A falta de mecanismos para a compensação de créditos previdenciários via eSocial e a complexidade para a compensação de créditos do ICMS de exportações expõem uma barreira que precisa ser superada pelo FISCO
Por: Dhyego Pontes e José Almir
O sistema tributário brasileiro, em muitos casos, apresenta caminhos tortuosos para o contribuinte no que concerne à sua falta de clareza. É o caso, por exemplo, da velha discussão sobre a compensação de créditos fiscais do ICMS que, como veremos a frente, acaba punindo empresas e minando a competitividade de Estados do País.
Dentro deste contexto, podemos traçar um paralelo com uma nova problemática que deve ser reforçada ao longo dos próximos meses e que diz respeito a falta de saídas para a compensação de créditos previdenciários por meio do eSocial – fato que, por sua vez, tem potencial para criar uma bomba relógio para a Receita Federal. Analisaremos estas duas questões ao longo deste artigo.
A sistemática de compensação dos créditos previdenciários
Imagine que sua empresa tem direito a compensação fiscal referente ao crédito de contribuições previdenciárias anteriores ao eSocial, todavia, não poderá recebê-lo, uma vez que o sistema, por meio da DCTF Web, não possui mecanismos para compensação de créditos para relativos a períodos anteriores a implementação do mesmo no tocante a créditos previdenciários.
Foi o que ocorreu com uma instituição de ensino baiana, que, impossibilitada de receber os créditos via GFIP (Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social) – uma vez que o documento foi extinto –, teve liminar aceita pela 12ª Vara Federal Cível de Salvador, a qual, reconhecendo a ausência de alternativas “para que a compensação se operacionalizasse”, terá o direito de receber em dinheiro, o valor referente aos seus créditos de contribuição previdenciária, no montante de R$ 1,62 milhão.
O fato é que, conforme bem exposto pelo advogado Alexandre Monteiro, em matéria do Valor Econômico, sobre períodos anteriores, a despeito da extinção da GFIP, a possibilidade de compensação fiscal existe. Logo: ou são criadas alternativas pelo FISCO ou a tendência é que mais casos como esse surjam no decorrer dos próximos meses, questão essa que pode gerar impactos relevantes para a Receita Federal.
Vale salientar que, segundo a Instrução Normativa RFB nº 1.810, de junho do ano passado, o contribuinte pode utilizar o PER/Dcomp para a compensação de créditos previdenciários apurados no eSocial; entretanto, tal compensação não diz respeito a fatos anteriores a utilização do eSocial, como foi o caso da instituição de ensino baiana.
A querela do ICMS das exportações e a Lei Kandir
Outra via complexa no sistema de compensações tributárias do FISCO pode ser vista no longo imbróglio da compensação do ICMS das exportações, que vem desde a aprovação da Lei Kandir, em setembro de 1996, e que tem como ponto notório a isenção do ICMS para produtos básicos ou semielaborados destinados a exportação de empresas essencialmente exportadoras.
Como bem descrito por matéria de fevereiro deste ano do Nexo Jornal, um dos principais pontos de discussão entre Governo Federal e os Governos Estaduais, se dá pelo fato de que o ICMS é um imposto estadual que, por conseguinte, se tornou passível de isenção graças a uma medida de incentivo do Governo Federal.
O resultado dessa problemática é um embate de mais de duas décadas entre empresas, Governos Estaduais e Governo Federal.
Os Estados, por exemplo, argumentam que a isenção do ICMS gera prejuízos aos cofres estaduais e pedem, portanto, uma revisão do teto de 3,9 bilhões de repasses do Governo Federal, para compensar a perda do ICMS – desde 2003, o teto de repasses do Governo Federal não é atualizado. Só o Estado do Pará, segundo a Secretaria da Fazenda do estado (SEFA), aponta ter perdido mais de R$ 34 bilhões em arrecadação, desde que a Lei Kandir foi aprovada.
Por outro lado, o Governo Federal argumenta que, sem o incentivo à exportação, a arrecadação do ICMS, consequentemente, seria menor. Em fevereiro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu razão ao Governo Federal, decidindo que os Governos Estaduais não teriam de ser ressarcidos em R$ 39 bilhões, por alegadas perdas com a Lei Kandir.
No meio desta briga de gigantes, ficam as empresas essencialmente exportadoras que encontram dificuldades para conseguir a compensação dos créditos do ICMS, conforme determinado pela Lei Kandir, o que, naturalmente, compromete a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, pois será razoável uma tentativa do produtor de repassar este custo “não reembolsável” para o comprador.
Segundo uma pesquisa da CNI, por exemplo, todos os 10 maiores estados exportadores do País criam barreiras para a compensação dos créditos do ICMS – o que gera um cenário em que quase 33% das empresas que solicitam o benefício, simplesmente, não conseguem obtê-lo, ao passo que 34,5% delas, demora mais de um ano para ter acesso ao ressarcimento.
Conclusão
Seja referente ao fogo cruzado do ICMS das exportações ou em relação a falta aparente de caminhos para a compensação de créditos previdenciários, indubitavelmente, as empresas precisam buscar apoio, para que tenham seus direitos garantidos e não sejam punidas pelo desacordo entre Poderes ou por falhas na construção de mecanismos compensatórios no Sistema de Escrituração Digital.
Afinal de contas, dentro deste ambiente fiscal labiríntico que oferece o Brasil, é quase impossível caminhar sozinho.
*Dhyego Pontes é consultor trabalhista e previdenciário da Grounds.
*José Almir Sousa é Gerente de Tributos Indiretos na Grounds
Sobre a Grounds
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