Resumo: A temática abordada nesta pesquisa busca aprofundar os possíveis desdobramentos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 65/2012, que sendo aprovada pretende alterar substancialmente o instituo do licenciamento ambiental. A problemática apresentada questiona se tal aprovação afrontará de alguma maneira o princípio da proibição do retrocesso socioambiental, interferindo assim no meio ambiente ecologicamente equilibrado. Visando chegar a esta resposta foi realizado um breve estudo sobre a importância do meio ambiente, alocando o mesmo na Constituição Federal, uma síntese do que vem a ser o princípio da proibição do retrocesso socioambiental e a análise do tramitação da PEC em questão, relacionando-a com a afronta ou não ao princípio estudado. Portanto, o escopo basilar da investigação foi compreender os rumos que podem ser tomados com a aprovação da PEC nº 65/2012, por meio de uma pesquisa qualitativa exploratória, focada em doutrina e jurisprudência, relacionando esta direção com o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado.
Palavras-chave: PEC 65/2012. Meio Ambiente. Retrocesso Socioambiental.
Abstract: The theme addressed in this research seeks to deepen the possible ramifications of Proposal of Constitutional Amendment (PCA) No. 65/2012, which is approved intends to substantially alter the institution of environmental licensing. The problematic presented questions whether such approval will somehow address the principle of banning socio-environmental regression, thereby interfering with the ecologically balanced environment. Aiming to arrive at this answer, a brief study was carried out on the importance of the environment, allocating the same in the Federal Constitution, a synthesis of what is the principle of the prohibition of socio-environmental regression and the analysis of the PCA process in question, Or with the affront or not to the studied principle. Therefore, the basic scope of the research was to understand the directions that can be taken with the approval of PCA No. 65/2012, through a qualitative exploratory research, focused on doctrine and jurisprudence, relating this direction with the right to an ecologically balanced environment.
Keywords: PCA 65/2012. Environment. Socio-environmental retraction.
Sumário: Introdução. 1. O Meio Ambiente e a Constituição Federal. 2. O princípio da Proibição do Retrocesso Socioambiental. 3. A Proposta de Emenda Constitucional 65/2012. 4. A aprovação da PEC 65/2012 como afronta ao princípio da Proibição do Retrocesso Socioambiental. Conclusão.
Introdução
Cada vez mais a questão ambiental tem sido objeto de inúmeras discussões ao redor mundo, especialmente quando gradativamente a degradação tem se tornado visivelmente perceptível. A relação entre o homem e o meio ambiente, que teve sempre como seu fundamento o sistema de exploração, vem sofrendo alterações diárias, sendo que a devastação ambiental pode em muito pouco tempo colocar em risco a própria existência do homem.
Diante deste cenário não muito favorável, agravando ainda mais a situação, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2012, que se aprovada trará mudanças significativas no instituto do licenciamento ambiental, mudanças estas desfavoráveis para o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A tramitação da proposta tão polêmica foi o foco irradiador para a origem do presente estudo, que teve na sua metodologia a utilização da pesquisa qualitativa exploratória, fundamentada em doutrina e jurisprudência.
Justifica-se esta abordagem uma vez que o licenciamento ambiental deveria ser objeto de ampla proteção pela Constituição Federal e legislação infraconstitucional, devendo cada vez mais ser fortalecido pelo Estado brasileiro garantindo assim a sua efetividade, sendo que qualquer contrariedade a este entendimento merece ser estudado para que a participação social possa se tornar efetiva na tomada de medidas razoáveis que possam ser aplicadas, em prol do meio ambiente.
A problemática gira em torno da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2012, analisando se a alteração do instituto do licenciamento ambiental afrontará ou não o princípio da proibição do retrocesso socioambiental. Para se chegar a uma resposta à problemática apresentada o presente estudo objetiva-se a realizar um breve estudo das discussões ambientais ao longo do tempo, com a devida alocação do meio ambiente na Constituição Federal; entendimento do princípio da proibição do retrocesso socioambiental; análise da tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2012 e demonstração das consequências da aprovação da referida emenda.
1. O Meio Ambiente e a Constituição Federal
A questão ambiental ao longo dos anos, e principalmente após o início do século XX, tem preocupado muito as pessoas, gerando muitas discussões e debates em vários países. A sociedade evoluiu, no entanto, essa evolução precedeu necessariamente de muita degradação ambiental e utilização em excesso de recursos naturais, sendo que apenas recentemente começou-se a pensar de uma forma mais sustentável.
A preocupação ambiental a nível internacional foi bastante discutida de uma forma mais técnica em 1972, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a Conferência sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo na Suécia. Inúmeros temas foram debatidos nesta conferência, como preservação e manutenção do meio ambiente, e de forma inédita começou a preocupar-se com as fontes de recursos naturais, trazendo o entendimento de que as mesmas são finitas e devem ser preservadas.
A Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano trouxe em seu primeiro princípio que: “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o “apartheid”, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira permanecem condenadas e devem ser eliminadas. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O AMBIENTE HUMANO, p. 1)”
A partir da Conferência de Estocolmo, após análise do princípio supramencionado, percebe-se que o meio ambiente foi elevado à condição de direito fundamental, sendo assim considerado um bem indispensável à vida. Com essa inspiração e forte influência dos ideais ambientalistas da época a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito ao meio ambiente equilibrado. Mesmo não estando no rol do art. 5º (direitos e garantias fundamentais), estando mais precisamente alocado no Título VIII – Da Ordem Social, a grande maioria da doutrina entende ser o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado um direito fundamental que deve ser tutelado. Este é o entendimento extraído também do § 2º do mesmo artigo 5º, no momento que deixa expresso que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
O art. 225 da Constituição prevê que todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo que é missão do Poder Público assim como de toda a coletividade a defesa e preservação do mesmo, para que as futuras gerações também possam usufruir deste direito fundamental.
Existe uma vinculação direta entre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto neste artigo, e ao direito fundamental à vida e à dignidade da pessoa humana. Ressalte-se que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e o direito à vida é uma previsão expressa no caput do art. 5º da Constituição Federal[1]. Neste sentido, Édis Milaré (2006, p. 158-159), que muito já contribui com o Direito Ambiental nacional, entende ser o reconhecimento do direito ao meio ambiente equilibrado uma verdadeira extensão do direito à vida, envolvendo tanto a existência física como a saúde dos seres humanos, passando também pela dignidade da pessoa humana e materializando-se com a qualidade de vida, fazendo assim valer a pena a experiência de viver.
Desta forma percebe-se uma ligação íntima do direito ao meio ambiente sadio, à dignidade da pessoa humana e consequentemente à vida, sendo assim reconhecido materialmente como um direito fundamental. Houve uma preocupação no art. 225 com as gerações futuras, surgindo uma nova compreensão dos direitos fundamentais. Fernando Scaff e Lise Vieira da Costa Tupiassu (2005. p. 103-104) entendem que o direito abrange ainda os que não nasceram, mas numa extensão muito maior que apenas a dos nascituros, conforme a proteção civilista. Os autores defendem que toda uma geração futura, que ainda sequer foi gestada, é beneficiada com a preservação do meio ambiente, dotando assim a natureza e direito difuso.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, conforme trecho do voto do Ministro Celso de Mello: “Trata-se […] de um típico direito de terceira geração, que assiste de modo subjetivamente indeterminado a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defende-lo e preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompem, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social. […] A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor de gerações futuras – tem constituído objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade. (BRASIL, 1995)”
Robert Alexy, doutrinador alemão, se aprofunda mais no meio ambiente como direito fundamental, trazendo para o mesmo o status de direito fundamental completo: “[…] um direito fundamental ao meio ambiente corresponde mais àquilo que acima se denominou ‘direito fundamental completo’. Ele é formado por um feixe de posições de espécies bastante distintas. Assim, aquele que propõe a introdução de um direito fundamental ao meio ambiente, ou que pretende atribuí-lo por meio de interpretação a um dispositivo de direito fundamental existentes, pode incorporar a esse feixe, dentre outros, um direito a que o Estado se abstenha de determinar intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o titular do direito fundamental contra intervenções de terceiros que sejam lesivas ao meio ambiente (direito a proteção), um direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamental nos procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito a procedimentos) e um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas ao meio ambiente (direito a prestações fáticas). (2008, p. 442-443)”
No momento que a Constituição Federal de 1988 determinou a defesa do meio ambiente como um dos deveres e objetivos do Estado, por ser o mesmo um direito fundamental de todos, trouxe juntamente com esta proteção uma gama de princípios para a tutela desse direito de fato se concretize. Um desses princípios é o da proibição do retrocesso socioambiental, que será melhor analisado e detalhado na sequência.
2. O princípio da Proibição do Retrocesso Socioambiental
O exercício dos direitos fundamentais necessita de uma proteção mínima de segurança da dignidade da pessoa humana, para que seja preservada e respeitada, de forma que as pessoas possam ter um mínimo de segurança da posição que estes direitos fundamentais representam juridicamente. Esta é a ideia central da proibição do retrocesso, tendo íntima ligação com o princípio da segurança jurídica tutelando os direitos fundamentais da atuação do legislador, impedindo que os mesmos sejam suprimidos, reduzidos ou até mesmos extintos, garantindo um nível de segurança dos direitos tão arduamente já conquistados.
Luís Roberto Barroso entende que direitos e garantias não podem ser facilmente suprimidos, por incorporarem o patrimônio jurídico da cidadania: “Merece registro, ainda, neste capítulo dedicado à garantia dos direitos, uma ideia que começa a ganhar curso na doutrina constitucional brasileira: a vedação do retrocesso. Por esse princípio, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídicoconstitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. Nessa ordem de ideias, uma lei posterior não pode extinguir um direito ou uma garantia, especialmente os de cunho social, sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma, que foi alcançada a partir da sua regulamentação. Assim, por exemplo, se o legislador infraconstitucional deu concretude a uma norma programática ou tornou viável o exercício de um direito que dependia de sua intermediação, não poderá simplesmente revogar o ato legislativo, fazendo a situação voltar ao estado de omissão legislativa anterior. (BARROSO, 2001, p. 158-159)”
A ligação segurança jurídica com a proibição do retrocesso socioambiental vai muito além do artigo 5º inciso XXXVI[2] da Constituição, não se esgotando na irretroatividade das leis, direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito, nem mesmo na limitação ao poder constituinte derivado. Esse é o entendimento do jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 5), que estabelece uma relação estreita entre a proibição do retrocesso e os princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. Para Sarlet (2006. p. 28) algumas regras, mesmo que tenham efeitos meramente prospectivos, podem implicar em retrocesso social, frustrando legítimas expectativas de direito criadas pelo próprio Estado ao concretizar direitos fundamentais proclamados na Constituição.
Enfatiza ainda o notório jurista (2006, p. 9-11) que quando se fala em segurança jurídica pressupõe-se um patamar mínimo de continuidade do Direito, que seria a proteção da confiança do cidadão, em uma perspectiva subjetiva, de que as posições jurídicas serão mantidas, sendo que há uma relação intrínseca entre o princípio da confiança e o da boa-fé, considerado como o dever de uma das partes não fraudar legítimas expectativas, podendo caracterizar inequivocamente na proibição de retrocesso.
Assim, pode-se afirmar que o legislador não pode, uma vez concretizado determinado direito no plano da legislação infraconstitucional, retroceder, reduzindo ou suprimindo esse direito, afetando assim e comprometendo a garantia da dignidade humana.
Quando falamos na proibição do retrocesso socioambiental estamos na verdade buscando soluções para as ameaças ao ambiente ecologicamente equilibrado, que tanto nacional como internacionalmente já chegaram a níveis de degradação que representam uma verdadeira situação de emergência. Para tal, nem sempre a legislação ambiental apresenta a mesma filosofia, sendo que não são raras as vezes em que os mecanismos legislativos tentar flexibilizar institutos de direito ambiental tão caros à nossa sociedade, considerados escudos protetores já enraizados e consagrados como níveis de proteção já conquistados.
Inúmeras constituições presentes no mundo já consagram a proteção ao meio ambiente como um direito humano, fundamental, no entanto o autor francês Michel Prieur (2012, p. 9) chama a atenção no sentido de afirmar que isso, mesmo que pareça paradoxal, traz uma ameaça a sua essência. Ratificando tal entendimento o renomado autor elenca três ameaças que podem ensejar um retrocesso do direito ambiental: “No atual momento, são várias as ameaças que podem ensejar o recuo do Direito Ambiental: a) ameaças políticas: a vontade demagógica de simplificar o direito leva à desregulamentação e, mesmo, à ‘deslegislação’ em matéria ambiental, visto o número crescente de normas jurídicas ambientais, tanto no plano internacional quanto no plano nacional; b) ameaças econômicas: a crise econômica mundial favorece os discursos que reclamam menos obrigações jurídicas no âmbito do meio ambiente, sendo que, dentre eles, alguns consideram que essas obrigações seriam um freio ao desenvolvimento e à luta contra a pobreza; c) ameaças psicológicas: a amplitude das normas em matéria ambiental constitui um conjunto complexo, dificilmente acessível aos não especialistas, o que favorece o discurso em favor de uma redução das obrigações do Direito Ambiental. (PRIEUR, 2012, p. 9)”
Desta forma destaca-se a importância do princípio da proibição do retrocesso ambiental, que atua diretamente no núcleo essencial do direito fundamental protegido, garantindo que não haja retrocesso em matéria legislativa, especificamente das que tutelam e garantem a eficácia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como impedindo que haja a redução ou extinção de garantias já conquistadas. Qualquer medida que atente contra este núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente estará eivada de vícios e será considerada inconstitucional.
Alguns tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos[3], tratam da chamada cláusula de progressividade, sendo que além de ser vedado o retrocesso a status menos benéfico do que já alcançado prevê que os Estados não devem medir esforços com o objetivo de avançar nas questões econômicas, sociais e culturais, incluindo neste caso, as questões ambientais[4]. Neste sentido Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer entendem que: “[…] a cláusula de progressividade veicula a necessidade de a tutela legislativa dispensada a determinado direito fundamental ser permanentemente aprimorada e fortificada, vinculando juridicamente os Poderes Públicos à consecução de tal objetivo. Assim, a garantia constitucional da proibição de retrocesso contempla dois conteúdos normativos que se complementam: se, por um lado, impõe-se ao Estado a obrigação de “não piorar” as condições normativas hoje existentes em determinado ordenamento jurídico – e o mesmo vale para a estrutura organizacional-administrativa –, por outro lado, também se faz imperativo, especialmente relevante no contexto da proteção do ambiente, uma obrigação de “melhorar”, ou seja, de aprimorar tais condições normativas – e também fáticas – no sentido de assegurar um contexto cada vez mais favorável ao desfrute de uma vida digna e saudável pelo indivíduo e pela coletividade como um todo. (2012, p. 151)”
Cabe ressaltar ainda que a nossa própria Carta Magna traz em seu art. 4º, IX, que o nosso país se rege nas suas relações internacionais pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, uma aspiração constitucionalizada de melhoria universal, incluindo os seres humanos e todas as formas da vida na terra, das quais nossa sobrevivência, bem-estar e qualidade de vida dependem.
Desta forma fica claro que não basta não retroceder, mas sim é necessário avançar, sendo que tramita atualmente no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional em matéria ambiental justamente na contramão deste sentido, como será verificado adiante.
3. A Proposta de Emenda Constitucional 65/2012
Uma proposta de emenda constitucional (PEC) é uma atualização da Carta Magna, seja atualizando-a ou modificando-a, decorrente do poder constituinte reformador, tendo sua previsão legal na própria Constituição Federal em seu art. 60[5]. Trata-se de uma ferramenta exclusiva do Congresso Nacional, sendo que o Presidente da República não tem nenhuma ingerência sobre ela, tendo este apenas a iniciativa para propô-la, mas nunca para vetá-la ou sancioná-la. Sendo aprovada em cada casa do Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional, em dois turno de votação, por três quintos dos votos dos respectivos membros, a emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem, conforme entendimento do art. 60, §§ 2º e 3º da CF.
No dia 13 de dezembro de 2012 ingressou em trâmite no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 65/2012, de autoria do Senador Acir Gurgacz, que visa acrescentar o § 7º ao art. 225 da Constituição, para assegurar a continuidade de obra pública após a emissão da licença ambiental, dispondo que a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.
O Senador Acir Gurgacz (2012, p.2) justifica sua proposta em decorrência da ineficiência da administração pública, que por vezes apresenta inúmeras obras inacabadas ou obras e ações que se iniciam e são paralisadas em decorrência de decisões judiciais de natureza cautelar ou liminar, resultante, muitas vezes, de ações judiciais protelatórias. Para o Senador esta paralização de obras é um flagrante desrespeito à vontade da população e soberania popular, afetando diretamente a prestação de serviços públicos fundamentais, como educação, saúde, etc.
Durante mais de 3 anos a PEC nº 65/2012 permaneceu em estudo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal (CCJ), não sendo objetos de muitas polêmicas, no entanto no dia 27 de abril de 2016 a CCJ aprovou o relatório que teve como Relator “ad hoc” o Senador João Capiberibe, em substituição ao Senador Blairo Maggi, sendo que este documento passou a constituir o Parecer da CCJ, favorável à Proposta nº 65/2012.
A partir deste momento várias entidades verificaram a real gravidade da situação, uma vez que após a aprovação por uma das Comissões do Senado a matéria estaria pronta para seguir para votação em plenário. Inúmero foram os documentos enviados ao Senado Federal repudiando a PEC nº 65/2012, sendo que tais documentos foram anexados a todo o processo envolvendo a PEC. Desde 2013 o site do Senado Federal na internet possui uma ferramenta de consulta pública, apresentando-se como um mecanismo que permite ao cidadão manifestar sua opinião acerca de qualquer proposição legislativa, sendo que em relação à PEC nº 65/2012 (BRASIL, 2017), até o presente momento a manifestação pública apresentou como resultado 385 pareceres favoráveis e 31.103 contrários à proposta.
Na sequência da tramitação o Senador Blairo Maggi propôs uma Emenda à PEC nº 65/2012 (Emenda nº 1), alterando o texto da PEC, modificando o mesmo § 7º para “A apresentação e a aprovação do estudo de impacto ambiental
importam autorização para a execução da obra, que não poderá ser
administrativamente suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não
ser em face do não atendimento de outros quesitos legais ou de fato
superveniente”.
Tal emenda é justificada pelo Senador Blairo Maggi (2016, p.2) no sentido de que quando aprovada uma licença ambiental ela não possa ser suspensa ou cancelada por aspectos já contemplados pela licença, e que já deveriam ter sido criteriosamente exauridos, no entanto entende ser permitido a suspensão ou cancelamento via judicial, pois tal impossibilidade infringiria a cláusula pétrea da inafastabilidade de jurisdição.
No dia 18 de maio de 2016 o Senador Randolfe Rodrigues apresentou o requerimento nº 358, objetivando a tramitação conjunta da PEC nº 65/2012 com a PEC nº 153/2015, que alteraria o art. 225 da Constituição Federal para incluir, entre as incumbências do poder público, a promoção de práticas e a adoção de critérios de sustentabilidade em seus planos, programas, projetos e processos de trabalho, por entender se tratar de matéria correlata, tendo sido o referido requerimento aprovado em Sessão Deliberativa Ordinária.
Desta forma, a PEC que estava pronta para ser votada em plenário voltou para estudo na CCJ, e em 14 de junho de 2016 foi apresentado pelo mesmo Senador Randolfe Rodrigues o relatório reformulado com voto pela inconstitucionalidade da PEC nº 65, de 2012, e da Emenda nº 1- Plenário, e, portanto, pela sua rejeição, e pela aprovação da PEC nº 153, de 2015, dada a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade da proposição (BRASIL, 2017). Não houve aprovação ainda deste Relatório do Senador Randolfe Rodrigues, o que impediria a discussão futura novamente do constante na PEC nº 65/2012.
Diante disto, e pelo clamor da sociedade se manifestando contrária a PEC nº 65 de 2012, no dia 03 de agosto de 2016 o Senador Acir Gurgacz, juntamente com o Senador Randolfe Rodrigues, protocolou o requerimento nº 39 – CCJ (BRASIL, 2017), no intuito de requisitar a realização de audiência pública para juntamente com entidades da sociedade civil poder debater de forma mais aprofundada os assuntos da PEC nº 65 assim como da PEC nº 153, elencando os pontos comuns e divergências no mérito de ambas as propostas com o objetivo de chegar-se a um denominador comum. A realização de tal audiência pública encontra-se pendente.
A apoiar aprovação da PEC nº 65/2012 é desconsiderar garantias fundamentais já conquistadas, merecendo a atenção devida para que nosso país não regrida no tempo, no que se refere à legislações ambientais.
4. A aprovação da PEC 65/2012 como afronta ao princípio da Proibição do Retrocesso Socioambiental
Dentro de um sistema jurídico-constitucional é notório e evidente que todo o poder de reforma deve sofrer limites, com o intuito de que a mudança no ordenamento jurídico não seja tamanha que resulte em um conflito com outros direitos já adquiridos. São essas limitações, as chamadas cláusulas pétreas, previstas no art. 60, §4º da Carta de 1988[6] que impedem que haja retrocessos em nossa legislação pátria. Inúmeras manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF) já evidenciaram tal raciocínio, sempre alegando que as cláusulas pétreas envolvem temas insuscetíveis de alteração via poder constituinte derivado.
Nos casos de Emendas Constitucionais, relacioná-las à temas atinentes às cláusulas pétreas não se trata somente da negativa de sua aprovação, mas da própria deliberação congressual, uma vez que o dispositivo legal (art. 60, § 4º) da Carta Magna infere que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir […]”. Trata-se assim de um controle preventivo de constitucionalidade das emendas constitucionais.
Neste sentido salienta o Ministro Luís Roberto Barroso: “A locução tendente a abolir deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando determinado status quo. A Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade, assim como da preservação e promoção de valores e direitos fundamentais; mas não deve ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima dos órgãos de representação popular, juridicizando além da conta o espaço próprio da política. O juiz constitucional não deve ser prisioneiro do passado, mas militante do presente e passageiro do futuro. (BARROSO, 2010, p. 169)”
Cabe salientar que as cláusulas pétreas são consideradas intangíveis quando se trata de restrição dos temas salvaguardados, o que não acontece no caso de maximização das cláusulas pétreas que assim a permitem, como por exemplo as garantias e direitos individuais, que não podem jamais serem suprimidos, mas é autorizado a sua expansão, aumentando assim a sua efetividade. Indo mais além, neste sentido o STF também entende que: “[…] as limitações materiais ao poder de reforma, que o art. 60, § 4º, enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. (BRASIL, 2003, p. 5)”
Não há como se negar que as questões ambientais estão inseridas no campo dos direitos humanos, em decorrência de todo o histórico internacional correlacionado, tendo como escopo a proteção das bases da vida, sendo assim integrante do rol das cláusulas pétreas, uma vez que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto em apenas um só artigo da Carta Magna, mas de real importância, não se vale apenas para as gerações presentes, mas também para aquelas que sequer ainda existem. Assim sendo, na ideia de que não deveriam ser objeto de deliberação as emendas à constituição tendente a abolir direitos e garantias fundamentais, a PEC nº 65/2012 não deveria nem sequer ter iniciado a sua peregrinação rumo ao que a sociedade tem entendido um descaso com o meio ambiente, no entanto uma vez que iniciou a sua tramitação cabem ser elencados os motivos pelos quais tal aprovação desta emenda seria um enorme retrocesso socioambiental.
O texto da PEC nº 65/2012, mesmo com suas emendas modificativas, subverte totalmente o conceito do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), uma vez que dá a entender que a simples apresentação deste estudo teria o condão de autorizar desde logo a execução de uma obra ou atividade. Tal instrumento não tem sequer esta natureza autorizativa, sendo na verdade um estudo de natureza técnica que leva o meio ambiente em consideração antes da realização de obras e atividades e antes da tomada de decisões, que possam implicar em alguma repercussão na qualidade ambiental, estando a previsão de tal ferramenta na própria Constituição Federal[7].
Desta forma não podemos aceitar que o EIA seja considerado uma “carta branca”, ou seja, que com ele se tenha liberdade total na tomada de decisões e consequentemente na autorização para o início de execução de obras, sem que haja a publicidade que a própria Constituição Federal exige e sem o controle preventivo dos órgãos ambientais envolvidos sobre esse estudo, que deve necessariamente envolver órgãos externos, como o Ministério Público, além de toda a sociedade.
A forma como a PEC nº 65/2012 trata o licenciamento ambiental destrói com a estrutura técnico-jurídica em que tal instituto está baseado, pulando etapas importantes deste processo, quais sejam, a viabilidade ambiental, a instalação e a operação. Estas fases do licenciamento ambiental estão previstas na Resolução nº 237, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e podem se resumir da seguinte forma: “I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento […], atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação; II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade […], incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante; III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, […], com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.”
Desta forma temos que, necessariamente, o processo de licenciamento ambiental deve passar pelas três fases, sucessivamente, não podendo ser suprimida nenhuma delas, e nem passar para uma etapa subsequente sem ter vencido todos os requisitos da anterior, sob pena da atividade exercida ser considerada ilegal, podendo nesses casos a obra ser impugnada ou embargada. O EIA está inserido na primeira destas fases do licenciamento ambiental, licença prévia, devendo ser anterior a esta, ou seja, elaborado e aprovado antes da instalação de uma obra ou atividade potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente, como condição desta. Ressalta-se que o licenciamento ambiental, em suas três fases, não tem outro objetivo senão à proteção do meio ambiente, portanto daí surge a sua importância.
O EIA tem como objetivo principal, após a sua elaboração, análise e aprovação, a orientação da decisão da Administração Pública, informando a mesma das possíveis consequências ambientais de um determinado empreendimento. Serve assim tal instrumento como uma explicitação dos motivos que levaram o administrador ao licenciamento ou não da atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente, diminuindo assim a discricionariedade administrativa.
Desta forma, ressalta-se, que somente o EIA não pode ter o condão de dar início a uma obra ou atividade, havendo a necessidade de um processo de licenciamento ser apreciado por completo. Uma grande incoerência é apresentada na PEC nº 65/2012, em seu texto original, em relação à publicidade que se deve dar ao EIA, no caso representado pelas audiências públicas, importante instrumento de participação pública no processo decisório para a emissão de licenças ambientais. Retrata bem esse raciocínio o ambientalista Paulo Affonso Leme Machado: “A audiência pública é a última grande etapa do procedimento do estudo prévio de impacto ambiental. Inserida neste procedimento com igual valor ao das fases anteriores, é ela, também, base para “a análise e parecer final”. A audiência pública […] não poderá ser posta de lado pelo órgão licenciador; como o mesmo deverá pesar os argumentos nela expendidos, como a documentação juntada. Constituirá nulidade do ato administrativo autorizador […] quando o mesmo deixar de conter os motivos administrativos favoráveis ou desfavoráveis ao conteúdo da ata e de seus anexos. (MACHADO, 1998, p. 191)”
É imprescindível que sejam realizadas as audiências públicas, sempre após a apresentação do EIA pelo empreendedor, mas antes da emissão das licenças ambientais, em relação a obras com potencial degradação ao meio ambiente, sendo que ao se permitir que tais obras aconteçam, sem a prévia discussão e aprovação do EIA, afeta diretamente todo o arcabouço jurídico atinentes à licença ambiental e de maneira inconstitucional exclui a sociedade da participação deste processo.
Diante destas breves explanações fica nítido que a luta contra a aprovação da PEC nº 65/2012 deve continuar cada vez mais forte, pois se a mesma for aprovada irá representar enorme retrocesso socioambiental e uma afronta a tudo que já foi arduamente construído, sendo que consequentemente tal ação refletirá na qualidade de vida das pessoas e no meio ambiente ecologicamente equilibrado, que tanto almejamos.
Conclusão
O Brasil não aceita mais ações e omissões que provoquem qualquer tipo de agressão ao meio ambiente, à saúde pública e a sustentabilidade de nossa economia, e já provou que é capaz de mudar quadros bastante insatisfatórios. Tanto o Poder Público quanto à coletividade tem o dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações, no que importa atenção para que a PEC nº 65/2012 não seja aprovada, pois assim reverteria em um quadro de notório retrocesso socioambiental.
O instituto do licenciamento ambiental merece ser fortalecido, e não modificado, como pretende a PEC nº 65/2012. Diante disto, assim como de todo o apresentado, é possível tirar as seguintes lições:
1) De fato a sociedade evoluiu muito ao longos dos anos, à custa da exploração de recursos e degradação ambiental, sendo que somente mais recentemente começou-se a pensar de forma mais sustentável;
2) O meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da nossa Carta Magna, deve ser considerado e entendido como um direito e garantia fundamental do ser humano, sendo que somente com ele podemos gozar de uma vida digna e saudável;
3) As ações que refletem no meio ambiente devem ser mensuradas, uma vez que refletem nas gerações presentes e futuras, inclusive daqueles que ainda nem nasceram;
4) Mudanças que reflitam em legislação ambiental devem respeitar não só o princípio da proibição do retrocesso socioambiental, evitando regredir no que já fora conquistado, mas também deve ter um caráter progressivo, de vanguarda, visando melhorar cada vez mais as condições socioambientais em que estamos inseridos;
5) Há uma subversão no entendimento do conceito do Estudo de Impacto Ambiental, mesmo com todas as alterações textuais da PEC nº 65/2012, uma vez que tal instituo não tem por si só o caráter autorizador para o início da execução de uma obra ou atividade;
6) As audiências públicas em relação à matérias ambientais deveriam ser cada vez mais incentivadas a serem realizadas, visando à participação social, uma vez que trata-se de importante instrumento de participação pública no processo decisório para a emissão de licenças ambientais, no entanto a PEC nº 65/2012 traz a possibilidade de dispensa de tal instituto.
Fica nítido que, mesmo sendo brevemente analisado, a aprovação da PEC nº 65/2012 fere diretamente o princípio da proibição do retrocesso ambiental, sendo que a comunidade deve se mobilizar justamente no sentido contrário, de que cada vez hajam regramentos objetivos dos requisitos para a concessão do licenciamento ambiental, trazendo assim segurança jurídica para os empreendedores e sociedade civil, visando sempre a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Oficial da Polícia Militar do Estado do Paraná e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, Lato Sensu, pelo Centro Universitário Internacional – UNINTER, conveniado com o Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC
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