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O cyberbullying como impeditivo à dignidade humana de crianças e adolescentes

Resumo: O presente estudo tem como ideia principal abordar os reflexos do cyberbullying na vida social da criança e do adolescente, tendo em vista um aumento significativo ano após ano desse fenômeno que assombra escolas, famílias e principalmente as vítimas. O cyberbullying ou bullying virtual é definido como uma agressão pelo meio virtual, seja por meio de ofensas em redes sociais, compartilhamento de fotos até a criação de sites para denegrir a imagem de alguém. Os reflexos dessa violência virtual, portanto, são apresentados neste trabalho como uma forma de alerta para o que tem acontecido no nosso cotidiano, construindo a partir dessa problemática uma maneira mais eficaz de prevenir futuros incidentes.

Palavras-chave: cyberbullying, direitos fundamentais, criança e adolescente.

Abstract: The present study have like main idea the reflections of cyberbullying in the social life of children and adolescents considering a significant increase year after year of this phenomenon that plagues schools, families and especially the victims. The virtual bullying or cyberbullying is defined as an assault by virtual means, through insults on social networks, photo sharing to create sites to denigrate someone. These reflections are therefore presented in this paper as a way to alert to what has happened in our daily lives, building from that issue one way more effective to prevent future incidents.

Keywords: cyberbullying, fundamental rights, children and adolescents.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Há uma linha tênue que divide os reflexos bons e ruins do uso da internet, e influencia diretamente a vida social das pessoas. No âmbito jurídico, primeiramente, temos em jogo o núcleo axiológico do direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

Uma vez que há uma grande repercussão com as informações que circulam na internet, o sujeito pode então recorrer ao que já temos positivado em nossa Constituição Federal que em seu artigo 5º, inciso X, determina a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas.

Nesse sentido, objetiva-se com esse trabalho apurar a proporção que o cyberbullying tem tomado na sociedade, o quanto isso tem refletido no dia a dia das crianças e dos adolescentes e quais são os métodos utilizados para tentar prevenir tais situações.

Para tanto, foi utilizado o método de pesquisa qualitativa, além de uma análise acerca de alguns autores sobre o assunto, método considerado o mais adequado para análise das relações que ocorrem entre crianças e adolescentes, principalmente no âmbito escolar.

Os resultados da pesquisa dizem que há sim uma série de ataques via redes sociais e que isso tem uma grande repercussão na vida dos jovens, gerando consequências muitas vezes irreversíveis, além disso conta com a ajuda de muitas pessoas que em muitos casos estão despreparadas para lidar com tais situações. Diante disso mostraremos alguns pontos que foram tratados e buscaremos traçar estratégias que se mostram necessárias para prevenção de tais casos.

1 O CYBERBULLYING

O cyberbullying ou bullying virtual pode ocorrer de diversas formas, tendo geralmente como alvo principal algum indivíduo que apresente sinais de fragilidade, vulnerabilidade ou que demonstre algum desequilíbrio emocional, baixa autoestima e vários outros fatores que atraem os chamados bullies. Primeiramente, antes de definir o que é cyberbullying, imperioso se mostra explicar o que é o bullying. Nas palavras de Grasiele Nascimento[1]:

[…] Podemos definir o bullying como um comportamento abusivo e agressivo, manifestado através de gestos, palavras, atitudes, comportamentos ou qualquer outro meio, de forma intencional e repetitiva, que atenta contra a dignidade e integridade física e psíquica de uma pessoa, causando-lhe medo, insegurança, dor, angústia e sofrimento, engendrando, consequentemente, doenças psíquicas e físicas (psicossomáticas), desordem pessoal e profissional, além de refletir na qualidade e finalidade do processo educativo, bem como na sociedade e na saúde pública.”

Fazendo um paralelo entre os dois assuntos, Kowalski (apud Dan Olweus)[2] define o que é o cyberbullying:

“Cyberbullying é bullying através de e-mail, mensagem instantânea, trocas em sala de bate-papo, postagens em sites, ou mensagens digitais, ou imagens enviadas para um celular ou assistente pessoal digital (PDA)”.

Olweus aduz ainda que o cyberbullying, como o tradicional bullying, gira em torno de um desequilíbrio de poder, agressão e uma ação negativa que diversas vezes é repetida, ou seja, é uma brincadeira de mau gosto em um dia, uma publicação maldosa em alguma rede social ou um xingamento em público em outro dia. O cyberbullying deve ser observado desde o início, devendo as providências ser tomadas desde o primeiro sinal de violação dos princípios fundamentais que a todos são direito.

Em relação a essas situações, podemos identificar os “Eus” da ação de cyberbullying. Como define William Matos[3], subdividem-se em “Eu Vítima”, “Eu Agressor” e “Eu Espectador”, sendo o primeiro aqueles que recebem agressões eletrônicas de todos os tipos, desde mensagens de texto, disseminação online de fofocas à multimídias compartilhadas. O segundo geralmente age no anonimato, e ataca as vítimas por simplesmente gostar da sensação de destruir outra pessoa. O terceiro e último “Eu” da situação é o espectador, que geralmente de forma omissa, assiste tudo que está acontecendo e não toma nenhuma atitude, seja por medo ou por não se importar com a pessoa que está sofrendo tais ataques, podendo esse espectador ser somente mais um em milhões que estão espalhando os conteúdos vexatórios sem medir as consequências que uma atitude pode causar no meio virtual.

Ana Beatriz Barbosa Silva[4] aponta as variações do Bullying que se caracteriza pelo Mobbing (sinônimo de assédio moral), sendo elas: bullying homofóbico, que ocorre por conta do preconceito em relação à homossexualidade; trotes universitários, que ao contrário do trote saudável e que deveria constituir um rito de passagem para celebrar o início da trajetória universitária, ainda sim são praticados de forma violenta ou causando graves constrangimentos, destacando alguns casos como o que aconteceu com o calouro de Medicina Edison Tsung Chi Hsueh em 1999 (descendente de imigrantes chineses que foi encontrado morto no fundo da piscina da Associação Atlética da Universidade de São Paulo); Delinquência Juvenil e Criminalidade, no qual a maioria se comporta assim por nítida falta de limites, ausência de modelo educativo, entre outros fatores.

Marcius Tadeu Maciel Nahur[5] define esse fenômeno:

“O fenômeno bullying (e cyberbullying) pode ser entendido, em sentido mais amplo, como mais uma dessas múltiplas formas de violência praticada, nos tempos atuais, para causar sofrimento a um outro despersonalizado e desrespeitado, vale dizer, reduzido a uma “coisa desprezível”.”

A partir de tais definições passamos a refletir sobre os reflexos de tais atitudes e como podemos de fato prevenir essas situações, como bem tido por Henry Ford apud Bauman[6]: “A história é mais ou menos uma bobagem. Nós não queremos tradição. Queremos viver no presente, e a única história digna de interesse é a história que fazemos hoje”. Se o que antes era considerado não tão importante e agora tem tomado grandes proporções, cabe a cada um de nós tentar reescrever e propor novas mudanças, uma conscientização geral que reflete não só em cada indivíduo, mas na população como um todo.

 

2 OS REFLEXOS NA VIDA SOCIAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O que cansamos de presenciar é o aumento dos casos de cyberbullying, abuso que é feito anonimamente e que fere gravemente a questão psicológica da criança e do adolescente. A contundência desses atos compromete desde o rendimento escolar, a vida social e até a própria vida das vítimas (tendo em vista a possibilidade de suicídio devido à pressão sofrida repetidamente por parte dos bullies). O cyberbullying consegue dissipar-se entre milhões de pessoas que, coniventes com a situação, simplesmente se omitem diante de um caso grave como algo insignificante ou pior, compartilham tais conteúdos para difamar ainda mais quem sofre o bullying. Gabriel Chalita[7] comenta o seguinte caso que ocorreu em Manchester, na Inglaterra:

“Em 1997, o estudante de 13 anos Vijay Singh escreveu em seu diário: “Segunda-feira, lanche e dinheiro tomados a pauladas. Terça, bicha e chinês. Quarta, uniforme retalhado à faca. Quinta, sangue e jorros no nariz. Sexta, nada. Sábado, liberdade.” Sábado fora o dia em que o estudante se enforcara em casa com um lenço de seda.”

Ante tamanha crueldade, resta induvidoso que os agressores devem ser punidos. Ocorre que, mesmo com a punição, o mais lesado continua sendo quem sofreu o bullying ou o cyberbullying, uma vez que as marcas podem ser eternas. No entanto, devemos trabalhar a questão das medidas preventivas. A prevenção é o caminho para o início da luta contra essa violência cada vez mais comum em nosso cotidiano.

Leni Vieira Dornelles[8] expressa a preocupação acerca dessa infância que fica cada vez mais cedo adepta ao meio virtual – e à enxurrada de informações – como alternativa às brincadeiras tradicionais que muitas vezes são necessárias para o desenvolvimento da psicomotricidade.

“Venho estudando os discursos que tratam da infância globalizada contemporânea, a que provisoriamente chamarei de cyber-infância – aquela infância afetada daquelas novas tecnologias que vêm produzindo a infância tida como perigosa. Produz-se nos adultos um certo sentimento de medo desta infância visto que ela nos escapa. Vê-se na cyber-infância um perigo, talvez por não se ter produzido um saber suficiente para controlá-la ou porque não se consegue melhor governá-la”.

A fase de vulnerabilidade da criança e do adolescente para com o meio social é verídica, uma vez que é uma fase em que os jovens precisam de aprovação no meio escolar entre amigos, bem como outros fatores que acabam agravando as consequências em quem sofre bullying ou cyberbullying.

Laurence Steinberg[9] explica essa fase que os jovens passam, alguns com pouco e outros com muita dificuldade: “Para esses jovens, adolescência é a hora da crise de identidade. Para outros adolescentes, no entanto, este período é uma das mudanças mais graduais e mais sutis”.

Os reflexos estão nos gestos, no olhar, no jeito de falar e se comportar, reflexos esses que permanecem juntos com a criança e o adolescente até o fim da vida. É como se algo os prendesse lá no seu eu mais íntimo. Um sentimento guardado de impotência e de baixa autoestima. Como se não houvesse mais retorno, como se ninguém pudesse os compreender. E é no meio desse turbilhão de emoções que acontecem as situações mais trágicas e chocantes para quem não aguenta mais tanto horror, para quem busca uma tranquilidade não encontrada durante meses, anos ou uma vida inteira. Tranquilidade essa que muitos não enxergam que está sendo perdida e se enxergam, permanecem omissos.

Bowlby (apud Sônia Koehler)[10] explica que, quando a criança é pequena, a partir dos seis meses, emergem as emoções básicas: alegria, surpresa, tristeza, repugnância e raiva. Além disso, entre os doze e dezoito meses surge a capacidade de identificar os referenciais sociais, desenvolvendo então a autoconsciência. Ou seja, devemos sempre ter em mente que a criança está em constante evolução, seja na parte física ou emocional, e cabe a cada responsável ser o foco positivo, aquele exemplo que desde cedo o indivíduo precisa para não desenvolver traços negativos que serão, em muitos casos, descontados em outras pessoas inocentes, retornando ao ciclo vicioso no qual as crianças absorvem as atitudes dos adultos e as representam da mesma forma[11].

Uma criança ou adolescente na situação de constrangimento extremo pode entrar em um quadro gravíssimo de depressão profunda, inclusive levando a patamares preocupantes como o suicídio. Dessa forma, um caso que chocou o mundo foi o da adolescente canadense, Amanda Todd, que com quinze anos se suicidou, mas antes disso gravou um vídeo no youtube no qual a mesma relata todas as agressões que sofrera antes de desenvolver esse drama psicológico.

O que mais intriga é que esse é somente um dentre vários casos. Surge, nesse sentido, a indagação no sentido de que até que ponto o ser humano consegue torturar o outro, tanto psicologicamente como fisicamente. Até que ponto a consciência do indivíduo deve ser reformulada? E mais: quanto uma sociedade permeada de pré-conceitos pode influenciar nesse quadro (seja julgando ou espalhando tais situações)?

São cicatrizes que se revelam aos poucos, são vidas (vale ressaltar o principal valor da Constituição Federal de 1988) que está em jogo, ou pior, são vidas que estão chegando ao fim prematuramente, virando a partir daí mais um número do desastre causado por atitudes de violência extrema de agressão que muitas vezes são ignoradas.

Fazendo um paralelo entre os três núcleos principais dessa problemática, a escola, a família e a sociedade, Grasiele Nascimento[12] comenta com muita sabedoria o papel da escola em relação ao bullying dando ênfase que a ausência de respeito gera violência:

“Para promover a formação e a socialização do educando, a escola precisa, sobretudo, oferecer um ambiente de respeito aos alunos, acompanhando as suas formas de pensar e vestir, para depois promover seu crescimento intelectual e pessoal. A ausência de respeito gera violência”.

Freud apud Bauman[13] fala a respeito do preceito principal do amor ao próximo:

“A invocação de "amar o próximo como a si mesmo", Freud (em O mal-estar na civilização)', é um dos preceitos fundamentais da vida civilizada. […] Com efeito, é suficiente perguntar "por que devo fazer isso? Que benefício me trará?" para sentir o absurdo da exigência de amar o próximo — qualquer próximo — simplesmente por ser um próximo. Se eu amo alguém, ela ou ele deve ter merecido de alguma forma… "Eles o merecem se são tão parecidos comigo de tantas maneiras importantes que neles posso amar a mim mesmo; e se são tão mais perfeitos do que eu que posso amar neles o ideal de mim mesmo… Mas, se ele é um estranho para mim e se não pode me atrair por qualquer valor próprio ou significação que possa ter adquirido para a minha vida emocional, será difícil amá-lo." Essa exigência parece ainda mais incômoda e vazia pelo fato de que, com muita freqüência, não me é possível encontrar evidências suficientes de que o estranho a quem devo amar me ama ou demonstra por mim "a mínima consideração. Se lhe convier, não hesitará em me injuriar, zombar de mim, caluniar-me e demonstrar seu poder superior".”

E que medidas e providências necessárias seriam as mais sensatas a serem tomadas e regadas dia após dia se não a conscientização e o amor ao próximo que desde criança sofre grande influência dos pais, age conjuntamente com o meio social em que vive e a escola na qual passa metade do seu dia. Como não mesclar esses três núcleos, uma vez que envolve grande parcela da vida do ser humano. Como deixar de lado tudo que faz sentido em segundo plano em relação a tanta norma positivada? Como lidar com tantas consequências geradas e tantos fatos sem solução?

É necessário refletir sobre essa multidisciplinaridade que interliga o direito e tanto faz sentido em todos os pontos do eixo principal debatido aqui. Ademais, importante pensar acerca dos reflexos na vida social da criança e do adolescente articulado com o núcleo axiológico do direito (tão defendido e ao mesmo tempo tão vulnerável), a dignidade da pessoa humana.

3 O CYBERBULLYING E O ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO

Primeiramente, cabe salientar que não faz sentido falar do cyberbullying sem falar de direitos fundamentais. Isso porque a Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso X, determina que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Acontece que nem assim as pessoas – especialmente jovens, cuja sensibilidade é maior – são respeitadas.

Bittar apud Marcius Nahur[14] se refere à proteção dos direitos humanos e fundamentais:

“Não se pode negar que, ao longo dos últimos tempos, houve significativos esforços em direção a essa proteção. Entretanto, não há dúvidas de que ainda falta, e muito, maior efetividade na proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. E essa caminhada protetiva deve focalizar, com bastante ênfase, todos aqueles que se encontram em situações de maior vulnerabilidade, elevando-se a efetivação dos direitos humanos e dos direitos fundamentais ao cume dos valores sociais”.

Devemos enfatizar que, além da nossa Constituição Federal de 1988, há outros dispositivos legais positivados em nosso ordenamento jurídico que tratam da necessidade de preservar direitos a todos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como outras leis estaduais e afins tratam do assunto. Em especial temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que orienta mundialmente a questão dos direitos de cada cidadão, e fora adotada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Tal declaração determina em seu artigo 1º que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Logo, resta vedado agir com desrespeito ao direito e dignidade alheios. Mais grave ainda é quando isso ocorre em relação a alguém vulnerável, que ainda não tem condições – sequer cognitivas – de se defender, imprimindo-lhes o estigma da inferioridade.

Passe-se então a refletir sobre o quanto cada indivíduo valora os princípios e direitos fundamentais, tanto da nossa Constituição Federal quanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Até que ponto deveríamos exercer cada artigo desses que nos regem? É possível tornar real esse mundo tão idealizado por aqueles que buscam a justiça e a mudança desses comportamentos tão individualistas?

É forçoso não ater-se às questões que atingem apenas particularidades, mas ampliar o olhar para o próximo, sem a perspectiva de recompensa ou qualquer coisa do gênero. Se hoje o outro precisa de ajuda, não faz sentido ficar parado apenas temendo um futuro desfecho indesejável. Tal futuro é comumente visto de perto ou longe, e acaba sendo extremamente catastrófico quando tratamos da questão psicológica, que fere tão intimamente o jovem ou a criança, a ponto de se caracterizar depressão profunda ou suicídio (diversas vezes relatados). Se menos grave, e mesmo assim tão preocupante quanto, há a questão da reclusão ou uma infinidade de problemas psicológicos que vêm a tona durante a vida.

Tendo em vista um aumento cada vez maior de casos de bullying virtual, a Lei n° 13.474 de 28 de junho de 2010[15], que “dispõe sobre o combate da prática de ‘bullying’ por instituições de ensino e de educação infantil, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos” surge a fim de prevenir casos que têm sido comuns nas escolas. Como forma de combater esse mal, determina em seu artigo 3º a política antibullying:

“Art. 3.º – No âmbito de cada instituição a que se refere esta Lei, a política “antibullying” terá como objetivos:

I – reduzir a prática de violência dentro e fora das instituições de que trata esta Lei e melhorar o desempenho escolar;

II – promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito aos demais;

III – disseminar conhecimento sobre o fenômeno “bullying” nos meios de comunicação e nas instituições de que trata esta Lei, entre os responsáveis legais pelas crianças e adolescentes nelas matriculados;

IV – identificar concretamente, em cada instituição de que trata esta Lei, a incidência e a natureza das práticas de “bullying”;

V – desenvolver planos locais para a prevenção e o combate às práticas de “bullying” nas instituições de que trata esta Lei;

VI – capacitar os docentes e as equipes pedagógicas para o diagnóstico do “bullying” e para o desenvolvimento de abordagens específicas de caráter preventivo;

VII – orientar as vítimas de “bullying” e seus familiares, oferecendo-lhes os necessários apoios técnico e psicológico, de modo a garantir a recuperação da autoestima das vítimas e a minimização dos eventuais prejuízos em seu desenvolvimento escolar;

VIII – orientar os agressores e seus familiares, a partir de levantamentos específicos, caso a caso, sobre os valores, as condições e as experiências prévias, dentro e fora das instituições de que trata esta Lei, correlacionadas à prática do “bullying”, de modo a conscientizá-los a respeito das consequências de seus atos e a garantir o compromisso dos agressores com um convívio respeitoso e solidário com seus pares;

IX – evitar tanto quanto possível a punição dos agressores, privilegiando mecanismos alternativos como, por exemplo, os “círculos restaurativos”, a fim de promover sua efetiva responsabilização e mudança de comportamento;

X – envolver as famílias no processo de percepção, acompanhamento e formulação de soluções concretas; e

XI – incluir a política “antibullying” adequada ao regimento de cada instituição.”

Entre tantas normas, questiona-se se é suficiente ficar simplesmente positivando todo e qualquer assunto de relevância social. Parece que não. A conscientização precisa ser feita dia após dia. O indivíduo precisa ser educado para valorizar o que está positivado, e não apenas ler. A educação deve ser em direitos humanos e não apenas para os direitos humanos. Hoje em dia sequer se faz história, apenas se lê história, passando para a próxima página como se tudo fosse apenas um jogo de palavras, sem realmente dar o devido valor aos direitos humanos e fundamentais.

O indivíduo deve, antes de somente exigir direitos, cumprir com seus deveres, pois cada um tem uma parcela de contribuição. A mera política de prevenção não basta, sendo mais importante a conscientização do ser humano para com o próximo.

4 ANÁLISE DA PESQUISA QUALITATIVA

Partindo do fato de que as crianças e os adolescentes têm se tornado alvo comum dos ataques no meio virtual, realizou-se uma pesquisa qualitativa abordando algumas questões de suma relevância para o assunto vista pelo eixo das escolas públicas municipais. Para destaque inicial, pode-se discutir o conceito que a escola tem como base sobre o que é cyberbullying, uma vez que, por unanimidade, todas reconheçam a agressão feita em atos do gênero, vinculam a relação direta entre opressor e oprimido e reconhecem a gravidade e a delicadeza dessa violência.

As escolas relataram casos que aconteceram e influenciaram diretamente no desempenho escolar dos jovens, um exemplo surge de uma escola da cidade de Guaporé, Rio Grande do Sul, que a escola inclusive relata uma fragilidade a respeito de como agir:

“[…] teve um caso na escola de uma menina que postou uma foto de seus seios e mandou para um amigo e este enviou para outro que este outro… enfim, todos na escola só queriam ver os “peitos” da fulana. Nesse caso é complicado para nós como escola chegar numa conclusão de quem começou a espalhar as fotos pois não temos aparato tecnológico para a investigação, então nós temos que começar apelando pelo bom senso de alguém que viu e daí contou e assim por diante.”

Outro caso surge numa escola pública municipal em Tramandaí, cidade do litoral do Rio Grande do Sul:

“[…] houve uma situação caracterizada como cyberbullying na escola na qual atuo. Dois grupos de aproximadamente quatro alunos cada estavam na escola no turno inverso para o ensaio de uma apresentação a ser realizada para a disciplina de história. Os alunos ficaram sozinhos no auditório da escola para elaborar suas respectivas apresentações, infelizmente duas meninas de grupos diferentes iniciaram uma discussão a respeito de um determinado menino e os ânimos se exaltaram. Elas acabaram partindo para a agressão física. Os demais colegas que presenciavam a cena filmaram ocorrido com celulares e durante o recreio repassaram o vídeo para vários colegas. […] isso fez com que as alunas começassem a faltar repetida vezes às aulas para evitar a ridicularização dos colegas”.

A comunicação com os pais faz-se necessária nesses casos, porém surge algo que serve de alerta a respeito da postura que esses pais (tanto dos bullies quanto da vítima) mantém em relação aos fatos. O primeiro ponto é a visão dos pais de quem pratica o cyberbullying, que equivocadamente em muitos casos somente preocupam-se com as consequências judiciais. O segundo ponto é a visão dos pais de quem sofre o cyberbullying que colocam a vítima em mais uma situação constrangedora ao “acusarem” a mesma de “falta de cuidado ao enviar fotos”. A vítima é vítima e nada mais, porém os pré-conceitos ainda enraizados na sociedade fazem com que papéis sejam invertidos. Trechos relatam que essa falta de tato para com o assunto faz-se presente não só por parte dos pais, mas infelizmente por parte de alguns educadores conforme segue abaixo:

“[…] o cyberbullying só acontece quando o indivíduo se expõe. […] o cyberbullying só ocorre quando tomamos a decisão de nos expor. A consequência é fato direto.”

Ora, é fato claro que ninguém tem o direito de violar a intimidade, a vida privada, a honra e imagem das pessoas. Como lidar com tantos dogmas? Como desconstruir ideias tão afastadas da realidade? Depoimentos incoerentes de quem deveria educar? A exposição como consequência de uma foto enviada não é fato direto, não deveria ser, vale ressaltar mais uma vez, pior ainda é saber que quem deveria educar leva a situação dessa maneira. Maria Benevides[16] nos remete à educação em Direitos Humanos como algo necessário nos dias atuais baseada em três princípios fundamentais:

“A Educação em Direitos Humanos parte de três pontos: primeiro, é uma educação permanente, continuada e global. Segundo, está voltada para a mudança cultural. Terceiro, é educação em valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, ou seja, não se trata de mera transmissão de conhecimentos. Acrescente-se, ainda, que deve abranger, igualmente, educadores e educandos, como sempre afirmou Paulo Freire.”

A mudança deve ser geral, pois devemos desconstruir e reconstruir cada uma das peças que compõem esse sistema: família, escola e sociedade. Os Direitos Humanos deveriam ser vistos com mais seriedade pelas pessoas, o respeito ao próximo deveria ser algo natural.

A reação da criança e do adolescente nos casos de violência virtual é quase sempre a mesma: distanciamento da sala de aula, desempenho escolar afetado negativamente e, por fim, a comunicação com os colegas é dificultada.

A postura da escola na prevenção do cyberbullying foi debatida. Algumas escolas dizem-se preocupadas e procuram alertar os alunos com palestras educativas e apoio da orientação a respeito do tema, muito embora alertem que muitas vezes a intervenção parece ser ineficiente, considerando a postura de enfrentamento adotada pelos alunos e incentivada pelos pais.

Sendo assim, ampliando a visão através de conceitos dados pela escola sobre como é definido o cyberbullying naquela instituição de ensino sobre casos que por ventura tenham ocorrido e a vinculação entre esses fatos e o desempenho escolar e vida social permitem refletir mais uma vez sobre como agir de forma eficaz, sobre o que fazer para evitar senão através de uma melhoria no sistema educacional como um todo, na junção dos três núcleos como um todo para progredir ao invés de regredir no assunto. Afinal, uma vez na internet, sempre na internet. As marcas são eternas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista todos os pontos abordados durante a pesquisa, temos como fato a evolução dos meios digitais que acompanhada da falta de orientação abre margem para o descontrole em relação ao cyberbullying. Através de uma pesquisa qualitativa, obtiveram-se relatos de professores e orientadores de escolas públicas sobre como é definido e trabalhado o conceito de cyberbullying naquela instituição de ensino, se há alguma ocorrência e as consequências da mesma. A política antibullying foi colocada em pauta e os modos de prevenção debatidos.

Dentre tais discussões abriu-se a seguinte indagação: até que ponto o educador tem consciência de que a vítima será sempre vítima e nada mais? Caímos de novo no dogma de que “quem toma a decisão de se expor, tem plena consciência das consequências”. Ora, é fácil perceber que isso não passa de mais uma das mentiras que a sociedade cultiva conforme analisado no artigo. O choque fica por conta do fato desses relatos partirem de quem deveria ter um posicionamento contrário.

Fotos espalhadas tornaram-se uma forma de vingança muito utilizada e a análise da evolução do cyberbullying que no dia seguinte torna-se o bullying propriamente dito nos corredores da escola é um fato preocupante, visto que se perde o controle por parte de quem sofre, pois dependendo da exposição e da fragilidade emocional do indivíduo, o suicídio torna-se real.

A comunicação com os pais é imprescindível numa situação de bullying virtual, e isso em muitos casos ocorre, porém a primeira reação é se preocuparem com as consequências jurídicas ao invés de se preocuparem com o fato em si, que é gravíssimo conforme análise de conteúdo. A repreensão nesses casos surge por parte dos pais das vítimas que as indagam e cobram a “falta de cuidado ao enviar fotos”, por exemplo. Em unanimidade constatou-se o relato da falta de controle, de não saber como lidar, ou melhor, não saber o que fazer de fato para prevenir de forma eficaz.

Não há dúvidas de que o assunto é relevante na vida dos jovens que sofrem diretamente os danos desses atos. Cartilhas explicativas do que é o cyberbullying e das consequências que geram deveriam ser disponibilizadas em conjunto com a informação passada pelos educadores. Além disso, as vítimas devem contar com apoio psicológico.

Por fim, não obstante tenha um caráter inaugural e embrionário, espera-se com esse trabalho abrir a possibilidade de reflexão acerca do combate ao cyberbullying como meio de preservação da dignidade de todas as crianças e adolescentes.

 

Referências
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Notas:
[1] NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Bullying: a violência no âmbito escolar. In ALKIMIN, M. A. (Org.). Bullying: visão interdisciplinar. Campinas: Alínea, 2011, p. 23.
[2] OLWEUS, Dan. What is Cyber Bullying?. Disponível em: <http://www.violenceprevention works.org/public/cyber_bullying.page>. Acesso em: 20 abr. 2014.
[3] MATOS, William. Conhecer para combater, identificar para prevenir Bullying e Cyberbullying: o curto caminho da inocência aos crimes digitais. São Paulo: All Print, 2012. p.105-106
[4] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. p. 145-156.
[5] NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Violência (Bullying e Cyberbullying) : Modernidade e crise de sentido, ética e direitos humanos. In ALKIMIN, M. A. (Org.). Bullying: visão interdisciplinar. Campinas: Alínea, 2011. p. 65.
[6] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 150-1.
[7] CHALITA, Gabriel. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008. p. 143.
[8] DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis: Vozes, 2005. p.
[9] STEINBERG, Laurence. Adolescence. Columbus: McGraw-Hill, 2011. p. 246.
[10] KOEHLER, Sônia Maria Ferreira. As Faces do Bullying: implicações sociais e emocionais a partir das relações interpessoais no ambiente escolar. In ALKIMIN, M. A. (Org.). Bullying: visão interdisciplinar. Campinas: Alínea, 2011. p. 34-5.
[11] Uma campanha feita pela NAPCAN (National Association for Prevention of Child Abuse and Neglect), uma organização não governamental de prevenção ao abuso e descuido de crianças, demonstra bem essa relação de influência dos pais no vídeo “Children see. Children do”. Disponível em: <http://napcan.org.au/children-see-children-do/>. Acesso em: 24 maio. 2014.
[12] NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. Op, cit., p. 14.
[13] BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 46.
[14] NAHUR, Marcius Tadeu Maciel. Op. cit., p. 73.
[15] Lei 13.474 de 28 de junho de 2010. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/ arquivos/13.474.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014.
[16] BENEVIDES, Maria Victória. Educação em Direitos Humanos: de que se trata? Disponível em: <http://gajop.org.br/justicacidada/wp-content/uploads/9_benevides.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2014

Informações Sobre os Autores

Júlia Oselame Graf

Acadêmica de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG)

Bianca Pazzini

Mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Bolsista CAPES de Pesquisa. Advogada

Raquel Fabiana Lopes Sparemberger

Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela UFPR. Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), professora do Programa de Mestrado em Direito da FURG. Professora responsável pelo Grupo de Estudos da FURG sobre o Constitucionalismo Latino-Americano. Advogada. Membro da Comissão de avaliação dos cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Capes (2014)


Equipe Âmbito Jurídico

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