Sumário: 1. Introdução. 2. O direito de ingerência. 2.1. Conceito. 2.2 A soberania e o Direito de Ingerência. 2.3 O princípio da não-intervenção e a Ingerência. 3. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. 3.1 Conceito de Meio Ambiente. 3.2 Princípios. 4. O Direito de Ingerência no domínio do Meio Ambiente. 4.1 Histórico. 4.2 Fundamento e utilização do direito de ingerência no domínio do meio ambiente. 4.3 Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente estudo esclarecer o conceito de Meio Ambiente, tendo demonstrado sua importância para a vida humana, assim como demonstrar as normas jurídicas que versam sobre sua conservação, não só do Brasil, mais do mundo. Ao entrar na esfera internacional, pretendeu-se mostrar o Direito de Ingerência como novo mecanismo de prevenção e salvaguarda do meio ambiente, uma vez que, através do Direito de Ingerência, os países que realmente se preocupam com a preservação do ambiente poderão intervir naqueles que estejam sendo displicentes para com esse Direito fundamental que todos os indivíduos têm, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Versando esse estudo também sobre normas que regulam diversos países na busca pela preservação do meio ambiente, focalizando na Constituição de alguns deles.
Objetivou-se também demonstrar as bases jurídicas que possibilitam o uso da Ingerência no domínio do meio ambiente, além de fazer uma breve explanação histórica para demonstrar as raízes do Direito de Ingerência.
Ao estudar, entender e conceituar o Meio Ambiente, pretendeu-se dar enfoque ao Direito ao Meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como, relatar fatos históricos onde efetivamente se utilizou o direito de Ingerência no mundo, explicitando se já houve na história, a utilização do direito de Ingerência no domínio do meio ambiente.
Acredita-se que ao fim deste estudo a seguinte indagação restará respondida: É juridicamente possível a utilização do Direito de Ingerência com fins na salvaguarda do Meio Ambiente?
Por fim resta dizer que é de extrema importância estudos sobre meios que versam sobre a proteção do Meio Ambiente, porque esse é um tema que sai da esfera nacional, pois, danos causados por uma nação, por exemplo, poderá estar afetando diversas nações, quiçá o mundo. Logo, se faz necessário que haja mecanismos internacionais para que os Estados que eventualmente não se importem com questões ambientais, possam ser sancionados, e que o dano eventualmente causado por eles possa ser sanado, assim sendo, nada mais justo que um país com verdadeira preocupação para com esse Direito Humano, possa tomar para sí a responsabilidade de sanar os danos causados nesse território.
2. O direito de ingerência
Antes de adentrar no tema específico do presente trabalho, acredita-se que é de extrema importância esclarecer os conceitos dos temas bases que integram o tema central, um deles é o Direito de Ingerência, que de acordo com a etimologia da palavra, pode-se dizer que ingerência nada mais é do que intervenção, uma vez que a palavra deriva do latim “ingerentia” que significa, interferência, outrossim, ao aprofundar os estudos, vê-se que o Direito de ingerência e o de intervenção são distintos, ainda que um derive do outro.
2.1. Conceito
Segundo a enciclopédia Larousse Cultural, ingerência é:
“1.Ação ou efeito de ingerir-(se).-2. Intervenção, influência.- 3. Intervenção de um Estado na política interna de outro Estado. -4. Ação de se imiscuir nos negócios de outrem; intromissão”.[1]
Por conseguinte, vale-se citar trecho da revista Tema, em seu número 15, do CESED- Centro de ensino Superior e Desenvolvimento, onde Milena Barbosa de Melo e Larissa Rodrigues Rasia afirmam:
“A intervenção tem uma abrangência muito maior que a ingerência humanitária, podemos até dizer que essa é uma espécie e aquela um gênero. A intervenção é revestida por muitos caracteres, podendo ter um fim político, econômico, diplomático, religioso, humanitário, entre outros. A intervenção é qualquer ato de uma nação, organizações internacionais ou ainda organizações não-governamentais que viola a soberania de outra nação. Outro fatos importante, para caracterização das intervenções é que normalmente são revestidas pelo uso da força.”[2]
É importante ressaltar também que, partilhando a mesma ideia trazida pela citação anterior, temos Vladimir Chaves, pois, em artigo escrito para Revista Jurídica da Presidência da República, baseando-se na obra “L´ Unité de l´OrdreJuridique Internacional” do jurista Francês Pierre-Marie Dupuy, intervenção não seria o mesmo que ingerência, uma vez que a intervenção é armada e a ingerência não. Nas palavras do escritor:
“Os internacionalistas franceses (P.-M.Dupuy) distinguem intervenção de ingerência, considerando que aquela é feita por meio da força armada e que no século XIX a intervenção humanitária era denominada de “intervenção da humanidade”[3]
Ainda nesse sentido, tem-se o entendimento de Consuelo Ramon Chornet, que afirma:
“En el caso del derecho de intervención de humanidad se trataría de intervenciones que consisten precisamente en uso de la fuerza, y se dirigen fundamentalmente a la protección de nacionales (aunque este extremo es más que discutible, como se verá, después del conflicto del Golfo resulta difícil dejar de reconocer que ha quedado acuñado un derecho de intervención de humanidad que no se restringe a la protección de nacionales)”[4]
Compartilhando a mesma opinião, tem-se citação do professor Raul José de Galaad Oliveira, que em artigo para a Revista Internacional de Direito Ambiental e Políticas Públicas menciona:
“No debate moderno da soberania tem se discutido a necessidade da intervenção externa nos assuntos internos dos países, em circunstâncias que daria origem ao que se denomina direito de ingerência”.[5]
Mais ao mesmo tempo em que afirmou que o Direito de Ingerência decorre do de Intervenção, ainda no mesmo texto, ele passa a tratar do Direito de Ingerência como se fosse o de Intervenção e vice- versa, o que nos faz pensar que ele entende que Direito de Ingerência e de Intervenção nada mais é que a mesma coisa, conforme outra parcela de estudiosos do Direito internacional, como por exemplo, Marcelo Dias Varella, também acredita, pois em escritos para seu livro, ao explicar “A construção jurídica e política do Direito de Ingerência”, ele a todo instante se refere ao Direito de Ingerência como sendo Direito de Intervenção, o que se percebe das primeiras linhas do tópico já citado dos seus escritos:
“Seção I- A construção jurídica e política do Direito de Ingerência- O conceito de direito de intervenção viola o conceito de soberania, que é a base da concepção de uma comunidade internacional e do direito internacional público.Contudo, ele foi amplamente desenvolvido e utilizado pelas Nações Unidas desde o início dos anos 90.”
Outrossim, se contrapondo a este pensamento temos Adriana Ramos, apud Isabel Raimundo:
“Definir o termo intervenção se faz essencial, pois este pode gerar algumas confusões, na medida em que intervenção e ingerência são muitas vezes tidos como sinônimos. Conforme Isabel Raimundo, a ingerência e a intervenção não designam a mesma realidade, eis que aquela abrange mais formas de ação, uma das quais é a intervenção, sendo que a fonte imediata é a mesma (a igualdade soberana dos Estados).e ambas perseguem uma finalidade comum. Enquanto a não intervenção visa toda agressão contra o território de um Estado estrangeiro pelas forças armadas de um outro Estado, sendo o território encarado como coisa ou dominium, assimilável ao artigo” [6]
Como se percebe, não existe um consenso ainda por parte dos escritores do assunto, mais se pode dizer que a doutrina majoritária afirma que o conceito de uma deriva do significado da outra, pois para o Direito Internacional Público, a intervenção é um ato de ingerência por parte de um Estado nos assuntos particulares, sejam eles internos ou externos de outro, com o objetivo de impor sua vontade na outra Nação. Porém, as nações de modo geral, são regidas, dentre outros princípios, na órbita internacional pelos princípios da não intervenção e o princípio da soberania, o que se contrapõe ao direito de ingerência, assim como a autodeterminação dos povos enfatizada pela Carta da ONU em seu art.1, determinando que um dos propósitos das Nações é se basear no principio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos.
Por essa ótica, o Direito a intervenção estaria andando na contra- mão em relação as normas que regem o Direito Internacional, tanto que a Carta da ONU diz em seu art.2 que as nações agirão de acordo com princípios, e dentre eles está o de que:
“Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.[7]
Observando o mencionado artigo, depreende-se que a ONU, estabeleceu que as Nações estariam submetidas ao princípio da Soberania do Estados e o da não-intervenção.
2.2 A soberania e o Direito de Ingerência
Em contraponto ao artigo supramencionado da carta da ONU, deve-se ressaltar que a soberania muda a abrangência de seu conceito na medida em que as Nações vão vivenciando seus acontecimentos históricos, primeiramente a soberania era sinônimo de poder absoluto, como prova-se pelo absolutismo, que fora vivenciado na França no séc. XVII, onde a soberania estava refletida em uma só pessoa, o rei. Já no século seguinte, XVIII, com os ideais da Revolução Francesa (“Liberté, Igualité, fraternité”) a ideia de soberania passou a estar com o povo, soberania era popular, seria o conjunto das pessoas que constituíam determinada nação. E no séc. XX temos a ideia de soberania totalmente voltada para o Estado, assim sendo determinado que os Estados são soberanos, logo, não há poder capaz de fazer com que um Estado se submeta a uma ordem que o mesmo não concorde, isto no âmbito internacional. Do aspecto de vista histórico, nota-se que a soberania vai se moldando de acordo com o passar dos tempos.
Sob uma ótica jurídica conservadora, Dallari[8], afirma que: “soberania tem a significação de independência, admitindo que haja outros poderes iguais, nenhum, porém, que lhe seja superior”. Temos também José Cretela Júnior[9] que explicita:
“Soberania é fundamento – deve ser o fundamento, de todo e qualquer tipo de Estado, democrático ou territorial, monárquico, republicano, federativo ou unitário, porque esse traço é característico de independência na órbita externa ou internacional.”
Esses conceitos de soberania onde se acredita que a soberania éintransponível e absoluta, que derivam das ideias de Rousseau, não soluciona conflitos que porventura possam ocorrer no âmbito do Direito Internacional.
Sabe-se que o Direito Internacional busca através de tratados, convenções, pactos, dentre outros, encontrar meios para uma convivência pacífica entre os Estados, deste modo, se é para chegar a um bem comum de todas as Nações, acredita-se que a soberania pode ser deixada para segundo plano, uma vez que, apesar de prevista não só nas legislações internas dos países, como também externas (carta da ONU), ela seria um interesse de um só Estado se contrapondo a todos os demais. Nesse sentido temos Celso Ribeiro de Bastos :
“O princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções, que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma colaboração permanente entre os Estados… À pergunta de que se o termo soberania ainda é útil para qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada. Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que não possa sofrer contraste ou restrição…”[10]
Resta dizer que o conceito absoluto de soberania, foi dirimido de vez, com o fim da segunda Guerra mundial e o surgimento da ONU dentre outras organizações internacionais. Partilhando desse pensamento temos Adriana Ramos, que em escrito para revista jurídica Vianna Sapiensafirma:
“Surge, então, a Nova Ordem Mundial, onde a proteção dos direitos do homem reveste uma importância sem precedentes, reavivando os debates acerca do direito de intervenção humanitária, pois o fim da Guerra Fria marcou um despertar das atividades do Conselho de Segurança.”[11]
Visto que, os internacionalistas percebem a grandeza da importância que tem os Direitos Humanos, nos dizeres de Milena Barbosa de Melo e Larissa Rodrigues Rasia (revista Tema, vol.10):
“Mais uma vez podemos notar a questão da ingerência humanitária atrelada à soberania dos Estados. Assim, no entendimento de alguns internacionalistas a violação ao princípio da soberania tornaria tal ação ilegal e, portanto inaceitável. Por outro lado quando nos deparamos com os Direitos Humanos, vários internacionalistas admitem com ênfase a legalidade desta intervenção.”[12]
Com relação ao conceito de soberania na órbita internacional, temos Rodrigo Fernandes More, que compartilhando dos pensamentos de Jean Bodin(“LesSix Livres de La République”), afirma:
“Em nossa opinião, soberania, num contexto internacional, não é propriamente um “poder” do Estado, embora o conceito, historicamente, carregue implícita esta noção. Soberania é o resultado de um conjunto de poderes internos, harmonizados .sobre os quais se estabelecem os fundamentos e se realizam os objetivos do Estado dentro e fora de seu território, com a ressalva de que, neste segundo momento, em consonância com as regras e princípios de direito internacional. A palavra “poder” atrelada à “soberania” traz a noção de sujeição ao mesmo tempo que estabelece um contraponto de não-sujeição. No contexto moderno, Estados se sujeitam a ordenamentos convencionais através de tratados internacionais, de atos unilaterais de vontade, num sistema de harmonização de poderes, consubstanciados e fundados em suas soberanias.”[13]
Portanto, pode-se perceber que o Direito a Ingerência de um Estado em outro, apesar de, em certa forma, se contrapor a soberania e ao princípio da não intervenção, só deverá ocorrer em situações específicas, e deverá está calcado em requisitos, que o fazem mais importante que os demais princípios quando aplicados no caso concreto. Assim sendo, a intervenção só será considerada lícita quando:
– O ato é destinado à proteção de Direitos humanos;
– Quando se quer impor a vontade para proteção de nacionais no exterior;
– Em nome do Direito de defesa e conservação.
A intervenção, segundo Hildebrando Accioly (Manual de Direito internacional Público, p.114) caracteriza-se pela existência de três condições, quais sejam:
a) a imposição da vontade exclusiva do Estado que a pratica;
b) a existência de dois ou mais Estados soberanos;
c) ato abusivo, isto é, não baseado em compromisso internacional.
Logo, para que ocorra um ato de Ingerência, é necessário que seja observado certos objetivos e requisitos,isto serve justamente como modo de controle para que a Ingerência não seja usada como mero instrumento político, utilizado como meio de reprimir uma Nação que tenha interesses internacionais opostos. E para que não seja também utilizada como instrumento monopolizador por parte de certos Estados, como se vai observar adiante, conforme já fora utilizado outrora.
Em detalhando mais sobre os aspectos da intervenção humanitária, temos Jorge Miranda :
“a)tem que ter como pressuposto o Estado de Necessidade, uma situação que afeta a população como um todo, pondo em causa a sua sobrevivência ou a sua subsistência; b)deve ser utilizada como ultima ratio, com o completo esgotamento de quaisquer outras alternativas; c)a desnecessidade do consentimento do Estado em cujo território se desenrolam as operações (podendo-se, inclusive falar em um dever de aceitação da assistência do Estado a par de um dever de assistência da comunidade internacional); d))a proporcionalidade entre os meios utilizados e os fins a serem atingidos, uma vez que os meios a serem utilizados em concreto acham-se funcionalizados aos fins assumidos na decisão da intervenção, não valendo por si só e não podendo ir além ou ficar aquém do que importa para alcançar: a assistência humanitária a população necessitada; e)a necessidade de autorização, ou homologação do Conselho de Segurança; f)ser a intervenção limitada no tempo de no espaço; g)ser isenta na condução das operações, eis que um dos princípios basilares nos quais se assenta é a não discriminação; h)a subordinação dos interesses dos Estados, das organizações e dos indivíduos envolvidos nas operações aos fins das Nações Unidas, designadamente o respeito pela autodeterminação dos povos”.[14]
Ainda sobre a legalidade do Direito de Ingerência,cumpre citar os arts. 39, 40 e 41 do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que admite a possibilidade de intervenção de um Estado em outro quando determinado pelo Conselho de Segurança da ONU que a paz está ameaçada, ou quando houver ruptura da paz ou ainda se existir ato de agressão, conforme se verifica adiante:
“Artº. 39-O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou acto de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artº.s 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
Artº. 40-A fim de evitar que a situação se agrave, o Conselho de Segurança poderá, antes de fazer as recomendações ou decidir a respeito das medidas previstas no Artº. 39, instar as partes interessadas a aceitar as medidas provisórias que lhe pareçam necessárias ou aconselháveis. Tais medidas provisórias não prejudicarão os direitos ou pretensões nem a situação das partes interessadas. O Conselho de Segurança tomará devida nota do não cumprimento dessas medidas.
Artº. 41-O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efectivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações económicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radioeléctricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas.”
Por fim, para que não paire dúvidas sobre a possibilidade da utilização do direito de ingerência, ainda que ele se indisponha com o direito a soberania das Nações, temos os dizeres de Rodrigues Fernandes More, nos escritos de seu artigo intitulado de “O moderno conceito de soberania no âmbito do direito internacional”:
No âmbito internacional, a bem da verdade, nem a Carta das Nações Unidas nem a lei internacional reconhecem a soberania absoluta de um Estado, o que leva a afirmar que não existe um Estado em isolamento, no gozo completo e absoluto de seu “poder soberano”.[15]
2.3 O princípio da não-intervenção e a Ingerência
Conforme fora dito, para alguns estudiosos do DIP, dentre eles o já citado Hildebrando Accioly, o ato só pode ser classificado de intervenção propriamente dita, se um dos países não aceitou o estatuto da Organização Internacional que porventura venha a determinar tal ato. Logo, teoricamente, não haveria intervenção quando a ação decorre de compromisso assumido em tratado multilateral. Neste sentido, temos as palavras do autor mencionado:
“A dúvida existente é saber se as medidas tomadas por uma organização internacional podem ser qualificadas como intervenção. Tratando-se de organização da qual o Estado seja membro e que tenha aceito livremente o respectivo estatuto, como no caso das Nações Unidas, as medidas eventualmente tomadas não podem ser assim qualificadas”.[16]
Para autores como Hildebrando, que, vale-se ressaltar é embaixador, se a medida for tomada por uma organização, não será uma intervenção e, portanto será exercício de atividade legítima, já se fosse tomada por iniciativa do Estado, seria intervenção, consequentemente, condenada pelo Direito Internacional. Mais acredita-se que há uma certa contradição nessa corrente de pensamento, uma vez que, ainda que o ato seja tomado por decisão de uma organização, não deixaria de ser uma intervenção. Acredita-se que esses são ferrenhos defensores do princípio da não-intervenção, que é pedra basilar dentre os princípios que regem o Direito Internacional. Todavia, há que sopesar a importância do bem que se esta visando proteger com o ato de ingerência, uma vez que, usando-se da razoabilidade, é muito mais coerente aceitar uma exceção a regra ao princípio da não-intervenção visando proteger bem maiores, como por exemplo o meio ambiente, do que seguir incontestavelmente os princípios nos quais o Direito Internacional se fundam. Até mesmo porque, as relações dos países vão mudando com o passar do tempo, e assim se modifica a política, as necessidades, dentre outras mudanças que vão ocorrendo naturalmente, eis que é nesse ponto que deve haver maior reflexão, afinal, os princípios da soberania e não-intervenção não podem ser regras sem exceção, visto que há bens que precisam ser zelados por todas as nações para que possam permanecer vivos. Romualdo Bermejo García[17] é um exemplo de autor que fala da intervenção como ato que pode sim partir de um Estado, mais que deverá ser imediatamente comunicado ao Conselho de Segurança da ONU, ou organismo pertinente da região, sendo esses um dos requisitos para a intervenção ser legítima, conforme se observa da leitura dos requisitos por ele resumidamente elencados em seu livro “El marco jurídico internacional em matéria de uso de lafuerza: ambiguidades y limites” , então, basicamente seriam esses os requisitos para uma intervenção:
– Existência de uma violação grave dos Direitos Humanos fundamentais.
– Situação de urgência e necessidade de atuar;
– Esgotamento de outros meios de proteção sem que se tenha conseguido salvaguardar esses direitos humanos.
– Proporcionalidade entre o uso da força e os objetivos perseguidos.
– Caráter limitado da operação no tempo e no espaço.
– Informe imediato da intervenção ao Conselho de Segurança e, se for o caso, do organismo regional pertinente.
Conforme se pode observar, os legisladores vêm observando com maior atenção a questão da intervenção, do direito de ingerência, uma vez que, mesmo antes dela ser prevista, havia Estados que já se utilizavam dela, sem que precisassem justificar seus atos de ingerência conforme se analisará mais adiante.
3. O Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
De modo geral, os indivíduos têm um errôneo conceito do que seja meio ambiente, muitas das vezes restringindo o verdadeiro valor dessas palavras. E o presente estudo surgiu justamente como maneira de tentar buscar modos que existem para inibir a degradação ao Meio Ambiente, e por acreditar que o Direito de ingerência é um deles, desenvolveu-se a idéia de escrever sobre o “Direito de ingerência no domínio do Meio Ambiente”. E foi nesse diapasão que se recorreu a legislação ambiental para conceituar o Meio Ambiente.
3.1 Conceito de Meio Ambiente
Meio ambiente não é só sinônimo de natureza, essa é uma maneira muito superficial de definição do meio ambiente, podendo-se então conceituá-lo segundo a lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981 em seu art. 3º inciso I, como: ”O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. E se formos à doutrina, dentre os diversos conceitos que encontraremos, cita-se aqui um conceito feito por José Afonso da Silva[18], que diz ser o meio ambiente a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.” E esse conceito é bem abrangente na proporção em que fala dos elementos naturais que seriam a água, atmosfera, solo, fauna, flora, diversidade biológica, a natureza em geral, estes elementos são tutelados pelo artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil. Já os elementos artificiais são aqueles que sofreram a ação do homem sobre eles, temos como exemplos praças, conjunto de edificações, em suma seriam os espaços urbanos abertos e fechados e estes elementos são tutelados pelos artigos 225 e 182 ambos da Constituição brasileira. Por outro lado os elementos culturais são aqueles que também sofreram ações humanas, porém com valores, aqui estariam enquadrados os espaços paisagísticos, arqueológicos, artísticos, turísticos e estes elementos têm previsão normativa no artigo 216 também da Constituição.
Sobre a nomenclatura, é válido dizer que alguns autores, como por exemplo, Celso Antônio Pacheco Fiorillo, o próprio José Afonso da Silva cujo conceito de meio ambiente foi utilizado, afirmam que a palavra meio ambiente é redundante uma vez que a palavra ambiente contém no seu conceito o significado da palavra meio. E na Itália por exemplo, usa-se apenas a palavra ambiente, porém, a legislação brasileira se retrata à meio ambiente, o que justifica a escolha do termo meio ambiente no presente estudo.
Restringindo-se o Meio ambiente com relação ao Brasil, mister se faz dizer que na República Federativa do Brasil, tem-se o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e para tutelar esse direito fundamental surgiram inclusive alguns princípios, os quais serão abordados em breve, após um rápido esclarecimento sobre o que seria direito fundamental.E vale-se transcrever uma passagem bastante interessante do livro Princípios de Direito Ambiental- na dimensão internacional e comparada, qual seja:
“ O conceito de direito fundamental é um dos mais tormentosos da Teoria da Constituição.Há um conceito histórico, um conceito ideal, um conceito material, um conceito estrutural, um conceito formal, um conceito funcional, um conceito político, um conceito dogmático, um conceito jurídico entre outros tantos.”[19]
Por outro lado, ainda que seja extremamente difícil e ousado, buscou-se explicar o conceito de direito fundamental, para melhor compreensão do tema em tela, e Alexandre de Moraes, diz que nos dizeres de Canotilho os Direitos Fundamentais cumprem:
“A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva:(1)Constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual;(2)implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos(liberdade negativa)”[20].
E para reafirmar a fundamentalidade desse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, usa-se aqui um extrato da ementa do MS n.22.164[21], citado por José Adércio Leite Sampaio, em seu livro já mencionado anteriormente:
“O direito a integridade do meio ambiente-típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mais num sentido verdadeiramente abrangente, a própria coletividade social. (…) Os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”.[22]
A partir da leitura desta breve introdução ao tema pretendido, consegue-se notar que o legislador brasileiro de 1988 teve a preocupação em exarar sobre o meio ambiente na Carta Magna brasileira, visto a importância nacional e mundial que o tema em enfoque tem. Nestes termos cumpre continuar a explanação explicando os princípios do direito ambiental.
3.2 Princípios
Retomando o ponto dos princípios de direito ambiental, que servem de norte para que se tenha a garantia a um Meio ambiente equilibrado, vale-se dizer, primeiramente que os princípios que surgiram não são de dimensão apenas nacional, ou seja, vários países seguem tais princípios, uma vez que a busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado é mundial, afinal, sabe-se que quanto mais o meio ambiente se degrada e desequilibra, menos saudável é a vida dos seres humanos, porque uma coisa está intimamente ligada à outra. Valendo-se ressaltar que estes princípios foram definidos nas Declarações Internacionais de Estocolmo (1972) e Declaração do Rio (1992). Sobre a importância da conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente de 1972 temos Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva[23] que relata:
“A conferência de 1972 sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, é considerada o ponto de partida do movimento ecológico, muito embora a emergência dos problemas ambientais tenha sido bem anterior.”
Mais adiante, Geraldo Eulálio, ainda em seu livro Direito Ambiental Internacional[24], sobre a Conferência do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 menciona:
“Cogitou-se, desde o começo, que um documento análogo de Estocolmo coroaria os trabalhos da Conferência de 1992 e ao qual o Secretário Geral, Maurice Strong, desejava dar a denominação de Carta da Terra, mas a Conferência optou por Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.”
Prosseguindo com seu estudo, e mencionando os princípios, o referido autor diz que a declaração contém 27 princípios, muitos deles desnecessários, e que o Canadá, haveria proposto que fossem poucos parágrafos, mais sua proposta não foi acolhida.
Dentre a vasta quantidade de princípios do Direito Ambiental, cumpre dizer que, dentre os 13 princípios escolhidos para a menção nesse estudo, buscar-se-á aprofundar-se apenas em alguns, e os escolhidos serão os que se mostrarem de maior importância por ter maior correlação com o tema específico que se pretende abordar. Assim, os princípios identificados são:
– O princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais- Para invocar esse princípio, há sempre que se observar de que forma determinado Estado consentiu que outrem explorasse seus recursos. Isto conforme ensinamentos de Cris Wolrd[25].
– O princípio do direito ao desenvolvimento- Este, assim como o princípio anteriormente mencionado, busca consolidar a ideia de que os países podem dispor de seus recursos naturais de acordo com suas políticas internas. Ele é, segundo o livro Direito Ambiental na Dimensão Constitucional e Comparada[26], uma reafirmação do princípio da soberania permanente dos recursos naturais.
– O princípio do patrimônio comum da humanidade- Este princípio afirma a ideia contrária a do princípio da soberania permanente dos recursos naturais, logo, haveria recursos que seriam comuns a todos.
– O princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada- Este princípio busca afirmar que os países mais desenvolvidos desenvolvem atividades que causam maior dano do que os em desenvolvimento, assim como os mais desenvolvidos tem maiores condições de arcar com o dano eventualmente causado. Neste mesmo sentido Cris World[27].
– O princípio da precaução- Aqui há uma imprevisibilidade quanto aos danos que possam vir a ser causados, porque ele decorre de uma incerteza científica dos processos ecológicos envolvidos. Neste sentido temos Geraldo Eulálio do Nascimento[28].
– O princípio do poluidor pagador- O princípio do poluidor pagador consiste no dever do poluidor de pagar por pelo custo ambiental gerado pela poluição.
– O princípio do dever de não causar dano ambiental- Segundo Cris World[29], esse princípio tem se mostrado bastante polemico, uma vez que dele decorre a ideia de que o Estado tem o dever de observar as atividades realizadas em seu território, para que essas não venham a causar danos que transpasse suas fronteiras.
– O princípio da responsabilidade estatal- Ele que regula a responsabilidade dos Estados, caso venham a desrespeitar as obrigações ambientais.
– O princípio da equidade intergeracional- Segundo ele, a geração presente, não pode deixar para gerações futuras déficits ambientais, ou de recursos naturais, nem benefícios inferiores aos recebidos pelas gerações passadas. Conforme leciona José Adércio Sampaio Leite[30].
– O princípio da prevenção- É a base dos princípios do Direito ambiental, uma vez que é mais viável prevenir do que reparar danos ambientais.
– O princípio da responsabilidade ecológica- Que segundo estudos realizados por José Adércio Sampaio Leite, quem causa dano ao meio ambiente, deve por ele responder.
– O princípio da informação- “O direito a informação consiste, seguramente, em um dos fundamentos de um regime democrático, impondo transparência e moralidade aos atos da administração pública.”[31] e
– O princípio da participação- Através desse princípio que se depreende a ideia de que o povo deve participar diretamente de decisões que afetem a todos.
E os princípios elegidos como essenciais para o presente estudo são:
– Princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais,
– Princípio da responsabilidade comum mais diferenciada,
– Princípio da precaução,
– Princípio do poluidor pagador,
– Princípio do dever de não causar dano ambiental e
– Princípio da responsabilidade ecológica.
Isso dito, vale-se ressaltar que os demais princípios também sãoimportantes, porém, por um critério de maior afinidade com o tema, e para uma boa divisão sobre a ideia central que se pretende estudar, buscou-se restringir, fazendo uma maior abordagem aos princípios supra mencionados.
Estudado por Chris World (2003, p.8-9), o Princípio da Soberania permanente sobre os recursos naturais surgiu com um intuito protetivo, uma vez que ele teve seu nascedouro a partir da idéia dos países em desenvolvimento de retirar os privilégios existentes em favor de empresas de capital estrangeiro, que em geral são associadas às antigas potencias coloniais. Pois, mesmo com o processo de descolonização ainda há uma considerável exploração dos recursos naturais desses países em favor de empresas estrangeiras. E para melhor explicar tal princípio, nada mais coerente que exporas palavras de quem já estudou o tema, desta maneira, de acordo com os ensinamentos de Chirs World:
“… no final da década de 1960, início da década de 1970, os países em desenvolvimento, em particular aqueles surgidos do recente processo de descolonização, propuseram-se a eliminar as praticas pelas quais as antigas potências coloniais mantinham o controle de facto da exploração de seus recursos naturais. Foi nesse contexto que a idéias de soberania permanente sobre recursos naturais veio a luz como uma doutrina de natureza econômica..”.[32]
Esse princípio remete a uma questão bem atual, a COP 10- Que é a10.ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que terminou no dia 22/10/2010, e dispôs principalmente sobre o Acesso e Repartição de Benefícios dos Recursos Genéticos da Biodiversidade. O documento contempla principalmente, a soberania de cada país e de suas leis nacionais para decidir sobre o acesso e a repartição de benefícios. Assim sendo, quanto ao Brasil, se remetermos nossos pensamentos as questões relacionadas à Amazônia, como por exemplo, o furto do amplo conhecimento que os índios têm sobre determinadas plantas que, culturalmente eles sabem que curam determinadas enfermidades, que muitas das vezes esses conhecimentos são passados a estrangeiros, que fazem os estudos científicos sobre tal planta e sobre a cura que esta pode trazer, calcados nos conhecimentos que foram transmitidos pelos índios do Brasil, e assim, patenteiam o remédio criado embasado em tal planta como se fosse do país estrangeiro. É baseando-se nessas questões que se pode notar o quanto o princípio da Soberania permanente sobre os recursos naturais é importante. E no que tange a Cop-10 que, de certa forma dispôs de acordo com este princípio, trouxemos afirmações da até então, ministra do Meio ambiente Izabella Teixeira, que aindaem Nagoya, no Japão, onde ocorreu a Conferência afirmou:
“A aprovação do protocolo é uma vitória do esforço de todos os países signatários para um acordo em um assunto de extrema complexidade…O Brasil terá um difícil e importante trabalho pela frente, não apenas com o Protocolo ABS, mas com o Plano Estratégico para 2020 e com a Estratégia de Financiamento” [33]
Como se pode notar, as palavras da ministra foram de extrema satisfação, por outro lado, sabe-se que há anos se vem lutando pelas questões que foram dispostas pela COP-10, e o fato delas estarem constantes no documento não traz a garantia de que sejam efetivados os ideais.
Sobre o princípio da responsabilidade comum mais diferenciada, este, pode facilmente ser entendido se fizermos um paralelo ao princípio da isonomia que é tratar os iguais de maneira igual e os diferentes de maneira diferenciada, assim sendo, se remetermos essa ideia aos países poluidores e pensarmos quem polui mais? Logo, os países que forem maiores poluidores e/ou degradadores devem ter mais responsabilidade quanto a atos que sejam preventivos ou que venham a ressarcir os danos já causados. Por outro lado, a aplicação desse princípio torna-se um pouco complicada porque não é tarefa fácil determinar quais os países que devem ter a maior responsabilidade, uma vez que nem sempre os maiores poluidores são os países desenvolvidos como se tende a pensar em decorrência até mesmo do fator histórico que faz os indivíduos sempre pensarem de maneira geral que os países em desenvolvimento são sempre a fonte da matéria prima, e o desenvolvido é o explorador, degradador e poluidor maior. E é igualmente difícil perceber quais os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, uma vez que o limiar de diferenciação de alguns países do grupo dos desenvolvidos para os em desenvolvimento está cada vez menor, temos como exemplo a China. Nesse diapasãotrouxemos mais um trecho do estudo feito por Chris Wold:
“Este princípio tem sua formulação associada aos esforços dos países em desenvolvimento para estabelecer critérios decompartilhamento da responsabilidade internacional pela solução de problemas ambientais globais que levem em consideração a realidade socioeconômica dos diferentes Estados.”[34]
Agora abordaremos o principio da precaução, e para discorrer sobre ele, se faz necessário mencionar que nem todos os estudos relacionados ao meio ambiente trazem certeza científica. Neste sentido, temos Antônio F. G. Beltrão[35] (apud Rasband, 2004. p.43) :
“De fato, incertezas sobre magnitude de problemas ambientais, suas causas, e futuros impactos atormentamfrustram o direito e as políticas governamentais.”
Importante também se faz dizer que, muito embora parecidos, não há que se confundir o princípio da precaução com o da prevenção, uma vez que um se baseia na previsibilidade de danos e outro na imprevisibilidade, conforme ensina Antônio Beltrão:
“Logo, enquanto a prevenção pressupõe previsibilidade dos danos que poderão ocorrer a partir de determinado impacto, a precaução pressupõe, ao contrário, uma razoável imprevisibilidade dos danos que poderão ocorrer dada a incerteza científica dos processos ecológicos envolvidos”.[36]
. Logo, o princípio da precaução deve ser bastante observado, uma vez que é de extrema importância, pois se os países põem em prática o que ele dita, estar-se-á deixando-se de poluir exacerbadamente. E não pode um país se negar a obedecer a precaução com a escusa de que não há estudos que comprovem o dano que a atividade que ele pretende fazer vá causar, pois se há ameaça de sérios danos ou danos irreversíveis, deve esse princípio ser observado, pois ele é uma medida que previne a degradação ambiental.E segundo os dizeres de Derani[37]
“Precaução é cuidado. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade…”
Seguindo a lista dos princípios escolhidos, temos o princípio do poluidor pagador, que é de extrema importância, pois ele estatui que deve o Estado poluidor pagar pelas medidas de prevenção do dano e pelo controle da poluição.Assim como, deve o poluidor pagar pelos danos por ele causados.O Princípio do Poluidor-Pagador fora recepcionado pela Constituição Federal no seu art. 225, parágrafo 3°, que prescreve:
“As atividades e condutas lesivas ao meio ambientesujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, às sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Sobre tal princípio, temos as palavras de Édis Milaré, que menciona de onde vem tal princípio, afirmando por fim a ideia de que o poluidor pagador também é conhecido como princípio da responsabilidade, vejamos:
“Deriva da teoria econômica segundo a qualdevem-se internalizar os custos externos, impondo-se ao poluidor a responsabilidade pelo custo social da degradação ambiental por ele produzida.Busca, portanto, combater a máxima de “privatização dos lucros e socialização das perdas”.Por esta razão, também e conhecido como o princípio da responsabilidade.”[38]
Já pelo princípio do dever de não causar dano ambiental entendemos que os Estados devem assegurar que as suas atividades não vão causar dano ambiental em áreas que ultrapassem os limites de seus próprios Estados. Pois conforme leciona Chris World:
“Este princípio apresenta uma formulação bastante simples: os estados tem o dever de assegurar que as atividades desenvolvidas sob sua jurisdição ou controle não venham a causar danos ambientais em áreas que se encontram além dos limites de suas respectivas jurisdições nacionais.”
Porém, como se sabe, uma degradação ambiental causada em um lugar, se alastra facilmente por diversos países, até mesmo porque as águas, as matas, o ar não conhecem as jurisdições dos países, logo, o dano possivelmente não ficará detido só onde começou, como exemplo temos os derramamentos de petróleos nos mares, que em dias consegue matar peixes de mares de vários países, assim como degradar a vida marinha e também a humana de países diversos, porque as águas que correm no mar de um país, em pouco tempo estará correndo no mar do país vizinho e assim levando consigo a saúde marinha ou a poluição.
Este princípio também revela a problemática de que um país tem que observar a poluição causada pelo país vizinho e tem a obrigação de não deixar que aquela poluição chegue ultrapasse as fronteiras de um país a outro, assim sendo, se existem fábricas em fronteiras de um país com outro, deverá o país que não está causando o dano ficar atento, eis que daí surge a polêmica, porque até mesmo quem não está poluindo tem que tomar cuidados e se precaver. Sobre a polêmica de tal princípio, Chris World[39] afirma que “sua adequada compreensão, entretanto, tem se mostrado problemática”, isto no decorrer do seu estudo sobre o dever de não causar dano ambiental. E mais adiante menciona:
“Não obstante, quando se enfoca o problema dos danos ambientais transfonteiriços causados por empresas de determinada nacionalidade cujos empreendimentos se encontram localizados em outro Estado estrangeiro, a noção revela algumas dificuldades conceituais”.[40]
Existe também outra questão polêmica, levantada por World, que envolve esse princípio, que é o fato de um país, instalar fábricas em outro, coisa altamente comum, porém se aquela fábrica vem a causar o dano, quem será o responsável? Se a fábrica do país hipotético “B” está localizada no país hipotético “A”, deve o país “A” se precaver quanto à poluição que a fábrica venha a causar, isso se justifica até mesmo pelo principio da soberania. Por outro lado, é crescente a preocupação da comunidade internacional em relação aos danos causados ao meio ambiente, logo, se vem cobrando dos países donos das “fábricas estrangeiras”, que eles tomem atitudes relacionadas à preservação ambiental, principalmente se este for um país desenvolvido. E este princípio se complementa pelo último escolhido que é o da responsabilidade estatal.
O princípio da responsabilidade estatal regula a responsabilidade dos Estados quando esses descumprem suas obrigações ambientais internacionais, e para que se invoque esse principio é necessária a presença de alguns elementos, segundo World[41], que são: a necessidade de manifestação do exercício de jurisdição ou controle do Estado sobre seus nacionais, que deverá ser violado, outro elemento seria o nexo causal entre a violação do dever específico identificado e os danos causados ao outro Estado. E o último elemento seria a identificação de danos passíveis de individualização associados aos episódios de poluição ou aos problemas ambientais causados pela violação de um dever estatal específico. E ainda, cobre tal princípio, no que concerne a sua aplicação, diz World em sua obra:
“O surgimento de mudanças ambientais globais induzidas por determinadas atividades humanas, contudo, poderá ensejar a mudança de posturade determinados Estados quanto a uma maior aplicação do princípio da responsabilidade estatal”. [42]
Após o conceito e uma breve explanação sobre a importância de se pensar cada vez mais na conservação de um meio ambiente saudável, há que se ressaltar que no âmbito do DIP existe a preocupação para com o meio ambiente, tanto que essa pode ser uma causa para a ocorrência de uma intervenção por parte das organizações internacionais nos Estados ou dos Estados em outros. Neste sentido, temos as palavras de Hildebrando Accyoli:
“Todo Estado tem o direito de tomar, dentro dos limites estabelecidos pelo direito internacional e pela Carta das Nações Unidas, todas as medidas visando a sua defesa e conservação.” [43]
É de total relevância para a esfera internacional zelar por um bem comum de todas as Nações, podendo cada uma, tomar medidas que entende cabíveis quando vê a integridade de sua nação ameaçada, com relação ao meio ambiente, por exemplo, os oceanos, são unos, ainda que banhem diversos países, sendo assim é obrigação de todos os Estados zelar pela integridade do patrimônio ambiental mundial, podendo uma nação que se veja ameaçada, tomar as medidas que entende cabíveis para cercear o dano que a outra nação vem eventualmente causando a ela.
3.3 As Constituições e o Meio Ambiente
Reza o art.225 da Constituição Federal do Brasil que:
“Todos têm direitoaomeioambienteecologicamenteequilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.[44]
Desta maneira, pode-se dizer que a Constituição de 1988 é ambientalista se compararmos às anteriores, vale-se ressaltar que a concepção de constituição ambientalista não deve ser dada somente à brasileira, uma vez que outras nações também versam sobre uma boa qualidade do meio ambiente em sua Lei Maior, como exemplo temos a Constituição da Espanha, que em seu art.45 explicita:
“Todos tienen el derecho a disfrutar de unmedio ambiente adecuado para eldesarrollo de la persona, así como eldeber de conservarlo. Los poderes públicos velarán por lautilización racional de todos los recursos naturales, conelfin de proteger y mejorarlacalidad de vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva (..).” [45]
Da leitura da primeira parte do presente artigo, depreende-se que há uma grande preocupação com o Meio Ambiente por parte do legislador espanhol, afirmando que àquele é necessário para uma boa qualidade de vida dos seres humanos, afirma também que o poder público zelará pelo racionamento na utilização dos recursos naturais, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida, assim como defender e restaurar o meio ambiente, e por fim, sabiamente ressalta que para isso é necessário a solidariedade de todos.
Por conseguinte o legislador espanhol prevê que sofrerá sanções quem violar o acima disposto, na primeira parte de tal artigo, podendo essas sanções ser de cunho penal ou administrativo, sem prejuízo de reparar o dano causado. Analise-se:
“(…) Para quien violen lo dispuesto em el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.”
Outro exemplo é a Constituição do Chile, que em seu capítulo III, intitulado: “De los Derechos y Deberes Constitucionales”, art. 19 menciona:
“Artículo 19: La Constitución asegura a todas las personas: (…)
8°.- El derecho a vivir em um medio ambiente libre de contaminación. Es deber del Estado velar para que este derecho no sea afectado y tutelar la preservación de La naturaleza”. [46]
Após leitura deste trecho do artigo acima exposto, vê-se a preocupação do legislador chileno em assegurar a todos um Meio Ambiente livre de contaminação, versando também que é dever do Estado zelar para que esse direito não seja afetado.
Ainda nesse artigo pode-se analisar que o legislador prevê que a Lei poderá estabelecer restrições específicas de determinados direitos para proteger o Meio Ambiente, o que demonstra a grande importância que as questões ambientais têm para esta nação.
“La ley podrá establecer restricciones específicas al ejercicio de determinados derechos o libertades para proteger el medio ambiente.”
Uma vez que se está abordando sobre países que têm a preocupação em resguardar o Meio Ambiente entre suas leis, mister se faz, mencionar a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano de junho de 1972, que como o próprio nome aduz, fora realizada em Estocolmo, e logo em suas primeiras disposições ela cita como seu primeiro princípio para guiar e inspirar os povos do mundo na preservação e melhoria do Meio Ambiente o seguinte:
“1 – O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta levou-a a um estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da Tecnologia, conquistou o poder de transformar de inúmeras maneiras e em escala sem precedentes o meio ambiente. Natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida”.(negritamos)
Ao analisar tal princípio, vê-se a clara preocupação das nações para com o avanço da tecnologia que se mostra cada vez mais dilacerador do Meio Ambiente, e é expresso o entendimento de que o Meio Ambiente é essencial ao direito à própria vida. Por isso que o Direito à um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, quando conflitado com outros Direitos das Nações, tem tomado proporções maiores de importância, uma vez que, este direito está ligado à própria vida dos seres humanos.
No que tange ao grande progresso das Nações, à busca desenfreada pelo dinheiro e desenvolvimento sem se importar com os danos causados ao habitat dos humanos, tem-se a preocupação não só por parte dos estudiosos e legisladores, vê-se também a sabedoria popular incomodada e enormemente preocupada com tal situação, o que se prova com o dito pela “tribo Cree”, uma tribo indígena americana: “Somente após a última arvore ser cortada. Somente após o último rio ser envenenado. Somente após o último peixe ser pescado. Somente então o homem descobrirá que dinheiro não pode ser comido.”
Eis que é de extrema relevância a preocupação dos legisladores em versarem sobre questões ambientais, e neste sentido, tem-se observado avanço nas legislações que abrangem diversas nações, no que tange à preocupação com a degradação ambiental.
4. O Direito de Ingerência no domínio do Meio Ambiente
4.1 Histórico
A concepção de Ingerência no domínio do meio ambiente surgiu a partir da Ingerência humanitária, que teve seu surgimento com a entrada em vigor da Carta da ONU (1945) e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Isto porque, como próprio nome nos faz deduzir, o direito, ou dever, como preferem alguns autores como, por exemplo, Jean Jacques Israel[47], de Ingerência humanitária, que tem uma maior legitimidade após a implementação dos Direitos Humanos, que com o fim da Segunda Guerra Mundial, foram internacionalizados. Neste sentido temos revista tema:
“…o fim da Segunda Guerra Mundial, trouxe um destaque global para os Direitos Humanos, o póssegunda guerra serviu exatamente para aconsagração, no plano internacional, da proteção dos direitos humanos, o nítido desrespeito com os direitos da pessoa humana elevou a consciência humanitária da sociedade…”[48]
Partilhando da mesma linha de pensamentos, temos a seguinte passagem do livro Direitos Humanos: Desafios Humanitários Contemporâneos, que quando fala do conceito de Direitos Humanos na contemporaneidade menciona:
“Essa concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo a partir do pós-guerra como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo”.[49]
Com esta ideia de Direitos humanos, o cenário internacional relativizou sua ideia de soberania, uma vez que, são admitidas intervenções no plano internacional em prol da defesa dos Direitos humanos, por ser sujeito de Direito, todo e qualquer indivíduo deve ser protegido no cenário internacional, deste modo também entendem Ubiratan Gazetta, João Carlos de Carvalho e Tarcísio Humberto Parreira, estudiosos dos Direitos humanos.
Com o desenvolvimento do conceito de Direitos humanos, chegou-se a prática da ingerência humanitária, que em tese, seria usada com a finalidade de proteger DireitosHumanos. Sobre o nascimento desse direito de ingerência, vale-se ressaltar o trecho citado por Marcelo Dias Varella em seu livro Direito de Ingerência Ecológica e Desenvolvimento Sustentável:
“Essa intervenção torna-se mais legítima com a implementação de forma concreta dos direitos humanos a partir da segunda guerra mundial (…)”[50]
E mais adiante, o mesmo autor, cita exemplos de ações justificadas pelos direitos humanos:
“Intervenção dos Estados Unidos no Líbano em 1958; da Bélgica no Congo em 1964; dos Estados Unidos na Republica dominicana em 1965; da índia no Paquistão oriental em 1971;da Turquia no Chipre em 1974; de Israel no aeroporto de Entebbe em 1976; da França em Kolwesi e em Taba em 1978; dos Estados Unidos no Irã em 1980; da França no Zaire em 1981.”
Mais foi na Guerra de Biafra (1967-1970) que se consolidou a ideia de ingerência humanitária, devendo-se mencionar que aqui houve a atuação da Cruz Vermelha (surgiu em 1864), que segundo Silvana Colombo[51] é a mola propulsora da ingerência humanitária, com a atuação de Bernard Kouchner, chefe da diplomacia francesa, que na época era médico em missão para Cruz Vermelha Francesa.
Inserido nos Direitos Humanos está o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, afinal, resguardar o meio ambiente, é resguardar a vida humana, Maurício Cysne e Teresa Amador (apud Michel Bachelet) explicitam essa ideia:
“Devido à estreita dependência entre a vida humana, física e espiritual, e o equilíbrio do ambiente natural, poderíamos dizer, sem com isso cometermos um pleonasmo, que a proteção da biosfera é diretamente a dos humanos.Com efeito, prossegue A. Kiss, um ambiente degradado pelas poluições e desfigurado pela destruição de toda a beleza e variedade é tão contrário a condições de vida satisfatórias ao desenvolvimento da personalidade como a ruptura dos grandes equilíbrios ecológicos é prejudicial a saúde física e moral.Dignidade e bem-estar são, portanto, dois elementos gerados pelo ambiente, a que o homem tem um direito fundamental, tal como reconhece a declaração de Estocolmo de 1972”.[52]
Partindo desta ideia, é que surge a fundamentação para ingerência no domínio do meio ambiente, uma vez que, aqueles que usam a soberania para se eximir de uma possível ingerência, não poderão fazê-lo, porque catástrofes ambientais, tem proporções fundamentalmente grandes, e atinge o Direito de todos, não podendo o direito a soberania de uma só nação ser mais forte. Como exemplo, temos a catástrofe internacional de Chernobyl, que atingiu o direito de inúmeras pessoas, não podendo nenhum interesse nacional justificar a inércia de outras nações.
E para enfatizar o entendimento de que a irresponsabilidade ecológica justifica o uso da ingerência, cita-se trecho do estudo realizado por Silvana Colombo:
“No domínio da proteção do ambiente, o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado reivindica a aplicação da ingerência quando não houver o respeito desse direito pelos Estados e os seus cidadãos. Neste caso, a ingerência ecológica busca modificar o comportamento daqueles que tenham atuado de forma negligente diante de riscos ambientais maiores, em funçãodas consequências ligadas à concretização destes riscos”.[53]
Analisando o direito de ingerência no domínio do meio ambiente juntamente com os princípios ambientais e com a grande verdade de que o ser humano não vive sem o meio ambiente, percebe-se que a ingerência aqui citada, nada mais é que um meio para salvaguardar o meio ambiente.
4.2 Fundamento e utilização do direito de ingerência no domínio do meio ambiente
A ingerência com fundamento no resguardo do meio ambiente encontra seu fulcro no direito que os Estados têm a um meio ambiente saudável, ecologicamente equilibrado, assim como nos princípios do direito ambiental, na carta da ONU e o próprio direito internacional começa a prevê tal situação, pois como já fora explicado, esse tipo de ingerência, advém da ingerência humanitária, que já foi largamente utilizada na história das nações. E com relação ao uso do direito de ingerência, temos os Estados Unidos como campeões, uma vez que foi a Nação que mais se utilizou desse direito, assim afirma Marcelo Dias Varella:
“Os Estados Unidos, enquanto maior potência militar do planeta, são os principais atores de ingerências”.[54]
Em alguns casos, utilizou-se a ingerência humanitária como meio de justificativa de ingerências que na verdade tinham outras razões, como o que Varella cita, em seu livro Direito Internacional Econômico Ambiental, justamente casos em que os Estados Unidos se utilizaram da Ingerência humanitária para justificar suas intervenções que tinham outros cunhos por traz. O autor cita como exemplo a intervenção dos Estados Unidos na Ilha de São Domingos, em 1965, na época da Guerra Fria, afirmando o autor que:
“A intervenção em São Domingos, realizada, na realidade, por razões políticas de controle regional, é particularmente um exemplo de mudança de justificativas: São Domingos era politicamente importante porque o Estados Unidos não podiam assegurar o controle político deste país, em virtude da ascensão ao poder de Fidel Castro, em Cuba”. [55]
No caso demonstrado, a intervenção foi mais política que humanitária, porém, quando falamos do meio ambiente, estamos falando de algo que passa do plano nacional para o internacional, importando não apenas a uma ou duas nações, e sim a todas. Ademais, para que seja considerado lícito o ato de Ingerência, não é demais repetir que, segundo Silvana Colombo[56](apud Bachelet) há necessidade da presença de 3 elementos para que o ato seja considerado legítimo: Consentimento do Estado(vítima), estado de necessidade, aflição extrema ou legítima defesa.
Caso semelhante ao acima mencionado,foi ao da suposta ingerência humanitária utilizada pelos Estados Unidos para intervir na Nicarágua, onde, segundo Decisão de 27 de junho de 1986 sobre as atividades militares e paramilitares na Nicarágua, (apud Varella):
“Em se tratando particularmente das violações dos direitos humanos invocados pelos Estados Unidos, a Corte considera que o emprego da força pelos Estados não seria o método apropriado para assegurar o respeito destes direitos, o que é normalmente previsto nos instrumentos internacionais aplicáveis neste domínio”.[57]
Ficando assim reconhecido que essa ingerência atentava contra os Direitos da Nicarágua, segundo apreciação da Corte Internacional de Justiça.[58]
Por outro lado, por entender a importância das questões ambientais, e por perceber o crescente descuido das nações para com o meio ambiente, inclusive pelo crescente interesse de determinadas nações por assuntos que podem por de vez o meio ambiente em ruínas, como exemplo armas nucleares, Bachelet (apud Varella) diz concordar com:
“A ingerência sistemática no caso de riscos ecológicos maiores, ingerência praticada pelas nações mais desenvolvidas, nos países em desenvolvimento que não podem controlar seus riscos ambientais”[59]
Complementando a ideia, Varella:
“A presunção de um direito de agir supõe seu exercício, mesmo sem o consentimento do Estado afetado. O meio ambiente, assim como os direitos humanos, faria parte dos domínios que invocam a ingerência”.[60]
Analisando a ingerência humanitária por outro ângulo, o mesmo autor, fala de casos em que ocorreu realmente a ingerência humanitária, como por exemplo, caso da Ingerência humanitária na Iugoslávia e no Iraque. [61]
Assim sendo, à medida que as nações compreendem que o meio ambiente é necessário para que exista a vida humana, elas passam a utilizar o direito de ingerência para resguardar este direito fundamental, e ainda que o meio ambiente não tenha sido efetivamente causa de intervenção, ele já foi citado como uma das causas da ingerência realizada, como por exemplo, a Ingerência realizada na Somália por parte dos Estados Unidos, que segundo a Lua Nova: Revista de Cultura Política foi para “o fornecimento de alimentos à população submetida à anomia de uma guerra de clãs devastadora”[62]. Sobre tal ato de ingerência, tem-se trecho da resolução do Conselho de Segurança:
“Preocupado com o fato de que a fome em massa e a seca mais devastadora, agravadas pelo conflito civil, que comprometem gravemente os meios de produção na Somália e arrasa os recursos humanos e os recursos naturais neste país.” [63]
Explicando tal intervenção, temos Juliane de Castro:
“O sul da Somália se tornou colônia italiana em 1904. Em 1936, a Itália invadiu também a Etiópia e passou a dominar o extremo leste da África. Em 1941, durante a II Guerra Mundial, a Somália italiana foi ocupada pelos britânicos, aí começaram as primeiras rebeliões contra o colonialismo. O movimento nacionalista ganhou impulso em 1945 com a formação de organizações anticolonialistas. No pós-guerra, o Reino Unido entregou à Etiópia o deserto de Ogaden, que fazia parte da Somália, provocando indignaçãoentre os somalis. Uma decisão da ONU deu à Itália mandato para administrar temporariamente sua ex-colônia no sul da Somália. A independência ocorreu em 1960, com a retirada de italianos e britânicos e a unificação da Somália, que se tornou uma República. Em 1969, um golpe militar levou ao poder o general SiadBarre.17Tensões com a Etiópia pela posse de Ogaden, habitado por somalis, levaram à invasão do território pela Somália em 1977, deflagrando a Guerra do Chifre da África. A URSS, até então aliada do regime somali, mudou de lado e apoiou a Etiópia. A Somália voltou-se para os EUA. Em 1978, as tropas somalis foram expulsas de Ogaden pela Etiópia com a ajuda de soldados cubanos. Um milhão de somalis que viviam em Ogaden tornam-se refugiados na Somália. Combates prosseguiram em Ogaden até a assinatura do acordo de paz, em 1988, que incorporou a região à Etiópia”. [64]
Após dito isto,mister se faz dizer que se pode afirmar que no cenário internacional, o Meio Ambiente vem sendo tratado cada vez mais como tema de estrema relevância, tendo sido criado o direito de ingerência como um mecanismo para resguardar (quando se detecte que um dano será causado, isto através de um EIA- Estudo de Impacto Ambiental) ou até mesmo tentar recuperar danos já efetivamente causados por descuido de uma nação no território físico ou espacial que lhes pertença.
Recentemente, a OEA – Organização dos Estados Americanos, através da CIDH- Comissão Interamericana de Direitos Humanos, solicitou que o governo brasileiro suspenda o processo de licenciamento e construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, Pará, isto em decorrência de denúncia feita pelos índios e população ribeirinha do local. E de acordo com a denúncia, caso o projeto seja levado adiante serão causados impactos socioambientais irreversíveis. Neste sentido, temos:
“A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) solicitou oficialmente que o governo brasileiro suspenda imediatamente o processo de licenciamento e construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, citando o potencial prejuízo da construção da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu. Abaixo, os pontos mais importantes da nota divulgada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre e do documento da OEA: De acordo com a CIDH, o governo deve cumprir a obrigação de realizar processos de consulta “prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada”, com cada uma das comunidades indígenas afetadas antes da construção da usina.”[65]
Ocorre que, segundo Mariana Oliveira, o Senado classificou como “absurda” a recomendação da OEA, analise-se:
“O presidente da subcomissão de acompanhamento das obras de Belo Monte no Senado, Flexa Ribeiro (PSDB-PA) classificou como “absurda” a recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA), em nome da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), para que o governo brasileiro suspenda o processo de licenciamento das obras da hidrelétrica no Rio Xingu, no Pará.”[66]
Nas palavras do Senador Flexa Ribeiro:
“É um absurdo. A OEA está entrando numa questão que diz respeito à soberania do Brasil, não há sentido. A OEA poderia dar uma contribuição sobre os pontos que, ao juízo dela, deveriam ser melhor avaliados”.
Tal questão demonstra o quanto às nações relutam contra a prática da ingerência, alegando seus direitos a soberania, por outro lado, há que se refletir na importância que o meio ambiente tem, desta maneira, colocando-o acima da soberania das nações, uma vez que o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado transpassa as barreiras do nacional/soberania e vai para os liames do internacional/meio ambiente, pois atingindo esse segundo, estar-se-á atingindo os indivíduos do mundo inteiro, e para que cada indivíduo defenda a soberania de sua nação, primeiramente ele precisa existir, o que não é possível sem a existência de um meio ambiente saudável e propício para a vida humana. No caso em tela, onde está o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado da população que vive nos redores dessa obra e de todos que sofrerão com o impacto que será causado? E mais, onde está o respeito pelos princípios do direito ambiental, principalmente o da equidade intergeracional e do dever de não causar dano ambiental? Nas palavras de Emério Mendes Costa, promotor de justiça do Pará, ao falar do Tabuleiro do Embaubal, hoje o maior local de desova de tartarugas das Américas, depois de afirmar que Belo Monte talvez seja o risco mais ameaçador para o Tabuleiro:
“ O tabuleiro é uma área muito frágil e precisa de acompanhamento efetivo. Sob a pena de sofrer perdas desastrosas da biodiversidade, com consequências para a Amazônia nacional e internacional”[67]
Se as consequências serão de ordem internacional, como podem os senadores do Brasil acharem que é um absurdo tal intervenção da OEA? Eis aqui a grande questão já ressaltada no presente estudo, há que sopesar o que é mais importante, será a construção de uma Hidroelétrica que gerará mais renda, ou a saúde do meio ambiente local assim como a das pessoas que serão atingidas por seus danos? A totalidade dos danos ambientais que serão causados por essa obra ainda nem foram descobertos, isto conforme trecho de reportagem abaixo:
“Seus efeitos sobre a fauna, a biodiversidade e sobre os indígenas que dependem do Xingu para sua sobrevivência, segundo os próprios técnicos do Ibama, ainda estão longe de terem sido adequadamente avaliados”.[68]
Ainda assim, o IBAMA concedeu o licenciamento que agora vem sendo alvo de uma possível Ingerência por parte da OEA, porém, não se sabe quem ganhará nessa celeuma jurídica e política, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado ou o direito a soberania. Sobre o impacto socioambiental que será causado, afirma Ubiratan Cazzeta, Procurador da República:
“Nossa questão aqui não é ser contra ou a favor da obra, mas discutir as prévias que envolvem um empreendimento de R$ 30 bilhões gerando o tipo de impacto ambiental e social que irá causar. Belo Monte irá gerar 11 mil megawatts (MW) de energia apenas em alguns meses e anos. A média, em uma previsão de geração otimista, é de quatro mil MW, já que o rio Xingu tende a baixar o nível por conta das mudanças climáticas. Não é possível repetir os erros do passado. No início do ano, o secretário de Saúde de Rondônia declarou estado de calamidade pública na capital, Rondônia, que ficou mais populosa com a construção da hidrelétrica do Madeira. Se uma capital não aguentou, imagine Anapu, Altamira e Vitória do Xingu, que estruturas muito mais precárias”.[69]
Desta maneira, mostra-se que o caso Belo Monte, iniciou com problemáticas no Brasil, e a medida que a OEA analisou que realmente será de grande impacto a construção dessa hidroelétrica, começou a dar os primeiros passos para a intervenção no país citado, uma vez que os danos serão de ordem nacional e internacional, serão danos ambientais e socioambientais irreversíveis, por isso a questão em tela precisa sem bem discutida, para que se possa chegar a algo bom para todos, sem olvidar-se que o desenvolvimento não pode atropelar questões ambientais para existir.
4.3 Conclusão
À medida que a sociedade vai evoluindo, juntamente com ela evolui as leis e modo de pensar dos indivíduos, sendo a cada dia maior a preocupação de boa parte da população para com o meio ambiente, uma vez que, muitos ainda não despertaram para a tamanha importância da preservação desse bem.
Saindo da esfera do individual e caminhando para o âmbito dos Estados, sabe-se que as legislações de inúmeras nações já contemplam o cuidado ao meio ambiente, dentre elas, as constituições do Brasil, Espanha e Chile. Porém essa preocupação não para no âmbito nacional, pois a partir do momento em que se fala em preservação e cuidados para com este bem, estar-se-á falando de algo que influi na vida de todos indistintamente, logo, no âmbito internacional, vêm-se evoluindo, ainda que lentamente, rumo a um mundo mais consciente.
Além dos princípios internacionais do Direito Ambiental, definidos em Declarações Ambientais Internacionais: Declaração de Estocolmo (1972) e Declaração do Rio (1992) têm-se a Carta das Nações Unidas que prevê intervenção, isto em seus arts. 39,40 e 41 do capítulo VII, podendo esta ser utilizada em casos de catástrofes ambientais, ou até mesmo previsões de catástrofes, que podem eventualmente ser detectadas por Estudos de Impactos Ambientais.
Ainda que no âmbito internacional, ainda haja receio quanto ao uso do direito de ingerência, sendo o direito a soberania e a não-intervenção largamente utilizado como óbice por aqueles que se posicionam terminantemente contra o uso do direito de ingerência, aos poucos percebe-se que quando se nota a importância do bem que o direito de ingerência no domínio do meio ambiente pretende resguardar as nações entendem que o bem comum de todos é mais importante que o bem de uma só nação, em outros termos, a prática da ingerência para resguardar o meio ambiente, que influi no bem de todos, é mais importante que o direito a soberania de uma só nação, logo, em um sopesar de benefícios, o direito de ingerência é aceito e compreendido.
Já ocorreram inúmeros casos de ingerência com fundamentos em Direitos Humanos, não tendo ocorrido nenhum com fundamentos diretos na defesa do Meio ambiente, ainda que indiretamente tenha havido menção a esse bem, como é o caso da intervenção dos Estados Unidos na Somália.
Por fim, espera-se que a leitura a esse breve estudo desperte em interessados no assunto o desejo de estudar e divulgar seus estudos sobre a ingerência no domínio do meio ambiente para que sirva de alerta não só a poucos indivíduos, mais que esse tema tome proporções maiores, gerando maior interesse entre os legisladores em debater e normatizar o assunto, uma vez que o que se encontra são princípios e normas que podem ser aplicadas para fundamentar o direito de ingerência no domínio do meio ambiente, mais ainda não existem normas específicas sobre o assunto, e os estudos, assim como livros ainda são escassos.
Eis que é o momento de se pensar em atitudes de proporções maiores para resguardar um bem de suma importância como o meio ambiente, pois quem sabe, por medo de sofrer a ingerência as nações não passam a dar maior importância as suas terras, árvores, seres, mares e ar? Os Estados necessitam compreender que: ou cuidam para não degradarem tanto o habitat humano ou estarão sujeitos a sofrer ingerência por parte daqueles que querem zelar pela vida de todos.
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
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