Resumo: O presente trabalho busca expor de forma sucinta os principais posicionamentos da doutrina e da jurisprudência nacional acerca do reconhecimento das relações simultâneas. Propõe interpretar o instituto do concubinato conforme novas concepções jurídicas trazidas pela Constituição Federal de 1988, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana bem como no afeto. Busca suprir a lacuna legislativa a respeito dos efeitos patrimoniais decorrentes das relações extraconjugais e a aplicação do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, através de uma visão pluralista do conceito de família, na qual há grande divergência na relativização da monogamia como base na formação da entidade familiar. Ocorre que, conflitos decorrentes dessas relações fora do casamento são questões de amplo debate em nossos tribunais, na qual essas uniões tornam-se invisíveis para a lei mais alta do país, porém, não devem ficar de fora do âmbito do direito de família. [1]
Palavras-chave: Família. Relações simultâneas. Concubinato. Monogamia.
Abstract: The present work seeks to briefly outline the main positions of doctrine and national jurisprudence regarding the recognition of simultaneous relationships. It proposes to interpret the institute of concubinage in accordance with new legal concepts brought by the Federal Constitution of 1988, based on the principle of the dignity of the human person as well as the affection. It seeks to fill the legislative gap regarding the patrimonial effects deriving from extramarital relations and the application of the principle of prohibition to unjust enrichment, through a pluralist vision of the concept of family, considering there is a great divergence in the relativization of monogamy as a basis in the formation of a family. Knowing that conflicts arising out of such relationships outside marriage are matters of wide-ranging debate in our courts, in which such unions become invisible to the highest law of the country, but should not be outside the scope of family law.
Keywords: Family. Simultaneous relationship. Concubinage. Monogamy
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica da família. 1.1. Concubinato. 1.2. Famílias simultâneas. 2. Proteção a família simultânea – divergência doutrinária. 2..1 Princípio da vedação ao enriquecimento sem causa. 2.2. O princípio da dignidade da pessoa humana e sua aplicabilidade ao direito de família. 2.3. Afetividade como condutor das relações familiares. 2.4. Aplicação analógica das normas da união estável. 3. Consequências patrimoniais. 3.1. Divisão de patrimônio. 3.2. Direito sucessório. 3.3. Pensão por morte. Conclusão.
INTRODUÇÃO
No direito contemporâneo a estrutura familiar tem se mostrado em constante evolução, vivenciando novas realidades mesmo que em algumas situações o direito não tenha acompanhado esse progresso. Nesse sentido Maria Berenice Dias (2011,p.26) dispõe: “ a realidade sempre antecede o direito, os atos e fatos tornam-se jurídicos a partir do agir das pessoas de modo reiterado”.
Com o passar dos anos, a sociedade passou a ser mais tolerante, contemplando a democratização dos sentimentos, em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser a única base familiar; permitindo-se socialmente novas formas de união. Conforme Dias onde (2010, p.2) “nem mais o convívio sob o mesmo teto é exigido para o reconhecimento de uma entidade familiar, bastando para sua configuração um projeto de vida comum”. Atualmente, o conceito de família abrange a todas as formas de convivência, estando caracterizado necessariamente um dos principais elementos, ou seja, o vínculo afetivo.
A partir desta concepção, o presente trabalho busca apontar caminhos para suprir essa lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, na qual a existência de duas ou mais famílias simultâneas não geram qualquer efeito à outra parte, assim, revestindo-se de total ausência de juridicidade, no entanto, não significa que devam ser excluídos do âmbito do direito de família.
Pretende-se com este estudo, agregar ao mundo do direito, pesquisas que abordem e incentivem o reconhecimento jurídico das famílias paralelas, posto que, os efeitos patrimoniais, bem como a partilha de bens adquiridos pelo esforço comum, pensão por morte, sucessão, e dentro dessas relações não devem dar margem para a violação do princípio da vedação do enriquecimento sem causa, pelo contrário, é função primordial do Direito garantir a justiça nas relações sociais e evitar o locupletamento ilícito. Por isso, faz-se tão necessário que medidas de amparo social e legal sejam tomadas para a tutela das famílias simultâneas.
O desenvolvimento deste estudo deu-se com base em pesquisas doutrinárias, jurisprudências e trabalhos científicos. Objetiva-se alcançar a pretensão almejada, visto que, o reconhecimento dessas uniões paralelas e o amparo legal evita possíveis implicações que serão expostas no decorrer desse trabalho.
No primeiro capítulo, apresenta-se a evolução histórica da família até o presente momento, analisando o conceito de concubinato puro e impuro, bem como a distinção que se observa pelo uso pejorativo da expressão concubinato em relação ao termo famílias simultâneas.
O segundo capítulo traz uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca da proteção das famílias simultâneas, tendo em vista a aplicabilidade do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, o princípio da dignidade da pessoa humana e a afetividade que ampara estas uniões, bem como analisando a aplicabilidade analógica das normas da união estável para seu reconhecimento.
Por fim, o terceiro capítulo expressa as consequências patrimoniais acerca da existência de famílias simultâneas, abordando a divisão de patrimônio constituído pelo esforço comum, sucessão e concessão de pensão por morte, através de uma ampla visão jurídica e jurisprudencial.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA
O direito passa por constantes evoluções, e não seria diferente no direito de família. Conforme Soalheiro (2017, s/p), “o patriarcalismo, fundado na hierarquia do homem em detrimento da mulher, onde a figura masculina tinha direitos ilimitados sobre sua esposa e seu patrimônio, teve fim com a isonomia entre homens e mulheres, sendo hoje todos iguais perante a lei”. Assim, no decorrer do tempo a mulher passou a adquirir direitos que outrora eram atribuídos somente aos homens.
A dissolução do casamento, que era tido como verdadeiro sacramento, representava uma mácula imensa aos olhos da sociedade. Da mesma forma, os filhos oriundos das relações fora do casamento eram tomados por “ilegítimos”, não sendo reconhecidos nem pela sociedade, nem pelo mundo jurídico. Felizmente, com a evolução social e das legislações, os chamados “ilegítimos”, passaram a ser amparados com os mesmos direitos dos filhos oriundos do casamento tradicional.
Portanto, a Constituição Federal da República de 1988 visualizou que o casamento não era o único meio para formação de uma família, tendo em vista que a base monogâmica que regia as uniões e casamentos, passava por constantes mudanças.
O direito de família contemporâneo vem sofrendo transformações, especialmente no que concerne ao entendimento de que a base monogâmica que sempre esteve presente na formação das famílias, não seria um princípio a ser regido, e sim um valor imposto pela visão social. Sobre isso, afirma Dias (apud Ruzyk 2015), “A monogamia não é um princípio do direito estatal da família, mas uma regra estrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela prévia do Estado”.
Diante disso, com a grande problemática para o reconhecimento dos demais relacionamentos desprovidos de proteção jurídica – sejam eles homoafetivos, poliafetivos, paralelas, monoparental, entre outros – os legisladores buscam redimirem-se através de normas que reconheçam primeiramente o elo afetivo estabelecido nas relações.
1.1 CONCUBINATO
A união livre sempre existiu em meio a sociedade enquanto um modelo de relações que não se prende as formalidades exigidas pelo Estado, e assim, não são oficializadas no âmbito jurídico e nem geram os mesmos direitos. Dessas uniões livres, algumas foram denominadas concubinato. Porém, a denominação concubinato trata-se de um termo pejorativo dado tanto pelo cristianismo, quanto pela visão social.
Diante disso, a doutrina diferenciou o concubinato puro do impuro, no qual classificou como: concubinato adulterino puro ou de boa-fé, e concubinato adulterino impuro ou de má fé, em que o concubinato puro (união estável) designa a união pública, duradoura, sem o casamento de fato, através de pessoas livres e desimpedidas, reconhecido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 3º, como entidade familiar através da união estável.
Já o concubinato impuro abrange a hipótese em que há existência de um casamento por ambas ou uma das partes, porém são mantidas, simultaneamente, duas famílias. No ordenamento jurídico, por se tratar de uma questão ampla, com vários entendimentos, resta claro, que não são gerados efeitos próprios de direito de família para todos os casos de concubinato impuro, mas tão somente aqueles casos onde se mantém uma convivência duradoura e pública na intenção de entidade familiar, conforme Dias (2017) leciona: “Por consequência, é imperioso reconhecer que, a partir do momento em que uma estrutura familiar passa a gerar consequências jurídicas, se está diante de um novo estado civil. Não é mais somente o casamento que impõe alterações de ordem patrimonial. Também a união estável, ao modificar a titularidade dos bens adquiridos em sua constância, altera o estado civil dos… como se diriam: concubinos, companheiros, conviventes, parceiros?… Enfim, do par.(…) Quem mantém uma convivência duradoura, pública e contínua com outrem, constitui uma família e precisa se identificar e ser identificado como integrante de uma nova verdade social e jurídica”. (DIAS, 2017, p.42).
Pode-se concluir, portanto, que a existência do concubinato, denominado impuro, impróprio, de má-fé, recebeu tamanha rejeição, pelo fato de se manter a base monogâmica, que conforme expõe Pereira (2010, p.101) com a evolução do pensamento jurídico, não é mais adequada a expressão concubinato impuro, e sim a famílias simultâneas ou paralelas, termos mais condizentes com a atual realidade da justiça brasileira.
1.2 FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS
Conforme acima explicitado, o dever de fidelidade no casamento, e de lealdade na união estável já não são mais previstos na atualidade. Logo, a fim de ocultar uma realidade que porventura venha a ser levada ao judiciário, a alternativa usualmente oferecida a parceira concubina para se redimir do fato ocorrido e poder obter alguma sentença favorável, seria alegando não saber da existência do casamento do varão. Dessa forma, lhe serão aplicadas as normas de uma sociedade de fato, impondo vínculos apenas no direito obrigacional.
Porém, sabendo da infidelidade do companheiro, nada lhe será concedido, mesmo considerando sua boa-fé, pois deixou seu companheiro impune e disposto a manter esta conduta constantemente, sem preocupar-se com as consequências.Contudo, com o avanço doutrinário, preleciona Pianovski (et al., 2014, p.502) “Contudo, a doutrina contemporânea já vem consolidando o entendimento de que bastam, para a configuração familiar, os requisitos de ostentabilidade, estabilidade e afetividade, requisitos estes que podem estar inteiramente presentes na relação simultânea, o que dispensaria outros, a exemplo da mencionada boa-fé ou mesmo a ideia cronológica”. (PIANOVSKI, 2014, p. 502)
Assim como afirma Dias (2016, p.282) “ quando preenchidos os requisitos da união estável – ostentabilidade, publicidade e durabilidade- e comprovada a boa-fé de um dos parceiros, invoca-se a analogia ao casamento putativo”, resguardando os direitos e proteção acerca de famílias simultâneas, como de uma união juridicamente reconhecida fosse.
2 PROTEÇÃO A FAMÍLIA SIMULTÂNEA – DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
A doutrina, em sua grande maioria vem discriminando a existência de mais de um laço familiar, no entanto como não há regulamento jurídico acerca da dissolução dessas relações, que por mais rejeitadas que sejam ainda existem e perduram. Por outro lado, surgem posicionamentos favoráveis, que olha para essas famílias com base no afeto.
Silvio de Salvo Venosa (2009, p. 36) apresenta hipóteses que expõem de forma clara o problema abordado no tópico anterior desse projeto. De acordo com o autor, que traz um argumento favorável ao reconhecimento da existência de famílias simultâneas, não há como negar a existência de uma grande demanda de uniões sem casamentos civis no Brasil.
Portanto, coube à doutrina pátria, em meados do século XX, posicionar-se diante dessa situação, felizmente, o posicionamento adotado foi em prol do reconhecimento do direito aos parceiros concubinos, considerando a afetividade existente. Nesse sentido, Venosa (2009, p. 36), conclui que a legislação vem: “preparando terreno para a jurisprudência e para a alteração legislativa. […] por um longo período, os tribunais passaram a reconhecer direitos aos concubinos na esfera obrigacional”.
Da mesma forma, o doutrinador Silvio Rodrigues (2006, p.262) afirma que é inescondível a evolução da jurisprudência nesse assunto, conforme preceituado acima, na qual é possível verificar que esta é uma realidade muito mais frequente do que se possa imaginar. Uma decorrente do casamento e a outra decorrente de uma união estável, tendo em vista que estas saibam ou não uma das outras, esta realidade é alvo da execração pública, e invisível aos olhos do direito, mas nem assim, deixam de existir, e perduram em larga escala. Negar a existência dessas famílias simultâneas, é simplesmente não ver a realidade.
Essas relações distantes da base da monogamia sofrem a reprovação social e a discriminação até mesmo no âmbito jurídico, no entanto uma regra ou uma base moralista, não pode preponderar a ponto de inviabilizar direitos de cidadãos.
Quando são formadas famílias paralelas, a outra, não pode negar que esta não existiu, deixando à margem de seus direitos, estes, decorrentes do próprio direito de família. Da mesma forma, os tribunais superiores não reconhecem a realidade vivida por estas famílias, cabendo pois a doutrina se posicionar diante destas.
2.1 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Entidades familiares formadas pela afetividade geram mútuo comprometimento pessoal e patrimonial, e por vezes são mantidas por um dos parceiros simultaneamente com outra família formal. A constituição de patrimônio para o companheiro infiel se dá nas duas entidades familiares, contudo, ocorrendo a dissolução da união extraconjugal, fica o parceiro do concubinato impuro desprovido de proteção jurídica.
O direito deve proteger a essência destas famílias, bem como as questões patrimoniais, analisando que o não reconhecimento destas famílias simultâneas, acaba por gerar o enriquecimento ilícito do parceiro infiel, restando apenas omissão da lei a seu respeito.
Neste sentido, para que se possa compreender a existência da responsabilidade deste, transcreve-se as palavras de CARLOS EDUARDO PIANOVSKI RUZYK (et al., 2014, p.501): “Da mesma forma, se constitui a necessidade de atribuição de responsabilidade a quem mantém relacionamento simultâneo, haja vista que, a negativa do reconhecimento da relação e seus efeitos jurídicos isentam a pessoa que mantém múltiplos relacionamentos, de qualquer responsabilidade, como por exemplo, não se sujeitar à partilha de bens, o patrimônio comum adquirido, pelo esforço direto ou indireto”.
Daí a aplicabilidade do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, à família constituída paralela ao seu casamento, desde que a constituição do patrimônio seja através do esforço comum de ambos os companheiros, independentemente de contribuição financeira, direta ou indiretamente.
2.2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAÇÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º estabelece os princípios fundamentais da República, e em seu inciso III descreve sobre um dos mais importantes, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Com o passar dos anos, este princípio se adaptou aos meios do direito, como no direito de família, no qual a felicidade de cada um é vista como um fator importante, principalmente quando advém de um vínculo familiar.
Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana engloba toda forma de família, de maneira que as normas jurídicas são impostas para atender suas necessidades, fornecendo amparo jurídico toda vez que este direito for atingido.
Neste enfoque, Filho (2002, p.15) assevera que: “Portanto, um Estado que se quer democrático, onde a dignidade da pessoa humana é erigida à condição de fundamento da república, não pode, sob pena de contrariar frontalmente o ordenamento constitucional, partir de uma perspectiva de exclusão de arranjos familiares, entenda-se, tecnicamente, entidades familiares não mencionadas expressamente pela CF”.
Desta forma, a violação a este princípio acarreta em um verdadeiro desamparo, com caráter punitivo referente a escolhas individuais. No ordenamento jurídico, ao negar a existência de relações simultâneas, age-se de forma que estas não existem, deixando os parceiros concubinos desprotegidos de proteção jurídica e, portanto, uma situação de injustiça.
Famílias onde se encontra uma união duradoura, pública, mesmo que a outra parte seja impedida de casar, porém que abrange todos os requisitos e formas de uma entidade familiar são punidas pelo legislador com a indiferença social e a desproteção jurídica.
2.3 AFETIVIDADE COMO CONDUTOR DAS RELAÇÕES FAMILIARES
A Afetividade é o principal elemento que caracteriza a família simultânea, e esta manifestação de afeto se dá através da convivência, não se tratando apenas de um laço que envolve integrantes de uma família.
Com o passar dos anos, o direito reconheceu novos modelos de família, no qual conferiu uma nova ordem jurídica a respeito dos vínculos familiares, atribuindo valor jurídico ao afeto, como uma competência em dar e receber amor.
O conceito de família passou por grandes evoluções, passando a formar um perfil multifacetário, identificando que a família também se constitui sem o selo do casamento. Acerca disso Dias (2010, p. 03) leciona: “A flexibilização decorrente da contemporaneidade vem permitindo que os relacionamentos antes clandestinos e marginalizados adquiram visibilidade, o que acabará conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para viver”.
Mesmo a afetividade não estando expressamente prevista na Constituição Federal, ela pode ser considerada o principal condutor na formação de vínculos familiares. Diante disso, busca seu reconhecimento na formação de entidade familiar, onde requer sua não criminalização, vedando o preconceito e obtendo liberdade de escolha para a formação, reconhecendo a igualdade na vida privada e intimidade, analisando o afeto como bem jurídico tutelado nas relações familiares.
Desta forma, a Carta Magna estende à proteção a pessoa independentemente de sua relação, a qual esteja vinculada, conferindo efeitos jurídicos patrimoniais e extrapatrimoniais.
2.4 APLICAÇÃO ANALÓGICA DAS NORMAS DA UNIÃO ESTÁVEL
O casamento putativo se dá através da boa-fé, no entanto, este conforme o artigo 1561 do Código Civil acredita-se que seja verdadeiro, legal e certo, no entanto, não o é. Diante disso, mesmo que venha a ser anulado, sua eficácia se mantém até ser desconstruído, no qual é presumida sua boa-fé, até que se prove o contrário, no sentido da ausência de culpa para seu efeito anulatório, caso em que não se estende quando agido de má fé, neste, não serão imputados os efeitos do casamento.
Diante disso, na existência de famílias simultâneas não ficaria longe aos olhos do direito visto a possibilidade de aplicação dos efeitos jurídicos do casamento putativo, sendo indispensável reconhecer de fato a existência de mais de uma família, através dos requisitos da união estável, como expõe Dias (2015, p. 282) “Ora, se são emprestados efeitos ao casamento putativo, quando contraído de boa-fé, indispensável reconhecer a mesma qualificação a união estável com relação ao convivente de boa-fé. Ou seja, quando preenchidos os requisitos da união estável – ostentabilidade, publicidade e durabilidade – e comprovada a boa-fé de um dos parceiros, invoca-se a analogia ao casamento putativo”.
Desta forma, poderá ser aplicada a analogia desse requisito da união estável, para não configurar o silêncio da norma legal.
3 CONSEQUÊNCIAS PATRIMONIAIS
Diante das várias tentativas do reconhecimento e regulamentação, a família simultânea nada obteve efeito, deixando uma grande lacuna a ser preenchida, especialmente com o código civil de 1916 que manteve seu silêncio diante do assunto.
O atual código civil manteve esse posicionamento, negando reconhecimento ao parceiro concubino. Por isso, o direito contemporâneo teve de dar um passo, considerando as mudanças sociais que ocorreram e que atingem o direito de família.
3.1 DIVISÃO DE PATRIMÔNIO
Visando proteger a formação e dissolução de vínculos afetivos, na qual há ausência de proteção do Estado, de forma em que este não enxerga a existência desta família, que tem os mesmos direitos das demais uniões. Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana força uma nova concepção ao julgador nas análises, no reconhecimento dessas famílias e seus direitos, cabendo-lhe através da hermenêutica jurídica, o grande avanço que daria a estes casos.
Conforme se vê no acórdão de nº 82.826 da 5º Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento das apelações cíveis 200730004740 e 2007300-04740-PA, na qual os apelantes Rubens Ephima Moura e Conceição Luna dos Reis Fichmanrecorreram de sentença que reconheceu a existência de uma sociedade de fato entre eles com base no patrimônio que foi adquirido através do esforço comum, durante 24 anos de convivência, tendo em vista que Rubens é casado formalmente com outra pessoa. Diante dos fatos, Conceiçãoe Rubens formaram uma família paralela ao casamento de Rubens, no qual foram gerados 4 filhos.
No entanto, a Desembargadora Luiza Nadja Guimarães Nascimento, relatou a impossibilidade do reconhecimento de uma união estável, visto que Rubens já se encontrava casado, posto que, é um elemento impeditivo para caracterização de uma nova entidade familiar, porém, não impediria que fosse reconhecida como uma sociedade de fato.
Diante disso, ao analisar o fato em que ambos mantem esse vínculo familiar por mais de 20 anos, tendo 4 filhos, a relatora modifica o entendimento, em razão de, sobretudo manter o afeto ao elo familiar, no qual concluiu: “ […] concluo pela existência da relação nos moldes de uma entidade familiar, e relativamente aos aspectos patrimoniais, entendo pela aplicação do regime de comunhão parcial de bens, por força do artigo 1725, do Código Civil, dispondo que na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se as relações patrimoniais, nhoque couber, o regime da comunhão parcial de bens. (TJ-PA, 5º CC, AC. 200730004740 e 2007300-04740-PA Rel. Des Luiza Nadja Guimarães Nascimento)”.
Diante disso, o julgador manteve a aplicação do artigo 1.725 do Código Civil, equiparando a sociedade de fato partilhada pelos dois com uma união estável, quando usualmente esta não seria reconhecida como uma entidade familiar, pois não preenchia os requisitos exclusivos. No entanto, o julgador ao utilizar a hermenêutica jurídica, para solucionar o presente caso em consonância com a Carta Magna, optou pela quebra de paradigmas e concedeu uma decisão mais condizente com a realidade social que encontramos.
No entanto, analisando o princípio da Dignidade da pessoa humana, o reconhecimento das famílias simultâneas deve ocorrer mesmo que afrontem a base monogâmica na qual foi constituída nossa sociedade, pois o bem maior aqui protegido é a dignidade da pessoa humana e seu direito a viver sua afetividade. O Estado deve conceder o reconhecimento social e estender os ganhos patrimoniais ao concubino em prol da segurança e do respeito aos direitos fundamentais.
3.2 DIREITO SUCESSÓRIO
Acerca do direito à sucessão, podemos verificar a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº 70010787398, na qual o poder judiciário não pode se recusar-se a reconhecer o direito sucessório das famílias simultâneas, baseado somente na formalidade do direito, deve enxergar além da letra da lei. No que diz respeito à sucessão, o Tribunal reconheceu a existência de famílias simultâneas, visto que esta dissolução não poderá vir em benefício próprio ou de uma de suas companheiras.
Outros julgados acerca do mesmo assunto, respaldo seu reconhecimento simultâneo, bem como considerou a “triação” dos bens existentes entre o companheiro que veio a falecer e suas companheiras: “APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO". SUCESSÃO. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante a outra união estável também vivida pelo de cujus. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO) Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70011258605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 25/08/2005)”. Acrescenta-se ainda: “Embargos infringentes – União estável – Relações simultâneas. De regra, não é viável o reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas, dado que em sistema jurídico é regido pelo princípio da monogamia. No entanto, em Direito de Família não se deve permanecer no apego rígido à dogmática, o que tornaria o julgador cego à riqueza com que a vida real se apresenta. No caso, está escancarado que o "de cujus" tinha a notável capacidade de conviver simultaneamente com duas mulheres, com elas estabelecendo relacionamento com todas as características de entidades familiares. Por isso, fazendo ceder a dogmática à realidade, impera reconhecer como coexistentes duas entidades familiares simultâneas. Desacolheram os embargos, por maioria. (TJRS, 4º Grupo Cível, Embargos Infringentes nº 70013876867, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 10.3.2006; por maioria)”.
Diante do exposto, observa-se pelos julgadores nos casos acima referidos, apesar de toda rejeição, que os casos estão sendo analisados um a um pelos tribunais antes de ser imposto qualquer tipo de julgamento. Tem sido considerado o princípio da boa-fé como ponto de partida para a consideração de cada situação, visto que, muitas vezes a outra parte é induzida ao erro dentro da relação. Na maioria das vezes, os concubinos têm requerido ao juiz que seja reconhecida a putatividade ao caso, obtendo aplicação analógica das normas da união estável, fazendo com que os efeitos do direito de família se estendam às famílias extramatrimoniais.
3.3 PENSÃO POR MORTE
O que se busca no ordenamento jurídico, é a equiparação destas uniões constituídas fora do casamento, aplicando analogicamente os entendimentos, leis e decisões dos tribunais acercada união estável, para seu reconhecimento concomitantemente com o casamento.
Desta forma, em se tratar de pensão por morte, está previsto o regulamento na lei nº 8.213/91 (Lei Previdência Social), dos beneficiários previsto em seu artigo 16. Especificamente, no artigo 74 da referida lei, vislumbramos a concessão do benefício da pensão por morte ao rol de segurados presentes no artigo 16: “Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; IV – (Revogado pela Lei n. 9.032, de 28-4-1995)”.
Diante disso, Nathalia Coelho (2016) expõe que nas decisões em que há concessão do benefício da pensão por morte à parceira concubina, o magistrado deverá equiparar à união estável a relação concubinária e reconhecer a concubina como companheira.
Os segurados elencados no artigo 16 da lei 8.213/91 foram separados por classes, de acordo com a prioridade para a concessão do benefício. Aos ocupantes da classe superior são concedidos os benefícios com preferência aos da classe inferior, de forma que estes deverão comprovar o grau de parentesco, já que a dependência da classe superior é presumida.
A pensão por morte é devida aos seus dependentes quando o responsável pelo mantimento desta família veio a falecer. A função do referido benefício nada mais é do que manter a família deixada pelo de cujus.
Neste aspecto, quando há existência de mais de um beneficiário no elencado artigo em classe, configura-se o rateio da pensão por morte em cotas iguais, para todos os segurados, isto, nos moldes do artigo 77 da lei de Previdência Social. Porém, a doutrina e a jurisprudência discutem incessantemente quando se trata da existência de uma família extraconjugal, ao analisar princípios e a própria ética, para muitos juristas seria uma afronta ao casamento e à sua base monogâmica posicionarem-se a favor no que concerne à divisão da pensão por morte entre viúva e parceira concubina.
Neste aspecto, Coelho (2016) expõe o posicionamento dos tribunais acerca da divisão do benefício, para a referida autora, os tribunais quando concedem o rateio da pensão por morte entre viúva e concubina, o fazem baseando-se na boa-fé desta, ou seja, quando desconhecia a outra relação do companheiro. A autora ajunta ainda que, em alguns casos, é evidente que o homem conseguiu enganar as duas mulheres, mantendo uma vida dupla por um longo período. Nesse caso, seria atentar contra a justiça favorecer uma relação em detrimento da outra, por esse motivo, é que se tem concedido o rateio da pensão entre as duas mulheres.
Diante disso, o legislador pode ser omisso ao reconhecimento desta simultaneidade, visto que, algumas decisões judiciais não acompanham as grandes evoluções do direito de família, cabe ao judiciário aplicar a igualdade entre as companheiras, tendo em vista que a afetividade é, e sempre foi o condutor de um vínculo familiar.
Neste sentido, há várias decisões divergentes elencadas pelos Tribunais, no qual há uma corrente que não estabelece distinção no rateio, bastando que as partes mantenham um relacionamento estável, para fazer jus ao benefício, ressalvado o aspecto da dependência econômica (TRF2- RE019971010038379). Já o Superior Tribunal de Justiça mantém seu posicionamento contrário, tomando uma visão conservadora do conceito de família, a maioria dos membros desse tribunal não admite o rateio do benefício, portanto, não reconhece a união simultânea como uma união estável paralela ao casamento.
Para concessão do benefício, não é papel do Estado tentar coibir estas condutas negando o benefício à viúva e à companheira, visto que, estes fatos nunca deixaram de existir do meio social. Dessa forma, compreende-se que não cabe ao Estado julgar como o assegurado decidiu viver sua vida.
Neste sentido, Coelho (2016) preleciona que não importa se o relacionamento foi validado no mundo jurídico ou religioso, é suficiente a comprovação da vida em comum e a vontade de constituir família pelos concubinos. Para a autora, pelo aspecto pragmático, o divorciado, separado judicialmente ou de fato somente receberá se comprovada a dependência econômica, uma vez que não existe mais a presunção de dependência. O mesmo deve valer para a vida em comum, não importando o estado civil ou a orientação sexual do segurado.
Desta forma, para o reconhecimento e a concessão do benefício, deve-se observar a existência de uma entidade familiar, que não cabe à lei ignorar ou desconstituir tal fato, a fim de assegurar uma vida digna aos seus dependentes econômicos, assim aplicando a justiça em favor do bem estar e igualdade.
Portanto, o direito previdenciário deve atuar de forma autônoma, as questões voltadas para questões civis. Conforme explica Coelho (apud Correia2016), no que concerne ao direito da parceira concubina: “Assim, a despeito da redação dada ao art. 16, § 4º, da Lei n. 8.213/91, há que se considerar a situação à luz do princípio norteador da seguridade social conhecido como princípio da solidariedade. Existindo o concubinato, há que se prestigiar a situação jurídica da companheira, ainda que a sua relação com o segurado fosse estabelecida sem a ruptura do vínculo conjugal. Aliás, em se tratando de ramo autônomo, o direito previdenciário deve ser lido à luz dos seus princípios, não se possibilitando que o direito civil ou penal, por exemplo, imponham as suas regras no âmbito do primeiro – que é dotado de instituto e princípios que lhe são inerentes e que devem nortear a sua interpretação, como no caso presente”.
Desta forma, para concessão do benefício previdenciário, é necessário equiparar a existência da família simultânea à união estável, a fim de assegurar direitos e garantias ao mínimo existencial, posto que, com o falecimento do varão, muitas vezes, a concubina não consegue manter-se financeiramente. O não reconhecimento da existência de uma família paralela ao casamento implicará a esta união e aos seus dependentes, perdas circunstanciais, tanto no aspecto previdenciário quanto sucessório.
CONCLUSÃO
De acordo com o estudo desenvolvido e os capítulos elaborados chegou-se ao final desta pesquisa cumprindo-se o objetivo almejado, qual seja: a análise acerca do reconhecimento e da proteção jurídica acerca dos efeitos patrimoniais que este tipo de relação gera certo dano, na ampla visão doutrinária e jurisprudencial, contudo, mesmo ao término deste trabalho observa-se que não se teve uma elaboração a pretensão de esgotar toda a temática, mais sim, abrir uma nova oportunidade de discussão sobre este relevante assunto.
A partir dessa análise pode-se compreender que a simultaneidade entre famílias existe, bem como nunca deixaram de existir, mais são invisíveis para os olhos do direito, de forma que negam direitos a parceira concubina. O fato é que, atualmente muitas famílias se vêem desamparadas de proteção legal, após a dissolução desta união paralela ao casamento, mesmo dispondo de total boa-fé, ainda há grande rejeição em igualdade e concessão de seus direitos.
Em virtude disso, questões patrimoniais bem como divisão de patrimônio adquirido pelo esforço comum, mesmo que não seja diretamente contribuído financeiramente tenha esse direito, bem como sucessão em primeiro grau e pensão por morte em igual cota da companheira, visto que, seus efeitos são para subsistência desta família, através de seus direitos e garantias fundamentais, já que em razão, da não punibilidade ao parceiro infiel, acabam sendo expostos a situações que usurpam seus direitos.
Resta evidenciado, no decorrer deste estudo, que diante das grandes evoluções no direito, este não acompanhou a evolução no direito de família, voltado para famílias mantidas concomitantemente, e que na ausência de proteção legal ficam desamparadas perante a justiça.
Por isto, há grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais, que por fim devem ser observados caso a caso, analisando o principal objetivo que é a formação de uma entidade familiar, onde o direito não deve somente aplicar uma norma concreta, e sim analisar de forma ampla a intenção de formação de uma família, verificando que o Código Civil de 2002 sofreu constantes evoluções acerca do conceito de família, e que estes não estavam previstos.
Por fim, é demasiadamente importante expandir de forma contínua a temática a fim de que a sociedade se conscientize e consiga visualizar a existência dessa simultaneidade, no âmbito da família com o objetivo em evitar seu desamparo, para que assim, toda esta existência tenha amparo digno na dissolução desta união, bem como seu princípio assegurado pela Constituição Federal de 1988.
Com relação a normatização jurídica, está se faz necessária, como forma de avanço, amparo e reconhecimento, pois, mesmo que a legislação brasileira, mais especificamente o Direito de Família tenham conhecido e exarado considerações sobre o problema ainda são insuficientes para extingui-los das relações em que haja simultaneidade entre famílias.
Acadêmica do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel
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