O Instituto do Uso em Análise: Comentários ao Direito Real Limitado de Gozo ou Fruição

Resumo: Em uma primeira plana, ao se abordar o instituto de direito real de uso, denominado em sua gênese de usus, cuida salientar que sua origem rememora o Direito Romano, sendo derivado do usufruto, juntamente com o fructus sine usus, e do direito justinianeu, a habitatio e as operae servorum. Em sua acepção primitiva, o usus materializava o direito de usar uma coisa sem receber os frutos, motivo pelo qual era empregado em res que não produziam qualquer fruto nem mesmo de ordem civil. Nesta toada, durante sua criação, o usus era constituído sobre, por exemplo, uma biblioteca ou um escravo; em sendo constituído sobre um imóvel, restar-se-ia excluída a locação. Ao lado disso, sobreleva pontuar que o uso personifica o ius utendi de maneira integral, sagrando o direito de retirar da coisa tudo que assim for suscetível, sem que perceba, todavia, nenhum fruto. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.412, estabelece que o usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. As necessidades pessoais aludidas no dispositivo legal ora mencionado serão avaliadas em conformidade com a condição social ostentada pelo usuário e o lugar em que ele vive. Nesta esteira, calha anotar que o uso não é imutável, podendo ser alargado ou estreitado caso haja o aumento ou diminuição das necessidades pessoais do usuário, adotando sempre como pilar de análise a condição social e o local em que ele vive.

Palavras-chaves: Uso. Jus Utendi. Direito Real.

Sumário: 1 O Instituto do Uso: Abordagem Conceitual; 2 Aspectos Característicos e Objetos do Instituto do Uso; 3 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia; 4 Concessão de Direito Real de Uso; 5 Modos de Constituição do Uso; 6 Direitos e Deveres do Usuário; 7 Extinção do Uso.

1 O Instituto do Uso: Abordagem Conceitual

Em uma primeira plana, ao se abordar o instituto de direito real de uso, denominado em sua gênese de usus, cuida salientar que sua origem rememora o Direito Romano, sendo derivado do usufruto, juntamente com o fructus sine usus, e do direito justinianeu, a habitatio e as operae servorum[1]. Em sua acepção primitiva, o usus materializava o direito de usar uma coisa sem receber os frutos, motivo pelo qual era empregado em res que não produziam qualquer fruto nem mesmo de ordem civil. Nesta toada, durante sua criação, o usus era constituído sobre, por exemplo, uma biblioteca ou um escravo; em sendo constituído sobre um imóvel, restar-se-ia excluída a locação. Ao lado disso, sobreleva pontuar que o uso personifica o ius utendi de maneira integral, sagrando o direito de retirar da coisa tudo que assim for suscetível, sem que perceba, todavia, nenhum fruto. “Fundamental, para compreender o conteúdo do direito real de uso é perceber que dentro do jus utendi se encontra a permissão para a exploração dos frutos naturais da coisa, que atendam às necessidades de subsistência da família do titular[2]

À guisa de informação, no instituto romano do fructus sine usus, conquanto sua existência seja objeto de controvérsia, ocorreria a cessão de uso a uma pessoa e o gozo dos frutos a outrem. No que se refere à habitatio e às operae servorum, comumente objetos de legado, debatia-se se com elas se originavam espécies de usufruto ou mero direito de crédito. Como obtempera, com ênfase, Venosa, “Justiniano colocou-as [habitatio e operae servorum] como direitos reais sobre coisas alheias. As obras dos escravos, relacionados no Digesto após o usufruto e o uso, eram na verdade uma servidão pessoal[3].

Lançadas as bases históricas do instituto em apreciação, insta anotar que o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.412, estabelece que “o usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família[4]. As necessidades pessoais aludidas no dispositivo legal ora mencionado serão avaliadas em conformidade com a condição social ostentada pelo usuário e o lugar em que ele vive. “Como a norma jurídica fala em necessidades pessoais, excluídas estão as necessidades comerciais ou industriais do beneficiário[5]. Nesta esteira, calha anotar que o uso não é imutável, podendo ser alargado ou estreitado caso haja o aumento ou diminuição das necessidades pessoais do usuário, adotando sempre como pilar de análise a condição social e o local em que ele vive, já que é possível que ocorra uma ascensão da condição social do usuário. “Isso significa, que o ordenamento não mais se preocupa com o indivíduo abstrato, mas com a pessoa concreta em suas especificidades e contexto[6].

Afora isso, verbaliza o §2º do artigo 1.412 do Código Civil[7] que as necessidades da família compreendem o cônjuge, os filhos solteiros, oriundos da relação matrimonial e extramatrimonial ou de adoção, e as pessoas de seu serviço doméstico. “Figuram, então, como dependentes do usuário não só aquelas que lhe vinculam por laços consanguíneos, mas também aquelas das quais precisará para tirar as utilidades da coisa que usa[8]. Destarte, o legislador concedeu ao vocábulo família um significado mais elástico do que o contido na ramificação das famílias da Ciência Jurídica, eis que compreende, além do cônjuge, filhos e empregados domésticos a seu serviço, estando excluído, doutro modo, parentes ou visitas que venham morar com o usuário. Mister se faz pontuar que se o usuário tiver sob sua dependência econômica alguma outra pessoa que não esteja arrolada no sobredito dispositivo legal, desde que logre êxito em provar judicialmente suas necessidades, poderá incluir tal circunstância nos artigos que versam acerca do uso, eis que não contraria a natureza desse instituto. Cuida, ainda, trazer as seguintes ponderações:

“Aliás, em uma interpretação civil-constitucional, a família a que alude o art. 1.412 do Código Civil não mais será restrita à família nuclear patrimonializada do casamento, assumindo todas as outras formas de relações humanas pautadas pela afetividade e estabilidade. Para além do casamento, da união estável e da família monoparental, o princípio da dignidade da pessoa humana não pode permitir que o rol das entidades seja o do art. 227, da Constituição Federal, de caráter exaustivo”[9].

Consoante se extrai das ponderações coligidas até o momento, a distinção entre o usufruto e o uso repousa na premissa deste não poder gozar do objeto de seu direito. “Como se vê, o uso distingui-se do usufruto pela intensidade do direito, pois, enquanto o usufrutuário retira toda a utilização do bem frutuário, o usuário só pode utilizá-lo limitado às suas necessidades e às de sua família[10]. Há que se verificar, com efeito, de que, no uso, o usuário pode tão somente usar o bem, não podendo, entretanto, dele fluir.

2 Aspectos Característicos e Objetos do Instituto do Uso

Ao se analisar o instituto em destaque, pode-se observar, como aspecto característico, o uso ser um direito real sobre coisa alheia, eis que incide, de maneira direta, sobre o bem pertencente a outrem, impondo, via de consequência, restrições ao titular do domínio em benefício do usuário, durante o lapso temporal da vigência do título constitutivo. Rememorar se faz carecido que “no ato constitutivo, o concedente pode delimitar e descrever o direito de uso, sem privá-lo da essência procurada pela lei[11]. Outro caractere, ainda, ser realçado concerne ao aspecto temporal do uso, eis que durará tão somente pelo tempo de vida de seu titular ou, ainda, pelo interregno estabelecido no ato constitutivo que lhe deu ensejo.

Ao lado disso, urge pontuar que o uso é indivisível, eis que não pode ser constituído pro parte. Igualmente, é intransmissível ou incessível, eis que o seu direito ou o seu exercício não podem ser cedidos a outrem. Obtempera, ainda, Diniz que o uso “é personalíssimo, pois só se constitui para assegurar ao usuário a utilização imediata do bem conforme suas próprias necessidades e as de sua família. Se o usuário falecer, o uso não se transmitirá a seus herdeiros[12]. Denota-se, desta feita, em razão de seu aspecto personalíssimo, que o uso não se transmitirá ao lastro sucessório do usuário, estando o aludido direito concentrado nesse.

Infere-se que o instituto do direito de uso pode incidir tanto sobre bens móveis, que sejam inconsumíveis e infungíveis, como imóveis, sobre bens corpóreos e incorpóreos. “Pode ser atribuído a móveis e imóveis. Como direito real sobre imóvel, deve ser registrado no cartório imobiliário. É instituto inútil como direito real, se objetivar coisas consumíveis, pois nesse caso se transferiria a propriedade[13]. Deveras, não há se cogitar acerca da incidência do uso em objetos consumíveis, eis que haveria verdadeira incongruência entre o instituto em comento e o objeto onerado, já que a propriedade deste restaria transferida ao usuário.

3 Concessão de Uso Especial para fins de Moradia

Inicialmente, há que se salientar que, com o escopo de promover a função social da propriedade, a concessão gratuita do direito de uso especial para fins de moradia é orientada para os imóveis públicos, encontrando respaldo na Lei Nº. 11.481/2007[14], que introduziu um sucedâneo de modificações nos diplomas legais até então vigentes, com o escopo de promover a materialização da função social da propriedade. Cuida assinalar que a moradia é direito fundamental social, sendo concedido, in casu, como bem leciona Diniz, em favor daquele que, independentemente de sexo e estado civil, até 27 de abril de 2006 possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até 250m² de imóvel público, inclusive em terreno de marinha e acrescidos[15], sendo utilizado para a morada do usuário e de sua família, desde que aquele não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural.

Farias e Rosenvald destacam que “a área possuída estará contida em imóvel público e não será superior a 250m² […], servindo de moradia do possuidor e de sua família; não é vedado o uso misto, desde que preponderante o uso para moradia[16], nos termos preconizados pelo §1º do artigo 6º da Lei Nº. 11.481/2007[17]. Quadra salientar que estão excluídos do alcance daquele instituto os bens funcionais, alocado em área urbana. Vale destacar que esse direito não será reconhecido mais de uma vez ao mesmo concessionário e permite-se que o herdeiro legítimo do possuidor continue a posse, exigindo-se, para tanto, que resida no imóvel, quando da abertura da sucessão.

Em se tratando de imóveis, com área superior a 250m², ocupados, para fins de residência, por população de baixa renda, por período de cinco anos sem interrupção e sem oposição, onde for possível a identificação dos terrenos ocupados por possuidor, a concessão será conferida de forma coletiva, ressalvada a hipótese de serem os possuidores serem concessionários ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural. É permitido ao possuidor que some sua posse com a do antecessor, desde que ambas sejam contínuas. Diniz anota, ainda, que:

“Atribuir-se-á igual fração ideal do terreno, não superior a 250m², a cada possuidor, pouco importando a dimensão da área que cada um ocupar, exceto em caso de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas. Se a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público deverá assegurar ao possuidor o exercício do direito de uso em outro local. O mesmo se diga se a ocupação se der em imóvel: a) de uso comum do povo; b) destinado a projeto de urbanização; c) de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; ou e) situado em via de comunicação”[18].

Não há que se olvidar que o instituto jurídico da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas públicas se apresenta como um importante instrumento a propiciar segurança de posse em loteamentos irregulares, trazendo a milhões de brasileiro que se encontram em tão peculiar situação fundamento de direito à moradia, atendendo os ditames constitucionais. Segundo Farias e Rosenvald, “a concessão da outorga não passa do reconhecimento do direito subjetivo do particular, mediante ato administrativo vinculado, quando cumprido o suporte fático necessário para a constituição do direito real em coisa alheia[19]. O título de uso será obtido por meio da via administrativa como pela judicial, em caso de possível denegação do órgão administrativo, quer seja por expressa recusa ou ainda por omissão, com ulterior registro no cartório imobiliário competente. Diniz[20] aduz, ainda, que o título obtido produzirá, após o competente registro, efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível a todos.

O direito de concessão de uso especial para fins de moradia é transmissível por ato inter vivos e causa mortis, sendo, porém, extinto quando restar materializada as seguintes condutas do concessionário: a) dar ao imóvel destinação distinta da moradia para si ou para sua família; b) adquirir propriedade ou ainda obter concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural. Em operada a extinção, esta reclama averbação no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração do Poder Público concedente.

Poderá, ainda, haver concessão de direito real de uso de imóvel público dominial com o escopo de satisfazer a projeto habitacional ou mesmo para promover a regularização fundiária de interesse social, que é destinada a atender famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, promovidos no âmbito de programas de interesse social, sob gestão de órgãos ou entidades da Administração Pública, em área urbana ou rural. Nos termos do artigo 219-A da Lei Nº. 6.015/1973[21], deverão ser realizados independentemente do recolhimento de custas ou emolumentos e de comprovação de pagamento de quaisquer tributos, inclusive os de ordem previdenciária: a) o primeiro registro de direito real constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social em áreas urbanas e em áreas rurais de agricultura familiar; b) a primeira averbação de construção residencial de até 70 m² (setenta metros quadrados) de edificação em áreas urbanas objeto de regularização fundiária de interesse social

O Poder Público, ainda, poderá autorizar, de maneira onerosa ou gratuita, dispensada a licitação, o uso do imóvel público àquele que, até 27 de abril de 2006, o possuiu como seu, pelo lapso temporal de cinco anos, sem interrupção e sem qualquer oposição, com tamanho de até 250m², alocado em área urbana, empregando-o para fins comerciais, desde que reste atendido programa de regularização fundiária de interesse social, fomentado por órgão ou entidade da Administração Pública. Com efeito, há que se salientar que tal contrato deverá ser inscrito no competente cartório de registro de imóveis, para que possa produzir efeitos e tenha eficácia erga omnes. Em consonância com o expendido no artigo 25 da Lei Nº 11.481/2007[22], a concessão de uso especial tratada na Medida Provisória Nº. 2.220/2001[23] será aplicada também a imóvel público remanescente de desapropriação cuja propriedade tenha sido transferida a empresa pública ou sociedade economia mista. Maria Helena Diniz, com bastante pertinência, obtempera que “a administração pública, portanto, não transfere sua propriedade, mas apenas sua posse, ao conceder uso especial para fins de moradia ou direito real de uso de bem público para o ocupante[24].

4 Concessão de Direito Real de Uso

A Lei 11.481/2007 introduziu, ainda, maciça modificação na redação do artigo 1.225 do Código Civil[25], ao acrescentar o inciso XII que cuida acerca da concessão de direito real de uso. Denota-se que o instituto em comento objetiva satisfazer fitos específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social, sendo contratada, de maneira gratuita ou onerosa, por meio de instrumento público, particular (terrenos privados) ou por simples termo de cunho administrativo. Notável é a aproximação do instituto em comento com o uso, notadamente em decorrência da transmissão da posse direta de um bem a fim de que possa cumprir a sua função social. Entrementes, o traço diferenciador está robustecido no fato de que a concessão de uso não se limita à moradia, ao contrário do instituto do uso. Permite-se, desta sorte, a fruição total do bem nos fins estatuídos no negócio jurídico, eis que a concessão do direito real de uso não se encontra limitado ao benefício daquilo que corresponda às necessidades da família.

Releva anotar que a concessão de direito real de uso de terrenos públicos ou particulares se transfere por ato inter vivos ou por sucessão, quer seja legítima, quer seja testamentária, exceto se houver disposição em contrário, devendo, pois, se objeto de registro de transferência, tal como os demais direitos reais. “Portanto, a concessão de uso transmite-se por morte ou negócio jurídico inter vivos, ao contrário do direito real de uso, vitalício e intuitu personae”[26]. A Lei Nº 11.481/2007[27], ao introduzir inovações no instituto em comento, por meio das modificações do Decreto-Lei Nº. 271/1967[28], possibilitou a regularização fundiária de interesse social e do aproveitamento sustentável de várzeas. Infere-se que o escopo do legislador foi inserir a concessão de uso no rol dos instrumentos hábeis à legitimação de posse sobre bens públicos ocupados, de maneiro informal, por populações de baixa renda, estendendo-se, inclusive, a terrenos de marinha e acrescidos, que foram preteritamente limitados por enfiteuse.

Como bem assinalam Farias e Rosenvald, ao tratar das inovações introduzidas pelo diploma legislativo supramencionado, “busca-se encontrar uma solução para as populações de varzenteiros que habitam, há várias gerações, as margens dos rios federais[29]. Não há que se olvidar que a regularização do desenvolvimento sustentável das várzeas assegura a inclusão social dos núcleos familiares lá alocados, protegendo, por via de consequência, os rios federais. Cuida salientar que antes do advento da Lei Nº. 11.481/2007, a regularização das várzeas se dava por meio de autorização de uso, instituto menos protetivo do que a concessão de direito real de uso.

5 Modos de Constituição do Uso

O instituto do uso, para que seja constituído, reclama a presença do constituinte, que é aquele que cede o uso do bem que é titular do domínio, gravando-o de ônus real, e do usuário, que é a pessoa em proveito de quem se institui tal direito. Insta pontuar que tal relação jurídica só se aperfeiçoará produzindo efeitos se ambas as figuras forem capazes e legítimas. Ademais, o uso não pode ser constituído pelo ordenamento vigente, derivando de ato jurídico inter vivos, ou seja, por meio de contrato, carecendo, em decorrência da natureza da res, seja móvel ou imóvel, a tradição ou escritura pública transcrita no competente registro imobiliário.

É possível, de outro modo, que seja o direito de uso constituído por ato jurídico causa mortis, isto é, em ato de disposição de última vontade. A sua constituição pode se dá, ainda, como bem aduz Maria Helena Diniz, por sentença judicial, “quando o juiz, por necessidades impostas por determinadas circunstâncias, o instituir, para partilhar, dividir ou executar forçosamente, com a observância do artigo 2.017 do Código Civil[30]. Poderá, ainda, o uso ser constituído por meio de usucapião, desde que estejam previstos os requisitos elencados no ordenamento.

6 Direitos e Deveres do Usuário

Enumeram-se, dentre os direitos do usuário, a fruição e utilização da coisa onerada com o escopo de atender as necessidades do usuário e de sua família, como ancora o artigo 1.412, caput, do Código Civil[31], não podendo, contudo, perceber da res qualquer fruto. Por decorrência do direito ora aduzido, pode o usuário praticar todos os atos imprescindíveis à satisfação de suas necessidades e às de sua família, sem que com isso comprometa a substância e a destinação do bem. Pode, ainda, o usuário melhorar a coisa, efetuando benfeitorias que a tornam mais cômoda e agradável, tal como administrar o bem onerado.

Doutro modo, computam-se dentre os deveres do usuário a conservação da coisa como se fosse sua, agindo com diligência e zelo, para que possa restituí-la como recebeu. “Não retirar rendimentos ou utilidades que excedam àquelas necessidades previstas em lei. Proteger o bem com os remédios possessórios, não só contra terceiros, mas também contra o próprio constituinte[32], caso este não respeite os seus direitos. Não pode o usuário engendrar obstáculos que dificultem ou impeçam o exercício dos direitos do proprietário. Por derradeiro, em operado o lapso temporal concedido, incumbirá ao usuário restituir a coisa, eis que é mero detentor da posse direta, a título precário, uma vez que o usuário é caracterizado por sua temporalidade. Quando da época de sua devolução, deverá a coisa ser devolvida nas condições fixadas previamente, sob pena de responder por perdas e danos a que sua mora der ensejo.

7 Extinção do Uso

O uso, observando supletivamente as regras que dispõe sobre o usufruto, conforme estatuído no artigo 1.413 do Código Civil[33], inclusive no que se relaciona à sua extinção, afastando-se, tão somente, as normativas que contrariam o instituto em comento. Neste passo, o uso será extinto quando sobrevier o falecimento do usuário, eis que, em razão do aspecto personalíssimo deste direito real, não é admitida, no ordenamento vigente, a transmissão de tal direito ao lastro sucessório do beneficiado. Acarreta a extinção, igualmente, se resta aperfeiçoado o advento do termo de duração estabelecido no ato constitutivo, exceto se o usuário vier a óbito antes do defluxo do lapso temporal. Da mesma forma, se cessar o motivo que originou a concessão do uso, quando não mais se verificar a situação de necessidade do usuário nem de seus familiares, tendo havido verdadeira modificação de sua condição social.

Com efeito, a destruição da coisa onerada desencadeia a extinção do uso, eis que o perecimento da res acarreta a impossibilidade do uso. Todavia, se o perecimento não for total, o uso subsistirá em relação à parte remanescente, salvo se esta não puder satisfazer as necessidades do usuário e de sua família, perdendo, desta feita, sua utilidade, tornando imprestável ao fito a que se destina. A não utilização ou não fruição da coisa acarreta a extinção do ônus real em comento, eis que não mais atenderá ao fito social a que se destina. Como bem aponta Diniz[34], ao tratar do usufruto, cujas ponderações, de maneira supletiva, são aplicáveis ao instituto em comento, a renúncia, expressa ou tácita, acarreta a extinção do instituto em comento, não sendo presumível, devendo, pois, constar do ato que a instituiu, perante o cartório imobiliário.

Referências:
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BRASIL. Medida Provisória Nº. 2.220, de 04 de Setembro de 2001. Dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1o do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 26ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
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GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário Básico Jurídico. 1ª Ed. Campinas: Editora Russel, 2006.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª ed. (rev. e aum.). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2004.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.
Notas:
[1] Neste sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. 10ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010, p. 505.
[2] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 664.
[3] VENOSA, 2010, p. 506.
[4] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 26ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 476.
[6] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 665.
[7] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 1.412 [omissis] §2o As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico”.
[8] DINIZ, 2011, p. 476.
[9] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 665.
[10] DINIZ, 2011, p. 476-477.
[11] VENOSA, 2010, p. 506.
[12] DINIZ, 2011, p. 477.
[13] VENOSA, 2010, p. 507.
[14] BRASIL. Lei Nº. 11.481, de 31 de Maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012.
[15] DINIZ, 2011, p. 478.
[16] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 669.
[17] BRASIL. Lei Nº. 11.481, de 31 de Maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 6º Para fins do disposto no art. 1o desta Lei, as terras da União deverão ser cadastradas, nos termos do regulamento. §1o Nas áreas urbanas, em imóveis possuídos por população carente ou de baixa renda para sua moradia, onde não for possível individualizar as posses, poderá ser feita a demarcação da área a ser regularizada, cadastrando-se o assentamento, para posterior outorga de título de forma individual ou coletiva”.
[18] DINIZ, 2011, p. 479.
[19] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 669.
[20] DINIZ, 2011, p. 479.
[21] BRASIL. Lei Nº. 6.015, de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012.
[22] BRASIL. Lei Nº. 11.481, de 31 de Maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 25. A concessão de uso especial de que trata a Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001, aplica-se também a imóvel público remanescente de desapropriação cuja propriedade tenha sido transferida a empresa pública ou sociedade de economia mista”.
[23] BRASIL. Medida Provisória Nº. 2.220, de 04 de Setembro de 2001. Dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1o do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012.
[24] DINIZ, 2011, p. 480.
[25] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 1.225. São direitos reais: [omissis] XII – a concessão de direito real de uso”.
[26] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 667.
[27] BRASIL. Lei Nº. 11.481, de 31 de Maio de 2007. Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012
[28] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 271, de 28 de Fevereiro de 1967. Dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador, concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012
[29] FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 668.
[30] DINIZ, 2011, p. 480.
[31] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família”.
[32] DINIZ, 2011, p. 481.
[33] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 set. 2012: “Art. 1.413. São aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto”.
[34] DINIZ, 2011, p. 470.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


Equipe Âmbito Jurídico

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