O Direito Penal Simbólico – uma análise sobre a intervenção jurídico-penal do Estado na tipificação de condutas de pouca ou nenhuma lesividade jurídica

Resumo: No presente trabalho analisaremos o Direito Penal Simbólico, quando da tipificação de crimes de pouca ou nenhuma lesividade jurídica. Veremos que muitas vezes o Estado segrega o homem com a tipificação de condutas sem qualquer relevância penal. E muito mais, por faltar ao Estado condições de a todos os infratores punir, as condutas de mínima ou nenhuma lesividade acabam por ficar “impunes”, gerando um sentimento de que o Estado “sabe” a quem perseguir.

Palavras-chave: direito penal simbólico; lesividade jurídica; direito penal como instrumento segregador; impunidade; bens jurídicos protegidos.

Abstract: In the present work we will analyze the Symbolic Penal Law, when criminalization of little or no legal lesivity. We will see that often the State segregates the man with the typification of conducts without any criminal relevance. And much more, because the state lacks the conditions for all offenders to punish, the minimum or no lesivity behaviors turn out to be "unpunished", generating a feeling that the state "knows" whom to persecute.

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Keywords: symbolic criminal law; Legal liability; Criminal law as a segregating instrument; impunity; Protected legal assets.

Sumário: 1. Introdução. 2. Direito Penal; 2.1 A Expansão do Direito Penal na Sociedade de Risco 3. A evolução do Direito Penal como problema 4. O Direito Penal Simbólico. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas

1. Introdução

Desde o início da história da humanidade, o homem tem avançado em diversos sentidos, principalmente no que diz respeito aos seus Direitos. Por meio do desenvolvimento da razão, ato atribuído somente ao ser humano, o homem tem se organizado em grupos como meio de garantir sua sobrevivência e propagação da espécie. No entanto, essa convivência, através dos séculos, não tem sempre se demonstrando harmoniosa, pois, um dos instintos que remetem as épocas onde a escassez de recursos demandava um lado instintivo: a agressividade do homem.

O primeiro homicídio da história foi documentado em um dos livros mais antigos, que é a bíblia cristã. Possuído por ciúmes, Caim armou uma emboscada para seu irmão, sugerindo que Abel o acompanhasse ao campo, e lá chegando, Caim matou seu irmão.

Podemos afirmar que desde esses tempos o homem vive em uma sociedade do crime, surgindo assim o Direito Penal, com o objetivo de defender os interesses do coletivo promovendo uma sociedade mais justa e pacifica.

Se houvesse a certeza que o homem respeitaria a honra, a integridade física, os bens e a vida de seu semelhante, não seria necessária a existência de normas punitivas. Por isso o Direito Penal tem evoluído em conjunto com a sociedade.

Observando os comentários anteriores como verdadeiros, cumpre ressaltar as perguntas que servirão de apoio para a conclusão da presente pesquisa: Qual a importância do Direito Penal na sociedade de risco? É correto utilizar o Direito Penal como instrumento para prevenir condutas que sequer colocaram em perigo um bem jurídico? O clamor popular legitimaria a incriminação de condutas nas quais a lesão ao bem jurídico é ínfimo ou inexistente?

Assim, discorreremos neste trabalho sobre o tema, sem qualquer pretensão de esgotá-lo ou de chegar a conclusões absolutas, vez que, o direito como ciência humana, deve ser sempre discutido, evitando-se soluções que parecem únicas e absolutas.

2. Direito Penal

É importante iniciar o presente artigo fazendo uma breve apresentação do Direito Penal. Não há como dar entrada ao tema sem antes entendermos o Direito Penal atual.

Segundo Fernando Capez (2011, p. 19) “a missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade, etc., denominados bens jurídicos.” E o autor diz ainda:

“O direito penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação.”

Para Nilo Batista (2007, p. 48), “a missão do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena”.

Neste contexto, Figueiredo Dias (2001, pp. 47-48) lembra que “os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem considerar-se concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais”.

Para Assis Toledo (1991, p. 22), bens jurídicos “são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.

Vem dessa necessidade de proteger os bens jurídicos mais importantes, o surgimento de leis, organizadas em forma de Códigos, entre eles o Código Penal. O que se mostra contrário ao estabelecido na lei, é chamado ilícito e encontra no ordenamento sanções previstas a cada infração, que podem variar desde a restrição da liberdade, com a inclusão do autor do ilícito no sistema prisional, a medidas de segurança e penas restritivas de direitos.

É por esse motivo, que iniciamos o trabalho abordando a temática da expansão do direito penal na sociedade contemporânea.

2.1 A Expansão do Direito Penal na Sociedade de Risco

Na atualidade do Direito Penal, o questionamento que devemos fazer é: o Direito Penal necessita de uma alteração que modifique a sua natureza tradicional? A pergunta remete ao que foi chamado pelo sociólogo Ulrich Beck (2007, p. 134) de “sociedade de risco”, ligado às problemáticas da pós-modernidade e da globalização.  

A sociedade passou e ainda passa por muitas revoluções e evoluções, onde os costumes e as tecnologias são alterados. O Direito Penal não pode ignorar essas mudanças, sob pena de perder sua função. Para que isso não ocorra deve haver uma reformulação dos conceitos até o momento existentes.

Segundo Figueiredo Dias (2007, p. 134), “esta ideia suscita ao direito penal problemas novos, ao pôr em evidencia uma transformação radical da sociedade em que vivemos e que seguramente se acentuará no futuro.”

Em síntese, o que o autor quer dizer é que aquela sociedade em que os riscos advinham de acontecimentos naturais (os quais o Direito Penal não pode tutelar) ou de ações humanas (as quais bastava a tutela da vida, do corpo, da saúde, enfim, de bens jurídicos clássicos) não existe mais e está sendo substituída por uma sociedade globalizada, onde uma simples ação humana, as vezes anônima, pode produzir riscos globais, ou em tempos e lugares distantes da ação propriamente dita. Crescendo lado a lado com a produção de riquezas, cresce também a produção de riscos.

Considerava-se, na sociedade clássica industrial, que os problemas de economia diziam respeito apenas as ciências econômicas, os problemas de saúde pública eram das ciências da saúde, e assim, sucessivamente. Acontece que, com o avanço e a modernização da sociedade pode-se perceber que os problemas de uma área afetam diretamente as outras áreas.

A população brasileira era predominantemente rural, bastando para freia-la a religiosidade e as reprimendas sociais. Quando estes não eram eficazes para reprimir as condutas errôneas, surgiam então os coronéis. Apesar da violência praticada por estes, a incidência de criminalidade era baixa. Foi neste contexto que surgiu a legislação até hoje é vigente.

Com o avanço tecnológico e científico, a sociedade deixou de ser rural, migrando então para a área urbana. Neste momento, os freios sociais não mais funcionavam e a criminalidade passou a aumentar. Tornaram-se possíveis a prática de novas condutas que antes eram vistas como impossíveis. A sociedade de risco, também possui como característica a insegurança, devido aos meios de comunicação e a dramatização dos fatos ocorridos.

No sentido da teoria criada por Ulrich Beck, não podemos deixar de citar a doutrina de Silva Sanchez (2002, p. 50), que define o que vem a ser risco:

“Desde a enorme difusão da obra de Ulrich Beck, é lugar comum caracterizar o mundo social de pós-industrial em que vivemos como ‘sociedade do risco’ ou ‘sociedade de riscos’ (Risikogesellschaft). Com efeito, a sociedade atual aparece caracterizada, basicamente, por um âmbito econômico rapidamente variante e pelo aparecimento de avanços tecnológicos sem paralelo em toda a história da humanidade. O extraordinário desenvolvimento da técnica, teve, e continua tendo, obviamente, repercussões diretas em um incremento de bem-estar individual. Como também as têm a dinâmica dos fenômenos econômicos. Sem embargo, convém não ignorar suas consequências negativas. Dentre elas, a que interessa aqui ressaltar é a configuração do risco de procedência humana como fenômeno social estrutural. Isso, pelo fato de que boa parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém precisamente de decisões que outros cidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos: riscos mais ou menos para os cidadãos (como consumidores, usuários, beneficiários de serviços públicos, etc.). Mas, também, porque a sociedade tecnológica, crescentemente competitiva, desloca para a marginalidade não poucos indivíduos, que imediatamente são percebidos pelos demais como fonte de riscos pessoais e patrimoniais.”

O que se pode dizer é que há uma expansão do Direito Penal na sociedade de risco, pois o Direito Penal Clássico visa proteger o bem jurídico individual, enquanto os novos delitos na sociedade atual fazem com que surja um novo Direito Penal para tutelar estes bens. Os crimes da sociedade de risco não são apenas de dano, mas sim, projetam-se no tempo, de maneira que não atingem mais somente o bem jurídico individual, mas, bens jurídicos supra individuais.

O Direito Penal, neste contexto, é chamado então a atuar em áreas que nunca antes fora  necessário: o ambiente, a economia, o consumo, a medicina, etc.

Muito tem se falado sobre o Direito Penal atual, no Brasil e também no mundo, assim como sua crise. A ideia fundamental é de rever o sistema jurídico-penal. É óbvio que o sistema penal, principalmente o brasileiro, precisa passar por uma revisão.

Para Sabino de Deus (2010, pp. 477-494), alguns autores contemporâneos propõem como solução para a diminuição dos riscos, um aumento de penas. Para o autor, essas ideias são baseadas no mais radical do direito penal, o direito penal máximo. Jardel Sabino de Deus acredita que não é o simples aumento da pena e nem o tratamento mais severo dos problemas sociais a melhor solução. É inegável que o Direito Penal necessita de uma releitura sobre a sua verdadeira função na sociedade atual.

Silva Sánchez (2002, p. 50)  indica como motivos para a expansão do direito penal, além da efetiva aparição de novos riscos, também a sensação social de insegurança, a configuração de uma sociedade de sujeitos passivos, a identificação da maioria social com a vítima do delito, o descrédito nas outras instâncias de proteção, os gestores atípicos de moralidade e a atitude da esquerda política.

Não há como negar que a vida em sociedade, por si só, já é um risco. Günther Jakobs (2002, p. 25) afirma que “não é possível uma sociedade sem riscos”. Assim, podemos concluir que diariamente criam-se novos riscos e também se agravam os já existentes, isso porque, as mudanças na nova realidade social acontecem quase que instantaneamente.

Vivemos em uma sociedade de riscos: atravessar as ruas, andar na calçada, apertar a mão de alguém, não podem ser considerados comportamentos totalmente isentos de riscos, por exemplo, durante esse aperto de mão pode se contrair um resfriado. Acontece que, trata-se de um risco permitido pelo ordenamento jurídico, como realizar uma cirurgia, submeter-se a uma anestesia.

Porém, nada impede que alguém, realizando uma conduta permitida acabe por provocar um resultado danoso que é tipificado como crime. Canotilho (2008) afirma que a insegurança e o desconforto são típicos da sociedade de risco. No entanto, há riscos que são tolerados por serem aceitáveis socialmente. Ainda assim, apesar de alguns riscos serem toleráveis, outros ofendem os bens jurídicos tutelados e os valores essenciais para a vida em sociedade e merecem ser tutelados pelo Direito Penal. O Direito Penal não tutela riscos decorrentes da prática de algo não tipificado, ao contrário, tutela os riscos que ofendem bens jurídicos ou valores da sociedade, que produzem resultados desaprovados no mundo fático.

O crime é, portanto, na sociedade moderna, um dos maiores riscos a serem combatidos. Do crime deriva a degradação social, a insegurança, o medo. A mídia colabora para o alarme da sociedade com a divulgação dos elevados níveis de criminalidade nos últimos tempos. O surgimento de novos riscos e realidades passou a exigir uma postura estatal sobre temas nunca antes trabalhados ou alarmados. Na atualidade “acontecem fenômenos de difícil previsibilidade, e, mais ainda, de difícil controlabilidade, próprios de uma sociedade que se vê ameaçada por sua própria dinâmica, fruto essencialmente de decisões humanas

Para Figueiredo Dias (2007, p. 134), o Direito Penal não se adequará a sociedade de risco enquanto não tiver uma nova política criminal que abandone a função de tutela de bens jurídicos e aceite como função os valores da vida em sociedade.

A relação entre o direito penal e os riscos da era pós-industrial é polêmica e cheia de controvérsias.  Isto porque o direito penal que vivemos hoje não está suficientemente preparado para a prevenção dos novos perigos que ameaçam a sociedade e as futuras gerações. A estrutura do Direito Penal ainda não conseguiu se adaptar totalmente a estes novos âmbitos de proteção, gerando diversas divergências na doutrina brasileira e estrangeira. Até o momento, o Direito Penal era chamado para conter condutas comprovadamente repudiadas, agora, passa a ser invocado também pelo Estado na luta pela prevenção de condutas hipoteticamente arriscadas.

Uma das consequências dessa sociedade de risco é que o legislador é socialmente influenciado a antecipar o resultado no tipo penal, utilizar cada vez mais tipos penais em branco, a debilitar a ideia de certeza sobre a conduta pela super-expansão valorativa do risco.

No caso do Direito Penal, além de se preocupar com o fim, o resultado, deverá também se preocupar com aquilo que criou o risco, fazendo com que o Direito Penal deixe ser mínimo, de ultima ratio.

O Direito Penal, no aspecto de ultima ratio, serve para proteger o bem jurídico, estabelecendo garantias e limites para o exercício do Estado. A partir disso, a norma deve se abrir a novas interpretações, criando novos tipos penais. Neste sentido, nos ensina Canotilho (2008, pp. 240-241) que “o direito penal abre-se a novos tipos de ilícitos e acolhe conceitos de eficácia que põem em dúvida a sua radical auto limitação de direito de ultima ratio em instrumento de polícia.”

O Direito Penal na sociedade de risco deve se adaptar para conter a atribuição de responsabilidade penal a partir das categorias dogmáticas e das regras da imputação que sejam adequadas aos princípios teóricos do sistema. Desse modo, o que não for adequado ao sistema, deve ficar fora do Direito Penal e buscar outras formas de intervenção. Neste sentido:

“La finalidade de protegerse frente a los riesgos y procurar más seguridad a través Del Derecho Penal puedemantenerse em La medida em que seacompatible com los princípios básicos delDerecho Penal de um Estado de Derecho y com aquellos princípios y categorias dogmáticas que posibiliten y aseguren em mayor medida uma atribución de responsabilidadadecuada y coherente com tal modelo” (BUERGO, 2001, p. 52).

Uma das maneiras de solucionar o problema da sociedade de risco é a expansão do direito penal, que pretende responder ao problema mediante uma política e uma dogmática criminais duais ou dualistas. Deve manter como centro os princípios da existência de um Direito Penal Clássico, mas também possuir uma periferia dirigida à proteção contra os novos riscos. (FIGUEIREDO, 2007, p. 134)

Conclui-se, portanto, que o Direito Penal na sociedade risco torna-se um braço de controle social. Apesar de, diante da quantidade de riscos e da insegurança gerada por eles, o poder punitivo ser insuficiente (SAAVERA, 2011, pp. 123 a 142). Considerando o já exposto, que o risco é inerente ao progresso da sociedade, o Estado, através das leis, impõe limites a prática de atividades arriscadas, porém, benéficas. É o caso da medicina. Desta forma, a diferença entre risco permitido e proibido é imposta pelo Estado, e não pela gravidade do risco.

É neste diapasão que exagera o Estado quando tipifica condutas que devem ser toleradas numa sociedade de riscos. Condutas que não atingem bens jurídicos relevantes, ou até, não atingem qualquer bem jurídico.

3. A Evolução do Direito Penal Como Problema

Um dos problemas do Direito Penal e de sua evolução, é a criação de delitos que não possuem bem jurídicos ou até mesmo condutas que causem um dano reduzido. Um exemplo são os casos do crime de casa de prostituição (art. 229 do CP) e da contravenção penal de jogos de azar (art. 50 da LCP), cuja doutrina majoritária defende ser a moralidade pública o bem juridicamente tutelado.

É cediço entre a comunidade jurídica (e até na sociedade), que a moral não pode ser objeto de proteção penal. Isso porque não cabe ao Estado regular a moral do cidadão, devendo se contentar em proibir condutas danosas (CALLEGARI; WERMUTH, 2010, p. 22)

Assim nos ensinam os nobres professores Zaffaroni e Nilo Batista:

“Uma lei ou uma sentença que pretenda impor normas morais, cominando ou aplicando pena por um fato que não lesione ou exponha a perigo o direito alheio, é ilícita e sua ilicitude atinge todos que se beneficiam ou podem beneficiar-se do respeito ao âmbito da autonomia moral que a Constituição estabelece”. (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2011, p. 226).

Tais colocações expõem o desrespeito tanto ao princípio do Direito Penal mínimo quanto ao princípio da lesividade, na medida em que se punem condutas de modo desnecessário e em que se antecipa a punição, criminalizando condutas que muitas vezes não geram qualquer perigo lesivo a outrem.

Quando o Estado tenta imiscuir-se, em sede de tipificação penal, em assuntos que não foi chamado a tutelar (tomando a teoria de Rousseau exposta no Contrato Social), acaba por gerar grandes conflitos na sociedade, pois tutela bens que não são de relevância jurídico-penal. Assim, deveria deixar que os demais ramos do direito tratassem de tais temas.

Outro resultado gerado pela ação do Estado em tutelar bens de pouca ou nenhuma significância na esfera jurídico-penal, é que acaba por macular pessoas que não são tendentes à prática de ilícitos penais, mas que responderão por crimes e contravenções, trazendo como consequência a segregação, pois para todos os fins, cometeram um crime ou uma contravenção, sendo chamados, a partir de então, de criminosos ou contraventores.

Outra consequência desta desenfreada criminalização de condutas insignificantes são os malfadados processos que se arrastam e a nenhum lugar chegam. Uma verdadeira enxurrada de prescrições, face as penas impostas a estas condutas. Não se pode punir uma conduta ínfima com uma pena máximo, vez que assim se estaria ferindo o Princípio da Proporcionalidade das penas. Então, o Estado tipifica a conduta, mas impõe uma pena pequena, que na sua maioria das vezes não ultrapassam 1 (um) ano.

Como falta aparelhamento humano, e os atores processuais que figuram no pólo passivo das demandas criminais são inúmeros, os processos se arrastam por anos nos Juizados Especiais, e quando chegam conclusos para as sentenças, não resta alternativa ao magistrado a não ser reconhecer a prescrição. Ou seja, todo o tempo e material gasto fica perdido, gerando a sensação de que o Estado não pune. Aliás, basta uma simples pesquisa sobre a efetiva punição estatal aos delitos considerados graves e se verificará que não há qualquer condição de o Estado voltar suas atenções para uma parte da sociedade que não é voltada para crime. Que só está respondendo por tal em razão de o legislador passar a considerar infração penal condutas socialmente aceitas e irrelevantes sob a ótica do Direito Penal.

4. O Direito Penal Simbólico

O Direito Penal Simbólico é aquele que tem uma "fama" de ser rigoroso demais e por esse motivo acaba sendo ineficaz na prática, por trazer meros símbolos de rigor excessivo que, efetivamente, caem no vazio, diante de sua não aplicação efetiva, justamente pelo fato de ser tão rigoroso. Hoje em dia, o Brasil passa por uma fase onde leis penais de cunho simbólico são cada vez mais elaboradas pelo legislador infraconstitucional. Essas leis de cunho simbólico, de acordo com Capez (2010, p. 19), trazem uma forte carga moral e emocional, revelando uma manifesta intenção pelo Governo de manipulação da opinião pública, ou seja, tem o legislador infundindo perante a sociedade uma falsa ideia de segurança.

Longe de resolver os problemas de criminalidade, muitas vezes o Direito Penal simbólico os agrava. Ao invés de diminuir o número de crimes praticados, a criminalização de qualquer bagatela faz com que haja um aumento da criminalidade. Claus Roxin enfatiza que “es evidente que nada favorece tanto la criminalidad como la penalización de cualquier injusto consistente en una nimiedad.” (ROXIN, 1976, p. 22). 

Conforme salientam Alice Bianchini e Leo Rosa de Andrade, o Direito Penal simbólico “manipula o medo do delito e a insegurança, reage com rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e determinados infratores. Introduz um exagerado número de disposições excepcionais, sabendo-se do seu inútil ou impossível cumprimento e, em médio prazo, traz descrédito ao próprio ordenamento, minando o poder intimidativo de suas proibições”. (BIANCHINI; ANDRADE IN: BRITO; VANZOLINI. 2006, p. 32).

Na prática, este simbolismo aparece com a edição de leis em resposta ao clamor público toda vez que um fato crime choca o país. O simbolismo se processa quando as classes A e B escandalizam-se porque a violência sai da esfera quase abstrata das favelas e periferia e adentra suas realidades – vitimando seus bairros, casas, seus filhos. Então esta elite investe contra o Estado, exigindo uma atitude firme de repressão ao crime, um reforço de sua autoridade. E o Estado responde, prontamente, com leis e mais leis proibindo o que é permitido, agravando a sanção do que já é proibido (ZAFFARONI, 2010).

E a promulgação descontrolada de leis em resposta ao clamor de uma população assustada choca-se com a finalidade do sistema de normas que é o Direito Penal. Afinal, embora nada de fato esteja sendo feito para solucionar os problemas, há a sensação tranquilizadora de que atitudes firmes estão sendo tomadas neste sentido. Na prática, contudo, é evidente que um aumento de pena ou a criminalização de conduta não são fatores inibidores do crime e nem sanadores de um meio social carente de medidas sociais redutoras da criminalidade (CAPEZ, 2010, p. 19).

Uma política criminal voltada para edição de leis simbólicas servirá para duas coisas: a) reduzirá, em longo prazo, a credibilidade da sociedade nas esferas de proteção penal; b) caminhará, cada vez mais, em direção ao autoritarismo, visto que as garantias individuais são flexibilizadas em prol do bem comum.

Com relação à flexibilização de garantias individuais, vale destacar que o Direito Penal, cada vez mais, caminha para a antecipação da intervenção penal. Proíbem-se condutas que caracterizam remota possibilidade de dano. Esquece-se que muitas vezes tais condutas podem ser desincentivadas pelo Direito Civil, Direito Administrativo, Direito do Trabalho etc. Com isso sobrecarrega-se o Direito Penal (CAPEZ, 2010, p. 19).

O Direito Penal simbólico afasta-se dos princípios do Direito Penal. A intervenção mínima e a lesividade são relegadas a segundo plano. Princípios que deveriam basilar a atuação legislativa e a atividade jurisdicional são esquecidos para dar lugar à punição pela punição. Pune-se porque a sociedade, pelos meios de comunicação, assim bradou. Garantias penais e processuais são esquecidas, legitimando toda sorte de abusos por parte das autoridades e de policiais despreparados. Juízes, em nome da garantia da ordem pública, esquecem-se da Constituição e utilizam o processo como meio de punição e não como realização do Direito (ZAFFARONI, 2011).

5. Conclusão.

No presente artigo tratamos do Direito Penal Simbólico, analisando tal tema sob a ótica doutrinária que entende que este instituto nenhum benefício social traz, causando, apenas, segregação social e ocupando o Estado numa persecução penal inócua, restando, ao final, em nenhum resultado prático, gerando, apenas, a sensação de impunidade.

Trouxemos uma breve reflexão sobre o Direito penal e sua expansão numa sociedade de risco, quando nesta se exigirá mais e mais do legislador para que passe a proteger bens e valores que surgem com o avanço social e tecnológico. Porém, verificamos que tal pode gerar sérios problemas com a intervenção, cada vez maior do Estado, que tende a proteger bens e valores que não são próprios da proteção jurídico-penal, pois este, como ultima ratio, deve se ocupar aqueles bens cuja proteção seja incontroversamente relevante.

Por fim, numa análise do próprio direito penal simbólico, vimos que este, muitas vezes, e causa de uma agravação da criminalização, face ao descrédito que o Estado passa a ter quando, querendo tudo proteger, através do medo de imposição de sanções, acaba por nada punir, vez que é limitado e carente de pessoas que possam trabalhar com a finalidade de dar conta de tantos processos.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Sérgio Murilo Sabino

Advogado, Professor de Direito na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra, Pós-Graduado em Penal, Processual Penal e Ambiental, respectivamente pelo Centro Universitário FIEO de Osasco/SP (UNIFIEO) e pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo/SP (UNISAL).

Francisco Nelson de Alencar Junior

Mestre em Direitos Fundamentais pela Unifieo Advogado Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra


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Equipe Âmbito Jurídico

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