Especialmente nos últimos seis anos, como cidadão, partícipe e analista, venho acompanhando a evolução do processo que envolve a prevenção e o combate da criminalidade transnacional e seus ilícitos conexos, principalmente na nossa região da tríplice fronteira e seus desdobramentos em todo o território nacional.
Como resultado dessa análise é possível extrair algumas conclusões importantes e que ensejam condições para novos e necessários ajustes no sentido de melhorar ainda mais os resultados visando ao combate de tal fenômeno criminoso.
Primeiramente, merece especial destaque os esforços promovidos pelo Departamento de Polícia Federal e pelas Secretarias de Segurança Pública do Estado do Paraná e Mato Grosso do Sul, que definitivamente priorizaram esta região no afã de proteger todo o povo brasileiro.
Nesse sentido, destacam-se os projetos que envolvem a implantação do projeto VANT (veículo aéreo não tripulado), a criação da FORÇA SAMURAI e da FORÇA ALFA, pela Polícia Militar do Paraná, a instalação da Delegacia da Polícia Federal em Cascavel, no Paraná, dentre outras medidas que proporcionaram a melhoria na estrutura policial na região de fronteira, com as conseqüências para a prevenção e repressão ao crime e seus malefícios que atingem toda a nação brasileira.
Por outro lado, com base no resultado em termos de apreensões e prisões, percebe-se um aumento expressivo no contrabando, descaminho, tráfico de drogas e da criminalidade decorrente, como, por exemplo, receptação e homicídio[1], dando a impressão de que os responsáveis pela prática de tais ilícitos não sofreram abalo significativo.
Então, o que poderia determinar esse resultado, se não o fomento proporcionado pela manutenção de um gigantesco e poderoso mercado a espera das cargas provenientes da prática dos delitos transnacionais para alimentar outros mercados atacadistas e varejistas em todo o Brasil.
Em sentido contrário à expectativa fundamentada no intensificado combate desenvolvido pelos agentes públicos, as primeiras conclusões indicam que a participação da população envolvida ou não com as práticas ilícitas representa verdadeiro oxigênio para a continuidade e fortalecimento do crime organizado, na medida em que proporcionam a retroalimentação financeira direta e indireta da indústria do crime, representada pelo comércio de produtos de proveniência ilícita.
Tal circunstância evidencia-se principalmente nas oportunidades em que o cidadão “de bem” compra produtos contrabandeados no atacado e no varejo, como, por exemplo, ocorre com a comercialização marginal de cigarros contrabandeados, CD’s, remédios falsificados ou de procedência não controlada, eletrônicos, dentre outros produtos.
De igual modo, com não menos ética e moral, inúmeras pessoas ajudam a “alimentar” a empresa chamada crime organizado, ao entregarem propinas a agentes públicos que deveriam impedir práticas e ilícitos administrativos, como acontece com os contrabandistas e traficantes.
Nessa linha, é importante consignar que, ao contrário do senso comum da sociedade, a compra de produtos ilícitos ou de procedência ilegal, à exceção do entorpecente, que possui regulamentação própria e que já penaliza o usuário de drogas, gera, no mínimo, a prática do crime de receptação, prevista no artigo 180, do Código Penal Brasileiro, com a seguinte previsão:
“Art. 180 – Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Receptação qualificada
§ 1º – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.
§ 2º – Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.
§ 3º – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
§ 4º – A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa…” (grifo nosso)
A prática criminosa transnacional é um fenômeno sobremaneira complexo, tornado imperioso que seu combate seja dotado de soluções criativas, flexíveis e de estratégias eficientes focando o curto, médio e longo prazo.
Nessa estratégia, é preciso ampliar o foco e indicar vetores que tenham o condão de abarcar esferas penais e extrapenais.
Nesse prisma, interessante trazer à colação o Artigo “O contrabando de cigarros e a saúde pública: uma calamidade no Brasil”, no qual destacamos a importância da priorização da análise focada na saúde pública, a par das preocupações tributárias, ao se abordar a questão do bem jurídico lesado com o contrabando e conseqüente consumo dos cigarros proveniente do ilegal ingresso no Brasil, à margem do controle sanitário brasileiro (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12819).
Voltando à questão da participação popular e seu envolvimento direto e indireto no fenômeno que envolve a criminalidade organizada transnacional, algumas iniciativas têm se mostrado viáveis no sentido de incentivar a população a não mais financiar tais organizações e, de outra mão, acabar com a passividade dos cidadãos.
Um exemplo é o Programa Informante Cidadão, projetado pela Polícia Federal em Cascavel e estruturado neste ano de 2009 em parceria com o Poder Público Municipal desta cidade e que visa, principalmente, transformar os paradigmas referentes à participação popular no combate ao crime, ou seja, respeitando-se as prerrogativas do Estado quanto à preservação da ordem pública, estimular e criar organismos que possibilitem ao cidadão condições para que saia da cômoda inação e leve ao conhecimento das autoridades públicas, mesmo que anonimato, denúncias sobre a prática de crimes[2].
De fato, uma das inspirações para estruturação deste programa é o próprio conteúdo do artigo 144, caput, da Constituição Federal, cuja análise e conclusão indicam que o cidadão deve ter um papel ativo no exercício da segurança pública:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;” (grifo nosso).
Desde o início do Programa Informante Cidadão, há aproximadamente dois meses, percebeu-se um aumento muito expressivo no número de denúncias registradas pela Polícia Federal, proporcionando condições para que esta trabalhe com mais eficiência, contando, inclusive, com o apoio da Polícia Militar, conforme vem sendo divulgado pela imprensa em geral, bem como repasse aos órgãos respectivos informações úteis para a repressão criminal.
Contudo, o que mais chama a atenção é o fato de que, a maioria das pessoas, em que pese terem resolvido denunciar em face da criação e divulgação do Programa Informante Cidadão, escolheram não receber a senha que possibilitaria, com a prisão e as apreensões decorrentes da denúncia, receber um incentivo em dinheiro pago pelo Conselho de Segurança de Cascavel, alegando que a motivação para a denúncia seria a eficaz colaboração com a polícia na prisão de criminosos e apreensão de produtos ilícitos.
Outro fato interessante é a movimentação de diversas cidades, tais como, Toledo e Campo Mourão, no Paraná, além de Chapecó, em Santa Catarina, no sentido de estruturar o mesmo programa e nos moldes do que vem sendo feito em Cascavel-PR e região.
Outro mecanismo que pode estimular a participação popular na prevenção e repressão à criminalidade é a realização de audiências públicas nas quais a sociedade, organizada pelo próprio Poder Público ou por organizações não governamentais, debata questões fundamentais alusivas a segurança pública diretamente com os representantes do Estado, proporcionando o esclarecimento sobre as condutas consideradas ilícitas, discussão de novos métodos e estratégias para melhoria do atual sistema.
Esta estratégia também vem sendo adotada em Cascavel-PR, onde, em algumas oportunidades, a população foi convidada, juntamente com as autoridades públicas, para discutirem temas como: segurança privada ilegal, campanha do desarmamento e participação dos empresários do ramo de transportes na prevenção aos crimes de contrabando e descaminho, gerando resultados extremamente positivos e que passaram a direcionar novas condutas e doutrinas de trabalho.
Por outro lado, a partir destes enfoques e em face da complexidade e da importância do tema, muitas outras discussões e propostas devem encontrar nascedouro.
No entanto, o mais importante é que, os paradigmas sejam quebrados e que, cada vez mais, seja firmado o pacto entre a população e o Poder Público na busca da pacificação social e da verdadeira concretização do Estado Social e Democrático de Direito, onde o Estado mantenha fortalecidos seus órgãos responsáveis pela atividade policial e pelas ações sociais e a sociedade exerça sua verdadeira cidadania.
Delegado da Polícia Federal, especialista em Ciências Criminais, professor universitário, autor e Chefe da Delegacia Regional da Polícia Federal em Cascavel, no Estado do Paraná
Receber uma multa de trânsito pode ser uma experiência frustrante, especialmente quando o motorista acredita…
Recorrer de uma multa de trânsito é um direito do motorista, mas esse processo requer…
Recorrer de uma multa de trânsito pode ser uma medida eficaz para evitar penalidades injustas…
As notificações de multa são instrumentos utilizados pelos órgãos de trânsito para comunicar aos motoristas…
As multas de trânsito podem ter um impacto significativo na vida dos motoristas, especialmente quando…
A Lei Seca é uma das legislações mais rigorosas do Código de Trânsito Brasileiro (CTB),…