Autor: VIEIRA, Matheus Levy da Silva. Acadêmico do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: matheuslevysta@gmail.com
Orientadora: CASTRO, Kádyan de Paula Gonzaga. Professora Especialista e Orientadora do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG). E-mail: kadyancastro@hotmail.com
Resumo: A presente pesquisa tem como escopo, analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal, face ao tema da execução provisória da pena e o princípio da presunção de inocência. Objetiva-se promover um resgate histórico das decisões da Suprema Corte, os argumentos utilizados pelos Ministros, bem como compreender o instituto da presunção de inocência ante aos dispositivos da Constituição Federal de 1988, além de um rápido e sintético estudo do fenômeno da mutação constitucional. Assim, o presente estudo procura albergar os principais argumentos que justificam ou não a chamada execução antecipada da pena.
Palavras-chave: Execução Provisória da Pena; Presunção de Inocência; Mutação Constitucional.
Abstract: The present research aims to analyze the decisions of the Supreme Federal Court, in view of the theme of the provisional execution of the sentence and the principle of the presumption of innocence. The objective is to promote a historical recovery of Supreme Court decisions, the arguments used by the Ministers, as well as to understand the institute of the presumption of innocence before the provisions of the 1988 Federal Constitution, in addition to a quick and synthetic study of the phenomenon of constitutional mutation. Thus, the present study seeks to house the main arguments that justify or not the so-called early execution of the sentence.
Keywords: Provisional Execution of Penalty; Presumption of Innocence; Constitutional Change.
Sumário: Introdução; 1. Breve apanhado Histórico; 2. Seletividade Do Sistema Processual Penal; 3. Fenômeno Da Mutação Constitucional; 4. Da Presunção De Inocência (Ou Da Não Culpabilidade); Considerações Finais; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Para a Constituição Federal de 1988, o princípio da presunção de inocência ou presunção de não culpabilidade, ora tratados pela doutrina como sinônimos, ora tratados como termos distintos, é um mandamento constitucional que estabelece que, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, criando um verdadeiro estado de inocência no indivíduo.
Neste sentido, o presente estudo procura compreender os principais argumentos que justificam ou não a execução provisória da pena, bem como a interpretação sistemática através da análise da estrutura processual penal, e, o sentimento de impunidade que a demora na execução da pena pode causar na sociedade.
Desse modo, o presente trabalho busca promover levantamentos se tal mudança, que proibiu a antecipação da execução da pena após o acórdão condenatório, é constitucional ou inconstitucional, sob a ótica do meio informal de mudança da Constituição, analisando os principais argumentos que justificam a restrição do alcance do artigo 5°, LVII, da Constituição Cidadã de 1988.
Também, busca examinar se o novo entendimento do STF configura mutação constitucional ou mutação inconstitucional, sob a perspectiva do estado de inocência e o conceito de trânsito em julgado, e em qual local se exterioriza o sentimento da sociedade.
Portanto, a questão auferida neste estudo é comprovar que de um lado, subsiste o princípio da inocência ou da não culpabilidade, de outro, o da efetividade mínima do sistema penal, rótulo genérico sob o qual se abrigam valores importantes como a realização da justiça, a proteção dos direitos fundamentais, o patrimônio público e privado, e a probidade administrativa.
O método utilizado será o dedutivo, com metodologia descritiva e exploratória. A pesquisa descritiva tem a função de analisar, verificar, observar e descrever fatos ou fenômenos, buscando conhecer diversas situações ocorridas na vida social. (LAKATOS; MARCONI, 2003). Já a pesquisa exploratória não requer muito conhecimento prévio sobre o pesquisado, a mesma se restringe por definir objetivos e buscar mais informações sobre determinado assunto de estudo. (OLIVEIRA, 2004).
No Brasil, o início do cumprimento da pena logo após a segunda instância era a regra, em razão de os recursos especial e extraordinário não serem dotados de efeito suspensivo.
Em 2009, no julgamento do habeas corpus nº 84.078, o STF decidiu pela inconstitucionalidade desse instituto. Em 2011, a Lei nº 12.403 alterou o art. 283 do Código de Processo Penal, adequando-o ao entendimento da corte, de modo a permitir a prisão para fins de cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da condenação.
O último entendimento que admitia a prisão foi decidido por sete votos a quatro pelo Guardião da Constituição em fevereiro de 2016, e mantido em uma nova decisão na corte em outubro do mesmo ano, por seis votos a cinco. Os réus condenados nessa situação teriam direito a recorrer aos tribunais superiores, mas não em liberdade.
Contudo, em 07 de novembro de 2019, a Suprema Corte decidiu, por maioria de seis a cinco, que o cumprimento da pena deve começar após o esgotamento de todos os recursos, no entanto, é possível a prisão antes do trânsito em julgado, desde que sejam preenchidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal para a prisão preventiva.
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019). (BRASIL, 1941).
Neste prisma, a liberdade é a regra e a prisão exceção, sendo imprescindível, demonstrar a presença do fumus commissi delicti[1] (fumaça do cometimento do crime) e periculum libertatis[2] (perigo na liberdade do agente), sob pena de coação ilegal, passível de correção via Habeas Corpus.
2. SELETIVIDADE DO SISTEMA PROCESSUAL PENAL
A importância da presente discussão está atrelada ao fato de que, as consequências do estado de inocência se amortizam após a condenação de segundo grau, ou seja, na medida em que o processo avança a presunção de inocência perde forças, e confirmada a condenação em segunda instância ela fica sem força nenhuma.
Por conseguinte, em regra, quem interpõem recursos extraordinários ou especiais são aqueles que detêm considerável capacidade econômica, e, algumas vezes, os utilizam com mero propósito protelatório, afim de buscar a prescrição penal. Na maioria das vezes, tais recursos exigem a contratação de bons advogados, o que não é possível para os menos favorecidos, os quais, muitas vezes são beneficiários da justiça gratuita e defendidos pela Defensoria Pública, têm seu trânsito em julgado concretizado no segundo grau, sem a possibilidade a pleitear nas últimas instâncias, isso quando já não estão presos cautelarmente, o que ocorre em grande parte das vezes.
Segundo Zaffaroni (2011), a seletividade trata-se de um controle social punitivo institucionalizado que atua desde a ocorrência ou suspeita de ocorrência de um delito até a execução da pena.
Sabe-se que essa seletividade atinge principalmente os negros e os pobres, e é capaz de causar efeitos prejudiciais, mesmo que de forma indireta, como a inobservância dos princípios da presunção de inocência, a ampla defesa e o devido processo legal.
A seletividade do sistema penal, nas palavras de Bitencourt: “significa, em poucas palavras, submeter o exercício do ius puniendi ao império da lei ditada de acordo com as regras do consenso democrático, colocando o Direito Penal a serviço dos interesses da sociedade, particularmente da proteção dos bens jurídicos fundamentais, para o alcance de uma justiça equitativa”. (BITENCOURT, 2015, p.42)
Ademais, há excessivos recursos no ordenamento legal penal pátrio, o que permite protelar sucessivamente o fim do processo, o que vem a favorecer situações de impunidade, favorecendo principalmente réus abonados financeiramente, como políticos e pessoas influentes. Juristas a favor da prisão antecipada defendem que, após a condenação em segundo grau, os réus, devem ser recolhidos à prisão, pois, já não há mais dúvidas acerca da autoria e da materialidade do fato criminoso.
Por esse conjunto de razões, parte dos doutrinadores defendem como mais benéfico a manutenção da linha adotada pelo Guardião da Lei Maior, entre 2016 e 2019, qual seja, a possibilidade de executar a pena após o acórdão condenatório, o que contribui para desfazer a exacerbada disfuncionalidade do sistema penal brasileiro.
3. FENÔMENO DA MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
O fenômeno da Mutação Constitucional, nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos (2011), nada mais seria do que o processo informal de mudança das constituições que atribui novos sentidos aos seus preceitos, significados e conteúdos antes não contemplados.
Desse modo, percebe-se, que a mutação constitucional é inerente a todo Estado Democrático de Direito, e visa, precipuamente, adequar o texto da Carta Política à realidade social, por um processo informal, buscando, sempre, a evolução do Direito como um organismo vivo, um todo orgânico.
Todavia, no caso da decisão levada a efeito pela Corte Maior, na paradigmática data de 07 novembro de 2019, quais sejam, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, alguns juristas entendem que não há evolução alguma, senão verdadeiro retrocesso, tendo em vista que, a jurisprudência adotada pela Suprema Corte desde 2016, permitia a prisão após o acórdão condenatório.
Vale salientar que, a propositura das ADCs[3] inquiria a harmonia do artigo 283 do Código de Processo Penal[4] com a Magna Carta de 1988.
Contudo, na decisão supracitada restabeleceu-se, a garantia do acusado ser levado preso, somente após o trânsito em julgado.
Assim sendo, diante da não declaração de inconstitucionalidade do artigo mencionado pelo STF, mantendo-se sua origem constitucional intacta, qualquer tentativa de se inserir na Lei Maior dispositivo que afronte o princípio da não culpabilidade, por se tratar esta de cláusula inserida em direitos e garantias individuais, simplesmente, pode-se evidenciar uma fraude à Constituição e que assim será declarada inconstitucional.
4. DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (OU DA NÃO CULPABILIDADE)
Cesare Beccaria (2012), em sua célebre obra Dos delitos e das penas, já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.
Nos dizeres de Alexandre de Moraes (2014), sobre a presunção de inocência, há a necessidade de o Estado comprovar a culpa do indivíduo que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de retroceder ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções, sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente.
Esse princípio fora, na história da humanidade, cruelmente negligenciado, porém, em 1789 com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirado pelo movimento iluminista na França, ganhou força, tendo expressamente em seu art. 9°: “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”. (Brasil, 1789)
Desse modo, verifica-se a qualidade do sistema jurisdicional pela observância de tal preceito, de forma que será realmente eficaz o sistema que respeita seus princípios. Segundo Rogério Sanches (2017), o princípio da presunção de inocência tem sentido dinâmico, modificando-se conforme se avança a marcha processual. Dessa forma, se no início do processo a presunção pende efetivamente para a inocência, uma vez proferido julgamento, em recurso de segunda instância, essa presunção passa a ser de não culpa, pois, nessa altura, encerrou-se a análise de questões fáticas e probatórias.
Já para Lenza (2011), a prisão do acusado, antes do trânsito de sentença penal condenatória, contraria o princípio constitucional da presunção de inocência. Todavia, pode-se afirmar que o instituto da prisão preventiva não fere a garantia constitucional da inocência presumida, uma vez que seja realizado de acordo com as formalidades e necessidades expressas em nosso ordenamento jurídico, em consonância com os parâmetros constitucionais.
Aury Lopes Junior (2015) destaca que a presunção de inocência é princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal. Dessa maneira, o princípio supracitado impõe um verdadeiro dever de tratamento, exigindo-se que o réu seja tratado como inocente.
Por sua vez, para o doutrinador e professor Rogério Sanches Cunha (2016): “o princípio da presunção de inocência ou de não culpa, não é violado pela execução provisória da pena, pois, o principio mencionado tem sentido dinâmico, ou seja, varia conforme o transcurso do feito, quanto mais provas e condenações se reúnem, a presunção de inocência ou de não culpa, após o julgamento de segundo grau, deve ser temperada, acarretando a execução penal provisória”.
Outro aspecto que merece destaque é a correlação da presunção de inocência com outros princípios constitucionais, principalmente, o devido processo legal e o in dubio pro reo. Apesar do princípio da presunção de inocência somente ter sido incorporado em nosso ordenamento jurídico, com a Constituição Federal de 1988, isso não implica dizer que, até então, o país era estranho a tal princípio, porque as garantias processuais do contraditório e da ampla defesa já existiam como fatores pertencentes ao devido processo legal (artigo 5º, LIV c/c artigo 5º, LV, CRFB/88).
No âmbito do devido processo legal, a presunção de inocência representa uma defesa ao arbítrio punitivo. O acusado deve ser julgado de forma justa, asseguradas todas as garantias inerentes ao art. 5º, LIV e LV da Constituição, respeitando ainda o princípio da dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana é trazida na Carta Magna de 1988 como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, vejamos: “art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana”.
Por estar expressamente previsto na constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos pilares da aplicação do direito em todas as suas áreas e, em especial, também quando falamos em qualquer tipo de segregação ou limitação de direitos, como é o caso da prisão preventiva. Assim, a dignidade da pessoa humana é a base sobre a qual todo e qualquer direito e garantia individual é erguido e sustentado.
Já o princípio do in dubio pro reo está previsto implicitamente no artigo 386, II do CPP, segundo o qual o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que se reconheça não existir prova suficiente para a condenação. Dessa forma, o Estado somente pode exercer o ius puniendi, respeitando todo o trâmite processual e as garantias do réu.
O Processo Penal como suplemento do Direito Penal deve ser aplicado, de maneira justa, observando-se os princípios supracitados, a fim de resguardar e respeitar os direitos e garantias individuais.
Assim, a ordem constitucional brasileira não exige o trânsito em julgado para a decretação de prisão. O que se exige é a ordem escrita e fundamentada da autoridade competente (CF/1988, art. 5°, LVII e LXI).
De acordo com o voto proferido pelo ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, em 2019: “o pressuposto para a decretação da prisão no direito brasileiro não é o esgotamento de qualquer possibilidade de recurso em face da decisão condenatória, mas a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. A regra, portanto, é a reserva de jurisdição para decretação da prisão, e não o trânsito em julgado. Tanto assim é que o sistema admite as prisões processuais – preventiva e temporária –, bem como prisões para fins de extradição, expulsão e deportação. Todas elas sem que se exija trânsito em julgado”. (BARROSO, Luís Roberto, Min. STF, 2019).
Em diversos países, como Estados Unidos, França, Espanha e Argentina a execução da condenação ocorre após o 1° grau e nos demais se dá em 2° grau. Ademais, nos principais documentos e convenções de direitos humanos, tampouco exigem o trânsito em julgado, bastando comprovar a culpabilidade. Vejamos:
iii) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (Art.14 – §2: Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa;
Nas Ações Diretas de Constitucionalidade de N° 43 e 44, postulou-se pela declaração de constitucionalidade, do artigo 283 do Código de Processo Penal, que previa: “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. (BRASIL, 1941).
Contudo, após o Pacote Anticrime – Lei N° 13.964/2019, o artigo supramencionado passou a ter a seguinte redação: “Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”. (BRASIL, 1941).
Percebe-se que ambas as ações apontavam uma suposta omissão da Corte Suprema, quanto à validade do referido dispositivo legal, que, em seu sentido literal, impediria o cumprimento da pena antes da sentença transitada em julgado. No entanto, se o dispositivo legal não impede a prisão antes mesmo da sentença de primeiro grau, porque deveria impedir após a condenação em segundo grau?
Dessa maneira, o Ministro Luís Roberto Barroso, enfatizou em seu voto, nas ADC’s mencionadas, ao dizer que: “deve-se conferir interpretação conforme a Constituição ao art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 12.403/2011, para se excluir a possibilidade de que o texto do dispositivo seja interpretado no sentido de obstar a execução da pena depois da decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”. (BARROSO, Luís Roberto, Min. STF, 2019).
Trata-se, portanto, de uma decisão interpretativa que apenas exclui uma das possibilidades de sentido da norma, afirmando-se uma interpretação alternativa, compatível com a Magna Carta. Assim, é possível executar a pena após a condenação em segundo grau e antes do trânsito em julgado.
Outrossim, outro ponto que necessita ser levado em consideração é a definição da expressão “trânsito em julgado”. De acordo com a doutrina especializada e a jurisprudência predominante, esse conceito faz referência ao esgotamento total dos recursos possíveis.
Segundo Rogério Sanches (2017), o conceito de trânsito em julgado, no processo penal, não está relacionado ao esgotamento de todos os recursos, mas ao esgotamento da análise fática, como aliás ocorre em outros países igualmente democráticos, em que se operam cortes constitucionais, e cujos recursos têm efeitos rescisórios. Nesses países, é inconcebível que um condenado em segunda instância aguarde o pronunciamento de cortes superiores para iniciar o cumprimento da pena.
Entretanto, no Brasil, grande parte da doutrina entende por trânsito em julgado a decisão ou acórdão judicial da qual não se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque o prazo para recorrer terminou ou por acordo homologado por sentença entre as partes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do conteúdo exposto, podemos afirmar que a garantia da presunção de inocência é um direito fundamental de todos os cidadãos, sem qualquer distinção, garantido pelo direito nacional e internacional, e deriva do direito fundamental da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Partindo desse pressuposto, o acusado não pode ser encarado na qualidade de autor da infração penal, antes de transitada em julgado a sentença penal condenatória, devendo ser tratado de forma digna no decorrer do processo, sem sofrer exposição vexatória ou constrangimento ilegal.
Ademais, a acusação deve comprovar a culpabilidade do sujeito, tendo em vista que o indiciado possui o direito de respeito e consideração. Desse modo, fica vedada qualquer prematuridade de juízo condenatório ou verificação de possíveis e hipotéticas existências de culpabilidade, seja por incidentes na prática, seja por palavras, gesticulações ou qualquer outra natureza de acusação com impropriedade que mantenha o acusado em situação de afronta ou vexação.
Em relação à aplicabilidade e pertinência da presunção de inocência, essas não estão apenas restringidas nos âmbitos do direito processual penal e do direito penal. É valido assimilar que, embora essa garantia fundamental esteja historicamente relacionada ao processo penal, também possui repercussões fora das esferas criminais, em prol da sociedade e em oposição ao abuso de poder, opressão ou despotismo do Estado.
Outrossim, os recursos, especialmente, o especial e o extraordinário não podem ser manejados para requerer a inocência do agente, quer dizer, não é possível a reanálise de mérito em relação ao fato. Na verdade, o que se discute, para além da apelação, é a adequação das decisões, a interpretação da lei Constitucional, Federal e outras questões, preponderantemente, formais.
Isso significa que, após o segundo grau de jurisdição, não há mais discussão em relação ao fato de o réu haver cometido ou não o crime. O que se discute é uma eventual nulidade ou vício do processo. Insculpe, desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro, a presunção de culpabilidade, na medida em que apenas a revisão criminal pode devolver, materialmente, a inocência.
Portanto, não é adequado que a presunção de inocência se mantenha absoluta. Deve haver uma ponderação conforme a progressão da atividade jurisdicional. Ou seja, o ideal é que a presunção de inocência inicie o processo com força absoluta – in dubio pro réu, perdendo potencial na medida em que as condenações são confirmadas – in dubio pro societate. Assim, pois, o ordenamento jurisdicional brasileiro se apoia no garantismo processual penal, repudiando dois extremos: o excesso, qual seja a hipertrofia da punição; e a proteção deficiente do Estado.
Enquanto não houver o duplo grau de jurisdição, sobre matéria fática e de provas, não cabe execução antecipada da pena. Contudo, a partir do esgotamento da matéria fática e da análise probatória, é possível a execução da pena, sendo prescindível aguardar o julgamento de eventuais recursos constitucionais.
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[1] É a comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria. É a fumaça da prática de um fato punível. A prova, no limiar da ação penal, pode ser entendida como grande aproximação à probabilidade da ocorrência do delito.
[2] É o fundamento da prisão preventiva, que pode decorrer em razão do risco para a ordem pública, para a ordem econômica, para a aplicação da lei penal ou para a conveniência da instrução criminal.
[3] Ação Declaratória de Constitucionalidade – Instrumento de controle abstrato de constitucionalidade, consubstanciado por uma ação cujo objetivo é obter a declaração do Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo federal.
[4] Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
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