Uma questão que tem suscitado acesa controvérsia nos meios jurídicos é a da incidência ou não do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos contratos ditos de Direito Econômico, nomeadamente aos contratos de leasing, cujos critérios de reajuste das prestações assumidas pelos arrendatários estão vinculados à variação cambial do dólar americano, em razão da modificação operada na política econômica do Governo Federal que, em janeiro de 1999, adotou o sistema de livre flutuação do câmbio.
Não temos nenhum receio de afirmar que, sem dúvida alguma, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor se estende aos ditos contratos de Direito Econômico, sobretudo aos prefalados contratos de leasing.
Todavia, para chegar-se a tal conclusão impõe-se, em primeiro lugar, conhecer-se adequadamente o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a sua origem e as suas finalidades.
IEDO BATISTA NEVES, em seu Vocabulário Enciclopédico de Terminologia Jurídica e de Brocardos Latinos, vol. I, Ed. Forense, 1ª ed. , 1997, p. 811, define Direito Econômico como o conjunto de regras que protegem as relações de ordem jurídica que resultam da produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas.
Pois bem. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, inegavelmente, apresenta estrutura e conteúdo modernos, sintonizados à realidade brasileira e, entre as principais inovações, a formulação de um conceito amplo de fornecedor que inclui todos os agentes econômicos que atuam, direta ou indiretamente, no mercado de consumo, produzindo, distribuindo, comercializando produtos e serviços abrangendo, de maneira expressa, as operações de crédito, de financiamento, bancárias e securitárias – artigo 3o, caput e seu §2º.
Ademais disso, não é o Código de Proteção e Defesa do Consumidor uma simples lei específica das relações de consumo vez que, por força de disposições legais expressas, se estende a proteção consumeira ainda àqueles que não fazem parte de qualquer relação de consumo como, por exemplo, os artigos 17 e 29, que equiparam a consumidores (logo, não o são), as pessoas ali mencionadas.
Sobreleva notar o que dispõe o mencionado artigo 29 que equipara a consumidores, para efeitos de incidência do Codecon, todas as pessoas expostas a relações contratualizadas e que necessitem de proteção contratual. Trata-se, portanto, de verdadeira norma de extensão, cuja aplicação não pode ser recusada pelo Magistrado. Ao contrário. Tratando-se de norma de ordem pública e de interesse social – artigo 1º -, deve ser conhecida de ofício pelo Magistrado.
Note-se que o Codecon, ao dispor sobre a proteção contratual, o fez sem aludir a qualquer contrato, especificamente. Refere-se, pois, a todos, indistintamente.
Nesse sentido, a posição de notáveis especialistas da matéria, entre eles, ADA GRINOVER, NELSON NERY JUNIOR, ARRUDA ALVIM, CLÁUDIA LIMA MARQUES, JAMES MARINS, CARLOS ROBERTO BARBOSA MOREIRA.
Destarte, sempre que uma das partes contratantes se encontrar em posição de vulnerabilidade em relação à outra, àquela relação incidirá, para efeitos de proteção contratual, o CODECON, ainda quando não se trate de relação jurídica de consumo, impondo-se a observância das regras e princípios consagrados pela legislação consumeira e que regem o tema, notadamente, os da transparência, da eqüidade contratual e da boa-fé.
Estabelecida a incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor a todos os contratos, para os fins acima especificados, não há como negar-se vigência aos seus dispositivos eis que, assim agindo, estaria o intérprete e aplicador da lei obrando contra legem.
Dispõe o artigo 6o., V, do CODECON, que é direito básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que, em razão de fatos supervenientes à sua elaboração, tornaram-nas excessivamente onerosas para a parte vulnerável naquela relação jurídica, à semelhança do que ocorre com as mais de um milhão e quinhentas mil pessoas físicas que celebraram contratos de leasing, com cláusula de reajuste das prestações vinculando-as à variação cambial.
O critério para a revisão legal é objetivo, fundado na teoria da quebra da base do negócio jurídico, não havendo que se falar em culpa ou imprevisibilidade e, sendo fato incontroverso que a mudança na política adotada pelo Governo Federal em relação ao câmbio tornou excessivamente onerosos os contratos em debate, dúvidas não há que os arrendatários têm incontestável direito à revisão da cláusula que prevê o reajuste das parcelas financiadas. Assim vem decidindo, reiteradamente, a Egrégia 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (v.g. REsp 135151/RJ ; REsp 73370/AM ).
A Magistratura nacional precisa abandonar as grandes acomodações e enfrentar as pequenas mudanças que se fazem necessárias, adequando-se o ordenamento vigente à realidade social brasileira. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é um diploma legal com vocação constitucional, vez que materializa princípios contidos dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, XXXII, CR/88) e da ordem econômica e social (art. 170, V, CR/88). Suas normas são de ordem pública versando, assim, sobre direitos indisponíveis, a ensejar a sua observância de ofício. Felizmente, não só a Magistratura de primeiro grau, como a das mais altas cortes do país, vêm assimilando bem esta nova concepção.
Juiz de Direito no Rio de Janeiro/RJ
Professor Titular de Direito do Consumidor na UNESA e Conferencista da Escola da Magistratura do RJ
Doutorando em Direito pela Universidad del Museo Social/Buenos Aires/Argentina
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