Lorena Fonsêca Póvoas¹
Resumo: O Supremo Tribunal Federal reconhece a união homoafetiva como um núcleo familiar como qualquer outro e, além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza a adoção por uma única pessoa, sem fazer qualquer restrição quanto a sua orientação sexual.
Cabe aos operadores do Direito, apesar do preconceito existente e dos tabus da sociedade a função de afastar-se de conceitos pré-estabelecidos para tutelar aqueles que possuem plena condição de constituir família através da adoção, independentemente da orientação sexual. É essencial que o sistema jurídico brasileiro regule a adoção por casais homoafetivos, posto que a jurisprudência tem apontado favoravelmente nesse sentido.
As opiniões e escrúpulos ainda são preconceituosos, criando dificuldade em deferir adoções apenas por conta da orientação sexual de quem pretende adotar e, assim, impedindo e privando um grande número de crianças e adolescentes de viver num lar com atenção e carinho. Está na hora de a sociedade rever valores e acabar com a resistência ignorante e injustificável a que casais homoafetivos nutrem o sonho de ter filhos.
Palavras-chave: Família. Adoção. Casais Homoafetivos.
Abstract: The High Federal Court recognizes the homossexual mariage as afamily unit as any other and, besides that, the Child and Adolescent Statute authorizes the adoption by a single person, without make any restriction as to their sexual orientation. It is incumbent upon the operators of the Law, despite the prevailing stigmas and the taboos of society to depart from pre-established concepts to protect those who are fully entitled to establish a family through adoption, irrespective of sexual orientation. It is essential that the Brazilian legal system regulates adoption by homosexual couples, since jurisprudence has favorably pointed to this.The opinions and scruples are still prejudiced, creating difficulty in defers adoptions solely because of the sexual orientation of those who are intend to adopt and thus preventing and depriving a large number of children and adolescents of living in a home with attention and care. It is time for society to review values and end the ignorant and unjustifiable resistance to homosexual couples harboring the dream of having children.K
eywords: Family. Adoption. Homossexual couples.
Sumário: Introdução. 1 Evolução do instituto familiar. 2 Direito e homoafetividade. 2.1 Família homoafetiva. 3 Processo histórico da adoção. 4 Adoção homoafetiva. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Segundo Aristóteles, o homem é um ser carente que necessita dos outros e das coisas, buscando a comunidade para alcançar a plenitude, e, por isso, deduz-se que o mesmo é um animal político, procurando desde sempre a convivência com a sociedade e o desenvolvimento de relações pessoais. A adoção por pares homoafetivos é um assunto que está bastante presente no dia-a-dia, mas que, apesar dos avanços sociais e jurisprudenciais, ainda gera bastante litígio tanto na esfera judicial quanto na esfera social.
Com isso, felizmente, o sistema judicial brasileiro já vem realizando avanços no sentido de conferir aos casais homoafetivos o direito de constituir uma família através do instituto da adoção, respeitando assim tanto os princípios constitucionais quanto o próprio princípio do Melhor Interesse da Criança. Desta forma, no decorrer deste trabalho, verifica-se através de jurisprudências e doutrinas que a adoção por casais do mesmo sexo é plenamente possível.
O presente artigo foi desenvolvido com o escopo de refletir e descortinar sobre a proteção e o direito dos pares homoafetivos de constituir família através do instituto da adoção, além de expor o entendimento jurisprudencial sobre o assunto, fazendo um breve apanhado histórico sobre a evolução dos modelos de família, falando sobre o conceito de homoafetividade e de família homoafetiva, bem como sobre o processo histórico da adoção no Brasil, e, por fim, expondo sobre a adoção homoafetiva, para que se possa, antes de tudo, entender a origem desta maneira de se relacionar, os direitos constitucionais fundamentais, a transformação da família e a evolução e exequibilidade da adoção por casais homoafetivos.
O trabalho está organizado da seguinte forma: no capítulo dois será feita uma análise da evolução do instituto familiar através do tempo, incluindo os novos modelos familiares; no capítulo 3 será abordado o conceito de homoafetividade, juntamente com uma elucidação mais ampla sobre a família homoafetiva; no capítulo 4 será discorrido o processo histórico da adoção no Brasil, explicando o instituto desde o Código Civil de 1916 até os dias presentes; finalmente, no capítulo 5, o tema principal do artigo será elucidado, qual seja, a adoção por pares homoafetivos, fazendo uso de doutrina e da jurisprudência.
1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FAMILIAR
A família hoje é vista como um núcleo onde as pessoas se conectam em função de vínculos afetivos. Nela, mães, pais, filhas e filhos podem estar intrincados por sentimentos de ajuda mútua, amor e compreensão, além de servir de base afetiva e referência para a formação de personalidade de um indivíduo. Acredita-se que na família, seja esta composta por pares hétero ou homossexuais, o que voga para a harmonia é o amor dado e recebido entre os componentes familiares, independentemente de sexo ou orientação sexual.
Entretanto, sabe-se que historicamente nem sempre foi assim. As famílias vêm evoluindo e se modificando ao longo da história, desenvolvendo-se e amadurecendo juntamente com as relações sociais. Podemos relatar na história da evolução familiar dois modelos: primeiramente o matriarcal, e em seguida o patriarcal.
No modelo familiar matriarcal, o homem, marido, era considerado somente um lavrador, encarregado por plantar e colher os alimentos primordiais à família, além de ser responsável por dar início ao processo de criação (fecundação), e as mulheres mantinham o comando, e praticamente todas as deliberações partiam delas, sendo elas incumbidas por tudo o que ocorria na tribo. Contudo, cerca de 2000 anos antes de Cristo, este modelo começa a decair, sendo esta transição marcada por diversos conflitos, pelo crescimento populacional e pelo aumento de território, levando aproximadamente 1000 anos até o domínio completo do sistema patriarcal.
Já no modelo patriarcal, o pai torna-se o núcleo da organização familiar, sob o princípio da autoridade, aonde impera a hierarquização. Aqui, a família tinha formação extensiva, sendo incentivada a procriação – dentro do instituto do matrimônio – para unir-se em uma verdadeira unidade de trabalho, buscando juntos a melhoria da sobrevivência. Segundo Gonçalves (2012), a família era ao mesmo tempo uma unidade, política, econômica, religiosa e jurisprudencial, sendo o ascendente vivo comum mais velho, simultaneamente chefe político, juiz e sacerdote. O pater famílias exercia sua autoridade sobre todos os seus descendentes e sobre sua esposa, sendo esta totalmente submissa à autoridade marital, não existindo patrimônio individual, mas somente um patrimônio familiar, o qual era administrado pelo próprio pater. Apena em um momento mais evoluído do direito romano é que surgiram os patrimônios individuais, como os pecúlios, e que, apesar de serem particulares, eram administrados por pessoas que estavam sob autoridade do pater.
Com o passar do tempo e com os novos acontecimentos na história da humanidade, principalmente a Revolução Industrial, o modelo patriarcal começou a enfraquecer e até desaparecer. A mulher passou a exercer mais papéis, havendo uma mudança expressiva das atribuições do homem e da mulher (como marido e esposa) na estrutura familiar, e os laços entre a igreja católica e o Estado foram se enfraquecendo e, assim, os padrões de moralidade foram perdendo força. A família migrou do meio rural para o meio urbano e perdeu a função de unidade produtiva, os seus membros tornaram-se mais próximos e passou-se a prestigiar o vínculo afetivo.
Atualmente, o conceito de família não está mais relacionado a casamento ou a capacidade de gerar filhos. Desta forma, foram acrescentados novos modelos de família, dentre eles a família informal, monoparental, anaparental, reconstituída e simultânea.
A família informal é aquela constituída pela União Estável, que pode ser tanto entre casais heterossexuais como entre casais homossexuais. Já a família monoparental é aquela formada por um único genitor, podendo ser ele pai ou mãe, e seu filho, e, neste mesmo segmento, a família anaparental é aquela formada apenas por irmão, se a presença dos genitores. A família denominada como reconstituída é aquela em que pais separados com filhos começam a conviver com outros pais e com seus filhos. Por fim, a família simultânea, também chamada de paralela, é aquela em que o indivíduo mantém duas relações ao mesmo tempo, como, por exemplo, casamento e união estável com pessoas diferentes.
Ademais, o instituto familiar também vem passando por diversas transformações quanto ao sexo dos seus componentes. Hoje, o que define o conceito de família é puramente a existência de vínculo afetivo entre seus componentes. As relações entre as pessoas do mesmo sexo estão insertadas no âmbito jurídico familiar, principalmente, em função do princípio da dignidade da pessoa humana, não existindo razão para a sua exclusão.
2 DIREITO E HOMOAFETIVIDADE
O termo homoafetividade procura desconstruir a criminalização e o preconceito e reconhecer a união afetiva entre duas pessoas do mesmo sexo. Este termo, tão usado hoje no âmbito do Direito Civil, foi desenvolvido pela brilhantíssima Maria Berenice Dias, em que “homo” quer dizer igual e “afeto” que é o respeito, o carinho, o amor que define uma relação. Ela, excelsa autora da área Cível, afirma que desenvolveu o modernismo “homoafetividade” quando escreveu o livro “União Homossexual: O Preconceito e a Justiça”, a qual foi a primeira obra brasileira a abordar as questões referentes à pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo. Destarte, de acordo com autora, a relação contínua e prolongada de afeto e respeito entre pessoas do mesmo sexo recebe o nome de homoafetividade.
A questão dos homossexuais não serem totalmente amparados em direitos e garantias fica evidente na citação a seguir. O fato do conservadorismo, influência do machismo e de algumas religiões, torna-se uma barreira social, pois é mais do que nítida a discriminação e o preconceito a que pessoas gays são submetidos todos os dias.
‘Somos milhões, estamos em toda parte e o futuro é nosso!’ é um slogan que os homossexuais dos países do Primeiro Mundo costumam repetir em suas manifestações massivas e atividades culturais. De fato, pesquisas científicas comprovam que milhões de gays, lésbicas, travestis e transexuais se espalham por todo o universo – 36% das culturas são hostis à homossexualidade, 64% favoráveis ao amor entre pessoas do mesmo sexo. Segundo o inquestionável Relatório Kinsey, a maior e mais respeitada investigação sexológica até hoje realizada no mundo, por volta de 10% da população ocidental é constituída predominante ou exclusivamente por praticantes do homoerotismo. Assim sendo, deve o Brasil possuir, nesta virada do milênio, por volta de 18 milhões de amantes do mesmo sexo, população assaz significativa – se compararmos, por exemplo, com os 400 mil índios existentes no país. O que levaria gays e lésbicas a acalentarem sonho tão otimista de que “o futuro está do lado dos homossexuais”? Seria simples retórica triunfalista, uma espécie de ersatz, para compensar um presente tão hostil, uma paródia do versículo evangélico de que “os últimos no presente serão os primeiros no futuro”? Infelizmente, verdade seja dita, somos obrigados a reconhecer que de todas as chamadas “minorias sociais”, no Brasil, e na maior parte do mundo, os homossexuais continuam a ser as principais vítimas do preconceito e da discriminação. Todos nós já ouvimos mais de um pai declarar: “prefiro ter um filho ladrão do que homossexual”! E não nos acusem de apelar para o vitimíssimo, pois os dados comprovam inegavelmente que, de todas as minorias sociais, os homossexuais são os mais vulneráveis: em Brasília, 88% dos jovens entrevistados pela Unesco consideram normal humilhar gays e travestis, 27% não querem ter homossexuais como colegas de classe e 35% dos pais e mães de alunos não gostariam que seus filhos tivessem homossexuais como colegas de classe. Mais grave ainda: no Brasil, um gay, travesti ou lésbica é barbaramente assassinado a cada dois dias, vítima da homofobia. Não obstante tanta adversidade, a meu ver, mais do que simples triunfalismo demagógico, o que leva os homossexuais do mundo inteiro, inclusive os brasileiros, a apostarem que, nas próximas décadas, os amantes do mesmo sexo terão seus plenos direitos de cidadania universalmente reconhecidos é que, de fato, o reconhecimento legal dos direitos humanos dessa minoria sexual vem crescendo, sobretudo no Primeiro Mundo, pari passu com os progressos da civilização. Se tomarmos como exemplo a história do Brasil, somos obrigados a reconhecer uma transformação radical de nossas leis em relação ao “amor que não ousava dizer o nome” (Lord Douglas & Oscar Wilde). Durante os três primeiros séculos de nossa história, a homossexualidade era conhecida como “abominável e nefando pecado de sodomia” – crime equiparado ao regicídio e à traição nacional e castigado com igual rigor. Quer dizer: dois homens que se amassem deviam ser punidos com a mesma severidade como os inculpados em crime de lesa-majestade. Salta aos olhos, mesmo dos mais intolerantes, o absurdo de tanta severidade e indignação moral contra o homoerotismo, pois condutas anti-sociais extremamente ameaçadoras, como o estupro, a violência contra menores, o canibalismo e até o matricídio, eram consideradas crimes menos graves do que o amor unissexual. Por três séculos os “fanchonos”, como eram chamados os gays no Brasil de antanho, foram vítimas da mais cruel perseguição por parte Del Rei, do Bispo e da Santa Inquisição. (MOTT, 2006)
Felizmente, no que diz respeito ao direito e a proteção de pessoas gays, a legislação tem avançado bastante. Porém, ainda que desde o início do século XIX a homossexualidade não seja mais considerada crime, ainda existem pessoas de mente retrógrada, que pensam como se vivessem em 1800, quando a homossexualidade ainda era crime. Neste lapso temporal, houve uma progressão na igualdade de direitos entre pessoas hétero e homossexuais, além do intenso combate ao preconceito.
Casais homoafetivos buscam tão somente a igualdade de direitos em relação a um casal formado por um homem e uma mulher, como direito à adoção, à previdência, reconhecimento da união estável, entre outros. Embora as decisões judiciais já sejam favoráveis neste aspecto, o legislador ainda encontra dificuldade para se adequar aos novos modelos de família. A omissão da legislação dificulta o trabalho do judiciário em resolver aspectos e lides concernentes à vida dos homoafetivos.
Isto fica claro quando trazemos à tona o fato de que o Brasil é o país com maior número de crimes por homofobia, e, ainda assim, não existe legislação específica que puna e criminalize o praticante do referido crime, como acontece com a Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha), que visa combater, punir e diminuir os crimes de violência doméstica, tanto física quando psicológica.
3.1 FAMÍLIA HOMOAFETIVA
Em 2011, após o Movimento LGBT lutar, através de advogados que pleiteavam o reconhecimento da união estável homossexual na justiça, o Supremo Tribunal Federal finalmente reconheceu por unanimidade de votos a união de casais do mesmo sexo e, com isso, também gerou para estes casais outros direitos, tais como o sucessório e o previdenciário.
Em comparação com o direito internacional, ainda temos uma legislação atrasada no que diz respeito ao direito dos LGBTs em comparação com alguns países, pois na Europa, desde 1984, a Dinamarca foi pioneira no mundo ao inserir na sua legislação as uniões homoafetivas. Após, em 1993, a Noruega criou uma Lei chamada “Registro de Parceria de Casais Homossexuais”, a qual dispõe sobre os direitos da união entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, há de se observar que neste país a adoção homoparental ainda é proibida.
Ainda que mediante os avanços na legislação brasileira acerca dos direitos dos homossexuais, ainda há a necessidade de uma lei que expressamente os ampare e que traga segurança de direitos aos homoafetivos, pois os mesmos contam hoje somente com amparo jurisprudencial.
Desde o ano de 2011 as uniões entre pessoas do mesmo sexo têm respaldo na Carta Magna para que sejam pleiteados direitos igualados às uniões entre homem e mulher, tais como adoção, direito sucessório e previdenciário.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução obrigatória, que determinava que todos os cartórios deveriam realizar matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, fazendo assim com que fosse cumprido aquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2011.
4 PROCESSO HISTÓRICO DA ADOÇÃO
Adoção vem do latim adoptare, que significa aceitação espontânea de (pessoa ou animal, ger. doméstico) como parte integrante da vida de uma família. É o instituto mais antigo de que se tem notícia, posto que sempre houveram crianças abandonadas e/ou afastadas da sua família biológica e, em contrapartida, milhões de pessoas que nutrem o sonho de ter filhos. Sob o aspecto jurídico, pode ser conceituado como processo legal que traduz-se no ato de se acolher espontaneamente como filho de determinada pessoa, desde que respeitadas as condições jurídicas para tal.
A sistematização do instituto da adoção no Brasil, a qual foi inserida primeiramente a partir das Ordenações Filipinas, só ocorreu com a promulgação da Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, qual seja, o Código Civil Brasileiro. Neste, a adoção era prevista nos artigos 368 a 378, onde versa o artigo 377 que “A adoção produzirá seus efeitos ainda que sobrevenham filhos ao adotante, salvo se, pelo fato do nascimento, ficar provado que o filho estava concebido no momento da adoção”. Ou seja, percebe-se que este ditame legal não possuía caráter definitivo.
Embora o legislador do Código Civil de 1916 tenha pretendido desimpedir o processo da adoção, os requisitos para a mesma eram bastante restritivos. Alguns dos requisitos eram: não se poderia adotar sem o consentimento da pessoa, debaixo de cuja guarda estivesse o adotando, menor ou interdito; somente poderiam adotar os maiores de cinquenta anos de idade, sem prole legítima ou legitimada; o vínculo da adoção poderia ser dissolvido se as duas partes (adotante e adotado) anuíssem ou se o adotado cometesse ingratidão contra o adotante; a diferença de idade entre adotante e adotado deveria ser de, no mínimo, dezoito anos; o adotando, quando menor ou interdito, poderia desligar-se da adoção no ano seguinte em que cessasse a interdição ou menoridade; duas pessoas somente poderiam adotar em conjunto se fossem casadas.
Observando os requisitos acima descritos, nota-se que a finalidade primordial da adoção não era proteger a criança e o adolescente e garantir seu direito de ser criados em uma família, mas sim suprir a vontade de pessoas inférteis de ter filhos e constituir família com prole.
A Lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957 alterou alguns dos requisitos para que a adoção se tornasse menos complicada: foi abolida a imposição do casal pleiteante da adoção não ter filhos, passando-se a requisitar que os adotantes fossem casados há, pelo menos, cinco anos. Além disto, a diferença de idade entre adotado e adotante diminuiu para dezesseis anos, assim como a idade mínima do adotante, que passou a ser trinta anos. Pela supracitada Lei, o instituto da adoção passa a ser irrevogável, porém possui outras restrições sérias de direitos, como por exemplo, o fato de que se os adotantes após a adoção tivessem filhos legítimos, poderiam afastar o adotado da sucessão legítima. A igualdade sucessória entre filhos biológicos e pais civis só veio a ser instituída por meio da Lei nº 6.515 (Lei do Divórcio).
A Lei nº 6.697/1979, que é o Código de Menores, guiou outras inovações no sentido de ampliar os efeitos da adoção. A Constituição Federal, por sua vez, em seu artigo 227, § 6, foi imperiosa ao igualar os direitos de todos os filhos, in verbis:
Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Após, a Lei nº 8.069/1990, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, confirmou a norma constitucional. Portanto, somente após 61 anos (1916 até 1977) o filho adotivo passou a gozar dos mesmos direitos do filho consanguíneo.
Atualmente, o instituto da adoção de crianças e adolescentes no Brasil rege-se pela Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, que, apesar de conter apenas sete artigos, introduziu inúmeras alterações no Estatuto da Criança e Adolescente e revogou expressamente 10 artigos do Código Civil de 2002 concernentes à adoção (arts. 1.620 a 1.629).
Além disto, dois tratados internacionais estão incorporados à legislação brasileira: a Convenção Sobre Os Direitos Das Crianças, e Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, mais conhecida como Convenção da Haia.
A respeito da adoção, Maria Berenice Dias (2005, p. 426) disciplina:
A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontade. Trata-se de modalidade de filiação construída no amor, na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, que gera vínculo de parentesco por opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se, não em fator biológico, mas em fator sociológico. A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado. (DIAS, 2005)
A adoção pode ser feita por qualquer pessoa civilmente capaz. Preceitua o art. 42 do Estatuto da criança e do Adolescente, com a nova redação dada pela Lei nº 12.101/2009: “Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil”. O estado civil, o sexo e a nacionalidade não influem na capacidade ativa de adoção.
5 ADOÇÃO HOMOAFETIVA
As famílias homoafetivas estão enquadradas em nosso cenário social e no Direito. A doutrina majoritária compreende que a despeito de a união homoafetiva não estar prevista de forma expressa e clara na nossa Constituição Federal, esta merece total respaldo jurídico, pois desta forma evita-se a discriminação baseada na opção sexual dos sujeitos e, no caso do instituto da adoção, faz com que sejam honrados os princípios fundamentais.
A tese da adoção por casais homoafetivos, assim como a união de casais do mesmo sexo, ainda gera muito litígio no Judiciário, pois apesar de a legislação ser omissa quanto à esta forma, ela também não traz normas impeditivas a mesma.
Mister se faz lembrar que o Judiciário Brasileiro apenas reconheceu a adoção por pares homoafetivos em 2010, quando o Superior Tribunal de Justiça decidiu manter a adoção de duas crianças concedida a um casal de mulheres gays no Rio Grande do Sul, que foi contestada pelo Ministério Público.
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA. 1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento. 2. Em um mundo pós-moderno de velocidade instantânea da informação, sem fronteiras ou barreiras, sobretudo as culturais e as relativas aos costumes, onde a sociedade transforma-se velozmente, a interpretação da lei deve levar em conta, sempre que possível, os postulados maiores do direito universal. 3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a “garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes”. Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. 4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo. 5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. 6. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pediatria), “não indicam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores”. 7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral. 8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento. 9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe. 10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade. 11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações. 12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária. 13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança. 14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida. 15. Recurso especial improvido. (STJ, 2010) [4]
Apesar da nossa Carta Magna deixar claro que todos são iguais perante a lei e de não permitir qualquer tipo de discriminação, a sociedade ainda tem dificuldade de aceitar que casais homoafetivos tenham os mesmos direitos que casais heteroafetivos, sendo parte desta dificuldade a influência da igreja católica e de demais religiões, que condenam tal orientação sexual.
O artigo 5º da Constituição Federal preleciona : “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o que não deixa dúvidas de que qualquer tipo de distinção por conta de orientação sexual é inconstitucional. Todas as pessoas têm direito maternidade e a paternidade, e ressalta-se novamente que não há dispositivo legal que impeça de nenhuma forma que uma pessoa homossexual seja pai ou mãe, podendo recorrer ao instituto da adoção se assim preferir.
Segundo Oltramari (2008), embora as relações homoafetivas e a adoção homoparental não estejam mencionadas no âmbito do direito civil, os Princípios da Igualdade e da dignidade da Pessoa Humana, assim como o Princípio do Melhor Interesse da Criança, podem e devem ser utilizados para suprir essa lacuna deixada na legislação, pois a mesma não faz nenhuma proibição à adoção em função da orientação sexual, bastando apenas que o adotante preencha os requisitos legais e procedimentais e que esteja presente o princípio do melhor interesse do menor, considerando sempre os fins sociais e o bem comum.
As únicas exigências para o deferimento da adoção homoparental são que apresente reais vantagens para a criança ou adolescente a ser adotado e que se fundamente em fundamentos legítimos. Pelo fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente permitir a adoção uniparental, no cadastro adotivo muitos gays e lésbicas se candidatavam individualmente à adoção, o referido dispositivo não faz qualquer menção proibitiva quanto ao fato de pessoas do mesmo sexo adotarem, assim como não faz qualquer referência em seu artigo 42 no que diz respeito à orientação sexual do adotante. Desse modo, não era feito estudo social com o parceiro, o que tornava a avaliação deficiente. Veja:
Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.
O resultado também trazia prejuízos ao adotado. Vivendo em família aonde só tinha vínculo jurídico com um dos parceiros, restava desamparada em relação ao outro, que apesar de considerar pai ou mãe, não tinha poderes decorrentes do poder familiar.
Hoje, após decisão do Supremo Tribunal Federal citada anteriormente, a justiça brasileira já vem aceitando a adoção homoparental e também a multiparentalidade.
O art. 226, §7 do Código Civil, explicita que:
Art 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Assim, a estrutura planejada para a família é de livre escolha do casal, obedecendo o princípio da paternidade responsável, e a lei assegura ainda que o Estado conceda recursos para que esta família floresça da melhor forma possível.
A mudança e evolução do Direito de Família deve ser acompanhada pelo ordenamento jurídico, e os operadores do direito devem, bem como a sociedade, acompanhar a realidade social. Vale ressaltar o que diz a ilustre Maria Berenice Dias:
O distanciamento dos parâmetros comportamentais majoritários ou socialmente aceitáveis não pode ser fonte geradora de favorecimentos. Ainda que certos relacionamentos sejam alvo do preconceito ou se originem de atitudes havidas por reprováveis, o magistrado não deve afastar-se do princípio ético que precisa nortear todas as suas decisões. Principalmente em sede de Direito das Famílias, deve estar atento para não substituir princípios éticos por ultrapassados moralismos conservadores já distanciados da realidade social. É preciso privilegiar a ética. A finalidade da lei não é imobilizar a vida, cristalizá-la, mas permanecer em contato com ela, segui-la em sua evolução e a ela se adaptar. O envelhecimento das leis frente a uma sociedade em rápida transformação e o constante surgimento de novos fenômenos sociais a reclamar a atenção do Direito contribuíram para deslocar o juiz a solução de problemas e de incertezas que deveriam encontrar uma resposta na sede legislativa. O Direito tem um papel social a cumprir, e o juiz deve dele participar, interpretando as leis não somente segundo seu texto e suas palavras, mas consoante as necessidades sociais que é chamado a reger, segundo as exigências da justiça e da equidade que constituem seu fim. E, na ausência da lei, é mister que o juiz invoque os princípios constitucionais, cujo valor se encontra em sua universalidade e racionalidade e depende principalmente de uma condição ética. (DIAS, 2005)
De acordo com a doutrina e a legislação tocante ao instituto da adoção, o que mais importa para a concessão da adoção são as vantagens e o interesse do adotando. Viviane Girardi também defende esta visão quando afirma que a adoção de adolescentes e crianças por casais homoafetivos, observando sempre os critérios determinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, encerra em si a efetivação de dois direitos constitucionais que são garantidos como fundamentais para a total realização da pessoa humana, quais sejam, o direito a paternidade responsável (art. 226, 7º, da CF/1988) e o direito da criança à convivência familiar (art. 227 da CF/1988). Ademais, o adolescente e a criança terão acesso aos direitos consagrados a eles quando principiar a relação paterno-filial (GIRADI, 2008).
O realismo jurídico é outro ponto utilizado como base para decisões de adoções por pares homoafetivos, procurando enquadrar o direito à realidade social atual, especialmente pela composição de novos modelos de família.
Ademais, os opositores da adoção, e até mesmo das relações homoafetivas, buscam mascarar seu preconceito com argumentos sem fundamento que vão de encontro à realidade social atual e à psicologia. Discursos do tipo “toda criança precisa de um pai e uma mãe” e “uma criança criada por um gay/por um casal gay, vai virar gay” infelizmente ainda encontram espaço na mente de algumas pessoas. Entretanto, apesar dos argumentos preconceituosos com relação a adotantes homoafetivos, diversos estudos indicam que a sexualidade dos pais não interfere na personalidade, na orientação sexual ou na identidade de gênero dos filhos.
Mister dizer que o Parlamento Sueco, após longas pesquisas, afirmou que casais homoafetivos são tão preparados quanto casais heteroafetivos no que diz respeito a criar uma criança. Além disto, um estudo recente realizado pelo professor Ryan Light, da Universidade do Colorado, indicou que as diferenças entre crianças criadas por casais chamados tradicionais e por casais homoafetivos são insignificantes, o que significa dizer que ambas as crianças que crescerem nestes meios serão adultos saudáveis psicologicamente, bem sucedidos e bem ajustados. No sentido de ratificar a ideia abordada, estudos efetuados na Califórnia desde 1970 indicam que o ajustamento das crianças filhas de um casal homoafetivo é o mesmo de qualquer outra. Meninos são tão masculinos quanto os outros, assim como as meninas são tão femininas como quaisquer outras, sendo que não foi encontrada qualquer tendência que sugerisse que filhos de pais homossexuais sejam necessariamente homossexuais.
Aqueles que ainda rejeitam a adoção por pares homoafetivos devem compreender que esta relação vem se tornando cada vez mais comum, e que acima de tudo, a relação familiar se baseia no afeto e no amor, independentemente da forma da família.
CONCLUSÃO
O presente trabalho tratou sobre a adoção por casais homoafetivos no direito brasileiro, demonstrando a incessante busca por dignidade e igualdade. Por ser ainda um assunto polêmico e relativamente atual, ainda há escassez de análises científicas.
Diante da pesquisa realizada, salienta-se que o reconhecimento jurídico da relação homoafetiva escancarou as portas para novos conceitos de família, não fazendo sentido, assim, haver razão para exclusão destes casais, especialmente, nos processos de adoção. Ressalta-se ainda, que é o momento de lagar de vez os preconceitos e aderir posturas firmes, que descortinem o que de fato é importante: o respeito ao melhor interesse da criança e ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Finalmente, a adoção não deve se restritiva quanto aos sujeitos da composição familiar. O que deve vogar é a relação de afeto, respeito e amor de ambas as partes (adotados e adotantes), necessárias para o melhor desenvolvimento e realização de todos os integrantes da família. Conclui-se que o nosso sistema jurídico precisa regular a adoção por casais homoafetivos, já que a jurisprudência tem apontado favoravelmente neste sentido.
REFERENCIAS
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GIRADI, Viviane. Direito fundamental da criança e do adolescente à convivência familiar, o cuidado como valor jurídico e a adoção por homossexuais. Revista do Advogado, São Paulo, 2008.
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Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>
¹ Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Advogada. Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade da Região Serrana. E-mail: advlorenapovoas@gmail.com.
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