Resumo: Os direitos e garantias fundamentais correspondem às normas que possibilitam uma série de condições mínimas para a convivência em uma sociedade democrática. O princípio do contraditório e ampla defesa é um princípio esculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo 5º inciso LV. Constitui-se em um dos princípios basilares do processo, seja civil ou penal, contido na Constituição Federal entre os direitos e garantias fundamentais. A despeito do expendido, por votação unânime, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou sua 5ª Súmula Vinculante para estabelecer que, em Processo Administrativo Disciplinar, é dispensável a defesa técnica por advogado. Ante o exposto, este artigo, através de pesquisa bibliográfica seletiva, crítica ou reflexiva e analítica, faz o aprofundamento no tema para avaliar eventuais prejuízos para os servidores no tocante ao Processo Administrativo Disciplinar.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Princípio do Contraditório e Ampla Defesa. Súmula Vinculante
1. INTRODUÇÃO
Os direitos e garantias fundamentais correspondem às normas que possibilitam uma série de condições mínimas para a convivência em uma sociedade democrática. Os direitos são disposições declaratórias de poder sobre determinados bens e pessoas. Garantias, em sentido estrito, são os mecanismos de proteção e defesa dos Direitos. Garantia é a exigência que cada cidadão faz ao Poder Público para proteger seus Direitos, bem como o reconhecimento da existência de meios processuais adequados para essa finalidade.
As garantias e direitos individuais previstos na Constituição Federal são considerados cláusula pétrea, que é uma determinação constitucional rígida e permanente, insuscetível de ser objeto de qualquer deliberação e/ou proposta de modificação, ainda que por emenda à Constituição. As principais cláusulas pétreas estão previstas no artigo 60 da Constituição e, no parágrafo 4º indica que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais.
Os direitos e garantias individuais são relacionados no artigo 5º, que tem 78 incisos. O princípio do contraditório e da ampla defesa trata-se de princípio esculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo 5º inciso LV, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”
Contudo, por votação unânime, o plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou sua 5ª Súmula Vinculante para estabelecer que, em processo administrativo disciplinar é dispensável a defesa técnica por advogado. A redação desta súmula é a seguinte: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” Ante o exposto faz-se necessário o aprofundamento no tema para avaliar eventuais prejuízos para os servidores no tocante ao processo administrativo disciplinar (PAD). O presente artigo analisa o tema proposto para aferir o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa mesmo ausente à defesa técnica no PAD.
Para tanto, a análise do tema pretende apontar dentro da visão atual da jurisprudência e da doutrina pátria a repercussão da ausência da defesa técnica no PAD. Com escopo de conhecer a realidade da evolução do princípio do contraditório e da ampla defesa no direito brasileiro, a evolução do entendimento da jurisprudência ante a presença de defesa técnica no processo administrativo disciplinar e identificar as dificuldades enfrentadas para o desenvolvimento da defesa no processo administrativo disciplinar sem o auxílio da defesa técnica.
Para confecção do trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica seletiva, crítica e analítica, Diversas bibliotecas foram visitadas durante a elaboração do trabalho e foram utilizados adicionalmente outros recursos: jornais, periódicos, Internet.
2. DESENVOLVIMENTO
A administração pública precisa registrar seus atos, controlar seus servidores e decidir sobre qualquer controvérsia que surja, para tanto, é necessária a utilização do processo administrativo para consubstanciar cada um desses fatos. O processo administrativo também configura um mecanismo contra abusos e arbitrariedades da própria administração e deve garantir o irrestrito direito a defesa.
O processo administrativo, em sentido amplo, é um instituto próprio e essencial ao estado democrático de direito. A sua aplicabilidade deve sempre decorrer da norma constitucional, que prevê os meios e princípios com os quais devem estar respaldados todas as suas etapas. O objetivo principal do contraditório em procedimentos administrativos é o de permitir que ocorra a participação do cidadão, administrado ou servidor, e que se concretize um controle de abusos, apresentação de pontos de vista, conteúdo probatório e julgamento adequado.
No âmbito da administração pública, processo adequado é aquele que se coaduna com os direitos fundamentais e torna evidente o viés democrático que deve respaldá-la, provocando um equilíbrio na relação com seus administrados. Neste sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello[1] afirma:
“O processo administrativo afigura-se, pois, num instrumento legitimador da atividade administrativa que, ao mesmo tempo, materializa a participação democrática na gestão da coisa pública e permite a obtenção de uma atuação administrativa mais clarividente e um melhor conteúdo das decisões administrativas. De igual modo, traduz-se em garantia dos cidadãos administrados, no resguardo de seus direitos”.
O processo administrativo disciplinar é aplicado em situações tendentes a apurar e julgar ilícitos ocorridos no âmbito da administração pública, e sua natureza, em razão da matéria a ser julgada, pode possuir maior ou menor complexidade. Deste modo, verifica-se que em algumas situações, o assunto a ser dirimido ultrapassa os liames administrativos, configurando infrações que, após a aplicação da penalidade administrativa, poderão ser submetidas a julgamento na esfera cível ou penal, como nos casos dos crimes contra o patrimônio público e improbidade administrativa.
No entanto, ocorrem na esfera administrativa fatos que resultam na instauração de inquérito e culminam em simples justificativa ou produção de provas testemunhais tendentes a esclarecer controvérsia em relação ao servidor, como casos de ausência injustificada, desídia ou desobediência hierárquica, onde, a primeira vista, parece cabível a autodefesa. Esta é a idéia utilizada a favor do raciocínio de que o acompanhamento de um advogado no processo administrativo disciplinar é dispensável.
A controvérsia jurídica acerca da necessidade de defesa técnica no processo administrativo disciplinar torna imprescindível a análise dos conceitos doutrinários e dos princípios constitucionais aplicáveis à matéria, em especial o do contraditório e da ampla defesa.
Para Oliveira (2004), o processo administrativo é o procedimento administrativo destinado a demonstrar a ocorrência de um fato infracional, imputando-se o comportamento ilícito a alguém, e que culmina com uma decisão. Assim sendo, “sempre que a falta cometida pelo funcionário puder dar causa a sua demissão, necessária e obrigatória a instauração do processo administrativo” (RT 376/337).
A definição legal estabelecida pela Lei do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais – Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu Capítulo III, que trata do Processo Disciplinar no art. 148 estabelece que o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.
A responsabilidade administrativa decorre da prática pelo servidor de atos considerados irregulares no desempenho do cargo ou função, por ação ou omissão. A sanção disciplinar, segundo Diógenes Gasparini[2], tem duas funções básicas: uma preventiva, outra repressiva:
“A primeira induz o servidor a precaver-se para não transgredir as regras disciplinares e funcionais a que está sujeito. Pela segunda, em razão da sanção sofrida pelo servidor, restaura-se o equilíbrio funcional abalado pela transgressão”.
O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho[3] ressalta a importância do aspecto formal do processo administrativo disciplinar conceituando-o como “o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas”.
Diante desses conceitos pode-se atestar que o PAD serve para apurar infrações e aplicar penas, mas deve funcionar também como uma garantia de defesa aos servidores indiciados. Os princípios fundamentais do PAD são, substancialmente, os mesmos dos processos administrativos em geral, tais como: da publicidade, da proporcionalidade, razoabilidade e do devido processo legal.
O princípio do devido processo legal foi inserido no artigo XI, n° 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, determinando o seguinte:
“Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
O princípio do devido processo legal constitui, segundo Alexandre de Morais[4], dupla proteção ao indivíduo: “no âmbito material, proteção ao direito de liberdade e no âmbito formal, para assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-Persecutor”. Assim, também no Processo Administrativo Disciplinar, os atos devem ser válidos, de forma a garantir a plenitude da defesa, desde a citação, publicidade, ampla produção de provas, argumentação técnica e um julgamento pautado na razoabilidade e proporcionalidade.
A fase inicial do processo administrativo disciplinar é a de instauração, onde deve constar a qualificação, bem como a especificação detalhada do ato ilícito imputado. Em seguida, inicia-se o inquérito administrativo, que compreende três etapas: instrução, defesa e relatório e, finalmente, o julgamento. Na subfase do inquérito administrativo, chamada instrução, a Administração procura produzir as provas necessárias contra o servidor e, logo após, é oportunizada a defesa.
O direito de defesa é constitucional e indisponível, sua relevância se origina de épocas bastante remotas. Nesse sentido não se pode olvidar o estabelecido pela Bíblia em João cap. 7, versículo 51: “Acaso a nossa lei julga um homem sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?”. Montesquieu também já havia consagrado o direito de defesa na célebre frase: “a injustiça feita a um homem é uma ameaça feita à humanidade”.
O princípio do contraditório e da ampla defesa vem esculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo 5º inciso LV, que assevera que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Consoante o entendimento de Ana Paula Barcellos[5] os princípios relacionados à dignidade da pessoa humana não podem ser suprimidos ou restringidos porque atrelados a técnica da cláusula pétrea constitucional:
“Do ponto de vista existencial, a constitucionalização dos princípios da cidadania e dignidade da pessoa humana é capaz de protegê-los da restrição ou supressão através da técnica da cláusula pétrea (art. 60, § 4o da CF/88), pelo qual se retira da alçada do legislador ordinário, e até mesmo do poder constituinte derivado ou reformador, a possibilidade de tratar da matéria, salvo para ampliá-la. Assim, toda e qualquer corrente política que venha a ser democraticamente eleita, seja qual for seu programa político, terá sua ação subordinada juridicamente a esses princípios fundamentais, pois o próprio Estado brasileiro está a eles vinculado”.
Segundo Odete Medauar[6] através do contraditório ocorre a manifestação do ponto de vista do acusado, que poderá apresentar argumentações, documento e conteúdo probatório no sentido de contradizer a parte contrária:
“A admissibilidade do contraditório no Processo Administrativo traduziu uma transformação da supremacia do Estado e principalmente do administrado, que antes ocupava uma posição de submissão à predominância absoluta da autotutela”.
Ademais, na legislação infraconstitucional, a Lei n° 9.784 de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal estabeleceu em seu art. 2° que “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Dentre os princípios elencados, o devido processo legal representa a base legal para a aplicação de todos os demais princípios, qualquer que seja o ramo do direito processual, inclusive no âmbito do direito material ou administrativo, segundo Romeu Felipe Filho Bacellar[7] “a inobservância do due proces of law (processo adequado ao caso) e o cerceamento do direito de defesa geram – pela extrema gravidade de que se reveste esse procedimento ilícito – a nulidade do ato jurídico”.
Para Almeida (2009) é forçoso reconhecer que somente haverá ampla defesa processual quando todas as partes envolvidas no litígio puderem exercer, sem limitações, os direitos que a legislação vigente lhes assegura, dentre os quais se pode enumerar o relativo à dedução de suas alegações e à produção de prova.
No tocante ao PAD, o artigo 41, parágrafo 1.º, II e III da Carta Magna equipara o processo administrativo ao processo judicial, aplicando ao processo administrativo as mesmas exigências do processo judicial, in verbis:
“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa”;
Segundo Bacellar (2007) a aplicação de qualquer penalidade a servidor público, efetivo ou não, deve ser antecedida de PAD, asseguradas, além do devido processo legal, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Sendo assim, diante das disposições legais, o PAD deve representar a garantia para a sociedade de que a competência disciplinar será exercida de modo responsável e consistente.
Para Léo da Silva Alves[8], a Carta Magna assegura não apenas um direito, mas dois direitos: ao contraditório e a ampla defesa. Cada qual com um significado específico:
“O contraditório é o momento em que o acusado enfrenta as razões postas contra ele. A ampla defesa por sua vez é a oportunidade que deve ter o acusado de mostrar suas razões. No contraditório, o acusado procura derrubar a verdade da acusação e na ampla defesa ele sustenta a sua verdade”.
Segundo o autor, a ampla defesa “é exercida mediante a segurança de três outros direitos a ela inerentes, que são: direito de informação, direito de manifestação e direito de ter suas razões consideradas”. No direito a informação o acusado tem acesso a todos os atos processuais, o de manifestação assegura o pronunciamento em todas as fases do processo e de ter suas razões consideradas, portanto, a decisão deve considerar e enfrentar uma a uma as sustentações da defesa. A ampla defesa deve garantir ao acusado tomar o conhecimento prévio da acusação que lhe é imputada, conforme leciona a doutrina de Diógenes Gasparini[9]
“Consiste em se reconhecer ao acusado o direito de saber que está e por que está sendo processado, de vista ao processo administrativo disciplinar para apresentação de sua defesa preliminar, de indicar e produzir as provas que entender necessárias à sua defesa, de ter advogado quando for economicamente insuficiente, de conhecer com antecedência a realização de diligências e atos instrutórios para acompanhá-los, de perguntar e reperguntar, de oferecer a defesa final, de recorrer, para que prove a sua inocência ou diminua o impacto e os efeitos da acusação”.
Em função da existência dos princípios do contraditório e da ampla defesa em nosso ordenamento pátrio já não podem ser utilizados em nosso meio os procedimentos sumários de apuração de irregularidades e de infração de seus autores, quais sejam: verdade sabida e termo de declaração. Segundo Gasparini, a verdade sabida configurava-se quando a autoridade competente presenciava a infração e aplicava a pena de acordo com a infração cometida e no termo de declaração a comprovação da falta do servidor surgia com a tomada do depoimento do acusado da irregularidade, ao ser confessada, o termo de declaração servia como base para a aplicação da pena.
A Constituição Federal não apenas assegurou o contraditório e a ampla defesa como também ampliou sua aplicação de maneira a abranger todas as situações em que se denota conduta ilícita que deflagre inquérito administrativo ou ação penal. Ada Pellegrini Grinover[10] indica que tal amplitude foi uma grande evolução do texto constitucional:
“Esta é a única interpretação da norma constitucional que, em obediência ao princípio de que a lei não pode conter disposições inúteis, faz com que não se considere superposta a tutela constitucional para os ‘acusados em geral’ e para os ‘litigantes em processo administrativo’. E esta é, sem dúvida, a vontade da Constituição pátria de 1988, coerente com as linhas evolutivas do fenômeno da processualidade administrativa”.
Para Alves (2001), corroborando com a proeminência desses princípios, assevera que defesas de fachada, produzidas exclusivamente para atender determinações da lei, não tem validade. O autor afirma ser preciso que o defensor dativo seja nomeado para, conclusivamente, levar adiante uma defesa técnica e segura. Nomear servidor que preencha exclusivamente os critérios trazidos no estatuto é, no mínimo, uma reprovável temeridade.
O artigo 156 da lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990 estabelece:
“É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”.
O Judiciário já estabeleceu que defesa frágil é igual a inexistência de defesa. Nesse sentido deve ser citada a súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
Manoel Gonçalves Ferreira In Diógenes Gasparini[11], com base no princípio da ampla defesa assevera acerca da necessidade de defensor no processo administrativo:
“Velar para que todo o acusado tenha o seu defensor; zelar para que tenha ele pleno conhecimento da acusação e das porcas que a alicerçam e possam ser livremente debatidas essas provas ao mesmo tempo que se ofereçam as outras ( o contraditório propriamente). O primeiro ponto obriga o Estado a oferece, ao acusado, que não tenha recursos, advogados gratuitos e a não permitir que se pratique ato processual se a assistência do defensor”.
Nesse sentido Romeu Felipe Filho Bacellar[12] justifica a mesma necessidade do acompanhamento técnico em função da complexidade do processo para desempenhar um trabalho que homenageie os direitos fundamentais, portanto, a defesa técnica, notadamente a partir da Constituição Federal de 1988 e o núcleo processual comum que implementou, torna-se obrigatório componente da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5° LV CF).
Sobre a obrigatoriedade da defesa técnica no PAD, o STJ veio manifestando-se de forma favorável a essa obrigatoriedade como requisito de validade do processo administrativo disciplinar:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA APENAS NA FASE FINAL DO PROCEDIMENTO. INSTRUÇÃO REALIZADA SEM A PRESENÇA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INOBSERVADOS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. 1. Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal -, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. 2. A constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental. Precedentes. 4. Mandado de segurança concedido para declarar a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória e, por conseqüência, da penalidade aplicada”.[13]
Alguns reiterados entendimentos resultaram na edição de súmula pelo STJ, que conferiu interpretação no sentido da obrigatoriedade da presença do advogado, como por exemplo, a Súmula n° 343[14]. Conforme Neto (2009), essa súmula da Justiça resultara de um único julgamento, qual seja, o do MS nº. 10.837 (acima citado), decidido em 28/06/2006 pela Terceira Seção, por maioria de votos, vencido o Ministro-Relator.
Contudo, foi publicada no DOU de 16/5/2008, p. 1. a Súmula Vinculante 5 tendo como precedentes o RE 434059 (Publicação: DJe nº 172, em 12/9/2008) o AI 207197 AgR (Publicação: DJ de 24/3/1998), o RE 244027 AgR (Publicação: DJ de 28/5/2002) e o MS 24961 (Publicações: DJ de 4/3/2005 RTJ 193/347) que estabeleceu que “ A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
Com a edição da Súmula Vinculante nº. 5, no julgamento do RE (recurso extraordinário) nº. 434.059. a súmula do STJ restou sem efeito, em virtude do caráter vinculante da súmula. A definição e os termos da súmula vinculante são estabelecidos pela própria Constituição Federal que reza em seu art. 103-A:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. (grifos nossos).
Por oportuno, leia-se o que consta do Informativo nº. 505 do STF que abordou o julgamento da Súmula vinculante de n° 5 da lavra do STF:
“Defesa Técnica em Processo Administrativo Disciplinar e Ampla Defesa. O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 5 nestes termos: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”. Essa orientação foi firmada pelo Tribunal ao dar provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que concedera mandado de segurança para anular a aplicação de penalidade expulsiva, ao fundamento de ausência de defesa técnica no curso do processo administrativo disciplinar instaurado contra o impetrante, servidor público. Salientou-se, inicialmente, que a doutrina constitucional vem enfatizando que o direito de defesa não se resume a simples direito de manifestação no processo, e que o constituinte pretende garantir uma pretensão à tutela jurídica. Tendo em conta a avaliação do tema no direito constitucional comparado, sobretudo no que diz respeito ao direito alemão, afirmou-se que a pretensão à tutela jurídica, que corresponderia exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da CF, abrangeria o direito de manifestação (que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes); o direito de informação sobre o objeto do processo (que assegura ao defendente a possibilidade de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos contidos no processo); e o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar (que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas). Asseverou-se, ademais, que o direito à defesa e ao contraditório tem aplicação plena em relação a processos judiciais e procedimentos administrativos, e reportou-se, no ponto, ao que disposto no art. 2º, e parágrafo único, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, enfatizando que o Supremo, nos casos de restrições de direitos em geral e, especificamente, nos de punições disciplinares, tem exigido a observância de tais garantias. Considerou-se, entretanto, que, na espécie, os direitos à informação, à manifestação e à consideração dos argumentos manifestados teriam sido devidamente assegurados, havendo, portanto, o exercício da ampla defesa em sua plenitude. Reportando-se, ainda, a precedentes da Corte no sentido de que a ausência de advogado constituído ou de defensor dativo não importa nulidade de processo administrativo disciplinar, concluiu-se que, o STJ, ao divergir desse entendimento, teria violado os artigos 5º, LV e 133, da CF. Alguns precedentes citados: RE 244027 AgR/SP (DJU de 28.6.2002); AI 207197/PR (DJU de 5.6.98); MS 24961/DF (DJU de 4.3.2005)”.
No âmbito jurídico, iniciou-se uma discussão acerca da divergência entre a súmula 343 do STJ e a súmula vinculante n° 5 do STF, inclusive sendo objeto de impetração de mandado de segurança, onde restou reconhecida a superioridade da súmula da Suprema Corte:
“MANDADO DE SEGURANÇA – Processo Administrativo Disciplinar – Excesso de Prazo Afastado – Ausência de prejuízo – Ausência de Defesa Técnica no interrogatório do acusado – Supremacia da Súmula Vinculante n° 05 d STF sobre a Súmula 343do STJ – Motivação do Ato Disciplinar – Razoabilidade e Proporcionalidade da pena demissional – Segurança Denegada”[15]
Após a edição da súmula vinculante nº 5, a Ordem dos Advogados do Brasil propôs ação, no intuito de promover seu cancelamento, utilizando como principal embasamento a ausência dos pressupostos constitucionais na decisão sumular, violando frontalmente os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Analisando a divergência que envolve o respaldo constitucional da Súmula nº 5 do STF, verifica-se que metade dos acórdãos que serviram de fundamentação a sua edição resultou de processos administrativos de natureza diversa da espécie disciplinar, o que torna ainda mais frágil sua aplicação no PAD.
No segundo precedente que embasou a Súmula nº 5, este em decorrência de processo administrativo disciplinar, no caso Mário Ângelo Ajala versus Estado de São Paulo, a Ministra Ellen Gracie, em sede de agravo de instrumento, manifestou o seguinte:
“Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou correta a punição aplicada a policial militar (desligamento do Curso de Formação de Oficiais), afastando a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa (art.; 5º, LV, da Constituição Federal), por entender ser desnecessária a presença de defensor, face à simplicidade do caso e ao fato de se tratar de uma questão ‘interna corporis’, que não envolvia a perda do cargo nem da função pública, mas, tão só, o impedimento à conclusão do curso de oficiais”[16]
No último acórdão que também serviu de precedente a Súmula nº 5, caso Instituto Nacional do Seguro Social – INSS versus Márcia Denise Farias Lino, a Ministra Carmen Lúcia assim manifestou sobre a ausência da defesa técnica no PAD:
“A doutrina tem entendido que só em dois casos o servidor poderia falar: quando alega e comprova que a questão é complexa, exige certo conhecimento que escapa ao que lhe foi imputado, vindo a manifestar-se como inapto para exercer a autodefesa; e nos casos especificados, em que essa faculdade não seria bastante para não se ter mais do que um simulacro de defesa”[17]
Deste modo, resultam das decisões apontadas, duas razões expostas sobre a ausência de advogado no processo administrativo disciplinar, quais sejam: a primeira reside na controvérsia constituir-se de matéria interna corporis, cuja simplicidade não requer conhecimento técnico para exposição da defesa e, a segunda, no fato do servidor considerar-se apto para o exercício da autodefesa, caso contrário, se depreende que a declaração de sua inaptidão ensejaria necessariamente a presença do advogado ou defensor dativo.
Um último ponto favorável a Súmula é o pertinente a redução do formalismo em favor da celeridade do PAD, adotando atos simples para a resolução de conflitos corriqueiros no âmbito da administração. O entendimento está previsto no art. 2º, VIII e IX da Lei 9.784.
Certo é que, a fragilidade jurídica da Súmula nº 5 compromete a aplicação dos princípios constitucionais no processo administrativo disciplinar, visto que a ausência de advogado no trâmite processual culmina em desvirtuar a economia processual face às inúmeras nulidades provocadas justamente em razão da inexistência da técnica jurídica.
A inobservância do devido processo legal provoca nulidades e afronta o direito de defesa do acusado. As nulidades podem ser argüidas quando resultantes de vícios de competência, relativos à citação, cumprimento de prazos, diligências, produção de provas, entre outros que requerem uma visão técnica para sua demonstração e cabimento.
A respeito das nulidades evocadas no processo administrativo disciplinar, a Lei 8.112/90, artigo 169 salienta que, verificada a existência de vício insanável, a autoridade julgadora declarará a nulidade total ou parcial do
processo e ordenará a constituição de outra comissão, para instauração de novo processo.
Os riscos da súmula n° 5 do STF são enormes posto que, conforme Léo da Silva Alves[18], “se os juízes são falíveis, maior ainda é a probabilidade de falha do julgador em processo administrativo, porque decide, muitas vezes, sem o conhecimento direto da causa”. Vale dizer, não participou da instrução, não teve contato com a prova na hora em que foi produzida, sequer avistou o acusado e termina proferindo uma decisão como mais um despacho de rotina:
“A autoridade administrativa convive, em regra, no ambiente em que o fato se deu e pode ter uma avaliação particular do caso, nem sempre alicerçado nos autos. E esta autoridade está ainda sob grande pressão externa – seja da imprensa, do clamor popular, seja de outra autoridade – que exige providências de impacto, independentemente do seu mérito jurídico”.
A respeito do dever do Estado em zelar pelo cumprimento do direito de defesa, afirma Romeu Felipe Filho Bacellar[19]:
“Exsurge nítido, pois, o dever do Estado de velar pela intangibilidade do direito de defesa, que é inviolável e de observância ampla e irrevogável, máxime num processo administrativo, onde se encontra em jogo, para o servidor público estável, a possibilidade de perda do cargo duramente conquistado”.
Além da perda do cargo público a lei do Regime Jurídico Único dos Servidores Federais arrolou em seu art. 127 as seguintes penas no processo administrativo disciplinar: “I – advertência; II – suspensão; III – demissão; IV – cassação de aposentadoria ou disponibilidade; V – destituição de cargo em comissão; VI – destituição de função comissionada”.
Acerca da aplicabilidade das garantias individuais, assevera Lenio Luiz Streck ao discorrer sobre a importância da Constituição ao exercício da democracia:
“A pretensão efetiva é de que os mecanismos constitucionais postos à disposição do cidadão e das instituições sejam utilizados, eficazmente, como instrumentos aptos a evitar que os poderes públicos disponham livremente da Constituição. A Constituição não é simples ferramenta; não é uma terceira coisa que se “interpõe entre o Estado e a Sociedade. A Constituição dirige; constitui. A força normativa da Constituição não pode significar a opção pelo cumprimento ad hoc de dispositivos “menos significativos” da Lei Maior e o descumprimento sistemático daquilo que é mais importante – seu núcleo essencial-fundamental. É o mínimo a exigir-se, pois”.[20]
Assim, deve restar claro que a constituição não estabelece princípios processuais em vão, é necessário atentar para o risco de processos que desrespeitem o devido processo legal, maculando o princípio do contraditório e a ampla defesa, uma vez que o advogado, por meio da súmula vinculante n° 5 (STF), pode se tornar dispensável em diversos processos administrativos.
3. CONCLUSÃO
A discussão sobre a ampla defesa no processo administrativo disciplinar originou-se de debates sobre a necessidade da defesa técnica realizada por advogado durante todo o transcurso do processo administrativo disciplinar, contudo, por não constar de dispositivo legal expresso essa obrigatoriedade tornou-se necessário a atividade jurisdicional interpretativa pra se chegar ao deslinde.
Inicialmente o STJ posicionou-se de forma favorável editando a súmula 343 – é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar (21/09/2007). Essa Súmula do Superior Tribunal de Justiça resultou de um único julgamento. Porém, tendo em vista o caráter vinculante conferido a súmula n° 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.”, editada pelo STF, o entendimento do STJ cedeu lugar a nova interpretação constitucional da questão, quanto a não agressão a Constituição Federal.
Contudo, o princípio do contraditório e ampla defesa trata-se de princípio esculpido de forma expressa na Constituição Federal, no artigo 5º inciso LV. O direito mencionado recebe proteção especial por estar localizado no capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” da Constituição Federal, ou seja, o direito à ampla defesa refere-se a uma cláusula pétrea. Assim, é imprescindível que não sofra uma interpretação restritiva, seja decorrente de leis infraconstitucionais ou através de decisão sumular vinculante.
O contraditório e a ampla defesa no processo administrativo disciplinar é um instrumento de equilíbrio entre governantes e governados e a interpretação restritiva constitucional implica no declínio do Estado Democrático de Direito, bem como prejudica o acesso a justiça, uma vez que, o art. 133 da Constituição Federal reconhece o advogado como indispensável à administração da justiça[21].
Ademais, é necessário atentar para o risco de processos que desrespeitem o devido processo legal, prejudicando o contraditório e a ampla defesa, posto que, o advogado poderia se tornar dispensável em diversos processos administrativos. É preciso salientar, ainda, que o processo administrativo disciplinar pode gerar a perda do cargo público, restando o servidor prejudicado pela mera faculdade de constituir causídico.
Ante o exposto, verifica-se que o princípio de contraditório e da ampla no processo administrativo disciplinar deve buscar a garantia de todos os meios legais a fim de que se realize uma defesa juridicamente segura do acusado, para tanto, é necessário que os novos contornos delimitados pela norma vinculante sejam adequados a situação concreta, respeitando os consagrados princípios constitucionais e permitindo a preservação dos bens jurídicos indisponíveis como o da dignidade humana.
Bacharel em Direito pela UESPI – Universidade Estadual do Piauí e pós-graduando em Direito Processual Civil pela UNINTER
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