O mínimo existencial e a penhora: uma análise sobre as novas exceções à penhorabilidade de bens na execução civil brasileira à luz dos tribunais

Resumo: Este ensaio apresentará a evolução do processo de remoção dos bens do devedor, chamado de processo de execução, mostrando que os antigos povos exerciam a expropriação de forma rude e desrespeitosa com a dignidade da pessoa humana, mesmo porque naquela época a dignidade era dos bens e não das pessoas. Porém, como veremos esse quadro transformou-se ao longo dos anos, e em especial com a instituição de algumas leis, como a Constituição Democrática de 1988, defensora dos direitos dos cidadãos. A Lei nº 11.382/2006 que invocou instrumentos aptos para o Processo de Execução dando também uma maior tutela aos direitos do credor, mas em contrapartida a Lei de nº 80009/90 que trata especificamente do bem de família e sua impenhorabilidade, revelando algumas formas de defesa do devedor. Serão discutidas algumas das formas que a penhora é exercida, a exemplo, da penhora on line e a constitucionalidade da Lei de nº 8009/90, além do respeito ao mínimo patrimonial que poderá ser atingido pela execução com base na dignidade humana. E alguns dos julgados do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao bem de família.

Palavras-chave: Execução. Penhora. Mínimo Existencial. Dignidade Humana

Abstract: This paper will present the progress of the removal of the debtor's property, called the execution process, showing that the ancients exercised expropriation so rude and disrespectful to human dignity, because even at that time was the dignity of goods and not people. However, as we shall see that picture has become over the years, particularly with the imposition of some laws, such as the Democratic Constitution of 1988, defending the rights of citizens. Law No. 11.382/2006 that invoked suitable instruments for Process Execution also giving greater protection to the rights of the creditor, but in contrast to Law No. 80009/90 which deals specifically with the sake of his family and unseizability, revealing some forms of defense of the debtor. We discuss some of the ways that attachment is exercised, the example, the attachment online and constitutionality of Law No. 8009/90 and the respect to the minimum equity that can be achieved by implementation based on human dignity. And tried some of the Supreme Court as well as to family.

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Keywords: Execution. Attachment. Existential Minimum. Human Dignity

Sumário: Introdução; 1. O instituto da penhora e seus aspectos gerais; 1.1. Meios de defesa ou resistência à execução; 1.2 Penhora on line; 2. Noções gerais: bem de família e sua impenhorabilidade; 2.1. Constitucionalidade da lei nº 8.009/90; 2.2. Apreciação da constitucionalidade dos incisos i e vii do art. 3º da lei 8009/90; 3. O mínimo existencial como núcleo intangível do mínimo patrimonial da dignidade da pessoa humana; 3.1. A função social do patrimônio; 4 . O bem de família a luz do STJ. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O processo de execução de dívidas não é instituo novo e foi transformado ao longo dos anos. Nos antigos povos a execução das dívidas era pessoal, pois o devedor era levado às feiras livres para que algum parente ou outro interessado saldasse a dívida, caso contrário o credor poderia vendê-lo ou matá-lo, essa prática ocorria em Roma, e era legitimado pela Lei das XII Tábuas. Para os romanos o patrimônio era familiar e destinado aos cultos para os deuses, e sendo a dívida de caráter pessoal, o devedor responderia pessoalmente por suas dívidas, fosse preso com escravo ou esquartejado e morto.

Contudo, o processo de execução evoluiu, deixando a esfera pessoal e adentrando nos bens do devedor, exceto a prisão civil por dívidas de alimentos. Mesmo assim, até poucos anos essa evolução não tinha alcançado o instituto do depositário infiel, pois caso este não cumprisse fielmente as determinações para guarda e conservação da coisa, poderia ser ter sua prisão decretada.

Porém, este instituto sofreu mudanças com Decreto Presidencial 592/92, de 6.7.1992, passou a integrar em nosso sistema jurídico o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, em seu art. 11, dispõe: "ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir uma obrigação contratual”; depois integrou o "Pacto de São José da Costa Rica" que, em seu art. 7º, § 7º, determina que "ninguém deve ser detido por dívidas". E hodiernamente na nossa legislação encontra-se no artigo 5º, LXVII, CF/1998, o art. 543-C, do CPC, no art. 7º, parág. 7º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e art. 2º, parág. 1º da Resolução 08/2008-STJ.

Dessa forma, o estudo da evolução do processo executório será importante para a ratificação da transformação na forma da função executiva da justiça, sendo o Estado – Juiz que no caso concreto irá dirimir os conflitos e não mais os particulares. Verificaremos a ocorrência de divergências quanto à aplicação da lei, e as recentes novidades no tema em estudo.

1. O INSTITUTO DA PENHORA E SEUS ASPECTOS GERAIS:

Antes de iniciarmos o conceito de penhora, é necessário explanar como ocorreu o seu surgimento no processo judicial.

O Processo Civil é constituído por três distintos processos regados de caracteres e objetivos que não se assemelham, mas que, porém, buscam a máxima eficácia e eficiência da jurisdição. Estes são classificados da seguinte forma: Processo de Conhecimento, Processo Cautelar e Processo de Execução. Processo de Execução, o que nos interessa no momento, é aquele que busca satisfazer de forma forçada o direito de um crédito, que poderá ser este, um título executivo judicial, no caso de sentenças condenatórias, por exemplo, ou um título executivo extrajudicial, como a cobrança de um cheque.

Algumas mudanças ocorreram no direito processual civil, visando melhorar e viabilizar a celeridade da prestação jurisdicional, tentando chegar o mais próximo do que determina o art. 5º, inciso LXXVII da CF “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo”, também fez sua contribuição, a Emenda Constitucional nº. 45 sendo esta de grande valia para a reforma do judiciário, eis que trouxe inovações tais como a súmula vinculante.

A Lei nº 11.382/2006 trouxe grandes avanços para o Processo Civil na medida em que invocou instrumentos aptos para o Processo de Execução dando também uma maior tutela aos direitos do credor. A mencionada lei traçou algumas inovações que beneficiou tanto credor, quanto devedor; enumerando quais os bens não podem ser penhorados (art. 649 CPC); os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis poderão ser penhorados, salvo se destinados à satisfação alimentícia (art. 650 CPC); ou ainda que a parte seja cabível a possibilidade de requerer a substituição da penhora (art. 656 CPC); e coloca em rol de preferência os bens a serem penhorados (art. 655 CPC).

Na Lei nº 11.382/2006, foram introduzidos alguns princípios basilares da execução, são eles: o Princípio da Efetividade e o Princípio da Menor Onerosidade do Devedor; portanto, aquele está para o credor, demonstrando que a adimplência da obrigação será efetivada com maior satisfação recaindo sobre o objeto do direito exigido pelo credor; e em disparidade com o último princípio, pois buscar onerar da forma mais benéfica possível o devedor, exemplo, se entre os bens do devedor há um navio e dinheiro, deve-se primeiro penhorar o dinheiro, seguindo a ordem de preferência legal.

Portanto, reunindo os conceitos trazidos pelos mais diversos estudiosos, podemos dizer que a penhora: é o ato pelo qual o Estado, através do poder judiciário de forma coercitiva – caso o executado recuse será realizada compulsoriamente -, indisponibiliza os bens do devedor, pois nem sempre estes são retirados de sua posse podendo permanecer com os bens, como depositário, diferentemente do que afirma Acquaviva (2004): “Os bens são retirados da posse do executado para garantir a execução da divida”, e para garantir o crédito do credor, sempre observando os requisitos legais, quanto as restrições dos bens que não poderão ser penhorados.

Humberto Theodoro Junior (2002, p. 167) consegue explicar o conceito de penhora abrangendo todos os aspectos:

“É, em síntese, o primeiro ato executivo e coativo do processo de execução por quantia certa. Diz, outrossim, que a penhora é um ato de afetação, porque sua imediata conseqüência de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os a disposição do órgão judicial, para à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor”.

Portanto, a função da penhora é promover a individualização e apreensão dos bens, conservar-los, e criar preferência para o exequente, em relação aos demais credores quirografários.

Os efeitos da penhora poderão ser tridimensionais, começaremos pelo devedor, alguns dos efeitos é ter seus bens indisponibilizados e perderá a posse direta, além de todos os negócios jurídicos serão nulos, embora não prevaleça tal característica em sua totalidade, pois o Tribunal de Justiça de Minas Gerais decidiu que os bens onerados com penhora “não constitui obstáculos ao respectivo translatício da propriedade, que no domínio do novo proprietário, que permanecerá suportando os gravames nela incidentes”. Portanto, de toda forma, o bem não perderá a característica de penhorado, e o posterior proprietário, será responsável, por esse bem, de toda forma, acreditamos que a indisponibilidade permanece.

Para o credor o efeito será em ver que o seu crédito poderá ser quitado, no momento mais oportuno, pois o devedor tem bens para solver a dívida, e que tem direito preferencial em relação aos demais credores quirografários. E por fim quanto ao terceiro, se estiver em posse do bem terá que respeitar o gravame judicial, como depositário e pelo qual surtirá efeito erga omnes.

1.1. MEIOS DE DEFESA OU RESISTÊNCIA À EXECUÇÃO

Embora a execução, após o transcurso do prazo de citação, devesse ocorrer o pagamento, não é sempre assim que ocorre, e é nesta fase, que o devedor ao invés de pagar irá defender-se, através de remédios como: a impugnação e os embargos. Nos embargos à execução haverá oposição aos títulos executivos extrajudiciais, e quanto aos títulos executivos judiciais serão atacados pela impugnação. Contudo, afirma Humberto Theodoro Junior (2007,p.400):

“Há, no entanto, uma aparente contradição na disciplina legal dos dois remédios processuais: no caso dos embargos, o executado está autorizado a manejá-los independentemente de penhora (art. 736), enquanto que a impugnação está prevista para os quinze dias subseqüentes à penhora (art. 475-J, parág. 1º)”.

Os embargos é uma das formas de o devedor impedir ou obstar a execução, seja impugnando o direito de propor a própria execução, seja contestando a regularidade formal do processo; argumentando tais defesas através das matérias previstas no artigo 745 do CPC, sendo este um rol meramente exemplificativo, entre estes, podemos citar: nulidade da execução, por não ser o título executivo – ex. cheque prescrito (inciso I), penhora incorreta ou avaliação errônea – ex. penhora que recai sobre o único bem de família (inciso II).

Aos embargos por ter caráter autônomo e independente, não se aplica contagem em dobro para os litisconsortes com procuradores diferentes, art. 191 do CPC. O prazo é de 15 (quinze) dias a contar da citação. E por fim, temos multa aplicável aos embargos manifestadamente protelatórios, que será de até 20%, determinação do art. 600 do CPC e que excepcionalmente, os embargos terão efeitos suspensivos que serão de forma fundamentada, conforme art. 739-A do CPC.

Na impugnação o executado opõe resistência ao modo e os limites da execução, com pretensão declaratória, tendo um prazo de 15 (quinze) dias, contados da intimação da penhora ou do depósito integral da dívida, tem sua matéria de arguição delimitada no art. 475-L do CPC, sendo este diferentemente daquele um rol taxativo, pois nesta não se discute o mérito da causa, entre elas temos; falta ou nulidade da citação ou inexigibilidade do título, por exemplo.

1.2. PENHORA ON LINE

Antes do procedimento da penhora online, o magistrado determinava a expedição de ofícios ao Banco Central do Brasil solicitando informações da existência de contas bancárias em nome do devedor; caso existisse o Banco Central determinava ao banco depositário que remetesse ao juiz as informações necessárias, ou seja, o número das contas e os valores respectivos; assim o juiz determinava a penhora de dinheiro em montante suficiente para satisfação do crédito do credor. Porém, esse sistema era ineficaz, pois nesse lapso de tempo entre a solicitação e a resposta, os devedores estornavam os valores, consequentemente fraudavam a execução.

Hodiernamente utiliza-se o BACENJUD, este consiste na solicitação de informações via internet que possibilita enviar de maneira mais rápida, segura e econômica, ordens ao Sistema Financeiro Nacional, reduzindo assim, as fraudes.

Contudo, a penhora online enfrenta algumas críticas principalmente quanto sua constitucionalidade, pois há entendimentos de que o referido sistema fere os direitos previstos no artigo 5°, incisos X e XII. Porém, o argumento de que o magistrado tem acesso pleno às contas de propriedade de devedor; não deve vigorar na medida em que, não existe óbice à quebra de sigilo bancário por determinação do juiz, tendo em vista a lei complementar n°105/01, artigo 3º.

Ademais, na penhora online a quebra do sigilo não acontece, pois as informações obtidas e que vem aos autos dizem respeito apenas à existência de conta bancária em nome do devedor e se há créditos disponíveis, sem a necessidade de saber sobre as movimentações bancárias conforme se extrai da análise do art. 655–A, § 1º do CPC, ao estabelecer que “as informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução”.

Nesta feita, a organização de um novo sistema processual, que vislumbra evitar os abusos e fraudes praticadas por qualquer das partes, dentre tantas inovações é inegável a extraordinária inovação da penhora online que aos poucos esta garantindo a celeridade e resgatando a confiança no Poder Judiciário, e que extinguir tal instituto de constrição implica no retrocesso da Justiça brasileira em benefícios dos devedores.

2. NOÇÕES GERAIS: BEM DE FAMÍLIA E SUA IMPENHORABILIDADE

Comentamos anteriormente as formas iniciais em que os povos liquidavam suas dívidas, processo pelo qual sofreu transformações em grandes saltos, saindo da esfera pessoal pelo o qual os devedores pagavam suas dívidas com suas próprias vidas para o âmbito patrimonial.

As evoluções continuaram e, dessa forma, surgiram institutos para resguardar ainda mais o direito e os bens daqueles que não eram responsáveis diretos com aquela dívida, surgindo assim a proteção ao bem de família, de forma a resguardar o mínimo para a dignidade da família, evitando a tomada dos bens necessários para a sua subsistência.

Inicialmente, devemos entender o que é família e podemos dizer que nos moldes da nossa Constituição Federal de 1988, determina no art. 226 que família é à base da sociedade, constituída pelo casamento, mas que também reconhece a união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, assim como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Neste sentido, Lobo (2009, p.02) conceitua família:

“Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins).”

Contudo, recentemente a 4ª Turma do STJ admitiu o casamento de homossexuais ou homoafetivos, e dessa forma, temos no mundo jurídico mais um instituto familiar, pois de fato este existe desde os primórdios dos tempos.

Sendo assim, diremos que família é a reunião de pessoas com laços afetivos ou sanguíneos que buscam apoio recíproco para a realização pessoal, dessa forma: o casamento, a união estável de heterossexuais e de homoafetivos, a família monoparental, família substituta, ou até mesmo, os solteiros, viúvos, e divorciados, todos devem ser considerados família para os fins de impenhorabilidade dos bens. É a determinação do STJ, neste julgado abaixo transcrito:

“PROCESSUAL – EXECUÇÃO – IMPENHORABILIDADE – IMÓVEL – RESIDÊNCIA – DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO – LEI 8.009/90.
A interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário.” (RESP 450989/RJ, STJ, 3ª Turma, DJ de 07.06.2004, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros) (negrito nosso).

No Brasil, o bem de família foi incluído inicialmente no Código Civil de 1916 entre artigos 70 e 73 e no Código atual nos artigos 1711 a 1722 e posteriormente regulou-se através da Lei nº 6.015/73, que trata dos Registros Públicos. E só em 29 de março de 1990, foi promulgada uma lei específica sobre a impenhorabilidade do bem de família, a Lei nº 8.009/90 e em seu art. 1° explica por si só o que é bem de família impenhorável:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.”

Nesse sentido, o objeto da impenhorabilidade é a propriedade, seja imóvel rural ou urbano, destinada à moradia da entidade familiar; livre de qualquer ameaça por dívidas à execução; compreendendo além da casa – imóvel – os móveis que nela encontrarem-se, embora essa já seja uma determinação do CC/2002 no art. 649 que trata dos bens absolutamente impenhoráveis, em seu inciso II, e ademais a lei exclui os veículos e obras de arte, mesmo que sejam classificados como bens móveis por não pertencerem a um padrão médio de vida.

No caso da família que possui vários bens residenciais e que todos são coabitados pela família, só será gravado com a impenhorabilidade o bem de menor valor, por determinação do parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8009/90, mas o próprio artigo faz ressalva que outro bem poderá ser impenhorável, caso tenha sido registrado no Registro de Imóveis com essa determinação.

Entretanto, o atual Código Civil no art. 1.711, estipulou que o bem não pode transcender 1/3 do patrimônio líquido do adquirente, no instante da aquisição do bem como bem de família, sendo mais rígido que o Código Civil 1916 não havia limite de valor para tal instituição, e os cônjuges podiam, livremente, eleger o imóvel de maior valor para que o mesmo ficasse isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição.

Contudo essa proteção cessa em algumas situações determinadas por lei. E estas dívidas ou situações que poderão atacar a impenhorabilidade, serão aquelas dispostas no art. 3°, da lei em estudo – Lei nº 8.009/90:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II- pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação;”

Podemos constatar que as exclusões pontuadas pelo art. 3º, de forma geral são advindas de três situações, primeiro por dívidas contraídas pelo próprio bem: inciso I – exemplo o não pagamento dos salários do motorista particular da casa, inciso II – se o devedor financiou sua casa em um banco, caso não pague o banco poderá expropriar a mesma, e por fim o inciso IV – aquele que é devedor de IPTU, por exemplo, pode ter seu bem penhorado.

A segunda situação é decorrente do confronto de proteção de bens jurídicos diversos, em que o legislador protegeu nesse momento o alimentante – inciso III, e aquele que deve ser indenizado por sentença criminal – inciso VI, podemos citar, por exemplo, que o devedor de pensão alimentícia, os avós do alimentado, por exemplo, poderá ver sua residência penhorada, situação esta também determinada pelo Código Civil atual; assim como aquele que adquiriu bens mesmo que de família de forma ilícita, sonegando impostos, também terá seu bem penhorado.

A terceira situação será aquela que voluntariamente o devedor dispõe seu bem de família e que dessa forma, assume o risco de caso não cumpra com a obrigação ou o terceiro terá o seu bem penhorado, são os casos dos incisos V e VII, pois resta claro que nessas situações o devedor que dar como garantia seu bem para contrato hipotecário e aquele que é fiador em contrato de locação o fez por livre e espontânea vontade, diferentemente daquele que por motivos outros não pagou os impostos do imóvel familiar.

2.1. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 8.009/90

A lei referida foi promulgada no dia 29/03/90, entrando em vigor na mesma data, foi originada através da Medida Provisória nº. 143 08/03/1990. Nesse sentido, temos algumas críticas ao surgimento da referida lei por meio de medida provisória, tendo por base que o conteúdo da lei não atende aos requisitos de relevância e urgência que exige a elaboração de uma medida provisória, conforme expressa determinação do art. 62 da CF/88; existem muitos outros temas que até hoje não foram analisados pelo legislativo. Sendo esse um dos motivos que revela a inconstitucionalidade formal da Lei 8009/90. Conforme art. 62. “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias”. (CRFB/1988)

Embora não tenha sido essa a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que entende que a constitucionalidade da referida lei:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À PENHORA E À EXECUÇÃO. LEI 8.009/90. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. MP. REQUISITOS DE URGÊNCIA. IMPENHORABILIDADE. 1. Não é inconstitucional a MP 143/90, que foi convertida na Lei 8.009/90, pois o requisito de urgência restou avaliado pelo Presidente da República, confirmado pelo Congresso Nacional, sem impugnação consistente em sede judicial, capaz de elidir a presunção de constitucionalidade do ato. TRF, 3ª R., Ap. 259051, rel. Carlos Muta, p. 10.03.2004.”

Inicialmente podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos valores fundamentais do ordenamento brasileiro, disposto no primeiro artigo da nossa Carta Magna, que abrange a tutela dos múltiplos aspectos da pessoa como o nome, imagem, privacidade, honra; além de garantir meios materiais razoavelmente necessários e não apenas mínimos para o pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao pleno exercício dessa dignidade.

E ao tratarmos especificamente do direito à moradia, pelo qual mereceu uma Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, para fazer inserir no art. 6º da CF/88 – rol dos direitos sociais – com aplicação direta e imediata para exaltar a importância da habitação que é um dos requisitos inerentes à formação e ao desenvolvimento da personalidade humana.

2.2APRECIAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DOS INCISOS I E VII DO ART. 3º DA LEI Nº 8.009/90

As críticas recaem principalmente sobre os incisos I e VII, pois devemos refletir que o inciso I que trata da penhorabilidade do bem de família que poderá se dá por dívidas trabalhistas e previdenciárias dos trabalhadores na própria residência, podemos concluir, portanto, que aquele que estiver inadimplente com seus empregados domésticos, tendo em vista as características peculiares dessa classe, determinadas pela Lei nº 5.859/72, que conceitua empregado doméstico em seu artigo primeiro como sendo aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial.

Portanto, deve-se observar que até mesmo uma enfermeira ou médico, pertencerão a esta classe caso enquadrem-se nesses requisitos, e o que podemos constatar é que uma pessoa que possui uma empresa, por exemplo, um hospital, o empregador desse hospital não terá sua casa penhorada por não pagar os salários dos funcionários, mas aquele que tem um funcionário, mas sua atividade não é lucrativa arca com tal ônus, é uma disparidade sem tamanho.

A discussão insere-se em duas questões quanto à análise do inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90, pela quais se a prevalência deverá ser da liberdade individual e constitucional de alguém ser ou não fiador, e consequentemente arcar com essa respectiva responsabilidade, ou deve ter prevalência o direito social à moradia, previsto na Constituição.

Essa exceção aos bens impenhoráveis surgiu através do art. 82 da Lei 8.245/91, Lei do Inquilinato, determinando que se o inquilino que não pagar os aluguéis ou demais encargos, e não tiver como pagar, o fiador será responsabilizado, e seu bem de família poderá ser penhorado; essa regra enseja diversas discussões confrontando o sistema de valores onde os direitos constitucionais baseado na dignidade da pessoa humana sobrepõem o direito material da lei do inquilinato, alguns até afirmam que a Constituição Federal não recepcionou o inciso VII por confrontar diretamente com o art. 6º da CF/88, que através da EC nº 26 acrescentou o direito à moradia. E ademais, por ser uma lei infraconstitucional não tem o condão de sobressair ao direito constitucional razão por qual, tal vertente encontra-se na esfera da inconstitucionalidade.

E nesse sentido foi à decisão monocrática do Ministro Carlos Velloso, recentemente pronunciada em sede de recurso extraordinário em curso perante o Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:

“Em trabalho doutrinário que escrevi ''Dos Direitos Sociais na Constituição do Brasil'', texto básico de palestra que proferi na Universidade de Carlos III, em Madri, Espanha, no Congresso Internacional de Direito do Trabalho, sob o patrocínio da Universidade Carlos III e da ANAMATRA, em 10.3.2003, registrei que o direito à moradia, estabelecido no art. 6º, C.F., é um direito fundamental de 2ª geração – direito social que veio a ser reconhecido pela EC 26, de 2000.

O bem de família – a moradia do homem e sua família – justifica a existência de sua impenhorabilidade: Lei 8.009/90, art. 1º. Essa impenhorabilidade decorre de constituir a moradia um direito fundamental.

Posto isso, veja-se a contradição: a Lei 8.245, de 1991, excepcionando o bem de família do fiador, sujeitou o seu imóvel residencial, imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, à penhora. Não há dúvida que ressalva trazida pela Lei 8.245, de 1991, inciso VII do art. 3º feriu de morte o princípio isonômico, tratando desigualmente situações iguais, esquecendo-se do velho brocardo latino: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio, ou em vernáculo: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Isto quer dizer que, tendo em vista o princípio isonômico, o citado dispositivo inciso VII do art. 3º, acrescentado pela Lei 8.245/91, não foi recebido pela EC 26, de 2000" (STF, Recurso Extraordinário, RECORRENTES: ERNESTO GRADELLA NETO E OUTRA. RECORRIDA: TERESA CANDIDA DOS SANTOS SILVA. EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR. IMPENHORABILIDADE)”. (negrito nosso)

Porém, este não é o entendimento majoritário na jurisprudência, ou seja, a penhora do bem de família do fiador decorrente de contrato de locação é plenamente legal, os juristas que a defendem afirmam que o Principio da Isonomia não é atingido, pois não há nem mesmo igualdade entre fiador e locatário, pois suas naturezas jurídicas são diversas. O Ministro Cezar Peluso defende a constitucionalidade da referida exceção e afirma que eliminar tal técnica seria como romper o equilíbrio do mercado e sendo assim outras garantias teriam que existir e poderiam ser mais custosas quando no ato de locar.

E segue no mesmo sentido a decisão que o Ministro Cezar Peluso relator do Recurso Extraordinário n.º 407.688, STF, decidido em 08 de fevereiro de 2006:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO 407.688-8 SÃO PAULO

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.” (negrito nosso)

Dessa forma, resta claro que o bem de família é, em regra, impenhorável que antes mesmo da Lei nº 8.009/90 já era previsão do Código Civil e por isso, é motivo de críticas, pois não há justificativa para sua edição por medida provisória, e ademais seu conteúdo enseja discussão quanto à constitucionalidade devido à confrontação de alguns princípios que são à base do nosso ordenamento.

3 O MÍNIMO EXISTENCIAL COMO NÚCLEO INTANGÍVEL DO MÍNIMO PATRIMONIAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A noção de mínimo existencial é tema relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição como um dos fundamentos da ordem constitucional, na visão de Paula de Barcellos (2008) o mínimo existencial corresponderia a um elemento constitucional essencial, pelo qual se deve garantir um conjunto de necessidades básicas do indivíduo.

Sarlet e Figueiredo (2008, p.22) observam que não devemos confundir conteúdo do mínimo existencial com o “mínimo vital” ou “mínimo de sobrevivência”, pois a garantia de sobrevivência física do homem não significa necessariamente a manutenção da vida em condições dignas, com qualidade; entretanto, não é impossível estabelecer um rol de elementos nucleares do mínimo existencial, há análise será feita a partir das necessidades de cada pessoa e seu núcleo familiar.

Entrelaçado com o mínimo existencial tem a reserva do possível que para alguns doutrinadores é como elemento interno de restrição à efetividade do direito e para outros é elemento externo de restrição. Flávio Galdino, em sua obra A Legitimação dos Direitos Humanos (2002) considera a reserva do possível como integrante dos direitos fundamentais, na medida em que considera a escassez de recursos financeiros não como um elemento de restrição à efetividade do direito fundamental, mas sim como uma condicionante da própria existência do direito.

Em sentido contrário, Sarlet e Figueiredo (2008, p.30) enquadram a reserva do possível como elemento integrante dos direitos fundamentais como uma espécie de limite jurídico e fático podendo até representar uma garantia, a transcrição dos esclarecimentos dos autores:

“Por outro lado, não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja elemento integrante dos direitos fundamentais, como se fosse parte de seu núcleo essencial ou mesmo como se estivesse enquadrada no âmbito do que se convencionou denominar de limites imanentes dos direitos fundamentais. A reserva do possível constituiu, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.”

Então podemos afirmar que a garantia patrimonial mínima é inerente à pessoa humana e integrante aos atributos pertinentes à própria condição humana, portanto, trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna e sua proteção está acima do interesse dos credores, fundamentando-se no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Contudo, os princípios estão sendo relativizados, mas um princípio nuclear como o é da dignidade da pessoa humana não pode haver transigência; é como afirmava Kant todas as vezes que o homem for tratado como meio e não como um fim em si mesmo, através de qualquer prática que instrumentalize poderá ser desprezado da sua condição humana.

Ademais, a jurisprudência pátria vem reconhecendo, nas mais diversas matérias, a existência de um mínimo existencial que deve ser garantido à pessoa para que esta possa ter uma vida digna, como se pode vislumbrar através do julgado abaixo transcrito:

“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA NULA. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. DEMONSTRAÇÃO. ART. 1°, LEI 8.009/90. MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. O tema em debate, no âmbito do recurso interposto pelos embargantes, diz respeito à suposta nulidade da penhora realizada sobre imóvel residencial, em clara violação ao disposto no art. 1°, da Lei n° 8.009/90, ou seja, a impenhorabilidade do bem de família. 2. (…) 3. Não há dúvida quanto à incidência do disposto no art. 1°, da Lei n° 8.009/90, relativamente à impenhorabilidade do bem de família, eis que, em última análise, vem a tutelar o mínimo existencial da pessoa humana na dimensão relacionada à sua moradia. Não poderia ter sido penhorado o bem imóvel residencial, o que demonstra a nulidade do ato de penhora, razão pela qual efetivamente deveriam ter sido acolhidos os embargos à execução, com a declaração de nulidade da penhora. 4. Apelação provida.” (AC 139684, Proc. nº 9702168341, Rel. Des. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, TRF 2, 6ª T. Esp., DJU 25/03/2009, p. 261)

3.1 A FUNÇÃO SOCIAL DO PATRIMÔNIO

Diante do prisma da dignidade da pessoa humana aplicado simultaneamente com a função social, teremos a funcionalização patrimonial, evidenciando dessa forma, o alcance da dignidade da pessoa humana; constataremos, portanto que os bens patrimoniais já não são mais tratados isoladamente como ocorreu no período iluminista ou na revolução industrial ou até mesmo em períodos anteriores, mas sim vinculados a preservar a dignidade das condições de vida do seu proprietário.

Com o advento dessa nova forma de visão sobre os bens patrimoniais abre-se um cenário chamado pela doutrina de repersonalização do direito civil ou despatrimonialização das relações jurídicas que saem da esfera apenas econômica e adentra no âmbito de promover a dignidade humana. Porém essas transformações não significarão que o devedor usará de má-fé, pois a proteção do bem recairá apenas na parcela do patrimônio que atende as necessidades básicas do devedor, garantindo o mínimo para que possa reerguer-se.

Foi nesse sentido a decisão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, reafirmando que a proteção recai sobre bens necessários a favorecer a família o mínimo necessário para sobrevivência:

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.018.635 – ES (2007/0307761-0)

RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO DO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL, CASO TENHA SIDO PROPICIADO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA, COM REGULAR E COMPLETA INSTRUÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. PENHORA DE 50 % DE IMÓVEL RURAL, CUJA ÁREA TOTAL CORRESPONDE A 8,85 MÓDULOS FISCAIS. VIABILIDADE.

1. […]

2. À míngua de expressa disposição legal definindo o que seja pequena propriedade rural, no que tange à impenhorabilidade do bem de família, prevista no artigo 5º, XXVI, da Constituição

Federal, é adequado se valer do conceito de "propriedade familiar" extraído do Estatuto da Terra. Precedente do STF.

3. O módulo fiscal, por contemplar o conceito de "propriedade familiar" estabelecido pelo Estatuto da Terra como aquele suficiente à absorção de toda a força de trabalho do agricultor e de sua família, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, atende também ao preceito da impenhorabilidade da pequena propriedade rural, previsto no artigo 649, VIII, do Código de Processo Civil. Precedentes do STJ.

4. Recurso especial parcialmente provido, apenas para resguardar da penhora a sede de moradia da família”. (grifo nosso)

A teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo ultrapassa a seara do devedor pessoa física e adentra no âmbito das pessoas jurídicas insolventes/devedoras, na vertente de que o binômio possibilidade-necessidade aqui também existirá no sentido da possibilidade da preservação da empresa e a necessidade de arrecadação do Estado. Essa proteção existe pelo fato de que essa empresa é uma fonte geradora de empregos que mantém famílias por intermédios dos seus salários, por isso deverá manter-se em funcionamento para exercer sua função social empresarial e respeitar por consequência o princípio da dignidade da pessoa humana.

E nesse interesse de proteção, alguns estudiosos sugerem que haja mudanças na Lei Federal nº. 6.830/1980, em especial no instituto da penhora fiscal uma modificação não em sua essência, mas em seu método, isto é, na maneira em que ela é procedida no ordenamento jurídico, pois o art. 9º da referida lei dá quatro opções ao executado:

Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II – oferecer fiança bancária;

III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou,

IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.

Desta forma, a sugestão dos doutrinadores é a manutenção do caráter optativo do devedor pela modalidade de depositar em juízo ou depositar no banco e, quando o executado optar por uma das duas primeiras hipóteses do art. 9º da LEF, seja, pois, depositado apenas o valor originário do débito e suas atualizações, deixando, para final julgamento dos embargos, e o depósito do restante do valor das multas e demais consectários.

4 O BEM DE FAMÍLIA A LUZ DO STJ

Recentemente o STJ deparou-se com uma controvérsia que até o momento não havia precedentes específicos sobre o tema: a situação de a constrição recair sob imóvel de alto valor localizado em bairro nobre e a indagação é se nessa situação iria ser protegido pela impenhorabilidade legal, tendo o STJ estendido a proteção para tais casos, no Recurso Especial julgado em São Paulo:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA. ATO. GOVERNO LOCAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTES.

1. […]

3. O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei 8.009⁄90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública, de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à residência ao devedor e a sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula familiar.

4. Ainda que valioso o imóvel, esse fato não retira sua condição de serviente a habitação da família, pois o sistema legal repele a inserção de limites à impenhorabilidade de imóvel residencial.

5. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido. RECURSO ESPECIAL Nº 715.259 – SP (2005⁄0000624-9) Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado 5/8/2010.” (grifo nosso).

Outra situação julgada recentemente foi à concessão da impenhorabilidade de bem quando a genitora do devedor reside no imóvel, estabelecendo o direito de moradia imposto pela Constituição Federal, desdobramento da própria dignidade da pessoa humana. A concessão da proteção de impenhorabilidade foi justificada também pela necessidade de amparo a mãe idosa ser membro da entidade familiar e sendo merecedora da extensão dessa proteção:

“EMENTA: PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO. LEI 8.009⁄90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NÃO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL.

1. A Lei 8.009⁄1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF⁄1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.

2. […]

3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009⁄1990.

4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ.

5. Recurso especial não provido.” REsp 950.663-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/4/2012.

O fato de a entidade familiar não utilizar o único imóvel como residência não descaracteriza a proteção da impenhorabilidade dada ao bem de família, mas é necessário que o imóvel seja utilizado em proveito desta, como por exemplo, no caso de locação com o fim de garantir o sustento da entidade familiar. Porém, os imóveis comprovadamente desabitados não receberão esta proteção.

No caso do julgamento abaixo o recorrente devedor não realizou nenhuma prova de que o bem penhorado tinha finalidade de proveito para a família, e dessa forma teve sua pretensão não acolhida:

“EMENTA: PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211⁄STJ. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DESOCUPADO.

1. […].

2. […].

3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o fato de a entidade familiar não utilizar o único imóvel como residência não o descaracteriza automaticamente, sendo suficiente à proteção legal que seja utilizado em proveito da família, como a locação para garantir a subsistência da entidade familiar.

4. Neste processo, todavia, o único imóvel do devedor encontra-se desocupado e, portanto, não há como conceder a esse a proteção legal da impenhorabilidade do bem de família, nos termos do art. 1º da Lei 8.009⁄90, pois não se destina a garantir a moradia familiar ou a subsistência da família.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. REsp 1.005.546-SP, Rel. originário Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/10/2010.” (grifo nosso)

Nesse sentido, podemos perceber que os julgamentos poderão desencadear uma série de indagações quando da aplicação da lei, pois pode parecer injusto quando é julgada procedente a impenhorabilidade de bem luxuoso e a penhorabilidade de único imóvel de fiador de contrato de locação, conforme dispõe o artigo 3º da Lei nº 8.009/90, mesmo que esse bem seja único (frisa-se) e de família e não seja ele o devedor.

É nessa perspectiva que muitos doutrinadores afirmam que o Projeto de Lei nº 51/06, instituído para estabelecer um valor para que o bem de família fosse assim caracterizado e protegido pela lei, e que foi rejeitado, sob o argumento de quebrar o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família; mas é uma camuflagem para fraudar aos credores, moldando-se pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles, o da dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos constatar que o sistema capitalista é o impulsionador de todas essas medidas tratadas no presente estudo, pois foi no capitalismo que desencadearam as relações mercantis, políticas e de poder; e exatamente sobre as relações obrigacionais advindas de forma geral, das comerciais, que surgiram credor e devedor; e no descumprimento da obrigação nasce a presença do Estado, para tentar dirimir os conflitos.

É notória a transformação da forma como o homem passou a tratar o instituto da execução e a tendência é que essa evolução aconteça de forma ainda mais célere, como analisamos através do processo da penhora on line que apenas um clic o devedor terá a restrição de seu bem.

Não estamos mais no sistema imperialista romano, em que as leis eram ditadas pelos reis, o direito contemporâneo reclama pela superação da dicotomia antiga e das rígidas fronteiras entre o público e o privado, hoje temos um processo democrático que, em tese, vislumbra acima de tudo a dignidade do homem, impondo o reconhecimento de ideias clássicas e dessa forma, aplica a lei ao caso concreto da forma mais digna possível, não podendo haver flexibilização, nem relativização e, sempre resguardando um mínimo de patrimônio que garanta uma vida digna a cada um dos cidadãos que estejam diante de uma expropriação.

Diante disso essas medidas estruturantes poderão ser de dimensão preventiva ou defensiva, e em muitos casos as duas dimensões serão usadas para garantir a dignidade humana, e servindo como contrapeso à ordem capitalista numa visão constitucional. Tais construções devem ser entendidas como instrumentos de emancipação social, sem o qual mais distante estaria a ideia de dignidade de todos na sociedade, sendo portanto, a realização de uma sociedade livre, justa e solidária.

Embora, percebamos que a dignidade de determinado cidadão pode ser exaltada em prejuízo a dignidade do outro, a exemplo de um devedor ter um imóvel luxuoso que não pode ser penhorado por ser bem de família, tendo sido essa a decisão da 3ª Turma do STJ, recentemente, baseados no respeito à instituição familiar e direito à moradia. Mesmo porque sabemos que a correta promoção da justiça seria o devedor vender o bem, adimplir a sua dívida, e morar em residência mais modesta.

Dessa forma, a razão de ser do Estado- juiz é almejar as melhores alternativas, vislumbrando ser mais justo e impessoal possível, promovendo a verdadeira dignidade da pessoa humana.

 

Referências bibliográficas:
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Informações Sobre os Autores

Luana Matias Alves de Sousa

Acadêmica de Direito pela FAC/CG

Daniel Ferreira de Lira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor de cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante e Palestrante


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Equipe Âmbito Jurídico

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