Nome do autor: Arllington Campos Sousa – Advogado e Consultor em Licitações e Contratos Administrativos; Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-graduado em Direito Público e em Direito Empresarial; Servidor Público Federal da carreira do Inep; Professor de escolas de governo, dentre outras parceiras. (e-mail: arllington@gmail.com)
Nome do orientador: Joaquim José Miranda Júnior – Promotor de Justiça do MPMG; Mestre em Ciências Jurídico-Criminais; Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-doutor em Direito e Pós-doutorando em Educação. (e-mail: contato@joaquimmiranda.com.br)
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a efetividade do princípio constitucional da eficiência administrativa, incluído no artigo 37 na Carta Magna brasileira, pela Emenda Constitucional nº 19/98, nos procedimentos de compras governamentais do Brasil. Nesse contexto, depois de analisados os procedimentos de Licitações e Contratos nacionais, examinar-se-á a efetividade da eficiência nas compras públicas, diante de casos de contratação de produtos de baixa qualidade. Em seguida, constatada lacunas legislativas quanto às análises dos pós compras, que identificariam o nível de qualidade do que se contrata, propor-se-á uma avaliação de qualidade dos produtos para diagnosticar a efetividade da eficiência do gasto público com estes objetos e via de consequência subsidiar os gestores públicos na tomada de decisão quanto aos procedimentos de seleção e contratação de produtos.
Palavras-chave: licitações, contratos administrativos, eficiência, princípio da eficiência, qualidade, produtos, compras, bens, avalição, pregão, RDC, desperdício, recursos públicos.
Abstract: This article aims to analyze the effectiveness of the constitutional principle of administrative efficiency, included in Article 37 in the Brazilian Magna Carta, by Constitutional Amendment no. 19/98, in government procurement procedures in Brazil. In this context, after analyzing the national Bidding and Contracts procedures, the effectiveness of public procurement efficiency will be examined, in cases of contracting low quality products. Then, legislative gaps were found regarding post-purchase analyzes, which would identify the level of quality of what is contracted, a product quality assessment will be proposed to diagnose the effectiveness of the efficiency of public spending on these objects and, by implication, subsidize public managers in decision-making regarding product selection and contracting procedures.
Keywords: bids, administrative contracts, efficiency, principle of efficiency, quality, products, purchases, goods, valuation, trading session, DRC, waste, public resources.
Sumário: Introdução. 1. Princípio da eficiência. 1.2. Princípio da eficiência aplicado às compras públicas. 2. Compras públicas e a qualidade (contrapondo a teoria com a prática). 2.1. Qualidade dos produtos. 2.2. Qualidade na legislação de compras. 2.3. O projeto básico e o termo de referência como instrumentos de busca pela qualidade dos produtos. 2.4. A fiscalização do contrato como instrumento de busca pela qualidade dos produtos. 2.5. A ausência de avaliações de qualidade no contexto das compras públicas. 2.6. Outros fatores que podem ser objeto de avaliação. 3. Proposta/contribuição 3.1. Dos critérios de avaliação. 3.2. Do responsável pela avaliação. 3.3. Do prazo para avaliação. 3.4. Da repercussão da avaliação da qualidade do produto. 3.4.1. Do critério de desempate. 3.4.2. Criação de cadastro de empresas que vendem produtos de qualidade para a Administração Pública. 3.4.3. Utilização de pontuação na redução de tributos. 3.4.4. Inclusão da avaliação de qualidade dos produtos no ordenamento jurídico. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A definição genérica de compras governamentais está relacionada ao processo pelo qual um órgão do governo compra um produto ou contrata um serviço para seu próprio uso.
Todas as atividades econômicas executadas por governos nacionais, estaduais ou municipais – seja para prover infraestrutura física, seja para adquirir e manter equipamentos militares de defesa ou prestar serviços públicos como educação e assistência à saúde – exigem a aquisição de bens e contratação de serviços intermediários. Essas compras de bens e contratação de serviços por diferentes escalões do governo correspondem de 10 a 20 por cento do PIB, o que é uma parcela expressiva das finanças públicas nacionais. Em termos globais, estima-se que as compras não relacionadas com a defesa somem 1,5 trilhões de dólares (Hoekman, 1998). Nos países em desenvolvimento, calcula-se que as compras do setor público respondam por 9 a 13 por cento do PIB (Choi, 1999). A maneira como tais compras são contratadas, portanto, é crucial para a implementação de políticas de desenvolvimento.
O governo é um grande comprador, e para adquirir produtos e serviços que servirão para abastecer a máquina administrativa, o ente estatal – em regra – simplesmente não pode escolher um fornecedor e pagá-lo diretamente pelo bem. A Administração Pública é obrigada a seguir rigorosamente algumas regras para formalizar um contrato a fim de atingir tal objetivo.
Contudo, invariavelmente essas compras governamentais resultam em objetos de qualidade duvidosa ou de baixa qualidade, sem que os objetivos da Administração sejam efetivamente alcançados, uma vez que há o dispêndio do recurso público sem a consecução do objeto em sua inteireza e perfeição. Por consequência, quando os recursos são gastos e não atingem os objetivos, há danos ao erário e prejuízos ao interesse público.
Ao revés, quando os gastos adequados e necessários resultam em compras de qualidade satisfatória, entendemos que houve eficiência no gasto público. A questão é saber como e quando avaliamos se houve a compra governamental efetivamente eficiente.
Diante desse quadro e em face as mutações legislativas aplicadas ao tema, especialmente as mais recentes, percebe-se que a fase do efetivo pós compra não tem recebido atenção à altura das suas repercussões financeiras, gerenciais e finalísticas. A ponto de inexistir um momento legal para coleta dessas informações, com um consequente e preciso levantamento de dados que possa subsidiar os gestores públicos quanto ao tema.
Portanto, o presente estudo intenciona analisar o tema e ao final propor mecanismo de avaliação da qualidade dos produtos que possam efetivamente contribuir para um gasto eficiente com compras públicas, valorando recursos ao tempo em que produz dados sólidos sobre a questão.
1. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
Moraes (2013, p. 341) expõe que o Princípio da eficiência se caracteriza pela sua capacidade de atuar tanto na Administração Pública direta e indireta. O exercício da função dessas competências deverá ser baseado na imparcialidade, neutralidade e transparência gerando, assim, resultados satisfatórios ao bem comum.
O Princípio da Eficiência foi constituído pela Emenda Constitucional 19, de 1998. Nessa posição, a Administração Pública tem como dever ser eficiente no que concerne às suas atribuições, sendo reconhecido o devido princípio como meio para a busca por resultados e desempenho positivos pela entidade (MENDES, BRANCO, 2012, p. 2.525).
Ferir um princípio é indubitavelmente pior que ferir uma lei, diria a mais danosa das inconstitucionalidades, porquanto a ignorar um princípio fere a ordem constitucional e sem ela não há mais qualquer garantia para os direitos.
1.2. Princípio da eficiência aplicado às compras públicas
Comprar simplesmente para satisfazer necessidades públicas não bem estudadas e equacionadas tem se tornado o tormento dos gestores governamentais que, frequentemente, não delimitam ou constroem indicadores para tal finalidade.
É notoriamente recorrente os casos de compras que, além de não bem dimensionadas para necessidade, vêm carregados de argumentos subjetivos e vagos numa tentativa de justificar o injustificável, ou seja, o comprar por comprar ou o comprar para a satisfação de interesses não públicos, mas imediatistas e de direcionamento aos protegidos particulares do momento.
Não raro também são os casos de superestimativa qualitativa de necessidades simples, sob o pálio da argumentação vaga de que o objeto a ser comprado teria como escopo cumprir o princípio da eficiência.
Compra de tomógrafos sem previsão de instalação, equipamentos sofisticados comprados sem garantia de manutenção, compra de equipamentos de tecnologia não compatível com o mais apropriado são só alguns exemplos de como o setor público tem padecido com a falta de cuidado com o princípio da eficiência nas compras públicas.
Preliminarmente convêm que nos munamos de conceitos axiológicos da doutrina que, historicamente, vem debatendo os contornos do que se traduziria o princípio da eficiência.
Na lição do professor argentino Roberto Dromi (2010, p. XXIV)
“La eficiência de la conctratción significa que se debe dar satifaccion al interés público com la menor onerosidade y la mayor agilidadad posibes.
De este modo, la eficiência o eficácia administrativa se traduce em el deber jurídico de dar satisfaccion concreta a uma situación subjetiva de requerimento em la forma, calidad e com los médios recursos que resultan más idóneos par la gestión.
La eficiência es también um princípio jurídico del que resulta para la Administración un deber positivo de actuación conforme a las exigências públicas. Es um bien o interés jurídico que reste calidad de valor, por lo que debe garantizarse su existência y la capacidade de cumprirlo o alcanzarlo; porque traduce um mandato vinculante para la Administración a propósito de su idoneidad para cumprir sus fines.
Em este orden, la sociedade aspira com legítima pretensíon, a assegura la eficiência em el acicionar de toda la organización administrativa comprendiendo la “concertación” (de los planes), la “regulación”(de las contrataciones y servicios), la “descentralización” (privatización, competência y desmonopolización), la “fiscalizacion” (de todo), la “estabilización” (conversión y consolidación) y lça “promocion” fomento, inversión” (fomento, inverdión, reconverión, transmissión y actualización tecnológica y financiación).
Esta aspiración a la eficiência e la organizacíon administrativa lleva búsqueda de uma administración racional del “bien-estar general”, sin burocratismo y sin esctructuras excessivas y obsoletas. Para ello se exige uma racionalización em pro de la incorporación tecnológica; uma simplificaciónen pro de la eficicácia, la sencillez y la economia de trámites uma modernización em pro de los nuevos cometidos estatales, par librar la batalla definitiva por la simplicidade jurídica, intimamente vinculada a la prontitud, a la celeridade em el quehacer de los cometidos públicos y a la transparência del hacer gubernativo.
Así, la dimensión axiológica encuentra em la eficiência administrativa la congruência em la proyccion, acción y resultado del quehacer administrativo y a tales fines confluyen las siguientes acciones: 1) realizar el adecuado diagnóstico de las necessidades públicas, 2) cumplir los objetivos em el marco espacio-temporal programado, 3) alcanzar la finalidad política, 4) obedecer al control público, 5) satisfacer la necesidades públicas con costos razonables, 6) respetar reglas de celeridad y sencillez, y 7) actuar com economia processual y preservar la legalidad administrativa.
Es preciso destacar que em la valoración de la tarea de la Administración Pública tiene destacada importancia que la Administración atúe, resueva y produzca um determinado resultado objetivo en base a la previa realización de un adecuado diagnostico de las necesidades públicas a ser provistas y gestionoadas ya sea diretamente por el Estado o a través de particulares.”.
Teoricamente, as bases axiológicas do princípio da eficiência tanto na doutrina pátria como na alienígena, conforme alhures transcrito, apresenta seus marcos teóricos com certa clareza e precisão. Todavia, a controvérsia também se encontra instalada para a visualização e aferição prática deste princípio na doutrina sobre o tema:
Atente-se como se posiciona o festejado jurista brasileiro Celso Antônio Bandeira de Melo:
Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’. (MELO, 1999, p.92)
Também na jurisprudência dos tribunais de controle e judiciais a subjetividade das decisões não tem elucidado satisfatoriamente a aferição de tal princípio, vejamos:
9.1.1. Em atenção ao princípio constitucional da eficiência e às disposições contidas no art. 6º, I, do Decreto-Lei nº 200/1967, aperfeiçoe o processo de planejamento institucional no Ministério, de forma a organizar estratégias, ações, prazos e recursos financeiros, humanos e materiais, a fim de minimizar a possibilidade de desperdício de recursos públicos e de prejuízo ao cumprimento dos objetivos institucionais do órgão, observando as práticas contidas no critério 2 – Estratégias e Planos do Gestão pública. (Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, Acórdão 669/2008 – Plenário).
Em âmbito judicial a jurisprudência também tem se mostrado pouco objetiva no fornecimento de standards para o proceder do agente administrativo, vejamos:
“[…] a Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (CF, art. 37). Outros também se evidenciam na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público.” (Superior Tribunal de Justiça. 6ª T. – RMS n. 5.590/95-DF – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 10.06.96, p. 20.396).
É de mister que saibamos que, em que importe a margem de subjetividade interpretativa do princípio da eficiência relacionar-se intimamente com o comportamento pessoal dos agentes administrativos que, por dever de oficio, devem agir conforme os ditames da boa administração, a falta de instrumentos e indicadores de avaliação da qualidade das compras públicas constituem gravame instrumental para mensuração da eficiência e efetividade do bem contratado ou da compra efetivada, e tem impactado na aferição de tal eficiência ou efetividade.
A propósito, o procedimento licitatório argentino conta com o chamado Procedimento Geral de Seleção, além do Concurso, Leilão, Licitação Privada e Contratação Direta, parecidos com os do sistema brasileiro.
O destaque dos normativos argentinos ficam por conta da importância que se dá aos seus princípios, como disposto no Regime de Contratações da Administração Nacional, Decreto nº 1.023/2001:
Art. 3° — PRINCIPIOS GENERALES. Los principios generales a los que deberá ajustarse la gestión de las contrataciones, teniendo en cuenta las particularidades de cada una de ellas, serán:
O princípio da Razoabilidade do projeto e eficiência da contratação para atender ao interesse público comprometido e ao resultado esperado trata-se de um exemplo a ser perseguido pelo modelo brasileiro, mas, mais que isso, nas palavras de COMADIRA (2010), “creemos que la eventual inaplicación, en la práctica, de esos princípios no es una razón que gravite em contra de ellos; sería, en todo caso, una manifestación particularizada de la inoperância global de la Administración pública. Si, como pensamos, es exigible teoricamente, y esperable en la práctica, que la Administración pública cumpla, en general, con los princípios en cuestión, no hay motivo para que ellos no sean tambíen aguardables en la licitación pública; y si aquel cumplimiento no se da, inútil será confiar en su observância en la licitación.”
Pois bem, em que pese certa concordância doutrinária no tocante a aferição do princípio da eficiência nas contratações públicas, pensamos que, no que se refere a compras públicas, no caso especificamente da compra de bens, esse princípio poderia ser melhor avaliado a partir da construção de indicadores de qualidade, que seriam ranqueados sempre que se encerrassem contratos de compras governamentais.
Vê-se, pois, a necessidade de indicadores mais objetivos e consentâneos, com a experiência comprovada em contratações anteriores, a eficiência e a efetividade da contração, mormente no caso de compras governamentais.
É esta, pois, a posição de proposta que ousamos defender para aplicação prática do princípio da eficiência nas compras governamentais. A eficiência, ou não, do bem ou equipamento contratado com determinada empresa teriam quesitos a serem aferidos ao final da entrega do bem adquirido, bem como sua qualidade sopesada em escala traduzida por índices de qualidade e eficiência da contratação.
Neste sentido, os fornecedores teriam, então, publicados pela Administração pública, seus indicadores ou índices de eficiência na contratação e entrega das compras que serviriam como balizadores de qualidade para aferição da sociedade e do mercado fornecedor.
Sabedores da ousadia da presente tese, acreditamos que tal planejamento é possível e pode constituir-se como marco de inovação na Administração, podendo minimizar e homogeneizar prática de compras eficientes para o cumprimento do princípio de inspiração italiana de dever de boa administração.
Comprar com eficiência e com menor incidência de critérios subjetivos possíveis é, com certeza, fator que somente poderia se concretizar a partir de experiências históricas concretas e organizadas com critério pela Administração.
Finalmente, com a ajuda de uma indicação clara e concreta, aferida pelos indicadores que propomos, a ocorrência do comprar por comprar e do comprar mau seria certamente caso de desídia atribuídos ao administrador, logo de caráter subjetivo e pessoal, mitigando-se a falta de critérios objetivos para as compras públicas.
A busca pela eficiência nas compras governamentais é permanente, ao tempo em que, até o momento, não se vislumbram ferramentas legais efetivas que possam aferir objetivamente a qualidade dos objetos contratados. Todavia, nos termos do art. 113 da Lei nº 8.666/93, compete aos Tribunais de Contas verificar a legalidade e regularidade das contratações públicas, sem prejuízo do sistema de controle interno.
Art. 113. O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto. (BRASIL, 1993)
Nessa missão, não invariavelmente os órgãos de controle denotam a má qualidade das contratações públicas, o que, reiteradamente, culmina em objetos também de má qualidade, ou, até mesmo, em objetos inacabados.
Caso emblemático noticiado pela imprensa brasileira em 2009:
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades na compra de 920 cofres da empresa Comam pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), no valor de R$ 4,5 milhões, em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Ficou comprovado que os equipamentos não atendiam às especificações técnicas constantes do edital de licitação. Com isso, foram recebidos produtos com qualidade inferior e que não correspondiam às necessidades dos Correios. Após sete anos de investigação, a Comam e três ex-diretores da estatal foram condenados ao pagamento de cerca de R$ 1,1 milhão aos cofres públicos.
Durante a investigação do TCU, o então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, afirmou que a ECT havia “comprado uma Ferrari e levado um fusquinha”.
[…]
Os cofres entregues apresentavam graves falhas que não foram detectadas nem à época da produção nem no momento do recebimento do produto.[1]
Essa constatação posteriormente virou objeto da conhecida CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito – dos Correios, deflagrada para apurar o pagamento de mesadas a parlamentares brasileiros.
Ainda nesse contexto, a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão integrante do sistema de controle interno brasileiro, constatou, mais uma vez, que irregularidades em licitações são os problemas mais frequentes no uso de verbas públicas federais. De 120 municípios fiscalizados nas últimas duas edições do Programa de Fiscalização por Sorteios, 110 apresentaram algum tipo de problema relacionado a licitação, o que representa 91,66% do total.[2]
Na mesma linha, o TCU noticia que, nas obras referentes à Copa do Mundo da FIFA 2014, foram contabilizados R$25,5 bilhões em gastos. Destacou no relatório de fiscalização que, nas obras que não foram finalizadas, a Infraero relatou problemas de execução com as empresas contratadas, culminando, inclusive, na possibilidade de rescisão contratual, além da necessidade de repactuação de cronogramas, com a respectiva celebração de aditivos, se necessário, devido à ocorrência de eventos não previstos nos contratos.[3]
Apenas para citar algumas das cediças notícias referentes ao elevado número de insucesso das contratações públicas brasileiras, para ilustrar quadro notadamente desanimador.
Situações que passam pela “caneta que não escreve”, pela “cola que não cola” à “Ferrari travestida de fusquinha”, como mostrado no primeiro caso. Mas, a despeito das fraudes em licitações, que, incontestavelmente, consomem recursos públicos em grande monta, a proposta em questão é analisar o viés da qualidade dos objetos efetivamente contratados e suas repercussões.
Segundo dados do portal de compras do governo federal, em 2017 o governo brasileiro gastou mais de R$47 Bilhões em contratações públicas, resultando em 98.692 processos de compras[4]. Dentre os licitados, 96,5% foram na modalidade Pregão, cujo único critério de julgamento é o de menor preço.
A nível nacional, o uso do pregão na forma eletrônica ainda é modesto, se considerarmos os benefícios desta modalidade, especialmente economicidade e celeridade, conforme figuras a seguir.
Uma vez que o pregão na forma eletrônica ampliou consideravelmente a competição, visto que, para a empresa participar, basta ter acesso à internet além de login e senha do sistema de compras do ente licitante, verifica-se que os custos dos procedimentos se tornam mais baratos, assim como a própria economia, face à intensa competição entre os licitantes e com a possibilidade de os licitantes ofertarem lances, uma espécie de leilão às avessas, para ver quem ofertará o menor preço para a Administração, os preços das propostas finais do pregão acabam sendo os mais baratos se comparados às outras modalidades, o que não necessariamente resulta em qualidade do objeto contratado.
Impende destacar lição de João Marcos Trindade Costa, que reforça este entendimento, no sentido de que, como demonstrado nas informações acima, atualmente, o setor público se utiliza predominantemente da licitação do tipo menor preço na modalidade pregão, tendo em vista projetar a ideia que, através de um célere procedimento, será possível verificar o menor preço do mercado para a contratação almejada pela Administração. Contudo, não se pode olvidar a hipótese de que, em sendo adotado o menor preço como único e determinante critério para a escolha da proposta vencedora do certame, não haverá garantia de que foi obtido o melhor resultado, ou que prevaleceu a mais vantajosa proposta, tendo em vista que, por diversas vezes, a contratação mais barata se coaduna a irrisória qualidade e abaixo dos padrões necessários e esperado desempenho funcional, circunstância que, de súbito, afronta o princípio constitucional administrativo da eficiência.[5]
Imperioso concluir, pelos relatos acostados, que a praxe administrativa mais recente tem ido nessa linha de atuação: primando pelo menor preço, sem se preocupar com a qualidade dos produtos e serviços contratados.
2.1 Qualidade dos produtos
É necessário definirmos os limites para a qualidade que queremos observar, dentre os vários aspectos relacionados. Segundo dicionário, uma definição de qualidade seria grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão.[6] Numa abordagem mais adequada ao campo das compras governamentais, oportuna é a lição de David A. Garvin, no seu aclamado artigo “O que significa realmente Qualidade do Produto?”, publicado na MIT Sloan Management Review.[7]
Segundo Garvin, “se a Qualidade deve ser gerenciada, deve ser primeiro compreendida”, imputando ao cliente o conceito de Qualidade, baseado em suas necessidades, expectativas e preferências.
Nesse contexto, o conceito de Qualidade do Produto dependeria da percepção do Cliente, e essa avaliação pessoal influenciaria a escolha do fornecedor, bem como a disposição para novas compras e sua avaliação dessa experiência.
Essa percepção se sobreporia aos requisitos técnicos e normativos que ordinariamente são atendidos pelos fornecedores e, via de consequência, não seriam “questionáveis” e ao menos deveriam estar intrínsecos à própria confecção do produto, cabendo aos órgãos de vigilância e medidas verificar sua adequação e as condições mínimas para serem comercializados.
Garvin propôs, ainda, a análise da Qualidade de um produto através de uma estrutura conceitual denominada de Oito Dimensões da Qualidade, apresentada em 1987 numa publicação na Havard Business Review, intitulada “Competindo nas Oito Dimensões da Qualidade”.
Alguns requisitos podem ser objetivamente mensuráveis, outros dependem da percepção subjetiva do cliente, são elas:
Segundo Suarez (2015)[8] não só as “Oito Dimensões da Qualidade” de Garvin continuam plenamente válidas e aplicáveis, como a existência de uma visão multifacetada e abrangente parece ser a única alternativa capaz de racionalizar uma realidade tão complexa e dinâmica.
2.2 A qualidade na legislação de compras
O termo qualidade aparece na legislação de compras públicas brasileira ainda de maneira tímida, com destaque para o art. 73 da Lei nº 8.666/93:
Art. 73. Executado o contrato, o seu objeto será recebido:
[…]
II – em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:
Esse artigo apresenta uma condição a ser aferida depois do recebimento provisório e antes do recebimento definitivo, para que a Administração declare o efetivo cumprimento da obrigação, e a empresa, consequentemente, faça jus ao pagamento devido pelo encargo. Todavia, a lei não detalha como deverá ocorrer essa verificação de qualidade do produto, deixando a cargo do responsável pelo recebimento, que pode ser o fiscal do contrato, agente designado ou até mesmo uma comissão de recebimento, definir de maneira subjetiva o seu “padrão de qualidade”, o qual deverá ser cumprido para que haja o aceite do objeto.
A partir dessa situação, a Administração começa a conhecer seus problemas referentes à qualidade dos produtos que contrata já que se espera que este citado padrão de qualidade tenha sido objetivamente definido no edital, o que nem sempre acontece.
2.3 O projeto básico e o termo de referência como instrumentos de busca pela qualidade dos produtos
Destarte, a base para um bom edital consiste na elaboração de Projetos Básicos e Termos de Referência adequados por parte das áreas requisitantes do objeto. Assim, não se dever comprar sem que o objeto tenha sido adequadamente caracterizado.
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa. (BRASIL, 1993)
Para cumprir suas funções legais e administrativas, o Projeto Básico e o Termo de Referência deverão apresentar, conforme o caso, os seguintes elementos:
. Necessidade;
. Definição do objeto;
. Justificativa;
. Especificação do objeto;
. Responsabilidades das partes;
. Estimativa de custos (pesquisa de mercado);
. Cronograma físico-financeiro;
. Condições de recebimento;
. Critérios de escolha a proposta;
. Definição da empreitada;
. Prazo de execução;
. Procedimentos de gerenciamento e fiscalização. (SOUSA, 2010, p. 47)
Ocorre que, como constatado pelo egrégio Tribunal de Contas da União:
“… a inexistência de projetos adequados tem sido a principal razão da série de obras paralisadas em nosso País, como também do grande número de contratos superfaturados com o que nos deparamos constantemente nos processos de fiscalização levados à efeito por esta Corte de Contas. (Acórdão nº 136/2004 – Plenário)
“O Projeto Básico, que deve ser como elemento fundamental para a realização de qualquer licitação (…), mas tem sido constantemente mal elaborado (…), o que é lamentável, por se tornar fonte de desvios e toda sorte de irregularidades que se tem notícia no Brasil” (Acórdão n° 77/02 – Plenário)
Estes documentos são uma espécie de “DNA do processo de contratação pública”. Dessa forma, a existência de erros nestes documentos, que devem ser muito bem elaborados e detalhados, poderá culminar em algum vício de legalidade, ou até mesmo em casos em que o ente público não consegue alcançar a sua pretensa expectativa de qualidade.
Assim, ciente de que a má elaboração destes documentos pode implicar em compras ineficientes com produtos de má ou nenhuma qualidade, deve a Administração, de forma incipiente, promover a capacitação dos servidores envolvidos nas unidades requisitante, de modo que haja uma contratação concatenada com o planejamento das respectivas unidades e documentos suficientemente detalhados, a ponto de evitar lacunas ou margem de interpretação que leve os fornecedores a ofertar produtos que lhes permitam auferir maior lucratividade, sem que atendam às efetivas necessidades da Administração.
Há que se ressaltar que o Estado contrata visando resolver um problema, cuja solução pode vir a ser um bem, um serviço ou até mesmo uma obra. Por outro lado, quem é contratado para resolver este problema não está interessado necessariamente em resolvê-lo para a Administração, mas prioritariamente em auferir lucro. Portanto, não haverá por parte do fornecedor um interesse exclusivo em colaborar na solução do problema, mas, invariavelmente, em descobrir lacunas, falhas ou omissões nos documentos que lhes possibilitem auferir maior lucro. Situação que, somada por vezes à baixa qualificação dos responsáveis, deixa os órgãos públicos reféns da contratada, quando elaboram um Projeto Básico ou Termo de Referência deficiente.
2.4 A fiscalização do contrato como instrumento de busca pela qualidade dos produtos
A lei de licitações e contratos administrativos dispõe sobre a execução do contrato em seu art. 66:
O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial. (BRASIL, 1993)
A execução contratual consiste basicamente no cumprimento do que foi pactuado em que cada parte responde por aquilo que não cumprir.
Neste ponto, cabe à Administração zelar para que o que foi combinado seja efetivamente cumprido. E essa tarefa é tão importante, que o legislador entendeu por designar alguém para acompanhar se o que foi contratado será devidamente cumprido.
Assim, previu o art. 67 da Lei nº 8.666/93 a figura do fiscal do contrato:
Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assistí-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
No mesmo sentido, reza a Instrução Normativa nº 05 de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão:
Art. 39. As atividades de gestão e fiscalização da execução contratual são o conjunto de ações que tem por objetivo aferir o cumprimento dos resultados previstos pela Administração para os serviços contratados, verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, bem como prestar apoio à instrução processual e o encaminhamento da documentação pertinente ao setor de contratos para a formalização dos procedimentos relativos a repactuação, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outras, com vista a assegurar o cumprimento das cláusulas avençadas e a solução de problemas relativos ao objeto. (BRASIL, 2017)
Esta nova Instrução Normativa atende melhor ao Princípio Constitucional da eficiência ao criar, por exemplo, o gerenciamento de riscos, ao detalhar e valorizar a seleção do fornecedor, a gestão do contrato e especialmente o planejamento da contratação. Contudo, há que se ressaltar que esta norma veio regulamentar o Decreto nº 2.271/97.
Nesse contexto, em 26 de maio de 2017, a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG publicou esta Instrução Normativa nº 05, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, revogando a IN 02/2008 que tratava do tema.
Outrossim, os principais objetivos da IN 05/17 consistem em melhorar a contratação, gestão e encerramento dos contratos de terceirização de serviços continuados na Administração Pública Federal, implementar contribuições e normatizar melhores práticas de governança. Estas poderão, inclusive, ser recomendadas para outros entes federativos, por meio de seus órgãos de controle, dadas as cediças lacunas normativas ainda existentes, mormente fora da esfera federal.
Portanto, a atribuição de fiscal ou gestor de contratos na Administração Pública Federal é de suma importância para a concretização de uma execução adequada ao que foi contratado, sob pena de prejuízos que podem se tornar irreparáveis ao erário e sanções aos agentes envolvidos.
Segundo o art. 3º da Lei de Licitações, uma das finalidades da licitação é a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Ocorre que a prática tem demonstrado que, em um certame licitatório, a Administração pública jamais conseguirá selecionar a proposta mais vantajosa, pois, no máximo, vai conseguir selecionar e contratar a proposta aparentemente mais vantajosa para Administração.
A efetiva vantagem decorre eminentemente de um acompanhamento e fiscalização eficientes. Caso não haja fiscalização adequada, a proposta que se mostrava vantajosa na licitação poderá se configurar num desastre para a Administração.
CIÊNCIA
Marceneiro de fundação apaga pinturas pré-históricas em GO
Um dos mais importantes sítios arqueológicos brasileiros teve parte de seus desenhos rupestres, feitos há cerca de 11 mil anos, danificados. Um marceneiro reforçou algumas pinturas e criou outras dentro de uma das 40 grutas do Sítio das Araras, na cidade de Serranópolis (cerca de 400 km a sudoeste de Goiânia). Foram feitas pelo menos 20 interferências, no início do mês de julho, em um dos painéis com desenhos rupestres do sítio, que possui cerca de 300 pinturas. O marceneiro Primo Perin havia sido contratado pela Funatura (Fundação Pró-Natureza), sediada em Brasília, para construir uma passarela de madeira de 200 metros de extensão em uma das grutas, para a passagem de visitantes. Durante o trabalho, ele decidiu limpar uma pichação, feita há 10 anos com carvão, sobre parte dos desenhos rupestres. O marceneiro fez a limpeza com água e sabão e não só apagou as pichações, como também parte das pinturas. KAMILA FERNANDES da Agência Folha[9]
No caso em comento, o objeto do contrato envolvia a construção de uma passarela. Todavia, ao que parece, não houve o adequado acompanhamento do contrato, restando a um trabalhador de pouca instrução, cuja missão era construir uma passarela, os cuidados sobre um sítio arqueológico de valor inestimável.
O fiscal do contrato tem que estar atento a tudo que envolve a sua execução. Não poderia deixar sem acompanhamento o sítio arqueológico no curso da execução do contrato, o que resultou em danos irreparáveis ao Estado e era até então uma proposta aparentemente mais vantajosa para a Administração, tanto que foi a selecionada no certame.
Ressalta-se que o interesse público vem sofrendo com acompanhamentos e fiscalizações inadequadas ou inexistentes. Situação constatada rotineiramente pelos órgãos de controle.
PLANEJAMENTO, CAPACITAÇÃO, CONTRATOS e LICITAÇÕES. D.O.U. de 05.03.2010, S. 1, p. 160.Ementa: determinação à Universidade Federal do Rio Grande do Sul para que institua controles internos administrativos mais adequados para o setor de licitações e contratos, inclusive com o apoio e supervisão da Auditoria Interna (AUDIN), bem como propicie aos servidores treinamento para o exercício de suas atividades, em vista da quantidade de falhas apontadas pela Controladoria-Geral da União (inexistência de orçamento detalhado de custos; cláusula editalícia restritiva à competição; falta de clareza em termo de referência de pregão eletrônico; descumprimento de cláusulas editalícias; contratação de serviços por valor superior ao estimado; fracionamento de despesas mediante dispensa de licitação; inexigibilidade indevida de licitação; inobservância de cláusulas contratuais relativas a pagamentos; falha no planejamento de aquisições da Entidade, o que resultou em dispensa de licitação emergencial; pagamentos efetuados sem respaldo legal), cujas justificativas apresentadas pelo gestor denotaram deficiências na execução e no controle das atividades desenvolvidas (item 1.5.1.4, TC- 021.190/2008-0, Acórdão nº 667/2010-2ª Câmara – Tribunal de Contas da União – TCU).
Desse modo, visando evitar danos e dissabores na execução contratual, se faz mister a capacitação dos agentes envolvidos no acompanhamento e fiscalização e daqueles que se envolverão, porquanto é cediço que da boa e eficiente atuação de todos eles, dependem o sucesso do objeto contratado. Portanto, uma contratação só será de fato eficiente se houver o adequado e necessário acompanhamento e fiscalização do contrato.
2.5 A ausência de avaliações de qualidade no contexto das compras públicas
Como exposto neste trabalho, a legislação é sóbria quanto à avaliação de qualidade dos objetos contratados pela Administração. O Regime Diferenciado de Contratação, Lei nº 12.462/11, ainda menciona para a fase de julgamento das propostas:
Art. 19. O julgamento pelo menor preço ou maior desconto considerará o menor dispêndio para a administração pública, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no instrumento convocatório. (BRASIL, 2011)
Assim, como se pode verificar na Lei nº 8.666/93, para a fase do recebimento do objeto, o termo “qualidade” aparece mais sob o viés de um conceito jurídico indeterminado, já que a norma não experimenta detalhar como deveria se dar, ou mesmo se analisar, a qualidade citada.
No tocante especialmente à Lei nº 8.666/93, vê se que, depois do recebimento provisório, o definitivo somente poderá ser efetivado após a verificação de qualidade. Mas como verificar esta qualidade? Que critérios a serem adotados para tanto? Essas questões a lei não responde. Por seu turno, o que podemos inferir do texto legal são: o momento entre os recebimentos provisórios e definitivos; e o responsável, agente ou comissão designada para o recebimento.
Quanto ao responsável, a Lei de Licitações atribui ao fiscal o acompanhamento e fiscalização do contrato. Portanto, nada mais coerente que este seja o responsável pela verificação de qualidade do objeto contratado.
No que tange ao momento, olhando pelo prisma de qualidade de Garvin, definidos nos seus aclamados artigos da década de 80, percebemos que o momento eleito pela lei para a verificação de qualidade não parece ser o mais adequado, porquanto das oito dimensões de qualidade (GARVIN, 1984), a Confiabilidade, que reflete a probabilidade do produto falhar em determinado período de tempo; a Durabilidade, que é a medida da vida do produto e a Qualidade Percebida, que é a mais subjetiva das dimensões de qualidade e associa-se a uma série de fatores combinados, são fatores que demandam um tempo de uso para a sua adequada avaliação e principalmente para a formação de valor sobre o produto por parte do usuário final.
Dessa forma, propõe-se uma avaliação posterior ao recebimento definitivo do produto, mais precisamente após um tempo de uso e observação.
Esta definição de tempo de forma objetiva pode ter como parâmetro a Lei nº 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (BRASIL, 1990)
Seria, então, de 90 (noventa) dias o prazo limite para a verificação da qualidade do produto, em se tratando de produtos duráveis, a contar do recebimento definitivo. No mesmo sentido, de 30 (trinta) dias para bens não duráveis.
Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas compras públicas, vale lição do Advogado Geral da União, José Ricardo Pereira Júnior[10]:
[…] o Código de Defesa do Consumidor é aplicável favoravelmente para o Poder Público, notadamente nas hipóteses em que o Poder Público encontra-se em uma situação de hipossuficiência.
Sendo assim, a Advocacia Pública deve requerer a sua aplicação judicialmente e exigir que conste expressamente menção a este dispositivo nos editais de licitação e contratos administrativos sem que isso signifique abdicar das prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público.
Situação justificada pela própria definição de consumidor prevista na Lei nº 8.078/90:
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (BRASIL, 1990)
Como a Administração contrata para atender suas necessidades e uso finalístico próprio, considerada, portanto, consumidora na acepção da lei e consequentemente aparada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, diante da ausência de normativos e disposições acerca da avaliação de qualidade para os produtos contratados pela Administração, eis que esta sugestão de avaliação a ser lançada pelo fiscal, no prazo analógico do código de proteção ao consumidor, pode ser um instrumento de grande valia na busca pela efetiva eficiência nas compras governamentais.
2.6 Outros fatores que podem ser objeto de avaliação
Muito embora o presente estudo tenha limitado a avaliação na qualidade do produto de per si, não obsta que se registre outros fatores que também podem ser avaliados e trazer benefícios às compras públicas, tais como Prazo, donde se avaliaria o cumprimento dos prazos definidos em contrato; Documentação, para verificar a adequação documental, como notas fiscais, manuais e garantias e Quantidade, onde o cumprimento da quantidade definida em contrato seria também verificada e valorada.
Destarte, a partir de todas estas avaliações expostas a Administração teria ainda um vasto banco de dados para produzir relatórios, estudos e indicadores a ponto de mostrar ou retratar para os gestores a situação da efetiva qualidade dos produtos e fatos relacionados e consequentemente subsidiar tomadas de decisão sobre o tema.
3. PROPOSTA/CONTRIBUIÇÃO
Seguindo a esteira da ausência de detalhes acerca da análise e avaliação da qualidade dos produtos e serviços que a Administração contrata, este trabalho propõe criar uma fase de avaliação de qualidade no pós-compra, de modo a verificar a efetividade da eficiência na contratação servindo de referência inclusive na tomada de decisão para as futuras contratações.
A proposta é avaliar os produtos, a obrigação de dar, restando a sugestão de estudos em outra via, a fim de ampliar a possibilidade para serviços também.
3.1 Dos critérios de avaliação
Inicialmente, pode-se utilizar um questionário de avaliação dos produtos contratados e recebidos pela Administração. Esse questionário tem como base as oito dimensões da qualidade de GARVIN (1984).
Por conseguinte, seriam avaliados:
Cada dimensão pode ser valorada de 0 (zero) a 1 (um) ponto numa escala de três níveis; 0 (zero) ponto, que significa que a dimensão avaliada não foi atendida; 0,5 (meio) ponto, que demonstra que a dimensão avaliada foi parcialmente atendida; e 1 (um) ponto, que denota atendimento completo ao quesito avaliado.
Sendo oito dimensões, a avaliação total do produto poderá chegar a 8 (oito) pontos.
Esse questionário poderia ser respondido, de maneira eletrônica, em um módulo a ser criado dentro do Sicaf-Comprasnet,[11] por exemplo. O que demandaria pouco tempo ao responsável para tanto e ficaria registrado no sistema para futuras avaliações e pesquisas.
3.2 Do responsável pela avaliação
Pelo exposto nesse trabalho, resta induvidoso que o responsável pela Avaliação de Qualidade do Produto, a qual pode-se batizar com a alcunha de “AQP”, para simplificar a praxe administrativa acostumada a tantas siglas, seria o fiscal do contrato, aquele previsto no art. 67 da Lei nº 8.666/93 como o responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato, bem como pelo recebimento provisório das compras nos termos do art. 73, II, da mesma Lei, e também em alguns casos, designado para o recebimento definitivo do objeto.
Mais uma atribuição ao fiscal, já tão cheio delas por imposições normativas, mas não menos importante. O fiscal é o mais indicado, não somente por imposição legal, mas por ser ele a personificação da Administração na relação contratual com o fornecedor. Em geral, é indicado pela unidade requisitante, além do mais, é quem, naturalmente, deve entender do objeto minimamente.
Neste raciocínio, a médio e longo prazo, espera-se que o zelo do fiscal na AQP possa gerar reflexos indiretos no mercado, a ponto dos fornecedores se preocuparem em levar às licitações produtos de boa qualidade, dadas as repercussões que podem advir de uma baixa AQP para os futuros certames, conforme demonstraremos a seguir.
3.3 Do prazo para avaliação
Seguindo a esteira de raciocínio exposta para a aplicação analógica do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, o fiscal teria, então, um prazo de 30 (trinta) dias para efetivar a AQP, considerando bens não duráveis, e 90 (noventa) dias para bens duráveis, ambos contados a partir do recebimento definitivo do produto, ou ateste da nota fiscal.
Sublinhe-se que este prazo, depois do recebimento definitivo, permite uma avaliação com base nas oito dimensões de qualidade de Garvin (1984), mormente a Confiabilidade, a Durabilidade e a Qualidade Percebida, que são dimensões de avaliação que demandam um lastro temporal para uma correta definição e, ainda, para uma verificação mais detida da percepção do produto por parte do usuário final, as quais restariam prejudicadas se a Avaliação ocorrer entre o recebimento provisório e definitivo.
Interessante é poder usar o produto, manejá-lo, aplicá-lo às necessidades da Administração para que se tenha uma noção mais fidedigna da sua qualidade e do seu impacto no contexto da contratação.
3.4 Da repercussão da avaliação da qualidade do produto
3.4.1 Do critério de desempate
Proposta uma avaliação por meio de questionário eletrônico, este pode ser incluído no Sicaf, regulado pela Instrução Normativa do Ministério do Planejamento nº 03, de 26 de abril de 2018, onde restaria registrada a AQP, no respectivo CNPJ da empresa contratada, responsável pela entrega. Essas AQP’s gerarão uma pontuação às empresas contratadas, que serão somadas pelo sistema eletrônico a cada lançamento de avalição pelo fiscal.
A pontuação da empresa poderá ser utilizada em futuras licitações como critério de desempate. Nesta esteira, quando duas ou mais empresas se empatarem num certame licitatório, a pontuação registrada no Sicaf, referentes às AQP deverão ser utilizadas para o desempate, vencendo a que tiver com a maior pontuação registrada até o momento.
Não se pode olvidar que a empresa teria interesse em ofertar produtos de boa qualidade e, consequentemente, aumentar sua pontuação no cadastro de fornecedores, sabedora que esta pontuação poderia ser utilizada como critério de desempate numa licitação.
A despeito da matéria, a Lei nº 8.666/93, prevê em seu artigo 45, parágrafos segundo e terceiro:
Sobreleva notar que a pontuação do licitante referente à AQP seria uma maneira mais interessante e proveitosa à Administração do que um critério qualquer que se baseie na sorte.
O Regime Diferenciado de Contratação Pública avançou um pouco mais nesta questão:
Art. 25. Em caso de empate entre 2 (duas) ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
I – disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta fechada em ato contínuo à classificação;
II – a avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que exista sistema objetivo de avaliação instituído;
III – os critérios estabelecidos no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; e
IV – sorteio.
Parágrafo único. As regras previstas no caput deste artigo não prejudicam a aplicação do disposto no art. 44 da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.
Note-se que o inciso II prevê o instituto da Avaliação do Desempenho Contratual Prévio, a depender da criação de sistema objetivo de avaliação.
Eis, portanto, mais uma função que poderá ser adequadamente preenchida pela AQP, que servirá de critério objetivo para aferição do desempenho anterior do licitante, uma vez que este sistema específico previsto pela Lei do RDC ainda não fora desenvolvido.
3.4.2 Criação de cadastro de empresas que vendem produtos de qualidade para a Administração Pública
O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) mantém o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), que consolida a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções, tendo como efeito restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública.[12] Ora, em sentido reverso, porque não utilizar as pontuações das AQP’s para criar um cadastro ou, até mesmo, ranking de empresas que vendem produtos de boa qualidade para a Administração Pública.
Como sabido, o meio empresarial é movido à concorrência, competição, e seria uma ferramenta interessante às empresas contar com um ranking deste tipo para ilustrarem seus portfólios.
O resultado seria uma competição positiva em que a empresa seria estimulada a ofertar sempre produtos de boa qualidade à Administração, aumentando via de consequência a sua pontuação no ranking.
Estímulos positivos por vezes surtem mais efeitos que os negativos, como é o caso de uma punição, mesmo que seja natural concluir que uma pena pecuniária poderia fazer surtir efeitos positivos, educativos, em se tratando de um ambiente capitalista.
O Enem[13], por exemplo, tem suas pontuações divulgadas pelas escolas em suas divulgações, com o objetivo de atrair alunos para o seu nicho de atuação no mercado. Não obstante, estas escolas, estimuladas em auferir melhores pontuações, através dos seus alunos, claro, propõe medidas específicas para melhorar as notas destes nos exames e consequentemente o resultado são alunos mais preparados. Sobreleva notar que o efeito desse ranking pode servir de instrumento positivo à Administração na busca por produtos de boa qualidade.
3.4.3 Utilização da pontuação na redução de tributos
Posto que há menção há estímulos positivos às empresas, imaginem o que elas fariam para entregar produtos de boa qualidade para a Administração se o estímulo fosse a redução das suas cargas tributárias.
Ora, A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou, em 2014, proposta que reduz as alíquotas de dois tributos (PIS/Pasep e Cofins) para as empresas que comprovarem redução da intensidade de carbono em seus produtos.
O texto aprovado é um substitutivo do deputado Ricardo Tripoli ao Projeto de Lei nº 4.611/12. Segundo o texto, o desconto começa em 20% e pode chegar até a isenção total de PIS/Pasep e Cofins, dependendo do quanto a empresa comprovar de redução da intensidade de carbono em seus produtos. O tempo do benefício poderá ser de 2 a 10 anos, também de acordo com o nível de redução das emissões.
Então, por que não pensar em incentivos fiscais para as empresas que venderem e entregarem produtos de boa qualidade à administração pública?
Se considerarmos o montante dos recursos envolvidos somente no ano de 2017, mais de R$47 Bilhões, imagine que, de todas as contratações, apenas dez por cento resultaram em produtos de qualidade inferior, inservíveis ao uso adequado pela Administração. Penso estar sendo módico neste percentual, uma vez que não temos essa avaliação regulamentada, não há como aferir precisamente estes números, embora a praxe e os relatos apontem para um percentual maior. Teríamos, assim, um desperdício de recursos públicos em torno de R$4,7 Bilhões anuais, por assim dizer, praticamente jogados na lata do lixo.
No caso em tela, passa longe de ser um absurdo considerar uma redução de tributos em troca de produtos de boa qualidade. Desse modo, teríamos efetivamente eficiência no gasto público, comprando produtos de boa qualidade e gastando menos, face ao critério de julgamento mais utilizado, qual seja menor preço.
Ademais, produtos de melhor qualidade levam a crer que tenham melhor durabilidade, melhor aceitação e maior uso pela Administração, levando esta, por exemplo, a comprar menos para reposição. Teríamos um efeito cascata interessante nos procedimentos de compras governamentais.
Devo trazer a lume que tal critério de incentivo fiscal poderia ter como paradigma o programa de troca de pontos por redução de tributos, como o Nota Legal do Distrito Federal, criado pela Lei Distrital nº 4.159, de 13 de junho de 2008.
Art. 1º Fica instituído o programa de concessão de créditos aos adquirentes de bens e mercadorias e aos tomadores de serviços, com o objetivo de incrementar a arrecadação tributária do Distrito Federal por meio de incentivo à solicitação de emissão de documentos fiscais.
Art. 2º A pessoa física ou jurídica adquirente de mercadoria, bem ou serviço de transporte interestadual de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ou tomadora de serviço de contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS fará jus ao recebimento de créditos do Tesouro do Distrito Federal.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se somente em caso de fornecedores ou prestadores estabelecidos no Distrito Federal.
Art. 3º O beneficiário do programa, adquirente ou tomador, incluído o condomínio edilício inscrito no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, faz jus ao valor de até 30% do ICMS ou do ISS efetivamente recolhido pelo estabelecimento fornecedor ou prestador.
I – a proporcionalidade entre o valor do documento fiscal referente à aquisição e o valor total dos documentos fiscais emitidos pelo estabelecimento fornecedor ou prestador, no respectivo mês, considerados os documentos não cancelados e os com indicação do CPF ou do CNPJ do adquirente;
II – em relação a cada documento fiscal, o limite de 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento) para ICMS e 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) para ISS;
III – o total dos recolhimentos efetuados para o mês das respectivas aquisições;
IV – as correções efetuadas pelo contribuinte pelo meio de reenvio do Livro Fiscal Eletrônico para o respectivo mês.
I – nas operações e prestações não sujeitas à tributação pelo ICMS ou pelo ISS; (DISTRITO FEDERAL, 2008)
Programas assim foram implementados por outros entes federativos, como o “Nota Fiscal Paulista”, “Minas Legal”, “Nota Carioca”, “Nota Fiscal Goiana”, dentre outros, dado aos seus sucessos e respectivos retornos aos cofres públicos, em termos de arrecadação.
Os programas sinteticamente consistem em acúmulo de pontos por parte dos consumidores, referente a cada nota fiscal emitida em seus respectivos CPF’s, que, depois de um determinado período, normalmente um ano, podem ser trocados por descontos em impostos como o IPTU e o IPVA ou, até mesmo, em alguns casos, recebidos em espécie.
No campo da AQP, os pontos acumulados pelas empresas e lançados no Sicaf, face às avaliações dos produtos de boa qualidade que venderam para Administração, poderiam ser “trocados” por incentivos fiscais, vide o caso da proposta do PIS/Pasep e Cofins reduzidos ou até mesmo zerados face a diminuição do carbono nos produtos.
Nesse contexto, quanto mais a empresa entregasse produtos de boa qualidade, melhor seria sua pontuação na AQP e, consequentemente, mais pontos teria para serem trocados por benefícios fiscais.
Ao revés, uma outra opção seria manter os pontos e assim não perdê-los em troca da redução dos tributos, de modo a se manterem melhores classificados no ranking de empresas que ofertam produtos de boa qualidade, bem como manutenção da pontuação alta para fins de critério desempate em certames licitatórios, como exposto alhures. Em ocorrendo esta situação, o Estado não teria sequer que lançar mão do atrativo fiscal e da redução na sua arrecadação, para que empresa se mantivesse motivada a entregar produtos de boa qualidade.
3.4.4 Inclusão da avaliação de qualidade dos produtos no ordenamento jurídico
Imperioso concluir que haverá necessidade de inclusão da AQP no ordenamento jurídico, que poderá se concretizar por meio de um Projeto de Lei, de iniciativa do Presidente da República, nos termos do artigo 61, parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1998:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
II – disponham sobre:
Ressalvada a hipótese de criação por meio de medida provisória.
Em vista do exposto, a AQP torna-se uma ferramenta interessante à disposição dos gestores na busca pela efetividade da eficiência nas compras governamentais, cabendo aos governos interessados a implementação das medidas necessárias para sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro e consequente preparo e capacitação dos agentes públicos que ficarão responsáveis pela sua efetivação na praxe administrativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Administração tem necessidade permanente de contratar bens, serviços e obras para a consecução de suas atividades de interesse público. O caminho de regra é proceder às contratações por meio de processo licitatório. Todavia, as contratações públicas, invariavelmente, denotam má qualidade dos produtos contratados, o que se reverte em desperdício de recursos públicos.
Em que pesem os enormes volumes de recursos envolvidos, a Administração não dispõe de mecanismos eficientes para aferir a qualidade dos produtos que contrata. Tal lacuna dificulta sobremaneira um estudo mais apurado sobre a quantidade de produtos de baixa qualidade contratados, ou, ainda, qual o nível de qualidade destes produtos.
Por certo, não podem os órgãos governamentais restarem reféns de práticas desarrazoadas que culminam na compra de produtos pelo menor preço, sem a garantida da qualidade obtida. O princípio da eficiência, insculpido na carta magna de 1988, exige da Administração atuação com dispêndio de menores gastos e a obtenção de melhores resultados, não se admitindo gastar menos sem auferir resultados positivos, pois isto não é eficiência.
A proposta é criar mecanismo de Avaliação da Qualidade do Produto, que possa inicialmente apresentar um retrato para a Administração quanto à qualidade do que se contrata e recebe, além de possibilitar, por outros prismas, instrumentos capazes de efetivarem a eficiência das compras públicas.
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[7] Disponível em: https://sloanreview.mit.edu/article/what-does-product-quality-really-mean/
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[9] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe07089901.htm
[10] Disponível em: www.agu.gov.br/page/download/index/id/521844
[11] SICAF é o Sistema Unificado de Cadastramento de Fornecedores. É um sistema que viabiliza o cadastramento de fornecedores de materiais e serviços para os órgãos/entidade da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, no âmbito do Sistema Integrado de Serviços Gerais – SISG. Uma vez inscrito no SICAF, o fornecedor estará cadastrado perante qualquer órgão/entidade integrante do SISG, em todo território nacional, independentemente do local onde tenha ocorrido o cadastramento. Fonte: https://sicafnet.com.br/oque-e-sicaf/
COMPRASNET é o Portal de Compras do Governo Federal, é um site web instituído pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP, para disponibilizar à sociedade informações referentes às licitações e contratações promovidas pelo Governo Federal, bem como permitir a realização de processos eletrônicos de Aquisição. Para a sociedade, o acesso é restrito pela SICAFnet e os interessados podem visualizar os avisos de licitação, as contratações realizadas, a execução de processos de aquisição pela modalidade de pregão, além de outras informações relativas às contratações realizadas pela Administração Federal. Fonte: https://sicafnet.com.br/oque-e-comprasnet/
[12] Disponível em: http://www.portaltransparencia.gov.br/ceis/saiba-mais
[13] Exame Nacional do Ensino Médio. Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores. O Enem é utilizado como critério de seleção para os estudantes que pretendem concorrer a uma bolsa no Programa Universidade para Todos (ProUni). Além disso, cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja complementando ou substituindo o vestibular. Fonte: http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791
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