios nemotenetur se detegere, do contraditório e ampla defesa.
Essa discussão também pode ser mencionada quanto as informações prestadas pelo agente nos acordos de leniência que não forem efetivos, ou seja, do agente do crime de cartel ter essas informações guardadas sob sigilo e não serem utilizadas no processo para incriminá-lo. Como nos afirma Salomi (2012, p.216) “a ausência de critérios determinados, claros e garantidores do sigilo das informações traz imensa insegurança ao delator, desestimulando-o a celebrar o acordo”.
Não há garantia de que as informações prestadas ao agente que celebra o acordo de leniência serão utilizadas pelas autoridades e nem que sejam utilizadas contra o próprio delator, caso não sejam aceitas. Em vista disso, a Portaria do Ministério da Justiça 456/2010 em seus artigos 68 e 70 tratam da questão e dizem que deve haver sigilo das provas em acordos sem êxito; criando-se portanto barreiras que estimulem o agente do crime de cartel a contribuir com a justiça, reduzindo-se a prática desse crime.
Observe-se que o instituto de suspensão condicional do processo vivificado pela lei de 1990 que tratava do cartel fazia com que os infratores preferissem (quando a pena incorresse em apenas multa) o pagamento da multa. Isso certamente era fator que coibia o acordo de leniência, tornando ainda mais difícil uma comprovação real do ilícito, fator pelo qual a maioria dos processos eram arquivados por falta de comprovação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O crime de cartel tem sido uma das febres que tanto pesam na economia brasileira. E assim foi durante décadas. Isso devido ao clientelismo estatal, o qual protege renomados empresários, mediante favorecimento pessoal ou pecuniário, por vezes, para fazer vistas grossas ao crime contra o consumidor citado no corpo deste trabalho. A lei penal, por sua vez, tendo como desafio o de impor receio na (re)incidência de um crime, é, e tem sido, uma das maneiras mais eficazes para o combate contra este ilícito penal. Percebeu-se que, com o decorrer das alterações, com uma melhor clareza da tipificação, e com uma carga de punibilidade mais arraigada, sem brechas para penas alternativas muito mais brandas, o crime está sendo melhor coibido. E essa é a tendência.
Dessa maneira, conclui-se que a não recepção do instituto de suspensão condicional do processo pela nova lei que trata do crime de cartel fez com que houvesse uma mais fácil tipificação da conduta, bem como uma carga punitiva maior, qualitativa e quantitaviva. Esse fato trouxe uma facilidade ainda maior de ocorrer os ditos acordos de leniência, tendo em vista que as alterações causaram maior repressão aos que cometem tal crime.
Acadêmico de Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
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