1. Depoimento Pessoal e o Interrogatório
Depoimento pessoal consiste na oitiva da parte, solicitada pela outra parte ou por determinação do juiz, com a finalidade de esclarecer fatos relativos à causa, podendo ocorrer em qualquer estado do processo.
O CPC contempla duas modalidades de depoimento pessoal:[1]
a) o interrogatório – o juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa (art. 342). O objetivo do interrogatório é o esclarecimento do juiz. As partes serão interrogadas sucessiva e separadamente (como regra geral, primeiro o autor, depois o réu) (arts. 344, parágrafo único, e 413), não sendo permitido, a quem não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte (art. 344, parágrafo único);
b) o depoimento pessoal, isto é, quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento (art. 343, caput). A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor (art. 343, § 1º). Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão (art. 343, § 2º). A finalidade do depoimento pessoal é a provocação da confissão.[2]
Na estrutura do processo do trabalho, encontramos: a) as partes serão inquiridas pelo juiz, podendo ser reinquiridas, por seu intermédio, pelas partes, seus representantes ou advogados (art. 820, CLT); b) terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o juiz ex officio interrogar os litigantes (art. 848, caput). Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante ou advogado (art. 848, § 1º).
Manoel Antonio Teixeira Filho entende que o art. 820 deve ser interpretado em conjunto com o disposto no art. 848.
Portanto, a parte somente poderia ser reinquirida pela outra, se o magistrado determinar o interrogatório (o qual é de iniciativa exclusiva do juiz).
Ao elucidar o seu entendimento, Manoel Antonio Teixeira Filho[3] finaliza: “Nessa mesma linha de raciocínio – que sabemos colidente com a doutrina predominante –, entendemos que o indeferimento, pelo juiz, de requerimento da parte, no sentido de determinar que a intimação da outra, para vir a Juízo a fim de depor, não configura restrição de defesa, não sendo, pois, causa de nulidade processual, por suposto. O mesmo se diga na hipótese de, em audiência, o juiz dispensar, sponte sua, o interrogatório dos litigantes, ainda que presentes. Do conjunto desses fatos e da soma das conclusões parciais, ou intermediárias, construímos uma final: a CLT, manifestando, o traço inquisitivo do processo que ela disciplina (nada obstante haja, também, um componente de disponibilidade), não previu o depoimento das partes, como fez o atual (art. 343), mas apenas o interrogatório (art. 848), que é coisa distinta.”
O sistema único do interrogatório não é adotado pela jurisprudência do TST (Súm. 74). Em outras palavras, no processo trabalhista, além do interrogatório, a parte tem o pleno direito de ouvir o adverso em depoimento pessoal, sob pena de violação do seu amplo direito de defesa.[4]
2. Da Confissão
Confissão é admissão de um fato contrário ao próprio interesse e favorável à parte contrária.
A confissão, leciona Arruda Alvim,[5] consiste “na declaração, com efeito probatório, de ciência de fatos, tidos como verídicos pelo confitente, e contrários ao seu interesse, sendo favorável à outra parte.”
Em regra, esclarece Humberto Theodoro Júnior,[6] “a confissão deve conter: I – reconhecimento de um fato alegado pela outra parte; II – a voluntariedade desse reconhecimento; III – um prejuízo para o confitente, em decorrência do reconhecimento. Há, pois, um elemento subjetivo na confissão, que é o ânimo de confessar, ou seja, a intenção de reconhecer voluntariamente um fato alegado pela outra parte. E há, também, um elemento objetivo, que é o próprio fato litigioso reconhecido em detrimento do confitente.”
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. Será judicial aquela feita perante o juízo e reduzida a termo. Enquanto, a extrajudicial poderá ser: escrita ou oral perante a parte contrária, terceira pessoa ou contida em testamento.
Por sua vez, a confissão judicial poderá ser espontânea ou provocada. Será espontânea se a parte espontaneamente confessar, a qual será tomada a qualquer tempo no processo. A provocada ocorre no depoimento pessoal da parte.
Além disso, a confissão judicial pode ser expressa (real) ou tácita (ficta ou presumida). Confissão real é a feita expressamente sobre os fatos alegados pela parte contrária e ficta é a que decorre da revelia (art. 319, CPC), da falta de impugnação específica dos fatos (art. 302), da falta de comparecimento ou recusa de depor (343, § 2º) ou da recusa de exibir documento por determinação judicial (art. 359), trata-se de uma presunção relativa podendo ser elidida por outras provas.
A confissão é indivisível, isto é, a parte que se beneficia não pode aceitá-la em uma parte e rejeitá-la em outra, quando desfavorável. Contudo, pode ser cindida, “quando o confitente lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção” (art. 354).
A confissão seja ela ficta (por ex., quando ocorre à revelia) ou real não, não tem efeitos no processo que tratar sobre questões de direito indisponível ou, nos casos em que havendo litisconsorte, apenas um ou alguns deles fizerem a confissão (arts. 48, 320, II, e 350).
Porém, tratando de litisconsorte unitário, Arruda Alvim[7] ensina que “os efeitos da confissão se limitam ao confitente, na forma do art. 350, não atingindo, absolutamente, os litisconsortes do processo, visto que os litisconsortes são considerados autonomamente (arts. 48 e 350). Assim, os atos de um litisconsorte não poderão prejudicar os demais. Por outro lado, tratando-se de litisconsórcio unitário, e, juntamente porque a decisão deverá ser igual para todos, a confissão de um litisconsorte será ineficaz em relação à determinação do resultado da decisão da causa, conquanto possa ser considerada válida em si mesma, desde que esteja revestida das formalidades. O fato de se dizer que a confissão do litisconsorte unitário é válida significa que não poderá ser revogada pelo litisconsorte-confitente e, somente nos casos do art. 352, pode ser anulada. Não será, todavia, eficaz. Dessa forma – porque válida, mas ineficaz –, ela poderá gerar efeitos fora do processo, em relação ao confitente e à parte contrária, mas nenhum efeito poderá gerar em relação à decisão a ser proferida no feito em que foi feita. Para que se verifique a eficácia no processo, necessário será que todos os litisconsortes unitários igualmente confessem, de forma válida.”
Por fim, a confissão poderá ser anulada, via ação anulatória, se pendente o processo em que foi feita, ou por ação rescisória, caso tenha transitado em julgado a sentença, da qual constituiu o único fundamento, quando produzida por erro, dolo ou coação (art. 352).
3. Procedimentos do Depoimento Pessoal
O reclamante e o reclamado devem comparecer à audiência[8] acompanhados das suas testemunhas, apresentando, nessa ocasião, as demais provas (art. 845, CLT).
Tanto empregado como empregador podem se fazer substituir em audiência.
O empregado, se por motivo de doença ou qualquer outro motivo ponderoso, devidamente comprovado, não puder comparecer, poderá se fazer substituir por outro empregado que pertença à mesma profissão ou pelo sindicato (art. 843, § 2º, CLT) para justificar e pleitear nova designação. Nestas hipóteses, a representação limita-se a evitar o arquivamento da demanda, com o adiamento da audiência. Portanto, o representante não terá poderes para confessar, transigir, renunciar ao direito etc. A nosso ver, também é razoável impor-se o adiamento se houver a formulação e a comprovação do motivo do não comparecimento pelo próprio advogado da parte.
Nas ações plúrimas, as quais, normalmente refletem a adoção de um litisconsórcio ativo facultativo (art. 842, CLT), diante do elevado número de empregados, tem-se adotado a prática de se fazer uma comissão de representantes. É uma forma de se otimizar o comparecimento de todos à audiência, além de se evitar o tumulto na própria audiência. Também se admite a representação pelo sindicato da categoria[9] (art. 843, caput, CLT). Nestas hipóteses, se a parte contrária não tiver uma objeção fundamentada quanto à forma da representação do pólo ativo em audiência, não poderá exigir o depoimento pessoal.
É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato e cujas declarações obrigarão o proponente (art. 843, § 1º).[10]
Caso o preposto não conheça os fatos, tem-se a confissão ficta, a qual deve ser requerida pela parte interessada, e suas declarações, espontâneas e contrárias ao interesse do empregador, caracterizam confissão real.
Após a defesa, tem-se a produção das provas, podendo o juiz, ex officio, interrogar os litigantes. Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes ausentar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante. Na seqüência, serão ouvidos as testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver (art. 848, §§ 1º e 2º, CLT).
A nosso ver, quando o juiz não determinar o interrogatório, por aplicação subsidiária do art. 343 do CPC, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra.
Dependendo da divisão das audiências, há uma série de conseqüências legais, doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao comparecimento das partes e os respectivos depoimentos pessoais.
Na primeira audiência (primeira tentativa de conciliação e, no caso de não se ter êxito, a formulação da defesa escrita ou oral; designação da audiência em prosseguimento), são válidas as regras do art. 844, caput, da CLT.
Para a segunda audiência (coleta dos depoimentos pessoais e testemunhais; a oitiva do perito e dos assistentes técnicos: encerramento da instrução; razões finais orais e a segunda tentativa obrigatória de conciliação; designação de uma nova audiência para julgamento) haverá a aplicação da pena de confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento (Súm. nº 74, I, TST).
Se a ausência for mútua, a pena de confissão não é possível devendo o feito ser julgado no estado em que encontra, considerando o ônus da prova de cada parte, exceto se for o caso de uma eventual prova técnica (por exemplo: adicional de insalubridade e/ou de periculosidade; pedido de reparação civil por ato ilícito decorrente de acidente de trabalho).
Alguns juízes, quando a ausência é do reclamante na segunda audiência, costumam determinar o arquivamento do feito, o que não é possível, pois a demanda já está contestada (Súm. nº 9, TST).
Portanto, na audiência em prosseguimento, as duas partes (reclamante e reclamado) estão sujeitas à pena de confissão quanto à matéria de fato, desde que a ausência das partes não seja mútua.
Diante da confissão de uma das partes, somente a prova pré-constituída poderá ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores (Súm. 74, II). Por esse verbete sumular, o TST equivale a confissão ficta à real, o que não está correto, na medida em que obsta a busca da verdade real.[11]
Como regra, na audiência trabalhista (art. 452, II), em primeiro lugar, é interrogado o reclamante e, na seqüência, o reclamado, não se permitindo, a quem não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte (art. 344, parágrafo único).[12]
Não se aplica a regra do art. 344, parágrafo único, do CPC, quando: a) o reclamado não estiver assistido por advogado (capacidade postulatória dada às partes no processo trabalhista de acordo com o artigo 791 da Lei Consolidada); b) o advogado estiver postulando em causa própria ou estiver acumulando a qualidade de preposto.[13]
O art. 452, II, estabelece que o juiz tomará os depoimentos pessoais, primeiro do autor e depois do réu. Nada obsta ao juiz que faça a inversão dos depoimentos pessoais, precipuamente, pelos fatos alegados pelas partes e o respectivo ônus da prova.
Após os depoimentos pessoais, serão ouvidas as testemunhas do reclamante e, em seguida, as do reclamado, podendo, também haver a inversão, desde que seja fundamentada em face do encargo probatório das partes.[14]
Quando à parte, sem motivo justificado, deixar de responder ao que lhe for perguntado, ou empregar evasivas, o juiz apreciando as demais circunstâncias e elementos de prova, declarará, na sentença, se houve recusa de depor (art. 346).
Além dos deveres enumerados no art. 14 do CPC, compete à parte comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado (art. 340, I).
A parte responderá pessoalmente sobre os fatos articulados, não podendo servir-se de escritos adrede preparados; todavia, o juiz lhe permitirá a consulta a notas breves, desde que objetivem completar esclarecimentos (art. 347). É o caso do exame da CTPS ou da ficha de registro, respectivamente, pelo reclamante e reclamada.
A parte não é obrigada a depor de fatos: a) criminosos ou torpes, que lhe forem imputados; b) a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo (art. 347, I e II).
O depoimento das partes e testemunhas que não souberem falar a língua nacional será feito por meio de intérprete nomeado pelo juiz (art. 819, caput, CLT), o que também é aplicável ao surdo-mudo, ou de mudo que não saiba escrever (art. 819, § 1º), sendo que as despesas correrão por conta da parte a quem interessar o depoimento (art. 819, § 2º).
4. Perguntas Indeferidas
O juiz não deve permitir que as partes façam perguntas irrelevantes, impertinentes ou inúteis (art. 130, CPC).
Contudo, as perguntas indeferidas serão obrigatoriamente transcritas no termo de audiência se à parte o requerer (art. 416, § 2º), como forma de se resguardar o amplo direito de prova da parte prejudicada.
Isso é necessário para que à parte, no momento oportuno, possa solicitar a nulidade processual.
Em algumas audiências, é comum que o magistrado “indeferida a pergunta e se recuse a lançar na ata o indeferimento. Como a parte não dispõe de meios para compelir o juiz a anotar o teor da pergunta indeferida, cabe reclamação correcional visando que o registro seja feito”.[15]
Cabe também um protesto escrito feito logo após a audiência, com a indicação dos motivos e das perguntas.
5. Depoimento de Menores de 18 Anos
Para Christovão Piragibe Tostes Malta,[16] “a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código de Processo Civil são omissos a propósito da viabilidade de o menor de dezoito anos poder prestar depoimento, devendo, então, o problema ser solucionado à luz de princípios gerais informativos do Direito Processual. Os menores de dezoito anos são relativamente incapazes, o que impede que confessem, isto é, mesmo que admitam claramente que praticaram atos cujos efeitos lhes são contrários e favorecem o adversário, como quando reconhecem haver praticado a falta de que são acusados, suas assertivas não podem ser classificadas como confissão. Não poder confessar, ou seja, não poderem as declarações do menor ser recebidas como confissão, no entanto, não é sinônimo de não poder depor.”
Para esse autor, o menor de 18 pode depor, sem a necessidade da presença de seu representante legal durante o depoimento, contudo, não deve haver o reconhecimento da confissão. Para ele, as respostas dadas devem ser valoradas com os demais elementos de convicção existentes nos autos.
Na propositura da ação de menor é imperiosa a assistência pelo seu representante legal (art. 793, CLT), logo, a validade do seu relato pessoal também está condicionada a essa assistência.
Desde que haja a assistência pelo seu representante legal, o menor poderá confessar. Nesse sentido é a opinião de Wagner Giglio:[17] “Se o menor de 18 e maior de 14 anos pode trabalhar, assinar recibos e responder pelas infrações que tenha cometido, deve também ter reconhecida sua capacidade para confessar (o ato faltoso praticado, por exemplo), desde que assistido por pai, mãe, tutor ou responsável.”
Em determinadas demandas judiciais, o depoimento do menor é “absolutamente necessário, como quando houver sido despedido por justa causa legal; somente ele, nesta hipótese, poderá dizer a respeito do ato faltoso que lhe é assacado pelo empregador, de modo que negar-se a sua possibilidade de depor seria subtrair do juiz um dos caminhos conducentes à verdade formal, cuja investigação, em regra, é tormentosa, não se podendo, à vista disso, prescindir da audição daqueles que estão intimamente vinculados aos fatos”.[18]
Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.
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