Resumo: Um dos aspectos mais proeminente do Direito, enquanto ciência, está intimamente atrelado ao seu progressivo e constante aspecto de mutabilidade, albergando em seu âmago as carências da sociedade, as realidades fática que possuem o condão de motivar a renovação do sedimento normativo. Neste aspecto, cuida salientar que o instituto civil da usucapião rememora à Lei das Doze Tábuas, de 455 antes de Cristo, sendo um instrumento direcionado para a aquisição da propriedade, quer seja de bens móveis, quer seja de bens imóveis. Para tanto, o único requisito observado concernia a posse continuada por um (annus) ou dois anos (biennun). Como maciço exemplo da progressiva evolução da Ciência Jurídica, mister se faz uma análise do instituto da usucapião pro-família, introduzido no Ordenamento Jurídico, por meio do art. 1-240-A, o qual inaugura um novo instituto, com desdobramentos maciços.
Palavras-chaves: Usucapião Pro-Família. Aquisição Originária. Propriedade.
Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 Usucapião: Abordagem Histórica; 3 Usucapião: Abordagem Conceitual do Tema; 4 Da Usucapião Pro-Família: Aspectos Caracterizadores
1 Considerações Iniciais
Em linhas inaugurais, ao se dispensar uma análise ao tema central do presente, necessário se faz examinar a Ciência Jurídica, assim como suas múltiplas e distintas ramificações, a partir de um viés norteado pelas relevantes modificações que passaram a permear o seu arcabouço teórico-doutrinário, bem como sua sedimento normativo. Nesta perspectiva, valorando os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a emoldurar o Direito, é plenamente possível grifar que não subsiste a visão na qual a ciência ora aludida era algo pétreo e estanque, indiferente à gama de situações produzidas pela coletividade, enquanto elemento de convívio entre o ser humano. Como resultante do acinzelado, infere que não mais vigota a imutabilidade dos cânons que outrora orientavam o Direito, o aspecto estanque é achatado pelos anseios e carências vivenciados pela sociedade.
Ainda nessa trilha de exposição, “é cogente a necessidade de adotar como prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Com efeito, a utilização da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como axioma maior de sustentação é mecanismo proeminente, quando se tem, como objeto de ambição, a adequação do texto genérico e abstrato das normas, que integrem o arcabouço pátrio, às nuances e complexidades que influenciam a realidade moderna.
Ao lado disso, há que se citar o voto magistral proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Com grossos traços e cores fortes, prossegue o eminente Ministro Eros Grau abordando que:
“É do presente, na vida real, que se toma as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida — e vida é movimento. Assim, o significado válidos dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos”[3].
Ao lado do esposado, quadra negritar que a visão pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Por necessário, há que se citar o entendimento de Verdan (2009), “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.
Gize-se, por necessário, a brilhante manifestação apresentada pelo Ministro Marco Aurélio, que, ao abordar acerca das linhas interpretativas que devem orientar a aplicação da Constituição Cidadã, expôs:
“Nessa linha de entendimento é que se torna necessário salientar que a missão do Supremo, a quem compete, repita-se, a guarda da Constituição, é precipuamente a de zelar pela interpretação que se conceda à Carta a maior eficácia possível, diante da realidade circundante. Dessa forma, urge o resgate da interpretação constitucional, para que se evolua de uma interpretação retrospectiva e alheia às transformações sociais, passando-se a realizar a interpretação que aproveite o passado, não para repeti-lo, mas para captar de sua essência lições para a posteridade. O horizonte histórico deve servir como fase na realização da compreensão do intérprete”[5].
Nesta toada, os princípios jurídicos são erigidos à condição de elementos que trazem em seu âmago a propriedade de oferecer uma abrangência ampla, contemplando, de maneira única, as diversas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Em razão do esposado, tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[6]. Percebe-se, a partir da teoria em testilha, que os dogmas jurídicos são desfraldados como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Civilista da Ciência Jurídica, mormente o princípio da função social da propriedade, no que pertine ao instituto da usucapião e seus múltiplos desdobramentos.
2 Usucapião: Abordagem Histórica.
In primo loco, cuida argumentar que o instituto civil da usucapião rememora q Lei das Doze Tábuas, de 455 antes de Cristo, como bem anota Farias & Rosenvald[8], afigurando-se como instrumento empregado para a aquisição da propriedade, quer seja de bens móveis, quer seja de bens imóveis. Para tanto, o único requisito observado implicava na posse continuada por um (annus) ou dois anos (biennun). O primeiro prazo era destinado a móveis e outros direitos (coeterum rerum), ao passo que o segundo prazo era aplicado aos imóveis (fundi)[9]. Guarda harmonia como o expendido os ensinamentos de Madeira[10], ao lecionar sobre a Sexta Tábua, dicciona que “além de diversas outras disposições, estabelece tal tábua o prazo de dois anos para usucapir bens imóveis e de um ano para o usucapião de bens móveis (VI.5)”.
Com efeito, há que se salientar que, durante o período da vigência da Doze Tábuas Romanas, a aquisição da propriedade estava restrita aos cidadãos romanos, ou seja, “somente o cidadão romano podia adquirir a propriedade; somente o solo romano podia ser seu objeto, uma vez que a dominação nacionalizava a terra conquistada”[11]. Com o passar dos séculos, as fronteiras do Império Romano são expandidas, quando começa a se observar o alargamento da possibilidade de usucapir, vez que o possuidor peregrino, consoante preleciona Farias & Rosenvald[12] destacam, passam a ter acesso ao instituto em comento, o qual passa a figurar como uma espécie de prescrição.
Desta feita, vislumbra-se um instrumento de exceção (excepitio), cujo pilar de sustentação tange à posse por longo tempo da coisa, atentando-se para os prazos de 10 (dez) e 20 (vinte) anos. Neste sentido, “o legítimo dono não mais teria acesso à posse se fosse negligente por longo prazo, mas a exceção de prescrição não implicava perda da propriedade”.[13] Assim, ainda que o peregrino pudesse valer-se da exceção, o que já se revelava um avanço no pensamento da época no que pertine à concepção de cidadão e peregrino/estrangeiro, esta não tinha o condão de retirar o domínio do proprietário negligente. Neste sentido Ferreira[14] destaca:
“Os dois institutos (usucapio e praescriptio) passaram a coexistir. O primeiro só vigorou para os peregrinos e também quanto aos imóveis provinciais a partir de 212; o segundo (longi temporis) teve vigência desde o ano de 199, sendo que a diferença entre ambos era quanto ao prazo – ano e biênio para a usucapio, dez anos (para os presentes – inter praesentes) e vinte anos (para ausentes – inter absentes) para a praescriptio. O prazo foi aumentado devido à grande extensão do império romano. Essa prescrição de longo tempo foi estendida aos imóveis provinciais e coisas móveis, e constituía um meio de defesa processual – praescriptio, isto é, uma prescrição extinta da ação reivindicatória.”
Justiniano, em 528 depois de Cristo, funde em um único instituto a usucapio e a praescriptio, vez que, em decorrência a própria evolução do Direito Romano e dos instrumentos ora aludidos, não mais se observava diferenças entre a a propriedade civil (objeto da usucapio) e a pretoriana (passível de praescriptio). Houve, desse modo, a unificação dos institutos em um único, denominado usucapião, possibilitando ao possuidor de longo tempo (longi temporis) a utilização ação de cunho reivindicatório, com o escopo de obter a propriedade e não uma mera a exceção, contrapondo-se ao que ocorria no instituto da praescriptio.
Em decorrência da evolução do Direito Romano, constata-se que a usucapião, de maneira simultânea, se converteu em modo de perda e aquisição de propriedade, razão pela qual é chamada de “prescrição aquisitiva”. Logo, em razão da fusão dos institutos, verifica-se que a praescriptio passa a se desdobrar em dois instrumentos distintos: “a primeira de caráter geral destinada a extinguir todas as ações e a segunda, um modo de adquirir, representado pelo antigo usucapião. Ambas as instituições do mesmo elemento: a ação prolongada do tempo”[15]. Trata-se de instituto que passou a gozar de rotunda relevância no Direito.
3 Usucapião: Abordagem Conceitual do Tema
Com o escopo de sedimentar bases sólidas acerca do instituto em estudo, quadra trazer à baila as noções conceituais, doutrinariamente, estruturadas acerca da usucapião. Pois bem, como se infere dos argumentos algures apresentados, o instituto da usucapião afigura-se como instrumento que tem o condão de dar azo à aquisição da propriedade, em razão da posse continuada, no decorrer de determinado defluxo de tempo, sendo, para tanto, imprescindível a observação dos requisitos acinzelados pelo arcabouço jurídico pátrio.
Complementando tal ótica, pode-se destacar, com grossos traços, que “a prescrição é modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais”[16]. Em substrato similar, leciona Rodrigues[17] que a usucapião é “modo originário de aquisição de domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei” (usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit).
4 Da Usucapião Pro-Família: Aspectos Caracterizadores
Tendo como pilares de ponderação as bases ideológicas trazidas à baila alhures e como fruto da própria evolução do Direito, constata-se que o novel instituto denominado de usucapião pro-família, nomeado também de usucapião familiar ou por abandono de lar, foi introduzido por meio da Lei Nº. 12.424[18], de 16 de junho de 2011, acresceu o artigo 1.240-A à Lei Substantiva Civil. Infere-se, em um primeiro momento, que o um instituto em tela decorre dos anseios da sociedade, buscando, precipuamente, ofertar uma resposta ao cônjuge/companheiro abandona, assim como colocar termo a uma situação que prosperava, quando havia os términos dos relacionamentos conjugais, a manutenção de um condomínio, mesmo que houvesse a perda de contato. Pois bem, com efeito, há que se citar a redação do dispositivo em comento, que foi responsável por introduzir maciças modificações ao instituto da usucapião no Direito Civil:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§2o (VETADO)”[19].
Em uma primeira plana, cuida salientar que o dispositivo supramencionado traz em seu bojo uma nova modalidade de usucapião, apresentando, inclusive, os requisitos a serem observados, para que reste consubstanciada a espécie em testilha. Em verdade, há que se grifar que o rol apresentado no artigo 1.240-A em muito se assemelha a espécie urbana do instituto em destaque, com fito de moradia. Nesta senda, pode-se enumerar como requisitos a posse ininterrupta, sem oposição do ex-cônjuge/ex-companheiro, de área urbana de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), destinada à moradia do usucapiente ou de sua família, por alguém que não possua outro imóvel, urbano ou rural, e que não tenha adquirido imóvel através de sentença declaratória de usucapião em mesma espécie.
Além disso, quadra colocar em destaque que os aspectos diferenciadores do novel instituto introduzido no Ordenamento Brasileiro dos demais já previstos alicerça-se no período exigido, bem como na característica peculiar do imóvel ser de propriedade do casal. Constata-se que o lapso temporal apresentado pelo legislador revela-se exíguo, quando comparado às demais modalidades estabelecidas na Lei Substantiva Civil e leis extravagantes. Em ressonância, há que se citar que a usucapião pro-família “difere, no entanto, no requisito tempo que na usucapião familiar é de dois anos (sendo de cinco anos para a usucapião pro moradia) e na característica do imóvel usucapienda: a propriedade deve ser do casal”[20]. Em mesmo sentido, Tartuce leciona, com bastante propriedade, que:
“A principal novidade é a redução do prazo para exíguos dois anos, o que faz com que a nova categoria seja aquela com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de bens móveis (o prazo menor era de três anos). Deve ficar claro que a tendência pós-moderna é justamente a de redução dos prazos legais, eis que o mundo contemporâneo exige e possibilita a tomada de decisões com maior rapidez.”[21]
Denota-se, a partir das ponderações esposadas até o momento, que o requisito positivado no Diploma Civilista alberga em seu bojo, como objetivo precípuo, permitir que o companheiro ou o cônjuge, que permaneceu no imóvel, obtenha o domínio pleno, após o decurso do biênio, a contar do abandono do lar pelo outro consorte, fulminando, por conseguinte, com a situação de condomínio em relação ao imóvel. Quadra salientar que a concepção de abandono do lar consiste no ato voluntário de saída do domicílio conjugal, bem como a ausência de consentimento do outro cônjuge e o decurso de tempo. Insta frisar que a modalidade em testilha se restringe a tão-somente o imóvel pertencente ao casal, devendo, com efeito, a ação ser aforada por um dos ex-companheiros ou ex-cônjuges em face daquele que abandonou o lar.
Ora, com a introdução do artigo 1.240-A no Código Civil vigente, põem-se termo a uma pendência que decorria em razão do término dos relacionamentos conjugais, notadamente quando havia a perda de conta entre os ex-cônjuges/ex-companheiros, consistente na impossibilidade do possuidor exercer todos os poderes inerentes à propriedade, a saber: usar, fruir e dispor, este último em especial. Gize-se, por necessário, que o comando entalhado no artigo 1.240-A compreende tanto cônjuges ou companheiros, incluindo-se as relações homo-afetivas, conforme interpretação estruturada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, como entidade familiar, equiparada à união estável.
No mais, há que se anotar que a pretensão social a que se destina o dispositivo acrescido impõe uma interpretação do abandono do lar jungida à partir da função social da propriedade e não associada ao ideário de culpa pela dissolução do vínculo existente. “Ou seja não é de se analisar se o abandono de fato caracterizou culpa, ou se a evadir-se foi legítimo ou até mesmo urgente. Buscará apenas qual dos dois permaneceu dando destinação residencial ao imóvel e pronto, independente da legitimidade da posse e do abandono”[22]. Todavia, há entendimentos que divergem de tal ótica, considerando a usucapião pro-família como mecanismo implementado pelo legislador para punir o cônjuge/companheiro que abandonou ao lar, trazendo à baila novas discussões sobre a culpa no término do relacionamento conjugal. “Noutras palavras, o cônjuge que abandona o lar, portanto o culpado pela dissolução da sociedade conjugal, poderá sofrer uma sanção patrimonial através da perda da propriedade de sua parte no imóvel do casal, independente da fração do imóvel que lhe pertença”[23].
Outrossim, impende evidenciar que, além da ocorrência do abandono, é relevante que os cônjuges/companheiros estejam separados de fatos, pois, em havendo pedido de divórcio ou mesmo de dissolução de união estável, no biênio subsequente, resta operada a oposição em relação ao imóvel ocupado pelo abandonado. Ao lado do exposto, mister se faz arrazoar que a jurisprudência e a doutrina já vinham se posicionando no sentido de que era possível a incidência do instituto da usucapião entre cônjuges, como se percebe do entendimento a seguir:
“Ementa: Apelação Cível. Reais e Família. Usucapião entre Cônjuges. Separação de Fato. Sentença Extintiva, sem resolução de mérito. – Recurso da Autora. Possibilidade Jurídica do Pedido. Situação excepcional caracterizada. Alegado abandono da família e patrimônio pelo marido há mais de 20 anos. Prescrição e prazo para o usucapião. Naturezas jurídicas distintas. Inaplicabilidade literal do art. 168, I, do CC/16 ou art. 197, I, do CC/02. Interpretação extensiva dos dispositivos inviável. Fim da norma de suspensão não atendido. Posse aparentemente exercida exclusivamente e não em razão da mancomunhão. Carência de ação afastada. – Sentença cassada. Recurso Provido
– A considerar a natureza jurídica distinta da prescrição e do prazo para aquisição propriedade por usucapião, sendo equívoca a utilização da expressão "prescrição aquisitiva" como ensinam Clóvis Beviláqua, Caio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes, não há aplicar, em razão da interpretação literal, as causas de suspensão da prescrição previstas no art. 168, I, do CC/16 ou no art. 197, I, do CC/02.
– Não obstante se reconheça a possibilidade de aplicação extensiva dos dispositivos citados, por meio de interpretação teleológica, ao prazo da usucapião, inviável utilizar desse expediente quando, em tese, não há relação afetiva familiar ou harmonia entre as partes a serem preservadas – fim precípuo da causa de suspensão da prescrição entre os consortes.
– Nessas hipóteses excepcionais, se a posse exercida por um dos cônjuges sobre o bem não decorre da mancomunhão (como acontece, e.g., na mera tolerância do outro enquanto não realizada a partilha ou somente em razão da medida de separação de corpos), mas sim de forma exclusiva em virtude do abandono pelo esposo da família e bens há mais de 20 anos, não se vê impossibilidade jurídica do pleito de usucapião entre cônjuges.” (Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – Terceira Câmara de Direito Civil/ Apelação Cível nº 234708/ Relator Desembargador Henry Petry Júnior/ Julgado em: 11.11.2010)
À luz do expendido, pode-se anotar que as hipóteses em que o cônjuge/companheiro tem que se afastar por motivos de trabalho, a fim de obter o sustento para prover sua célula familiar, têm o condão de afastar a incidência do instituto em destaque. De igual forma, o afastamento compulsório, proveniente de uma determinação judicial, como ocorre comumente em situações de violência doméstica, não configurarão o abandono, já que há a ausência do aspecto volitivo do cônjuge/companheiro e a ausência de concordância do outro.
Nesta hipótese, inexiste o elemento subjetivo de voluntariedade do ato e a intenção de não mais retornar para a residência familiar, sem que tenha ocorrido motivo justo para tal situação. A decisão judicial que afasta o companheiro/cônjuge do imóvel suprime o aspecto subjetivo, porquanto busca resguardar a integridade física e psicológica daquele que figura como vítima, como se infere nas medidas cautelares da Lei Maria da Penha e que versa sobre a violência em âmbito doméstico. Comunga de tal entendimento Cardoso, em especial quando evidencia que “muitas vezes, deixa-se o lar para preservar a integridade física e psicológica de um dos cônjuges ou dos filhos, em virtude mesmo de decisão judicial. E sendo este um afastamento compulsório, não se pode dizer configurado o abandono”[24].
Em mesmo sentido, Tartuce pondera que “em havendo disputa, judicial ou extrajudicial, relativa ao imóvel, não ficará caracterizada a posse ad usucapionem, não sendo o caso de subsunção do preceito”[25]. Ora, não subsiste qualquer impedimento para que o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar notifique o ex-consorte anualmente, com o escopo de demonstrar o impasse existente em relação ao bem, afastando, por consequência, o cômputo do prazo. Trata-se de mecanismo apto a afastar a incidência do prazo elencado pela redação do artigo 1.240-A do Código Civil, já que há a demonstração de comportamento que ambiciona ofertar oposição ao cônjuge/companheiro abandonado que permanece no imóvel conjugal e manter o domínio.
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Notas:
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05.08.2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mar. 2012.
[3] Idem.
[4] VERDAN, 2009.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05.08.2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mar. 2012.
[6] VERDAN, 2009.
[7] TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[8] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 257.
[9] Neste sentido: FERREIRA, Marcus Vinicius Mendes. Análise Sistemática da Ação de Usucapião no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Juris Way. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[10] MADEIRA, Eliane Maria Agati. A Lei das XII Tábuas. Disponível em: <http://helciomadeira.sites.uol.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012, p. 13.
[11] MOREIRA, Tiago da Rocha. Das Diferenças entre a Prescrição Aquisitiva e a Ação de Usucapião. ViaJus. Porto Alegre. Disponível em: <http://www.viajus.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[12] FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 257.
[13] FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 257.
[14] FERREIRA, Marcus Vinicius Mendes. Análise Sistemática da Ação de Usucapião no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Juris Way. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[15] DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 142 apud FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 257.
[16] FARIAS; ROSENVALD, 2007, p. 258.
[17] RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas. v. 5. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 108.
[18] BRASIL. Lei Nº. 12.424, de 16 de junho de 2011. Altera a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, as Leis nos 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 4.591, de 16 de dezembro de 1964, 8.212, de 24 de julho de 1991, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[19] BRASIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[20] CARDOSO, Simone Murta. Uma nova modalidade de usucapião. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2.948, 28 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[21] TARTUCE, Flávio. A Usucapião Especial Urbana por Abandono do Lar Conjugal. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 18 mar. 2012, p. 02.
[22] AMORIM, Ricardo Henrique Pereira. Primeiras Impressões sobre a Usucapião Especial Urbana Familiar e suas Implicações no Direito de Família. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 18 mar. 2012, p. 03.
[23] CARDOSO, Simone Murta. Uma nova modalidade de usucapião. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2.948, 28 jul. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br>. Acesso em: 18 mar. 2012.
[24] CARDOSO, 2011.
[25] TARTUCE, Flávio. A Usucapião Especial Urbana por Abandono do Lar Conjugal. Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br>. Acesso em: 18 mar. 2012, p. 02.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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