Pedro Henrique Rodrigues de Arêdes
Resumo: O estudo em análise dispõe sobre o tema: “O Livramento Condicional no Âmbito do Direito Penal e Processual Penal Brasileiro”. A liberdade condicional consiste na concessão prévia e precária da liberdade do condenado sujeito ao cumprimento de pena privativa de liberdade, mediante a execução de determinadas premissas e sob a aceitação de assentados encargos. O presente trabalho tem por objetivo demonstrar o conceito e a natureza jurídica do benefício em estudo, além de pormenorizar os requisitos e condições autorizativas e o período de prova a que o prestigiado estará submetido, bem como aviventar as formas de suspensão e revogação do privilégio.
Palavras-chave: Benefício. Livramento Condicional. Penas.
Abstract: The study under analysis disposes on the theme: “The Conditional Release in the Scope of Brazilian Criminal and Criminal Law”. Conditional release consists of the prior and precarious granting of the liberty of the convicted person subject to the execution of a custodial sentence, through the execution of certain premises and under the acceptance of settled charges. This paper aims to demonstrate the concept and legal nature of the benefit under study, in addition to detailing the requirements and conditions of authorization and the period of trial to which the prestige will be submitted, as well as to revive the forms of suspension and revocation of the privilege.
Keywords: Benefit. Conditional release. Feathers.
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Secularmente, a ideia de um sistema penal rígido e destinado à vingança social vigorou na maior parte do mundo.
O sangue e as súplicas daqueles sob os quais incidia a sanção estatal representavam a máxima expressão de justiça e ordem na sociedade.
Segundo Shecaira e Corrêa Junior a antiguidade é marcada como um período de vingança privada, pois a punição sempre era imposta como vingança, prevalecendo a lei do mais forte. A pena possuía um papel reparatório, pois, pretendia-se que o infrator se retratasse frente à divindade, dando a pena um caráter sacral (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p. 24).
Pela evolução da sociedade, deflagrada pelos excessos do Estado ao punir e pelas arbitrariedades da coroa ao gerir o povo, a elevação da individualidade do cidadão cosmopolita fez nascer uma nova era de direitos e garantias fundamentais ao homem.
Fruto de uma relação contratual, Rosseau, o cerne da razão do Estado passa a ser o próprio cidadão, de tal sorte que as políticas de organização do Estado e reconhecimento de direitos fundamentais tornam-se a tônica do novo sistema.
Com o decorrer do tempo a Escola Positivista colocou o homem como centro do Direito Penal, dando à pena o escopo da ressocialização do delinquente. Os positivistas consideravam a pena mais que um castigo, um instrumento da sociedade e de reintegração do criminoso a ela (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 2002, p.33).
Neste contexto, medida de política criminal concebida na França, o livramento condicional difundiu-se em toda Europa e de lá foi levado até a Austrália.
No Brasil o instituto surgiu no Código Penal de 1890, mas sua aplicação somente tornou-se possível após a regulamentação do referido codex pelo Decreto nº 16.665 de 1924.
Mais adiante, na exposição de motivos de 1940, o instituto foi adotado, entretanto apenas para penas de detenção ou reclusão superiores a três anos, o que se mostrou incompatível em um sistema progressivo de penas de curta duração.
Somente, então, com a Lei nº 6.416/77 tornou-se possível a aplicação do benefício para penas superiores ou iguais a dois anos.
Sob os aspectos preponderantemente processuais e procedimentais, cuidou a Lei de Execução Penal dispor sobre o instituto, esmiuçando-o e dando-lhe forma e contexto no âmbito da fase de execução da pena.
Através do presente artigo, buscar-se-á estabelecer uma associação entre a finalidade da pena e do sistema de sua execução adotado pela Lei 7.210/84 com o instituto do livramento condicional, passando, por óbvio, por sua conceituação e análise de conteúdo.
Este trabalho se embasou na metodologia dedutiva. Em relação à sua organização e ao seu estruturamento, desenvolve-se por meio de pesquisas bibliográficas, frisando-se o uso de legislação pátria, como Constituição Federal de 1988 e legislação extravagante, além de palestras, doutrinas e artigos.
1 DESENVOLVIMENTO
O livramento condicional é adotado por todas as legislações penais modernas, constituindo lídimo instrumento de mitigação dos efeitos perniciosos da prisão e promoção da finalidade ressocializadora da pena privativa de liberdade.
Em nada se confunde com substituto penal, verbi gratia, as penas restritivas de direito constantes do artigo 42 do Código Penal Brasileiro, tampouco põe fim à pena ou suspende sua incidência, como é o caso do indulto e sursi penal.
Analisando o instituto, Guilherme Nucci (2006, p. 58) afirma que este é:
“[…] destinado a permitir a redução do tempo de prisão com a concessão antecipada e provisória da liberdade do condenado, quando é cumprida pena privativa de liberdade, mediante o preenchimento de determinados requisitos e a aceitação de certas condições.”
Neste diapasão, complementa Juarez Cirino dos Santos (1985, p. 258):
“[…] a liberdade condicional constitui a fase final desinstitucionalizada de execução da pena privativa de liberdade, com o objetivo de reduzir os malefícios da prisão e facilitar a reinserção social do condenado.”
Não se trata, pois, de estancar os efeitos da pena imposta ao condenado, mas de tão somente vocacioná-la, em um momento oportuno, à ressocialização e reinserção do preso na sociedade. Prova disso é que a duração do livramento condicional corresponde justamente ao tempo de pena que o apenado ainda tem de cumprir.
Neste sentido, com a percuciência de costume, preconiza Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 347):
“O livramento condicional é uma antecipação, embora limitada, da liberdade. Por meio desse instituto, coloca-se no convívio social o criminoso que apresenta, em determinado momento do cumprimento da pena, suficiente regeneração.”
Em que pese o fato de se apresentar, extrinsecamente, como uma benesse, segundo a melhor doutrina, o livramento condicional, hoje, constitui essencialmente um direito público subjetivo do apenado.
Significa dizer que, satisfeitos, pelo apenado, os pressupostos legais, o juiz da execução tem o dever de conceder benesse ao apenado.
Neste ínterim, saliente-se que, nos termos do artigo 131, da Lei de Execuções Penais, a competência para conhecer e julgar o pedido de livramento condicional, bem como revoga-lo, é do juízo das execuções.
Após ouvir o Ministério Público e o Conselho Penitenciário, o juiz, diante dos requisitos autorizativos, deferirá o pedido e especificará as condições a que fica subordinado o livramento.
Ademais, é oportuno asseverar os ditames de Rogério Greco sobre a alhures asserção:
“Aqueles que militam na área penal conhecem, como regra, a demora do Conselho Penitenciário na emissão de seus pareceres para fins de livramento condicional.
O sistema carcerário abarrotado de presos, a falta de estrutura, a desorganização administrativa, bem como o número insuficiente de conselheiros, contribuem para que aqueles que já merecem estar em liberdade permaneçam presos por mais tempo do que o devido. Em vista dessa situação, pergunta-se: Deverá o juiz da execução aguardar, sempre, o parecer do Conselho Penitenciário a fim de conceder livramento condicional ao condenado, após ouvido o Ministério Público? Sendo o livramento condicional um direito subjetivo do condenado que preenche os requisitos objetivos e subjetivos necessários à concessão do benefício, o atraso na confecção de parecer pelo Conselho Penitenciário não poderá violar o seu jus libertatis?
Mesmo anteriormente à edição da Lei nº 10.792/2003 já nos posicionávamos no sentido de afastar a necessidade de parecer do Conselho Penitenciário para efeito de concessão do livramento condicional, uma vez que a demora na sua confecção atingia o status libertatis daquele que pretendia retornar ao convívio social depois de cumprir parte de sua pena. Agora, após a edição do diploma legal acima mencionado, a discussão perdeu o sentido, sendo que nossos Tribunais Superiores têm decidido, reiterada e acertadamente:
“O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento reiterado de que não se exige a prévia oitiva do Conselho Penitenciário para fins de concessão do livramento condicional, segundo a nova redação do art. 112 da LEP dada pela Lei nº 10.792/2003. Precedentes” (STJ, HC 350.902/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 28/06/2016).
“Criminal. Recurso especial. Livramento condicional. Concessão. Parecer prévio do Conselho Penitenciário. Desnecessidade. Recurso desprovido.
I – A nova redação do art. 112 da LEP, dada pela Lei nº 10.792/2003 – que estabeleceu novo procedimento para a concessão da progressão do regime, determinando que o mesmo proceder fosse aplicado na concessão do livramento condicional – deixa para trás a exigência de prévia oitiva do Conselho Penitenciário, exigida no art. 131 da LEP, para a concessão do livramento condicional.
II – A mesma Lei nº 10.792/2003 acabou por modificar, também, o inciso I do art. 70 da Lei de Execução Penal, retirando desse órgão a atribuição para emitir parecer sobre livramento condicional, constante da redação original do dispositivo.
III – Recurso desprovido” (STJ, REsp 773.635/DF, Recurso Especial 2005/01329334-3, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 3/4/2006, p. 404).”
Entrementes, a antecipação da liberdade ocasionada pela concessão do livramento condicional é medida antecipatória da liberdade, é dizer, não definitiva, e, como tal, precária. O apenado liberado é submetido à prova, e, vindo a falhar, a depender do caso, pode retornar ao cárcere.
Como dito alhures, para que o sentenciado goze do livramento condicional e retorne ao convívio social, é necessário que os requisitos legais estejam preenchidos.
Ditos requisitos, constantes do artigo 83 do Código Penal, se apresentam sob duas ordens, quais sejam, objetiva e subjetiva.
No que tange aos requisitos objetivos, estes constantes dos incisos I, II, IV e V de sobredito dispositivo penal, temos: a) a natureza e quantidade da pena; b) o cumprimento de parte da pena e; c) a reparação do dano.
Inicialmente, para que o apenado logre o livramento, é necessário que a pena que lhe fora imposta tenha sido de duração igual ou superior a dois anos de privação de sua liberdade.
Neste contexto, impende observar a regra constante do artigo 84 do Código Penal, que permite a soma das penas de infrações penais diversas para fins de obtenção do limite mínimo de 02 (anos) anos exigido à concessão da liberdade, mesmo que impostas em momentos e processos distintos.
Em seguida, objetivamente, necessário é o cumprimento de parte da pena privativa de liberdade pelo condenado. Aqui, além do lapso temporal exigido, quis o legislador privilegiar o condenado não reincidente em crime doloso e com bons antecedentes.
No magistério de Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 827):
“Acorde com a melhor orientação científica em matéria de individualização da pena, o sistema brasileiro dá um tratamento diferenciado para os reincidentes em crimes dolosos daqueles que são reincidentes em crimes culposos. Como a conduta dolosa, reiterada, é objeto de maior reprovabilidade, justifica-se, consequentemente, o rigor maior em sua sanção.”
De acordo com a dicção dos incisos I e II, do artigo 83 do Código Penal, em não sendo o apenado reincidente em crime doloso, poderá, cumprido 1/3 (um terço) da pena imposta, ter direito ao livramento, e, em sendo reincidente em crime doloso, necessário se faz o cumprimento de metade da pena imposta para que seja livrado condicionalmente.
Para fins de integralização da fração mínima de cumprimento da pena e concessão do livramento, analisando o artigo 128 da Lei de Execuções Penais, preconiza Mirabete (2004, p. 547):
“O tempo remido é computado não só para diminuir o tempo de cumprimento da pena, como também para a concessão do livramento condicional e indulto. A aplicação desses institutos depende do cumprimento de parte da pena pelo condenado e, pelo trabalho, pode ele antecipar o livramento condicional.”
Na mesma esteira, analisando sobredito cálculo, afirma Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 827):
“Para integralizar o tempo mínimo de pena cumprida, além da determinação da soma de penas referentes a condenações distintas, são computadas também, via detração penal, a prisão provisória, administrativa e internação em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (art.42 do CP).”
Como último requisito de ordem objetivo, temos a reparação do dano havido com a prática do crime. Nos termos do artigo 91, I, do Código Penal, a reparação do dano constitui uma obrigação civil que decorre da sentença penal condenatória.
Para que o preso venha a ser livrado condicionalmente, necessário se faz, também, que o dano reste reparado. Na impossibilidade de promovê-la, o apenado deverá, através de sólidas evidências, é dizer, provas, demonstrar a efetiva incapacidade.
Despiciendo dizer que, na prática, diante de uma população carcerária composta em sua maioria por pobres e desfavorecidos, a efetiva reparação do dano tem sido, quase sempre, frustrada.
Noutro giro, encontram-se os requisitos de ordem subjetiva, compreendidos como: a) bons antecedentes do apenado; b) comportamento satisfatório durante a execução; c) bom desempenho no trabalho e; d) aptidão para prover a própria subsistência com trabalho honesto.
Tais requisitos referem-se à pessoa do condenado, porquanto é da essência do instituto do livramento condicional a constatação da capacidade do apenado de recuperar seu espírito social, mostrando-se útil e ativo na sociedade em que for reinserido.
No que atine os bons antecedentes, a lei é de clareza meridiana ao afirmar que para que o condenado possa obter o livramento condicional após cumprir apenas um terço da pena, não basta que não seja reincidente em crime doloso.
Exige-se, além de sobreditos pressupostos, seja o apenado portador de bons antecedentes.
Sobre o tema, dispõe Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 829):
“Assim, o condenado que houver praticado outras infrações penais, que tiver respondido a outros inquéritos policiais, que se envolveu em outras infrações do ordenamento jurídico, que sofreu outras condenações (mesmo as que não caracterizem tecnicamente reincidência), que se dedicou ao ócio e à malandragem, enfim que não tiver “bons antecedentes”, não poderá se beneficiar do livramento condicional com somente o cumprimento mínimo da pena.
[…]
Devem ser considerados como antecedentes, para essa finalidade, aqueles fatos ocorridos antes do início do cumprimento da pena, mesmo que tenham ocorrido após o fato delituoso que deu origem à prisão.”
Nesse diapasão, não possuindo bons antecedentes, nos termos do artigo 83 do Código Penal, a lei majora o tempo mínimo necessário à concessão da liberdade limitada de 1/3 para metade da pena.
No que tange ao requisito “comportamento satisfatório durante a execução”, o requisito busca estimular o condenado a andar, dentro e fora do cárcere, na esteira da normalidade quando da execução da pena imposta.
Sobre o requisito, Fragoso tece sua crítica (2003, p. 390):
“A boa conduta foi aqui imaginada como indício de readaptação social, mas é bastante claro que o comportamento do condenado no ambiente carcerário pode não ter qualquer relação com a sua recuperação social. Trata-se de ambiente autoritário e anormal, que deforma a personalidade.”
Por fim, elevando a importância do trabalho na promoção da dignidade do homem e no afastamento do agente da reiteração delitiva, quis o legislador que o “bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído” e a “aptidão para prover a própria subsistência com trabalho honesto” fossem verificados à concessão da benesse.
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 831):
“Ao referir-se a “trabalho que lhe foi atribuído” fica claro que não se trata apenas das atividades laborais desenvolvidas no interior do cárcere, mas também se refere ao trabalho fora da prisão, como, por exemplo, o serviço externo, tanto na iniciativa privada como na pública.”
Ainda, sobre a aptidão para prover a própria subsistência com trabalho honesto, dispõe o célebre doutrinador (2014, p. 831):
“A lei não determina que o apenado deve ter emprego assegurado no momento da liberação. O que a lei exige é que a aptidão, isto é, a disposição, a habilidade, a inclinação do condenado para viver à custa de seu próprio e honesto esforço. Em suma, de um trabalho honesto. Tanto isso é verdade que a lei estabelece como uma das condições obrigatórias do livramento “obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto para o trabalho (art.132, §1º, a, da LEP).”
Em mesma guisa, enaltece Rogério Greco (2017, p. 803):
“O condenado deverá, também, comprovar sua aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto. Não se está exigindo, aqui, que o condenado tenha, por exemplo, uma promessa de trabalho na qual terá a sua carteira devidamente registrada. Há no país um percentual considerável correspondente àqueles que trabalham no chamado “mercado informal.” São camelôs, vendedores ambulantes, artesãos etc., que, embora não tenham registro em sua carteira profissional, conseguem se manter, recebendo, muitas vezes, importâncias superiores à classe assalariada. Dessa forma, não está a lei exigindo que o condenado comprove que terá a sua carteira registrada quando estiver em liberdade, mas, sim, que, mediante um trabalho honesto, lícito, seja ele qual for, poderá subsistir.”
Neste contexto, sobressalta a importância do Conselho Penitenciário na apresentação dos relatórios circunstanciados do preso que possam apontar a sua efetiva capacidade de ressocialização, recuperação e aptidão ao trabalho.
Por fim, impende analisarmos o requisito específico constante do parágrafo único do artigo 83 do Código Penal, que dispõe:
“Art. 83 – […]
Parágrafo único – Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.”
Greco (2017, p. 807) corrobora a matéria notabilizando:
“Pela redação do mencionado parágrafo, estão dispensados desse prognóstico de que não voltarão a delinquir os condenados por crimes culposos, bem como por aqueles cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Sendo dolosa a infração penal e havendo, ainda, como elemento do tipo a violência ou a grave ameaça à pessoa, embora a lei penal não exija formalmente qualquer exame, seria de bom alvitre a realização do exame criminológico, previsto no art. 8º da Lei de Execução Penal, visando a constatar as condições pessoais do condenado que façam presumir que, se concedido o livramento condicional, não voltará a delinquir.
No que diz respeito à realização do exame criminológico, o STJ editou a Súmula nº 439, publicada no DJe em 13 de maio de 2010, com o seguinte teor:
Súmula nº 439. Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.”
Significa dizer que, além dos requisitos trabalhados acima, o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça, deverá trazer ao juiz sólidas evidências de que não recalcitrará em suas condutas delinquentes.
Em verdade, analisando o escopo do dispositivo supratranscrito, forçoso concluir pela tautologia em que incorreu o legislador, vez que os demais requisitos subjetivos já exigem, ainda que por via oblíqua, a demonstração de referida capacidade do condenado de não voltar a delinquir.
O livramento condicional, como analisado anteriormente, não importa em extinção da pena imposta ao condenado. O livrado condicionalmente tem de observar uma série de condições que, essencialmente, se traduzem como restrições ao seu direito de liberdade.
O escopo do instituto em análise é permitir que a pena imposta, a partir de dado momento, vigore sem prejuízo à evolução do processo de recuperação social do condenado.
De acordo com Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 834):
“Pelo livramento condicional o liberado conquista a liberdade antecipadamente, mas em caráter provisório e sob condições. Visa esse instituto, acima de tudo, oportunizar a sequencia do reajustamento social do apenado, introduzindo-o paulatinamente na vida em liberdade, atendendo, porém, às exigências de defesa social.”
O período de prova no livramento condicional é integrado pelo resto da pena, tendo inicio com a audiência admonitória, que é realizada no estabelecimento onde o preso cumpre a pena (artigo 137 da Lei de Execuções Penais).
No período de prova, o apenado deverá observar as condições que lhe foram impostas quando do deferimento do livramento.
As condições, como dito precedentemente, se subdividem em obrigatórias (legais) e facultativas. Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt, as condições constituem “restrições naturais e jurídicas à liberdade de locomoção”. Daí porque falar que a liberdade antecipada no livramento condicional é limitada.
São condições legais, isso é, obrigatórias: a) Obter ocupação lícita, dentro de um prazo razoável, caso seja apto ao trabalho; b) Comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; c) Não mudar do território da comarca do juízo da execução, sem prévia autorização deste.
No tocante à primeira condição legal, a expressão “ocupação lícita” compreende tanto o próprio trabalho quanto cursos técnicos que o apenado venha a realizar.
Outrossim, em sendo o livrado deficiente físico, haverá, necessariamente, uma mitigação dessa exigência
Quanto à condição de comunicação periódica de sua ocupação ao juiz, vale consignar que cabe ao juiz fixar o intervalo dessa comunicação, que, na maioria das vezes, costuma ser mensal.
No que atine à última condição legal, impende observar que, dentro da mesma comarca, pode o apenado mudar-se para outras residências. A exigência somente vigora para a mudança de residências entre comarcas distintas.
Ademais, não se exige referida autorização judicial para a realização de meras incursões por outras comarcas, viagens nos feriados e fins de semana.
Noutro giro, pode o Juiz, além das condições obrigatórias, fixar as condições judiciais de caráter facultativo (artigo 132 da Lei de Execuções Penais): a) não mudar de residência sem comunicar ao Juiz e á autoridade incumbida de da observação cautelar e de proteção; b) recolher á habitação em hora fixada; c) proibição de frequentar determinados locais.
Ainda, como quarta condição facultativa à disposição do juiz para a provação do livrado, estabelece Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 837):
“Embora o Código Penal e a Lei de Execução Penal não estabeleçam como condição do livramento “abster-se de delinquir” e tampouco relacionem a prática de delitos como causa de revogação – que obrigatória que facultativa -, entendemos que o juiz pode e deve estabelecer como condição a abstenção de práticas delituosas.”
Derradeiramente, saliente-se que, o juiz visando atender aos fins da pena e à situação do condenado, poderá no transcorrer do livramento modificar as condições estabelecidas primitivamente (artigo 144, da Lei de Execuções Penais).
Antecipar a liberdade do condenado e estipular condições à permanência do benefício sem que nenhuma consequência ao descumprimento fosse prevista, seria o mesmo de conceder um salvo-conduto ao apenado que, ainda, mesmo livrado, não terminara de cumprir sua pena.
Neste ínterim o legislador estabeleceu causas, que verificadas tem o condão de conduzir à suspensão do benefício ou até mesmo a sua revogação.
Patente, pois, o grau de coercibilidade e obrigatoriedade das condições impostas quando da concessão da benesse, haja vista que a desobediência, a depender do caso, pode culminar no retorno do preso ao cárcere.
Nos termos do artigo 143 da Lei de Execuções Penais, são legitimados a requerer a revogação o Ministério Público, o próprio Conselho Penitenciário, ou de ofício, o Juiz.
As causas de revogação do livramento condicional se dividem em “obrigatórias” e “facultativas”.
As causas obrigatórias são assim denominadas em razão de que, constatadas, o benefício deverá, ipso facto, ser tolhido do apenado.
Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt (2014, p. 838):
“Quando ocorrerem as causas previstas no art.86 e seus incisos do Código Penal, a revogação será consequência automática decorrente de imposição legal. Isso quer dizer que não ficará adstrita ao prudente arbítrio do juiz e, pela mesma razão, mostra-se dispensável a ouvida do liberado.”
São causas que obrigatoriamente e automaticamente revogam a liberdade conquistada: a “condenação irrecorrível por crime cometido durante a vigência do livramento condicional” seja ele culposo ou doloso, e a “condenação por crime cometido antes da vigência do livramento condicional” (artigo 86, do Código Penal).
No que atine à revogação facultativa (artigo 87, do Código Penal), a própria natureza dada a essa espécie de causa sugere a não obrigatoriedade da revogação da liberdade quando restem verificadas.
Neste contexto, ocorrendo uma das causas facultativas, o magistrado poderá, ouvindo o apenado, em vez de revogar, adverti-lo ou então agravar as condições impostas originariamente.
São causas de revogação facultativa: o descumprimento de qualquer condição – obrigatória ou facultativa – imposta e a condenação anterior ou contemporânea ao livramento, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade.
Sobre as causas facultativas, Cezar Roberto Bitencourt (2000, p. 653) observa:
“O legislador de 1984 incorreu em evidente esquecimento ao não mencionar a condenação por contravenção a pena privativa de liberdade (prisão simples) como causa de revogação facultativa, é notório o esquecimento, especialmente quando se constata que a contravenção punida com pena restritiva de direitos e multa foi arrolada como causa de facultativa de revogação.”
Por fim, vale consignar que, diante da condenação – ainda que pendente de recurso – por prática de nova infração penal no curso do livramento, e haja vista que a revogação somente poderá se dar quando da condenação irrecorrível, pode o juiz, nos termos do artigo 145 da Lei de Execuções Penais, suspender o benefício.
Pela suspensão, o juiz determinará a prisão do apenado até que a decisão sobre o novo crime seja decidida de maneira definitiva e irrecorrível. Sem embargo, a revogação da benesse anteriormente deferida ficará dependendo da decisão final.
Importa aviventar ainda o entendimento de Rogério Greco (2017, p. 813) sobre a relação entre o livramento condicional e a execução provisória da sentença:
“Pode acontecer que o sentenciado, preso cautelarmente, ainda esteja aguardando o julgamento do seu recurso, tendo a decisão, contudo, transitado em julgado somente para o Ministério Público. Pergunta-se: Poderá, nessa hipótese, ser concedido o livramento condicional àquele que ainda não goza do status de condenado, executando-se provisoriamente a sentença penal condenatória?
Entendemos afirmativamente, pois o sentenciado e, possivelmente, futuro condenado não poderá ser prejudicado pelo simples fato de ter recorrido da decisão que o condenou ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade. Se já se encontram presentes os requisitos objetivos e subjetivos necessários à concessão do benefício, pelo fato de não ter havido recurso do Ministério Público e sendo impossível a reformatio in pejus, acreditamos deva o sentenciado ser beneficiado com o livramento condicional, mesmo que ainda não tenha havido o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária de 24 de setembro de 2003, aprovou a Súmula nº 716 que, embora dirigida aos casos de progressão de regime e aplicação de regime menos severo do que o determinado na sentença, pode, mediante um raciocínio analógico, ser ampliada para as hipóteses de livramento condicional, quando ainda não houver o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Diz a referida Súmula nº 716:
Súmula nº 716. Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”
CONCLUSÃO
Hodiernamente, a realidade das penitenciárias não nos deixa outra reflexão senão a de que as celas, veladamente, têm feito as vezes dos patíbulos utilizados na perpetração de torturas aos apenados.
O clamor do povo, ainda, é no sentido da aplicação de uma pena puramente retributiva, capaz de trazer o maior sofrimento possível ao condenado.
Na contramão de um sistema falido e inócuo, as políticas de desencarceramento com responsabilidade têm representado o remédio menos aflitivo à dignidade da pessoa do condenado.
Nesse ínterim, é necessário que as vicissitudes de uma sociedade plural não produzam a confusão de mitigação da dignidade humana daquele que cumpre pena pelo delito que praticou.
Conceder-se-á liberdade ao condenado que, efetivamente, demonstre capacidade de reerguer-se e retomar o vínculo jurídico e político com a sua pátria, deve constituir na finalidade maior em uma sociedade que eleve como epicentro axiológico o princípio da dignidade da pessoa humana.
Neste contexto, conforme analisado neste trabalho, o instituto do livramento condicional é, sem ranço algum de dúvida, à luz do sistema progressivo, um dos exponentes do escopo maior da pena de recuperar o espírito social daquele que um dia transgrediu a norma penal.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cézar Roberto. Manual de direito penal – parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL. Código Penal (1940). Código Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Senado Federal: Centro Gráfico, 1940.
BRASIL. Lei de execução Penal. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984.
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal. 16. Ed. São Paulo: Forense, 2003.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. 10. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2017.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Execução Penal. 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2004.
NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORREA JUNIOR, Alceu. Teoria da Pena: Finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
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