Direito Processual Penal

O Prazo, as Prerrogativas Para a Concessão de Medidas Protetivas de Urgência e os Respectivos Reflexos Nos Índices de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Indira E. Bezerra Vila Nova (autora) [1]

 

Resumo: Este artigo analisa o prazo e as prerrogativas previstas em lei para a concessão de medidas protetivas de urgência à ofendida e os seus respectivos reflexos nos números da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.

A lei 11.340/2006, popularmente conhecida por “Maria da penha”, visa a conceituar os vários tipos de violência cometidos contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, bem como prevê alguns mecanismos para coibir diretamente essa realidade.

Ocorre que, apesar de ter sofrido diversas modificações ao longo dos anos, a lei é taxativa ao reservar ao magistrado a competência de conceder a maioria das medidas previstas para oferecer proteção à ofendida e, além disso, mantém um prazo de até 48 horas para que o juiz competente as conceda, bem como para que a autoridade policial as solicite. Tendo isso em vista, até que ponto a lei de fato protege as mulheres vítimas de violência doméstica?

Por meio de pesquisa bibliográfica, jurisprudência e pesquisa de campo, o presente trabalho busca evidenciar os pontos frágeis da lei que podem ser aprimorados e consequentemente causar impactos positivos na segurança pública.

Palavras-Chave: Violência; Mulher; Maria da Penha; Ativismo Judicial.

 

Abstract: This article analyzes the deadline and prerogatives provided by law for the granting of urgent protective measures to the offended and their respective reflexes on the numbers of domestic and family violence against women in Brazil. Law 11.340 / 2006, popularly known as “Maria da penha”, aims to conceptualize the various types of violence committed against women in situations of domestic and family violence, as well as some mechanisms to directly curb this reality.Despite the fact that, despite having undergone several changes over the years, the law is exhaustive in reserving to the magistrate the power to grant most of the measures provided to provide protection to the offended and, in addition, maintains a period of up to 48 hours for the competent judge grants them, as well as for the police authority to request them. In view of this, to what extent does the law actually protect women victims of domestic violence?

Through bibliographic research, jurisprudence and field research, the present work seeks to highlight the weak points of the law that can be improved and consequently have positive impacts on public safety.

Keywords:  Violence; Woman; Maria da penha; Judicial Activism.

 

SUMÁRIO: Introdução. 1. Desenvolvimento 1.1 A realidade brasileira 1.2. O que diz a lei 1.3 A cláusula de reserva jurisdicional e o ativismo judicial. Conclusão. Referencias bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher é um dos assuntos que mais ganha notoriedade nos últimos anos no Brasil e no mundo. Talvez isso se deva aos números absurdos que são apresentados pela mídia e registrados nos órgãos de segurança pública e de saúde: a cada 4 (quatro) minutos, uma mulher é vítima de estupro e a cada 2 (dois) minutos, uma mulher registra ocorrência sob o espólio da lei Maria da Penha no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde registrados no SINAN (Sistema de Informação de agravos de Notificação).

Devido à realidade assombrosa, é quase impossível não se questionar sobre o que há de errado na política adotada pelo país no que se refere à proteção às vítimas de violência doméstica.

A lei 11.340/2006, popularmente conhecida por “Maria da penha”, foi um verdadeiro marco na busca por uma política robusta de proteção à mulher, e ninguém pode negar a sua importância. A norma, além de conceituar os diversos tipos de violência que podem ser enquadrados pela lei,  busca principalmente estabelecer mecanismos – jurídicos e processuais – a fim de reprimir definitivamente tais condutas. É possível observar, no entanto, que os prazos, prerrogativas e outros trâmites necessários para que a vítima de violência consiga ser protegida tem influenciado diretamente nesses números que têm assustado todo o país.

 

  1. DESENVOLVIMENTO

1.1 A realidade brasileira

O Brasil é atualmente o 5º (Quinto) país do mundo em que mais ocorrem feminicídios, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para dos Direitos humanos (ACUD). Um levantamento feito pela Polícia Militar do Rio de Janeiro também é assustador: apenas no início do ano de 2019, foram registrados em média quatro casos de feminicídio a cada cinco dias, e isso porque a lei 13.104, popularmente conhecida como “Lei do Feminicídio”, tem apenas quatro anos de existência e muitos órgãos de segurança ainda estão em período de adaptação e familiaridade com esta que se configura como uma nova qualificadora do crime de homicídio.

Em paralelo a isso, a lei Maria da Penha tem sofrido diversas alterações. No ano de 2019, a lei passou a prever a obrigação de a autoridade policial informar à ofendida de seu direito à assistência judiciária, inclusive no que se refere à ação de divórcio (Lei nº 13.894, de 2019), previu ainda a prioridade de matrícula ou transferência dos filhos da ofendida a estabelecimento educacional próximo ao seu domicílio, bem como o sigilo dos dados dos mesmos (Lei nº 13.882, de 2019).

No entanto, apesar de as alterações serem válidas, no sentido de conferir direitos à ofendida e seus familiares em situação de vulnerabilidade, o prazo para que as autoridades providenciem e concedam medidas protetivas de urgência à ofendida são enormes e estes, por sua vez, não sofreram quaisquer tipos de alterações.

As medidas protetivas de urgência, que possuem natureza jurídica de tutela jurisdicional, são concedidas pelo magistrado, a pedido da ofendida, a requerimento do Ministério Público ou, ainda, por representação da autoridade policial, que possui um prazo, conforme expressa previsão legal, de até 48 horas para efetuar essa solicitação à autoridade judicial competente. Vale ressaltar que o magistrado também tem o prazo de até 48 horas para concedê-las. Ou seja: ao todo, tem-se um total de até 4 (quatro) dias em que a mulher, vítima de violência, fica no aguardo da proteção do Estado e à mercê de quaisquer represálias que possam partir de seu agressor.

Nesse sentido, Patrícia Muniz, agente de polícia da Delegacia Especializada de atendimento à mulher (DEAM) do Estado de Pernambuco, afirma que, dos mais de 450 casos registrados por mês sob o espólio de violência doméstica e familiar contra a mulher, grande parte ocorre justamente no período em que a mulher está aguardando o deferimento das medidas protetivas solicitadas.

“As medidas protetivas deveriam ser concedidas de imediato pela autoridade policial, independente de o juiz apreciar, pois, durante o longo período de apreciação, pode acontecer o pior para a mulher, e infelizmente é o que geralmente ocorre”, ressalta Patrícia.

Renata Vieira de Freitas, Delegada de Polícia da cidade de Trindade/ GO, ressalta que, de uma média de 75 casos mensais de violência doméstica e familiar contra a mulher registrados em sua delegacia em que as vítimas solicitam medida protetiva, eventualmente ocorrem situações em que a própria vítima volta a procurar a delegacia devido ao fato de que a violência não cessou enquanto as medidas não eram concedidas.

Ainda nesse sentido, a autoridade salienta:

“Eu creio que, em breve, possa ocorrer uma alteração na lei para que o próprio Delegado conceda de imediato as medidas protetivas, pois sabemos que, quanto mais rápido forem concedidas, mais protegida a mulher irá se sentir. Até concordo com o prazo de 48 horas para a concessão da medida pelo magistrado, mas infelizmente não há prazo legal para a intimação do agressor, por exemplo, e essa lacuna da lei tem possibilitado que muitos agressores que descumprem as medidas não sejam presos em flagrante por não terem ciência da decretação e, consequentemente, não se se sentirem intimidados com isso, fazendo com que cometam crimes”.

Um trágico exemplo dessas lacunas/falhas na lei, no que se refere aos procedimentos adotados a fim de conferir proteção à vítima de violência, aconteceu na cidade de São Manuel, em São Paulo, em Novembro de 2019. Segundo o portal G1, a jovem Adrielli Rodrigues, de 22 anos, foi morta com quatro tiros no peito logo após registrar boletim de ocorrência na delegacia da cidade por agressões e ameaças, além de ter solicitado uma medida protetiva de urgência que, devido ao prazo e à competência reservada ao magistrado estipulada em lei, não foi concedida de imediato. A jovem saiu da delegacia, portanto, sozinha e sem nenhum respaldo do Estado, momento em que o ex-namorado a esperava em um determinado ponto da cidade a fim de alvejá-la e ceifar a sua vida.

Outro infeliz acontecimento ocorreu no bairro Parque Geórgia, em Cuiabá, em Outubro de 2019. Segundo o portal Repórter MT, uma mulher de 39 anos foi morta asfixiada – segundo informações da perícia local – pelo ex-marido. De acordo a Polícia Civil de Cuiabá, a mulher havia registrado boletim de ocorrência em face das ameaças sofridas pelo ex-marido recentemente, além de ter solicitado medidas protetivas de urgência há quatro dias do dia de sua morte.

 

1.2 O que diz a lei

Além do grande prazo para a concessão de medidas protetivas, outro fato que interfere diretamente nos números de violência contra a mulher no Brasil é a quantidade de juizados e delegacias especializadas no caso existentes nos entes federativos.

A lei Maria da Penha prescreve: “Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher” (lei nº 11.340/2006), ou seja, não obriga os entes federativos a criá-los, muito menos estipula que sua criação deve ser proporcional à população e aos números registrados nas unidades especializadas a fim de que sejam eficazes em sua função.

Nesse sentido, por meio de pesquisa de campo, Patrícia Muniz, agente de Polícia da Deam de Recife/Pernambuco, Renata Vieira, Delegada de Polícia de Trindade/Goiás, bem como outras autoridades do setor, afirmaram que não há juizados especializados suficientes nas suas unidades de federação, contribuindo para a morosidade na tratativa da concessão de medidas protetivas e outras demandas relacionadas.

Da mesma forma ocorre com as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM’S). A lei também prevê a criação de delegacias especializadas pelos estados e DF: “Os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam’s), de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e a investigação das violências graves contra a mulher” (lei nº 11.340 de 2006). No entanto, a quantidade de delegacias que existem hoje para abarcar tais casos são mínimas, quando comparada à população local, na maior parte dos entes federativos brasileiros.

Em todo o estado de Pernambuco, existem 9 (nove) delegacias especializadas no caso, conforme dados divulgados pela Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco. O número pode parecer razoável quando analisado sozinho, mas o mesmo não ocorre quando comparado à atual população do Estado, que já conta com cerca de mais de 9 milhões e quinhentos mil abitantes, conforme dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Vale ressaltar ainda que, além da previsão legal na Lei Maria da Pena sobre a competência dos Estados e DF sobre criação de varas e delegacias especializadas no assunto, o mesmo também é previsto na Constituição Federal: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIII – assistência jurídica e Defensoria pública.”. Ou seja, também é uma previsão constitucional, mas a norma é vaga no sentido de estabelecer prazos e metas a serem cumpridas, bem como sanções quando do seu não cumprimento.

A Delegada de Polícia Georgia Marianny G. Bastos, da cidade de Joinville/SC, ressalta que, apesar de os números de violência doméstica e familiar contra a mulher na cidade não serem tão expressivos em relação aos demais estados do país (cerca de cinquenta casos por mês em Joinville), a quantidade de varas judiciais e delegacias especializadas no assunto no Estado ainda não é suficiente.

Quando questionada sobre que medidas deveriam ser tomadas para melhorar o cenário atual, ressalta: “O Estado deveria investir massivamente na educação infantil, principalmente no que se refere ao ensino de boas práticas de respeito mútuo; atuação da rede intersetorial destinada a suporte psicológico à vítima e autor de violência doméstica e promoção de palestras e rodas de conversas nos setores da sociedade civil com conteúdo destinado também aos homens a fim de auxiliá-los a refletirem sobre o assunto e desmistificar a cultura machista”.

Renata Vieira, Delegada de Polícia de Trindade/GO, também reflete sobre melhorias que poderiam ocorrer para que a política de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher seja mais efetiva:

“Atualmente ministro palestras de conscientização, pois acredito muito no trabalho social e preventivo. Acredito também que, para combatermos esse tipo de violência, é preciso que as polícias atuem de forma célere e eficaz na busca pelo agressor para que ele sinta a força da Lei Maria da Penha que, para mim, é uma das leis mais eficazes de que dispomos. Portanto, vejo uma necessidade de aparelhamento das polícias, bem como de trazermos profissionais de psicologia para o fortalecimento psicológico da mulher. Também vejo com bons olhos os trabalhos que são desenvolvidos em face dos agressores, para a conscientização dos mesmos acerca da sua conduta reiterada. Enfim, acredito que é um trabalho difícil, mas que não pode parar”.

 

1.3 A cláusula de reserva jurisdicional e o ativismo judicial.

É bem verdade que, em 2019, mais uma alteração na lei Maria da Pena trouxe avanços na política de enfrentamento à violência doméstica e familiar. A lei 13.827 de Maio de 2019 trouxe a possibilidade de o delegado de polícia conceder, de imediato, uma medida protetiva: a de afastamento do lar do agressor. No entanto, a norma direciona essa possibilidade apenas para os municípios que não forem sede de comarca, podendo, ainda, o magistrado, dentro do prazo de 24 horas, mantê-la ou revogá-la. Trata-se de uma exceção à regra. Ou seja: apenas uma medida protetiva, dentre um rol de mais de 5 (cinco) medidas previstas expressamente na lei (incluindo as medidas que obrigam o agressor), e que constituem um rol exemplificativo, podem ser concedidas pela autoridade policial de imediato, além de essa possibilidade estar condicionada ao fato de o município não ser sede de comarca. Ou seja: uma série de prerrogativas burocráticas que tornam o processo moroso e colocam em cheque diretamente a segurança da mulher vítima de violência doméstica.

A Delegada de Polícia Renata Vieira, de Trindade/Goiás, analisa os reflexos dessa alteração na lei em sua circunscrição: “na verdade, essas alterações trazidas pela lei que preveem a possibilidade de a autoridade policial conceder a medida de imediato não trouxeram reflexos para a cidade em que atuo tendo em vista que, tanto Trindade quanto o Município de Campestre, em Goiás, são sedes de Comarca. Portanto só o juiz mesmo que pode conceder. De qualquer forma, vejo como um avanço a possibilidade da Autoridade Policial conceder a medida em alguns casos, pois sabemos que a realidade do Estado é que muitos Municípios se encaixam nas regras legais”.

A autoridade policial ainda ressalta que não há varas judiciais especializadas suficientes no estado em que atua e que é defensora de uma alteração na lei que vise a possibilitar que as autoridades policiais possam conceder as medidas de imediato, tendo em vista a celeridade do processo. Nesse sentido, é cabível questionar a real necessidade de reservar tantas prerrogativas apenas ao magistrado, visto que é evidente a carência de varas judiciais especializadas nos casos de violência doméstica e também o fato de que os números de violência não param de crescer.

Para mudar esse cenário, é recomendável levar-se em conta as melhorias que poderiam advir da divisão de tais prerrogativas com outros órgãos e/ou autoridades da Administração Pública diretamente vinculados ao processo em questão, a exemplo do Ministério Público e das Autoridades Policiais, estas, por sua vez, chefes da primeira fase da persecução penal (o inquérito policial) e quem detêm o primeiro e mais íntimo contato com o caso concreto.

A fim de ratificar tal ideia, nada melhor do que a comparação com o que ocorre na prática com as vítimas de violência doméstica. Segundo o portal G1, Roseane Carrão, de 38 anos, foi morta a tiros, em Setembro de 2017, pelo ex-marido em Taquara, no Rio grande do Sul, após ter o seu pedido de medida protetiva negado pelo judiciário local. A assessoria do Tribunal de Justiça do Estado explicou que o pedido foi negado porque o inquérito policial registrou o caso como injúria, e não ameaça. As mensagens seriam ofensivas, mas não ameaçariam fisicamente a vítima.

A autoridade policial, por sua vez, afirma que, mesmo com o boletim de ocorrência sob o espólio do crime de injúria, encaminhou a solicitação da vítima de medida protetiva ao judiciário que, por sua vez, denegou o pedido. Ao observar casos como esses, é possível questionar se a política adotada pelo Estado tem, de fato, sido efetiva na proteção a essas mulheres.

As medidas protetivas de urgência se revestem de caráter de tutela jurisdicional. Segundo Luiz Fux, (tutela jurisdicional: finalidade e espécies – 2002), “O Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto”. Ainda segundo Fux (2002), em outras palavras, o objetivo da tutela é a satisfação prática dos interesses do credor assegurados pelo Estado por meio do poder judiciário.

Apesar de as medidas protetivas se revestirem de caráter de Tutela Jurisdicional, é plenamente possível que, por meio de ativismo judicial refletido em jurisprudência, tais funções possam ser divididas com a autoridade policial e com o Ministério Público, em prol da segurança, da vida e de outros direitos fundamentais invioláveis da pessoa humana, conforme expressa previsão na constituição federal (Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, 1988).

Segundo Elival da Silva Ramos (Ativismo Judicial, p. 118 e 119, 2015), diz-se que “(…) as constituições que consagram os postulados do Estado de Direito jamais deixam de indicar quais são os órgãos titulados ao exercício do poder estatal. No entanto, nem sempre indicam de modo expresso a função (ou funções) que lhes compete exercer, com preferência em relação aos demais, e mais raramente ainda se ocupam da caracterização material dessa atividade”.

Ainda segundo Elival, “(…) ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e até mesmo da função de governo”. Ou seja, ativismo judicial é o termo técnico usado para definir a atuação expansiva do judiciário na decisão de outros poderes, e tem como um de seus fundamentos a teoria dos freios e contrapesos, que visa a moderar a atuação dos poderes políticos, além de suprir, em certos casos, a omissão parlamentar no que se refere a questões urgentes e também de garantir direitos às minorias.

Ainda nesse sentido, “(…) a função jurisdicional consubstancia um instrumento para a atuação do direito objetivo, visto que, ao criar a jurisdição no quadro de suas instituições, o Estado visou a garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja, que se obtenham, na experiência concreta, aqueles precisos resultados práticos que o direito material preconiza” (SILVA RAMOS, 2015, p. 119).

Exemplos clássicos de ativismo judicial com o fim de combater a omissão parlamentar no que se refere a questões urgentes e também de garantir direitos às minorias são a ADIn 4277 e ADPF 132, que reconhecem a união homoafetiva. Tem-se, ainda, a ADPF 54, que permite o aborto de fetos anencéfalos, dentre outros entendimentos importantes que refletem a possibilidade da aplicação do ativismo.

Outro aspecto que também pode ratificar a aplicação do ativismo judicial nesse caso concreto é a hermenêutica – ciência que tem como objetivo a interpretação dos textos do ordenamento jurídico. Segundo Pedro Lenza (2009, pg. 92) , “o método tópico problemático parte de um problema para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos problemas concretizados”. Com base nesse método, o intérprete, que se personifica no magistrado, pode decidir tendo como premissa o problema, ou caso concreto, e, posteriormente, a lei propriamente dita.

Na mesma obra, Pedro Lenza (2009, pg. 95) diz que “(…) conforme o princípio da concordância prática ou harmonização, os bens jurídicos constitucionalizados devem coexistir de forma harmônica, buscando evitar o sacrifício total de um deles”. Nesse caso, temos o direito da inafastabilidade da jurisdição, previsto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, em face dos direitos fundamentais à segurança, à vida, à liberdade da mulher vítima de violência que são colocados em cheque em um mesmo caso concreto, caso que corrobora com a aplicação do princípio da concordância prática.

Ainda nesse sentido, coadunando com os direitos fundamentais conferidos pela Constituição Federal de 1988, Gabriel Habbib (2019,  pg. 1142) ratifica os artigos 2º e 3º da lei Maria da Penha – os quais garantem o gozo de direitos fundamentais da pessoa humana pelas mulheres vítimas de violência. Habbib salienta que tais normas decorrem do princípio constitucional da igualdade entre os sexos (Constituição Federal, art. 5º, inc. I).

Habbib faz menção ainda à interpretação teleológica da lei 11.340/2006, dando destaque ao art. 4º, em que a norma requer que sejam considerados os fins sociais a que ela se destina.

O legislador determinou que a interpretação da presente lei atendesse aos fins sociais a que se destina. Se a presente lei tem a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, os seus dispositivos devem ser interpretados de forma a melhor atender a essa finalidade. Na realidade, o legislador está a exigir que o intérprete faça, em qualquer hipótese, a interpretação teleológica, que consiste na busca da finalidade da norma, ou seja, busca-se o que o legislador quis quando a elaborou  (HABBIB, 2019, p. 1143).

Dessa forma, é possível concluir que a interpretação judicial a fim de ampliar a proteção às vítimas de violência doméstica encontra respaldo não só em jurisprudência, mas também na própria lei Maria da Penha e na Constituição Federal, norma maior que rege o ordenamento jurídico brasileiro.

 

CONCLUSÃO

As reflexões apresentadas buscam evidenciar uma série de melhorias que precisam ser realizadas no que se refere à política de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. A primeira delas se refere ao prazo especificado pela lei 11.340/2006 para que a autoridade policial solicite e para que o magistrado, por sua vez, as conceda: a tolerância de até 48 horas para um e da mesma forma para o outro. É necessária uma alteração legislativa a fim de que esse prazo seja diminuído, a fim de tonar mais célere o trâmite processual e de, por fim, evitar que mais casos de violência ocorram neste período de aguardo.

A segunda reflexão diz respeito às previsões legais para que os estados prevejam a sua organização judiciária e executiva, no que se refere às varas judiciais especializadas no atendimento de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e também no que se refere às delegacias especializadas (DEAM’s) no âmbito do poder executivo. Apesar de a constituição federal e também a própria lei 11.340/2006 preverem expressamente que cabe aos estados federados organizarem o seu poder judiciário, não há uma lei que discipline essa organização em prazos, números de varas judiciais e delegacias proporcionais à sua população, dentre outros aspectos necessários para o cumprimento desta determinação constitucional.

Por fim, o trabalho traz também a reflexão no que se refere à cláusula de reserva jurisdicional conferindo à autoridade judicial, e somente a ela, a prerrogativa de conceder as medidas protetivas de urgência à ofendida, bem como as medidas protetivas que obrigam o agressor. Nesse sentido, o trabalho sugere a relativização dessa previsão legal com base no ativismo judicial e na hermenêutica, a fim de dividir tais competências com o Ministério Público e com as autoridades policiais, culminando na garantia de mais celeridade à persecução penal em sua totalidade e mais segurança às vítimas de violência doméstica, resultando em reflexos positivos na segurança pública.

 

REFERÊNCIAS

“Ativismo Judicial – Parâmetros Dogmáticos”, SILVA RAMOS, Elival da (2015).

 

CORREIO BRAZILIENSE.

Disponível em:

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DATAFOLHA. “Brasil registra 1 caso de agressão a mulher a cada 4 minutos, mostra levantamento”

Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/brasil-registra-1-caso-de-agressao-a-mulher-a-cada-4-minutos-mostra-levantamento.shtml . Acesso em: 20 Out. 2019.

 

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Disponível em:

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Disponível em:

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Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931 Acesso em: 23 Nov. 2019.

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. “ADPF 54 é julgada procedente pelo ministro Gilmar Mendes”

Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204863 Acesso em: 23 Nov. 2019.

 

“Tutela jurisdicional: finalidade e espécies” FUX, Luiz (2002).

 

 

[1]          [1]. Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco (FCAP – UPE). Estudante de Direito na Faculdade Estácio, Recife/PE.

 

Âmbito Jurídico

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