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O princípio da liberdade e a bioética

Resumo: Pretende este trabalho demonstrar, por meio de revisão bibliográfica, numa perspectiva civil-constitucional, que o princípio bioético da autonomia, passou a produzir relevantes conseqüências no mundo jurídico, especialmente na relação médico/paciente como instrumento de concretização do Direito à Liberdade, assim entendimento como um dos postulados materiais da Dignidade da Pessoa Humana.


Palavras-chave: Princípio da autonomia; Bioética; princípio da liberdade; Dignidade da pessoa humana.


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Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da liberdade e seu escopo relacionado a bioética e ao direito. 3. O Termo de consentimento livre e esclarecido. 4. Testamento vital. 5. O TCLE e a jurisprudência. 6. Considerações finais.


1) INTRODUÇÃO


O termo liberdade segundo o Dicionário da Língua Portuguesa (NASCENTE, 1988) significa a “faculdade de fazer ou deixar de fazer uma coisa por vontade própria sem se submeter a imposições alheias; condição de homem livre, não pertencente a nenhum senhor; gozo dos direitos de homem livre”.


Partindo deste conceito percebe-se sem grande esforço intelectual que a dignidade humana somente pode existir se o homem for livre, capaz de ter e exercer direitos, pessoas com aptidões e possibilidade de escolha.


Na relação médico/cliente há uma relação entre particulares onde a relação de poder, estabelecida pela disparidade na relação de conhecimento, necessita de condições especificas para que possa ocorrer.


2) PRINCÍPIO DA LIBERDADE E SEU ESCOPO RELACIONADO A BIOÉTICA E AO DIREITO.


Como já afirmou Daniel Sarmento (2006, p. 221) “os particulares são titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida, que deriva do reconhecimento de sua dignidade”.


A liberdade ainda segundo o referido autor (SARMENTO, 2006) encontra uma concepção dualista na liberdade como autonomia privada/liberdade como soberania popular, significando a primeira na chamada liberdade dos modernos, com inspiração no modelo liberal, e a última na chamada liberdade dos antigos, formulada na acepção da polis grega. Concepção que encontra seus paradigmas nas liberdades individuais e na soberania popular.


As liberdades individuais e soberania popular, seguindo o pensamento de Jürgen Habermas (1997), seriam, diferentes da concepção clássica, vez que estas seriam concebidas como direitos naturais, e aquelas como uma criação da coletividade (CANOTILHO, 2008) que as reconhece e as protege.


Sarmento (2006) ainda faz referência as chamadas liberdade positiva e a liberdade negativa, sendo esta última relacionada a possibilidade do individuo de agir ou não agir de acordo com a sua subjetividade e sem elementos coativos externos. É a liberdade com ausência de constrangimento, conclui (SARMENTO, 2006). Já a liberdade positiva seria aquela onde a pessoa tem o direito de se orientar segundo a sua vontade, esta relacionada a autodeterminação (FREIRE DE SÁ, 2003). É a liberdade onde a pessoa reúne as condições para agir sem depender de fatores externos.


Esta distinção hoje em dia, perdeu de certa forma sua relevância, pois para o exercício de qualquer tipo de liberdade é necessário que a pessoa tenha um mínimo de compreensão do que esta liberdade representa. O que é muito difícil em um país cuja desigualdade é enorme.


Para além disso, como é sabido a opressão não vem apenas do Estado, pois o Poder esta espalhado por toda a sociedade (SARLET, 2000), de forma que também as relações sociais (entre particulares, especialmente na relação médico/cliente) podem oprimir e cercear a liberdade da pessoa. Razão para que a liberdade seja vista sob o ponto de vista da pessoa humana e não do Estado.


Sob este percebe-se que a pessoa para se desenvolver e ser concebida como sujeito de direito precisa ter liberdade tanto em suas relações com o estado (autonomia pública do cidadão( SARMENTO, 2006)) como liberdade nas relações inter-privadas (autonomia privada). Para a presente análise é prevalente a questão da liberdade nas relações interprivadas, posto que o reconhecimento da relação médico/paciente ser a seara de sua atuação.


Neste sentido Maria Celina Bodin de Moraes (2003) entende que o princípio da liberdade individual “significa, hoje, poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, exercendo-as como melhor lhe convier”.


Este princípio da liberdade pode ser encontrado no inciso do II do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde é estabelecido que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.


Liberdade neste sentido tem como consectário lógico a autonomia privada (JUNGES, 2007) que busca significar na relação entre médico/cliente o poder deste último de se autodeterminar, de decidir segundo a sua própria vontade a submissão a este ou àquele tratamento (VIEIRA, 2001). Autonomia considerada como elemento essencial da dignidade da pessoa humana baseado na crença do “individuo conformador de si próprio e da sua vida”.(SARMENTO, 2006)


A autonomia privada assim é considerada como instrumento de realização do princípio da liberdade (VIEIRA, 2001) e conseqüentemente da própria dignidade da pessoa humana, vez que “negar ao homem o poder de decidir de que modo vai conduzir a sua vida privada é frustrar sua possibilidade de realização existencial”. (SARMENTO, 2006)


Entretanto, esta autonomia privada, na relação médico/cliente, necessita de um ambiente propício para que possa se concretizar (FABBRO, 2008). Posto que, como é sabido, na relação medico/cliente somente um lado é detentor do conhecimento técnico especializado (BERTONCINI, 2008), consubstanciando um distanciamento entre as partes que passam a compor lados opostos, inversamente proporcionais e dispares na relação de forças e conhecimentos (CARVALHO, 2005).


Neste tipo de situação onde uma parte é privilegiada (médico) em referência outra que possui condições inferiores (BOLTANSKI, 1984) (cliente) é necessária a inserção de outro princípio, a igualdade – que será abordado em momento oportuno -, como elemento basilar das condições a fim de colocá-las em paridade. Sem esta ação equitativa, sem se colocar as partes em iguais condições, não há liberdade (SARMENTO, 2006), dada a superioridade de uma parte em relação a outra.


Sem igualdade de condições, não há liberdade e muito menos respeito a dignidade da pessoa humana, pois como diz um conhecido ditado “entre o fraco e o forte, é a lei que liberta e a liberdade que escraviza”.


A Constituição da Republica reconhece esta necessidade de igualar as condições tanto que reconhece a obrigação do Estado de agir com a finalidade de colocar as partes e igualdade de condições. E não é só isso a Constituição ao reconhecer à autonomia privada o fez em diferentes níveis, conferindo evidentemente mais força as questões da autonomia que dizem com relação a pessoa humana (fonte da dignidade da pessoa humana) e menos força nas questões relacionadas ao patrimônio (SARMENTO, 2006).


Trata-se de uma questão de fundamento da autonomia, vez que não se pode conferir igual proteção a autonomia negocial (STEINMETZ, 2007) e a autonomia nas questões existenciais que dão direto na sua dignidade como pessoa humana. Existe uma hierarquia muito maior no fundamento da autonomia nas questões da pessoa em relação a autonomia negocial.


3) O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


A efetiva concretização da liberdade, como expressão da autonomia da pessoa, no campo da relação médico/cliente se materializa no que se convencionou chamar de termo (RIBEIRO, 2006) de consentimento livre e esclarecido (BAÚ, 2000), cujas origens remontam ao Código de Nuremberg de 1947 (CASABONA, 2005). Este termo antes conhecido como consentimento informado, hoje, como consentimento livre e esclarecido (VAZ, 2007), pois a simples informação é insuficiente são necessários a liberdade e o entendimento para que possa decidir (VIEIRA, 2005).


O termo de consentimento livre e esclarecido ganhou destaque após o Relatório Belmont (NEVES, 2009) de 1978 e do artigo de Tom Beauchamp e James Childress em “Principles of biomedical ethics”, de 1979, sendo bastante difundido nos Estados Unidos e na Europa principalmente pelos Filósofos Emmanuel Lévinas e Hans Jonas, se tornando um dos princípios instrumento do princípio bioético da autonomia.


Para a formulação do termo de consentimento livre e esclarecido é necessário que o dever a existência de correto informação por parte do médico.


Este dever de informação é principio e regra básica do direto consumidor (inciso IV do art. 4º e inciso III do art. 6º, ambos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) além de ser direito fundamental da pessoa conforme enunciado no inciso XIV do art. 5º da CRFB/88, conformando ainda outro princípio das relações contratuais que é a boa-fé objetiva (SOTTO, 2009). Estes preceitos e valores funcionam como base e suporte para o exercício do princípio constitucional da liberdade.


Segundo Giostri (2009), termo de consentimento livre e esclarecido é:


“O dialogo entre o paciente e o provedor de serviço, por intermédio do qual ambas as partes trocam perguntas e informações, culminando com o acordo expresso do paciente com a intervenção cirúrgica ou para um determinado tratamento especifico.”


Mesmo entendimento apresentado por José Carlos Maldonado de Carvalho (2005), no sentido de que o consentimento é um processo.


Este termo é a forma pela qual o médico informa ao cliente, ou ao seu representante, o seu estado de saúde, o diagnóstico, o prognostico e as possíveis formas de tratamento (SCHAEFER, 2006). Esta informação deve ser suficientemente clara, de forma que o cliente que tem formação leiga e às vezes poucas condições de entender o que o médico esta lhe explicando (BOLTANSKI, 1984), possa compreender perfeitamente o que lhe esta sendo informado.


É preciso que o médico expressamente informe ao cliente em condições claras (SCHAEFER, 2006) e precisas é necessário mais, que o cliente consiga entender o que lhe esta sendo explicado (GIOSTRI, 2009). O que nem sempre acontece seja pela ausência de explicação de uma parte seja pela impossibilidade de compreensão da outra.


Como ato capaz de produzir efeitos jurídicos é necessário que tal consentimento respeite os termos de existência, validade e eficácia (VIEIRA, 2005), posto que a ausência de condições ou de informações para a declaração de vontade e a forma pela qual a mesma foi obtida pode tornar o ato inexistente, nulo ou ineficaz.


O cliente deve estar lúcido e ter discernimento para que possa compreender o que esta se passando, situações emergenciais pode retirar este discernimento do cliente dado o estado de perigo. Dado o desconhecimento do cliente das técnicas médicas, é necessário que haja estreita relação entre o que se esta consentindo com a necessidade de restabelecimento da saúde do cliente. Também é necessário que o consentimento seja dirigido a profissional médico com a habilitação necessária para a realização da técnica, o equivoco do cliente, passando consentimento a quem não esteja habilitado é causa de nulidade do mesmo.


Ainda sobre o espectro da declaração de vontade, enquanto consentimento para a realização de determinado ato médico, esta deve ser prévia, não valendo a sua convalidação após o ato (GIOSTRI, 2009). Como é prévia, pode o cliente dela desistir a qualquer momento antes da realização do ato médico, dada a sua liberdade de conformar-se de acordo com a sua vontade.


Se o cliente não tem o necessário discernimento, por ser menor ou por ter um reduzido discernimento, Genival França (1978), entende que ainda assim, por uma obrigação moral, além do consentimento do responsável legal, que é necessário o esclarecimento do ato ao cliente e que seja obtido seu consentimento moral.


4) O TESTAMENTO VITAL


Após a obtenção do consentimento, com o início da realização do ato médico podem surgir questões relacionadas a necessidade de alteração do procedimento inicialmente previsto, ou mesmo a necessidade de novo ato médico não previsto. Nestes casos se o cliente esta lúcido bastará a obtenção de novo consentimento, entretanto, o mesmo não será possível se se encontrar impossibilitado de dizer sua vontade. Nesses casos de incapacidade é necessária a obtenção do consentimento de terceiros, assim considerado como responsáveis legais pelo cliente. Entretanto, como se torna obvio podem surgir várias questões que impedem a obtenção de tal consentimento de terceiros ou mesmo a divergência entre a vontade do cliente com a daquele terceiro.


Nestas situações tem ganhado ênfase o chamado testamento vital (REQUERO IBANEZ, 2002). Termo muito criticado dada a impossibilidade de se falar de eficácia de um testamento durante a vida da pessoa (ASCENSÃO, 2008).


Neste documento, que melhor se assemelha como uma extensão do consentimento livre e esclarecido, o cliente declararia previamente a sua vontade no caso de eventos adversos àqueles previstos na previsão médica inicial. Tem como extensão do consentimento livre e esclarecido, o mesmo fundamento na dignidade da pessoa humana.


Entretanto, dada a impossibilidade de se dispor da própria vida, Ascensão (2008) entende que somente poderia ser respeitado tal documento se ali estivessem estabelecidos critérios de vontade na busca de preservação da vida, não se tornando validos preceitos que intuíssem com a sua terminalidade.


No Brasil ainda não existe legislação que aborde o tema (CALVO, 2009), embora muitos outros países já  conhecem e legitimem o seu uso como os Estados Unidos e a Espanha (REQUERO IBANEZ, 2002).


Inobstante, a sua previsão na legislação brasileira, de certo que a sua existência é perfeitamente possível como uma extensão que é do consentimento livre e esclarecido, conforme já abordado antes.


5) O TCLE E A JURISPRUDÊNCIA


Como pudemos conferir pela analise até exposta o Direito Constitucional de Liberdade alcança e efetiva a dignidade da pessoa humana na relação médico/cliente.


Neste passo, utilizaremos um acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2002) que bem demonstra esta concretização.


RECURSO ESPECIAL Nº 436.827 – SP (2002/0025859-5)

RELATOR : MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR

RECORRENTE : AGENOR MELO FILHO

ADVOGADO : MAURÍCIO RHEIN FELIX E OUTROS

RECORRIDO : MARIA BENEDITA FABEL E OUTRO

ADVOGADO : LAURO MALHEIROS FILHO E OUTROS

RELATÓRIO

O MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR:

Maria Benedita Fabel ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra os médicos Saulo de Tarso Grilo e Agenor Melo Filho. O pedido inicial e as respostas foram assim resumidos na r. sentença: “Afirmou ter perdido a visão no ano de 1980, tendo consultado vários consultórios médicos que a desenganaram até que, por indicação, passou a ser tratada pelo réu Doutor Saulo de Tarso Grilo que passou a lhe dar esperanças, convencendo a efetuar nova cirurgia que, todavia, não foi realizada por ele conforme o combinado (que não tinha especialidade) e sim pelo co-réu Doutor Agenor Melo Filho, às expensas da Previdência Social embora o tratamento fosse particular. Entretanto, a sua visão não foi recuperada, tendo sido liberada do tratamento pelo co-réu Doutor Saulo de Tarso Grilo em agosto de 1993. Segundo e nos termos da inicial, aduziu, assim, ter sido ludibriada pelos réus, que praticaram ato ilícito, ao ponto de fazê-la vender bens imóveis e veículos de sua propriedade para custear as despesas de tratamento médico que reputou inútil, de molde que estariam obrigados a indenizá-la materialmente no montante dispendido e pago a título de honorários e despesas médicas e moralmente, pelo abalo sofrido, na quantia mínima de quinhentos mil reais. Citados, os réus contestaram: O réu Saulo de Tarso Grilo, às fls. 57/62. Pugnou pela improcedência, deduzindo que ter havido devolução do que foi pago pela autora que lhe passou quitação geral e, de resto, prestou serviços médicos de meio e não de resultado. O réu Agenor de Melo Filho, às fls. 78/83. Pediu a improcedência. Acedeu a pedido do co-réu para atender a autora que seria paciente carente, sem recursos. Não praticou qualquer ato para enganá-la” (fl. 379).

O primeiro réu não se apresentou para depoimento pessoal, embora intimado, tendo sido aplicada a ele a pena de confissão. O Magistrado concluiu que ambos os réus foram negligentes e imprudentes, pelo que julgou procedente a ação, condenando-os ao pagamento dos danos materiais, no valor do que a autora despendeu com o tratamento e a cirurgia, e dano moral equivalente a cem salários mínimos.

A egrégia Segunda Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo rejeitou a preliminar de incompetência do Tribunal e, no mérito, negou provimento ao apelo do réu e deu provimento, em parte, ao apelo da autora(…) É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 436.827 – SP (2002/0025859-5)

RELATOR : MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR

RECORRENTE : AGENOR MELO FILHO

ADVOGADO : MAURÍCIO RHEIN FELIX E OUTROS

RECORRIDO : MARIA BENEDITA FABEL E OUTRO

ADVOGADO : LAURO MALHEIROS FILHO E OUTROS

VOTO

O MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator):(…)

4. A questão da culpa não pode ser aqui revista. O recorrente e seus patronos manifestaram absoluta inconformidade com a análise da prova feita pela egrégia Câmara. Esse foi o principal motivo pelo qual dei provimento ao agravo regimental, o que permitiu o exame dos autos. A conclusão a que chego, apesar das inúmeras declarações fornecidas por respeitáveis oftalmologistas e do reconhecimento da qualificação profissional do médico-recorrente, é a de que o acórdão recorrido não se afastou da prova para manter o juízo de procedência da ação; não violou regra sobre prova ao descrever os vários motivos de fato pelos quais impunha-se o acolhimento do pedido da autora. Disse o il. Relator: “São fatos incontroversos … a paciente foi recebida em anexo do Hospital da Beneficência Portuguesa, destinado aos atendimentos de emergência, para vítimas de atropelamento, de indigentes e de contribuintes do INSS; constou, sob a responsabilidade de quem iria operá-la, que estava sendo internada de emergência (fl. 430); o internamento de emergência até se justificava, pois o próprio Dr. Agenor admitiu ter diagnosticado uma ‘hemorragia diabética’ (fl. 307 e documento de fl. 25), para depois admitir que não era o caso, ‘mas tinha característica’ (fl. 307); após sete horas de espera a autora foi chamada para trocar de roupas no WC feminino, de uso público no local em que se encontrava; não o fez em quarto particular, a que tinha direito por ter pago o tratamento; em seguida, foi levada pela enfermeira para a sala de cirurgia; ali, o Dr. Agenor lhe fez a seguinte pergunta: ‘O que a Sra. vê? Ela respondeu:Vejo vultos, clarões’ (fl. 303); em seguida, analisou os exames e disse: ‘Vou operar. É uma cirurgia difícil, demorada, vamos fazer? Ela disse vamos’; foi o único diálogo entre a paciente e o cirurgião, tal como ele mesmo reconheceu em seu depoimento pessoal” (fl. 581) … “como já acentuado no único diálogo mantido entre o cirurgião e a paciente, que aconteceu no dia da intervenção, não ficou comprovado, tal como afirmado na contestação do Dr. Agenor, que a paciente foi informada ‘das dificuldades da cirurgia e do prognóstico reservado, como é comum nestes casos’ (fl. 80); estava a paciente, portanto, com a informação enganosa do Dr. Saulo – e verdadeira ante a pena de confissão ficta (fl. 296) – de que ‘poderia ele devolver a visão da autora’ (fl. 03); foi nesta pessoa desconhecida (fl. 415) que o Dr. Agenor confiou, certo de que os riscos da cirurgia haviam sido esclarecidos; foi à esta pessoa desconhecida (fl. 415) que o Dr. Agenor ‘prestou o favor’ de aceitar a paciente necessitada; foi esta pessoa desconhecida (fl. 415) que, depois de ter recebido importância equivalente a R$ 65.054,27, devolveu apenas importância equivalente a R$ 5.464,39 (fl. 582)” …. “O Dr. Agenor não custodiou com seriedade a paciente que, submissa e dominada pelos pré-anestésicos, estava ali à sua mercê, na mesa de cirurgia. Saiu-se com evasivas no que tange à necessidade de dimensionar a pressão intra-ocular, diagnosticou hemorragia diabética sem fazer exame algum, limitou-se a conversar com a paciente poucos minutos antes da operação, presumiu que um desconhecido, sem a especialidade exigida para o caso, houvesse informado conveniente a autora sobre os riscos da cirurgia, deixou que a paciente mantivesse a esperança de que o médico em que confiava estava prestes a chegar; enfim, não a custodiou sob o compromisso de seu grau, sob o compromisso de sua vocação, sob o compromisso da medicina” (fl. 584). Assim descritos os fatos, não poderia este Tribunal modificar a conclusão sem que também alterasse a versão acolhida na instância ordinária, o que não lhe permite a Súmula 7/STJ.

Do ponto de vista doutrinário e legal, o r. acórdão apenas acentuou o dever ético do médico de informar o paciente sobre as conseqüências da cirurgia, o que não se confunde com a singela comunicação de que o ato operatório seria difícil e demorado, nada esclarecendo sobre a conveniência da intervenção cirúrgica, resultados, expectativas e possibilidades de êxito ou de agravamento do quadro.

A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar – nos casos mais graves – negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano, ou diminui a possibilidade de êxito. Nas circunstâncias dos autos, assim como admitido pelo Tribunal e acima parcialmente descrito, o dever de informação antes e depois da cirurgia não foi cumprido.

5. A solidariedade foi reconhecida como uma conseqüência da aplicação do art. 159 do CC e da participação dos dois réus nas ações descritas na inicial. Tendo ambos concorrido para os acontecimentos de que foi vítima a autora, os dois respondem pelo resultado, solidariamente, nos termos do art. 1518 do CC. O recorrente se inseriu nessa cadeia causal ao aceitar o pedido de realizar a operação, nas condições em que isso aconteceu, concorrendo decisivamente para que a paciente fosse submetida a uma cirurgia que se entendeu desnecessária (fl. 380) e sem a informação adequada.(…)

7. Posto isso, conheço em parte do recurso e lhe dou parcial provimento, para excluir o recorrente da condenação pelo dano material e reduzir o valor da indenização pelo dano moral a R$ 40.000,00, corrigido desde hoje, mantida nesse ponto a solidariedade.

É o voto.”

O acórdão em comento professa especial importância ao consentimento livre e esclarecido, demonstrando de forma cabal a concretização do Direito de liberdade do cliente em sua relação com o médico.


O voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar deixa claro este ponto ao exarar o seguinte:


“A despreocupação do facultativo em obter do paciente seu consentimento informado pode significar – nos casos mais graves – negligência no exercício profissional. As exigências do princípio do consentimento informado devem ser atendidas com maior zelo na medida em que aumenta o risco, ou o dano. Recurso conhecido.”


Fica evidente a necessidade do dever de informação e não deve ser qualquer informação esta informação deve deixar claro para o cliente os riscos e as possibilidades do ato médico. Existe a necessidade de não somente informar que existem riscos é necessário dizer e explicar quais os riscos, como o voto menciona.


“Do ponto de vista doutrinário e legal, o r. acórdão apenas acentuou o dever ético do médico de informar o paciente sobre as conseqüências da cirurgia, o que não se confunde com a singela comunicação de que o ato operatório seria difícil e demorado, nada esclarecendo sobre a conveniência da intervenção cirúrgica, resultados, expectativas e possibilidades de êxito ou de agravamento do quadro.”


Também fica evidente no voto a necessidade de condições próprias para se obter o consentimento livre e esclarecido, o que conforme relatado na ocorreu.


“O Dr. Agenor não custodiou com seriedade a paciente que, submissa e dominada pelos pré-anestésicos, estava ali à sua mercê, na mesa de cirurgia. Saiu-se com evasivas no que tange à necessidade de dimensionar a pressão intra-ocular, diagnosticou hemorragia diabética sem fazer exame algum, limitou-se a conversar com a paciente poucos minutos antes da operação, presumiu que um desconhecido, sem a especialidade exigida para o caso, houvesse informado conveniente a autora sobre os riscos da cirurgia, deixou que a paciente mantivesse a esperança de que o médico em que confiava estava prestes a chegar; enfim, não a custodiou sob o compromisso de seu grau, sob o compromisso de sua vocação, sob o compromisso da medicina.”


6) CONSIDERAÇÕES FINAIS


A Liberdade, portanto, para ser exercida necessidade de condições favoráveis para sua ocorrência e não relação médico/cliente estas passam por circunstancias que se traduzam na efetivação de uma maior igualdade na relação de poder entre as partes envolvidas.


De certo que uma pessoa já desapossada de roupas, sob a mesa de cirurgia submissa e colocada sob a vontade e os olhares da equipe médica que aguarda pela cirurgia não tem condições, não tem liberdade de exercer com serenidade as suas escolhas, ainda mais quando não lhe é informado sobre os riscos do ato médico. De certo que para quem se vê no desespero qualquer esperança se torna um porto seguro e grande motivador.


Como demonstrado o direito à liberdade, como substrato material da dignidade da pessoa humana, encontra boas condições de se efetivar por meio da do exercício da autonomia privada.


 


Referências

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BOLTANSKI, Luc. As classes sociais e o corpo. Rio de Janeiro, Graal, 1984.

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STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada restritivos de direitos fundamentais. Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

VIEIRA, Luzia Chaves. Responsabilidade civil médica e seguro: doutrina jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

Informações Sobre o Autor

Wesllay Carlos Ribeiro

Doutorando em Direito pela PUC Minas, Mestre em Direito pela UNESA, Professor Assistente da Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha UNIFAL-MG


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Equipe Âmbito Jurídico

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