Rodrigo Gonçalves Nogueira. Acadêmico de Direito nas Faculdades Integradas de Paranaíba- FIPAR. E-mail: rodrigogoncalves.nogueira@gmail.com
Marília Rulli Stefanini. Docente nas Faculdades Integradas de Paranaíba-FIPAR. Mestre em Direito pelo UNIVEM e Doutoranda em Direito pela PUC-SP. E-mail: mariliastefanini@yahoo.com.br
Resumo: O presente artigo foi elaborado com base metodológica pautada em pesquisas bibliográficas e documentais, cujo objetivo reside na abordagem acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da redação do Art. 52, § 4º, da atual Lei de Execução Penal. Trabalhou-se a evolução histórica das penas, bem como os princípios Constitucionais que guarnecem esse instituto, principalmente a Dignidade Humana e o instituto do Regime Disciplinar Diferenciado. Imperioso destacar que a influência de pensadores e movimentos iluministas promoveram o debate acerca da humanização das penas, bem como a formação do Estado Democrático de Direito. Desta feita, o texto normativo intitulado de “Pacote Anticrime”, Lei n. 13.964 de 2019, elaborado pelo Ex-Ministro da Justiça Sergio Moro, trouxe diversas mudanças no que diz respeito ao Regime Disciplinar Diferenciado, sendo que nosso foco pauta-se na possibilidade de prorrogação sucessiva, por até um ano, desta sanção, sem qualquer limite máximo. Em razão disso, e com base nos princípios Constitucionais da legalidade, Dignidade da Pessoa Humana, humanização das penas e individualização, pode-se concluir pela inconstitucionalidade da medida, ao passo que atua na contramão do ideário do sistema penitenciário, qual seja o papel ressocializador e educativo em razão, por exemplo, da vedação à imposição de penas cruéis, desumanas e degradantes.
Palavras-chave: Pacote Anticrime. Lei n. 13.964 de 2019. Inconstitucionalidade do § 4º, Art.52 da LEP. Dignidade da Pessoa Humana. Sanção Penal.
The Differentiated Disciplinary Regime And The Insert Of § 4 In Article 52 Of The Criminal Execution Law: An Analysis Under The Constitutional Bias
Abstract: This article was prepared based on a methodological basis based on bibliographical and documentary research, the objective of which is to approach the constitutionality or unconstitutionality of the wording of Art. 52, § 4, of the current Criminal Execution Law. The historical evolution of the penalties was worked on, as well as the Constitutional principles that guard this institute, mainly Human Dignity and the Institute of the Differentiated Disciplinary Regime. It is imperative to highlight that the influence of Enlightenment thinkers and movements promoted the debate about the humanization of penalties, as well as the formation of the Democratic Rule of Law. This time, the normative text entitled “Anti-crime Package”, Law no. 13,964 of 2019, prepared by Ex-Minister of Justice Sergio Moro, brought several changes regarding the Differentiated Disciplinary Regime, and our focus is on the possibility of successive extension, for up to one year, of this sanction, without any limit maximum. As a result, and based on the Constitutional principles of legality, Dignity of the Human Person, humanization of sentences and individualization, one can conclude that the measure is unconstitutional, while acting against the ideology of the penitentiary system, whatever the resocializing role and educational because, for example, of the prohibition to the imposition of cruel, inhuman and degrading penalties.
Keywords: Anti-crime package. Law no. 13,964 of 2019. Unconstitutionality of § 4, Art.52 of the LEP. Dignity of human person. Criminal Sanction.
Sumário: Introdução. 1 A evolução histórica das penas. 1.1 Punitivismo e o Princípio da Dignidade Humana. 2 O regime disciplinar diferenciado. 3 A inconstitucionalidade do art. 52, §4º, do ‘pacote anticrime’. Conclusões. Referências.
Introdução
O presente artigo tem o escopo de discorrer sobre a inconstitucionalidade do §4º do Art. 52 da atual Lei de Execução Penal, que foi inserido no ordenamento jurídico por meio da Lei n. 13.964 de 24 de dezembro 2019, intitulada de “Pacote Anticrime”, que trouxe a prorrogação sucessiva, por até um ano, do Regime Disciplinar Diferenciado, sem qualquer limite máximo.
Desta feita, para compreender sobre as penas e punições é essencial entender como surgiu o Estado Democrático de Direito. Diante disso, inicia-se este artigo com relatos da evolução da pena na sociedade, onde é definido o conceito de pena e abordado as mutações que ocorreram com o passar dos anos e quais foram às consequências disso.
Assim sendo, o Estado Democrático de Direito surge com a retirada do poder absoluto concentrado nas mãos de um governante e, com isso, ocorre a divisão deste poder em três esferas, legislativo, executivo e judiciário, e até hoje é assim que funciona. No que toca às penas, tentou-se humanizá-la, com o galgar dos anos, e obter proporcionalidade quanto ao estreito que envolve o delito e a sanção, impondo-se limites ao Estado quanto ao punitivismo.
Referida abordagem histórica, a respeito de como eram os meios de punição nos primórdios, é importante para a análise sobre a inconstitucionalidade do § 4º, do Art. 52 do Código de Processo Penal, alterado pelo ‘Pacote Anticrime”, Lei n. 13.869/2019, que modificou diversos institutos penais e processuais penais.
Importante ressaltar que, em 1º de dezembro de 2003, entrou em vigor a Lei n. 10.792 que introduziu o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) na Lei de Execuções Penais no Brasil, alterando, com isso, o artigo 52 , que passou a descrever as hipóteses e requisitos em que o ‘RDD’ poderia ser aplicado. Assim, o ‘RDD’ foi (é!) uma sanção disciplinar imposta ao detento para tentar inibir a atuação das organizações criminosas de dentro dos presídios e punir aquele que cometesse falta considerada grave.
Insta consignar que o ‘RDD’ era (e ainda é!) considerado como a sanção disciplinar mais grave aplicada ao condenado, donde possuía a duração máxima de 360 dias até o limite de 1/6 da pena, antes de incorporar as alterações promovidas pela Lei n. 13.869/2019. Por conseguinte, com as alterações promovidas por essa Lei, conhecida como ‘Pacote Anticrime’, a sanção passou a ter uma duração máxima de até dois anos, podendo ser prorrogada, sucessivamente, por períodos de no máximo um ano (Art. 52, § 4º), ou seja, retirou-se do dispositivo a duração máxima desta sanção”, como ocorria antes da sua entrada em vigor em 23 de janeiro de 2020.
Assim sendo, o objetivo desta pesquisa erige-se na análise sobre a inconstitucionalidade dessa alteração legislativa, em que utilizamo-nos, para tanto, da metodologia pautada em estudos dirigidos da legislação nacional, doutrinas, artigos científicos, bem como princípios norteadores do ordenamento jurídico nacional, e demais fontes.
1 A evolução histórica das penas
As penas sempre existiram na humanidade, de uma forma ou de outra se faziam presentes e para compreendermos como surgiu e evoluiu com o passar dos anos é essencial estudar desde os primórdios, donde o conceito de punir veio antes da formação do Estado e sofreu diversas mutações no decorrer dos anos.
Oliveira (2010, p.20), relata que o período dos primórdios, que se estendeu até o século XVIII d.c., foi definido como período da vingança pelo ato de vingar-se daquele o que fez mal. Este período foi dividido em três fases: a vingança privada, divina e pública. A ordem exata de como ocorreram não se pode afirmar, mas cada qual possuía suas peculiaridades.
Conforme Oliveira (2010, p.20) desde os primórdios sempre ocorreram conflitos entre particulares ou entre tribos, aldeias, grupos, clãs etc. Cada qual seguia sua linha de costumes, princípios morais e crenças. Na existência de um conflito ou descumprimento de algum princípio, o desejo de vingança nascia como meio de punição. Nota-se que em suas concepções era o meio de fazer ‘justiça’, mas não havia proporcionalidade nem razoabilidade na aplicação das penas, onde todos os métodos utilizados como punição eram cruéis e violentos, dentre eles se podem citar a morte, a decapitação de membros, a expulsão do membro do grupo (que acabava sendo morto ou torturado por outros clãs), marcas feitas no corpo dentre outros.
Diante da justiça feita com as próprias mãos, conhecida como autotutela, o sangue estava nas mãos de todos, e, por não haver proporção dos atos praticados surgiu a Lei de Talião, que é uma parte pertencente do ‘Código de Hamurabi’, muito conhecida pela expressão “olho por olho, dente por dente”. Referida ‘regra’ é formada por um conjunto de leis instituído por volta de 1772 a.C. pelo rei Hamurabi na antiga Babilônia. A Lei de Talião era um método totalmente cruel e desproporcional, em que o agressor era apenado igualmente ao que fez com o outro, ou seja, se matou alguém, sua pena era a morte, se cegou alguém, teria os olhos perfurados e assim por diante (HASHMOTO, 2010, p.10).
Importante frisar que não podemos dizer que a lei penal surgiu devido a este Código, todavia, não temos como falar da lei penal sem mencionar alguns contextos das sociedades e influências exercidas ao longo do tempo.
A religião influenciou muito esse desenvolvimento e tornou-se a responsável pela aplicação de sanções, donde se findava a vingança privada e surgia a vingança divina. O sacerdote da igreja agora regulava o convívio em sociedade, onde pregava que o bem estar social só haveria se os Deuses estivessem satisfeitos, e estes se satisfaziam com o convívio harmônico entre todos. Qualquer ofensa à paz era considerada uma ofensa às Divindades e deveria haver um sacrifício humano para a satisfação dos Deuses; o sacrifício servia para punir o delinquente e também para reprimir a sociedade de cometer crimes. Surgiu ainda no período da vingança divina o conceito de pena privativa de liberdade, quando um membro da igreja faltava, esse era punido com a sua reclusão em uma cela no mosteiro para refletir e meditar como penitencia pelo seu ato (HASHMOTO, 2010, p.23).
Com o surgimento do Estado Soberano, por volta do século XVIII, caracterizado como a vingança publica, ocorre o surgimento do ‘jus puniend’, que é o direito do Estado de estabelecer normas penais e o direito de garantir seu cumprimento, normas estas que abrangem a todos de forma abstrata, donde se tem o intuito de prevenir e reprimir os crimes.
O grande marco veio com a Revolução Francesa que ocorreu em 1789 na França, pois alterou a estrutura do Estado, antes sob o poder do monarca absolutista e agora passavam existir os três poderes: legislativo, executivo e judiciário. O movimento iluminista, corrente intelectual que surgiu na França no século XVII, trazia um novo conceito para a solução dos conflitos, donde se extinguia o uso da religião e propunha o uso da razão. Sendo um grande influenciador das mudanças ocorridas no âmbito do direito penal, trazia consigo o conceito de penas como caráter racional, tratando o ser humano com dignidade, pois idealizavam o conhecimento racional para derrubar os ideais religiosos e progredir intelectualmente momento da história fica conhecido como movimento reformador pela mutação ocorrida na forma de pensar.
Portanto, pensadores influenciaram através de suas obras a racionalização das penas.
“A Revolução Penal, impulsionada pelos princípios iluministas, estruturou-se nos ideais de Beccaria e John Howard, dentre outros teóricos. Beccaria seguiu Rousseau em suas ideias contratualistas, ou seja, a sociedade estava organizada por meio de um contrato social, formado por um acordo livre de vontades. Aqueles que perturbassem a ordem manifestavam tacitamente pela não adesão ao contrato, devendo ser forçados à obediência que obrigava a todos. Em razão disso surgiu o princípio da legalidade da pena e do delito. Beccaria escreveu a obra intitulada “Dos delitos e das penas”, um discurso muito mais político que científico. Criticou duramente a crueldade das penas, que não poderiam ter por fim uma simples violência individual. As penas deveriam ser públicas, proporcionais ao dano social causado e previamente cominado em lei. Com seu pensamento ele conseguiu influenciar a visão cruel das penas, fazendo com que a legislação penal europeia começasse a limpar-se, um pouco, de seu banho constante de sangue e tortura. (HASHMOTO, 2010, p.13)”
Com o surgimento deste novo modelo de Estado (Estado Democrático), os conflitos criminais passaram a ser solucionadas de forma ‘pacífica’ e institucional, donde se almeja garantir os direitos individuais de cada cidadão e limitar o poder do Estado. Todas essas mudanças no ordenamento jurídico são resultados de um longo processo histórico e evolução da sociedade, que agora reconhece em uma coletividade a necessidade de proteção pelo Estado (BENTHIEN, 2008, p.42-43).
O direito de punir e garantir ainda a segurança do Estado e sociedade simultaneamente surge com o jus puniendi:
“O poder de punir apresenta-se com um dado de realidade fática inafastável, inquestionado pela sociedade quando são atingidos interesses vitais de sua organização e desenvolvimento, correspondendo a uma exigência sentida não somente pela vitima, mas também por toda a coletividade, que reconhece a necessidade de proteção promovida de forma organizada pelo Estado. Dai verifica-se que o ius puniendi estatal encontra-se em conformidade plena com o ordenamento jurídico a que é submetido, […], atuando maciçamente na repressão da criminalidade, sem olvidar, no entanto, os mecanismos de proteção da sociedade. A legitimidade e o interesse de agir também se encontram presentes, delineados de acordo com o modelo de Estado e a Politica Criminal por ele adotada. (BENTHIEN, 2008, p.43)”
O Estado Democrático de Direito surge monopolizando o poder de punir e delimitando a capacidade de atuação. A normatização é elaborada para garantir o bem estar do convívio social e deve respeitar as garantias fundamentais. A definição das leis e penas é elaborada antes do fato criminoso ocorrer para que já reprima e não ocorram os crimes, mas caso este comando seja desrespeitado, fica o Estado autorizado a aplicar a sanção devida prevista. O cidadão sabe (ou deva saber) das suas obrigações e garantias, assim como o Estado também fica mais limitado a suas atitudes, diferente de como era no absolutismo, onde o detentor do poder agia conforme seus interesses e ideais.
“Com o aparecimento e o desenvolvimento do Estado moderno, só o ius puniendi estatal pode atuar como poderosa instância pública capaz de resolver o conflito criminal de forma pacifica e institucional; de forma racional e previsível, formalizada, eficaz, com escrupuloso respeito às garantias individuais, quando fracassam os mecanismos primários de autoproteção da ordem social. Somente o ius puniendi estatal se encontra em condições de assegurar a justa proteção dos bens jurídicos fundamentais, monopolizando a violência e a autotutela (BENTHIEN, 2008, p.42).”
Diante do exposto, vejamos como atua a legislação na relação Estado e sociedade:
“A Constituição em um Estado Democrático de Direito se de um lado consagra direitos fundamentais e estabelece limites ao poder político, instituindo princípios básicos de proteção do individuo frente ao Estado, por outro fixa diretrizes, com a finalidade de promover valores e ações de cunho social (REALE JUNIOR, apud BENTHIEN, 2008, p.47).”
A Constituição passa ser o centro das ações do Estado, que por sua vez tem que respeitar todas as normas, assim como a sociedade civil. As penas passam a ser normatizadas com valores morais de cunho social e maiores indícios de humanização, removendo assim todo e qualquer absolutismo antes previsto, assim como as penas cruéis, perpétuas e violentas.
1.1 Punitivismo e o Princípio da Dignidade Humana
A partir da Revolução Francesa e com o iluminismo, as penas de forma racional tomam mais força e começam a surgir na ordem jurídica, tendo o Estado a função de garantir a Dignidade da Pessoa Humana não somente aos que estão livres, mas também àqueles que cometeram infrações e encontram-se detidos ou reclusos, ou seja, as penas já não têm mais o caráter de punição desmedida e cruel, ou desumana, como eram nos séculos passados.
A humanização das penas ocorrida ao longo da história tem uma importância fundamental para a valoração da Dignidade da Pessoa Humana, sendo esta uma ferramenta indispensável para a busca da ressocialização daqueles que cometeram delitos, ou seja, a concepção do caráter cruel e da violência desmedida vêm diminuindo (ao mesmo deveriam) conforme a mutação da sociedade. Comparando os métodos estudados no item anterior e o ordenamento jurídico atual do Brasil houve uma expressiva mudança, mas ainda não se pode dizer ser totalmente humanitário e respeitoso à Dignidade da Pessoa Humana, apesar do Constituinte prever e garantir esses direitos.
A Constituição Federal tem como fundamento a Dignidade da Pessoa Humana. Além disto traz como direito e garantia fundamental a igualdade de direitos e deveres, bem como a proibição do tratamento degradante, desumano ou tortura conforme expresso em seu artigo 1º, inciso III e artigo 5º, inciso III. (BRASIL, 1988).
Dessa forma, o texto Constitucional mostra a importância que agora se refere à Dignidade da Pessoa Humana, sendo um princípio, um direito e uma garantia fundamental. Nenhuma lei pode ser sancionada infringindo tais preceitos, ou seja, é a extrema demonstração de proteção do Estado com os sujeitos de direitos, fato que nos primórdios não ocorria, ao contrário disto. Posto isso, nota-se a evolução Constitucional que ocorreu quanto à humanização das penas no decorrer dos anos.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 normatizou-se a garantia da Dignidade da Pessoa Humana e também se proibiu, por exemplo, o tratamento desumano e a tortura; tanto as pessoas, quanto as novas leis a serem propostas devem seguir esses preceitos, sob pena de serem declaradas inconstitucionais.
Conforme vimos até agora, foram necessários décadas para a sociedade chegar ao consentimento de que as penas não deveriam ser um meio de vingança e sim métodos eficazes para punir o infrator e inibir que outros as descumpram. Para tanto, foram necessários vários fatores que colaborassem para essa mudança, desde a própria necessidade do homem de viver em sociedade à influência de pensadores renomados da época, como, por exemplo, Beccaria e Rousseau; além de movimentos, por exemplo, o iluminista. Diante disto é necessário seguir esta linha cronológica de acontecimentos sempre que ocorrerem reformas na legislação.
Após o surgimento do iluminismo o Estado passou a garantir Dignidade de seus cidadãos, visando o bem comum. Logo também se pode dizer que a Constituinte de 1988 tem como seu fundamento, sua base de atuação a Dignidade da Pessoa Humana (MACCACCHERO, 2017, p.12).
Destarte, no Processo Penal, a Dignidade da Pessoa Humana também é aplicada, sendo que nos primórdios o acusado não detinha direito e sofria a punição sem chance de defesa. Todavia, este contexto tornou-se diferente, onde o autor e réu têm igualdade nos direitos, deveres, faculdades e ônus processuais. Por exemplo, o réu tem direito a se defender ao ser acusado por algo, poderá produzir provas, será julgado por um juiz imparcial e caso seja condenado, terá sua pena conforme a dosimetria prevista em lei (MACCACCHERO, 2017, p.14).
O punitivismo consubstancia-se no pensamento de uma parcela da sociedade que vislumbra a ‘solução’ para a redução da criminalidade na pura restrição da liberdade dos sujeitos considerados infratores. Não que seja errada a privação da liberdade, não nos propusemos a esse questionamento, mas o radicalismo com que se prega esse ideal. Neste giro, a prisão não pode ser tratada como um lugar de vingança da sociedade, onde se coloca aqueles que infringem determinada norma, esquecendo que apesar de cometido algum delito tal sujeito também possui direitos que devem ser respeitados, dentre eles aquele contido no texto Constitucional no que tange à Dignidade da Pessoa Humana.
Neste panorama, cumpre mencionar que o Código Penal e a Lei de Execução Penal (LEP) dividiram em três categorias os regimes prisionais no Brasil, sendo elas: o regime fechado, semiaberto e aberto, em que a principal diferença entre esses regimes é quanto a sua rigidez no que diz respeito à forma de cumprimento da pena (BRASIL, 1940 e BRASIL, 2019).
Seguindo essa linha, para além dos regimes existentes, no caso do cometimento de faltas, pelo apenado, durante o cumprimento da pena, segundo o artigo 49, parágrafo único da LEP, haverá a imposição de sanções penais disciplinares, dentre elas encontra-se a inclusão do preso no Regime Disciplinar Diferenciado, “RDD”, que é uma sanção adotada na prática de crime doloso que ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas; podendo ser aplicado também aos presos provisórios ou condenados que apresentarem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; e quando houver suspeita de envolvimento em organização criminosa ou milícia (BRASIL, 2019).
Nesses moldes, intitulada como ‘Pacote Anticrime’, a Lei n. 13.986/2019 elaborada pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, entrou em vigor no dia 23 de janeiro 2020, modificando alguns pontos do Código Penal e da Lei de Execução Penal, especialmente, de acordo com nosso objetivo, o artigo 52 da “LEP”, que traz as características do “RDD”.
Importante destacar que este texto de lei teve alguns pontos vetados antes de sancionado e mesmo depois ainda gera inúmeras discussões no âmbito jurídico quanto a sua (in)constitucionalidade (BANDEIRA, 2020, s/p).
Novamente, destacamos que a implantação de novas normas deve ser analisada, sobretudo, quanto à observação do respeito aos direitos e garantias fundamentais, bem como se o resultado final atingirá o fim esperado, ou seja, espera-se, com o decorrer dos anos, que as penas sejam mais humanizadas, senão estaremos retroagindo no tempo e tornando-nos sociedades primitivas retomadas pela instituição da vingança, mesmo que sob o escudo e égide de um Estado.
2 O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO
O Regime Disciplinar Diferenciado, ou ‘RDD’, apesar de ser denominado como um regime trata-se na verdade de uma sanção disciplinar, já que os regimes prisionais no sistema penitenciário brasileiro são divididos em três categorias, sendo eles o aberto, semiaberto e fechado (BRASIL, 1940).
Nesse sentido, durante a execução das penas, seja em qualquer regime prisional, tem-se a aplicação de sanções, as quais são aplicadas quando o condenado comete uma falta disciplinar, podendo esta ser considerada leve, média ou grave (BRASIL, 2019).
Em razão disso, afirma-se que as sanções disciplinares podem ser por meio de advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos, isolamento, sendo que a mais grave de todas é a inclusão do condenado no regime disciplinar diferenciado (BRASIL, 2019).
Portanto, é necessário esclarecer que a inclusão do condenado no regime disciplinar diferenciado constitui uma sanção disciplinar e não um regime de cumprimento de pena, o qual se passa ao estudo a seguir.
O Regime Disciplinar Diferenciado é uma sanção disciplinar disposta no artigo 52 da Lei de Execução Penal, donde seu surgimento no Brasil se deu no início de 2001, quando 29 unidades prisionais, no Estado de São Paulo, tiveram rebeliões simultaneamente ordenadas pelos chefes de facções criminosas que estavam presos.
Devido a este acontecimento surgiu como modalidade de sanção disciplinar no Estado de São Paulo, por meio da Resolução 26/2001, da Secretaria de Administração Penitenciária, o ‘RDD’, visando combater as facções criminosas que atuavam mesmo que no interior das penitenciárias (COSTA, 2013, s/p).
Destarte, esta sanção visava combater o crime organizado, isolando os líderes dos demais membros, bem como era imposta para os condenados que tinham comportamento inadequado dentro da unidade prisional, para se restabelecer a ‘ordem’. Dois anos depois da edição da Resolução 26/2001 ocorreram execuções de dois juízes de Varas Criminais, sendo um do Estado de São Paulo e outro da cidade de Vitória, no Estado de Espirito Santo, supostamente ordenados por Fernandinho Beira-Mar, que na época encontrava-se preso. Surge então, no dia 1º de dezembro 2003 a Lei 10.792, para introduzir o Regime Disciplinar Diferenciado na Lei de Execuções Penais, alterando, com isso, o artigo 52 da LEP, que passou a descrever as hipóteses e requisitos em que o ‘RDD’ poderá ser aplicado. Ressaltamos que a abrangência a todo território nacional acerca da possibilidade de aplicação do ‘RDD’ fez com que os sistemas penitenciários, em âmbito de Brasil, passassem a contar com uma sanção disciplinar mais rígida em relação às então existentes (RIBEIRO, 2010, s/p).
Quanto ao cabimento, imperioso frisar que será submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado o preso provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro que praticar fato previsto como crime doloso ou falta grave, que ocasionar subversão da ordem ou disciplina interna. Também serão submetidos os presos que apresentam alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, bem como sob os quais hajam suspeitas de liderança a qualquer titulo, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente de falte grave (BRASIL, 2019).
Noutro giro, a respeito das consequências na aplicação do ‘RDD’, existiram significativas mudanças, assim como a inclusão de novas implicações no corpo do artigo 52 da LEP depois de sancionada a Lei nº 13.964/19, que entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020, o denominado “Pacote Anticrime”, elaborada pelo Ex-Ministro da Justiça, Sergio Moro. Vejamos então tais alterações e sucessivamente os novos textos.
Quanto às alterações promovidas pela Lei nº 13.964/19, citamos a duração máxima do ‘RDD’, em que antes da nova Lei, era de trezentos e sessenta dias, com um limite máximo correspondente a um sexto da pena. No entanto, com a alteração o ‘RDD’ poderá perdurar por um período de até dois anos, não restando qualquer prejuízo para nova aplicação como ocorria antes. (BRASIL, 2019).
Assim, verificamos que o novo texto aumentou para dois anos a duração máxima e retirou o limite de tempo que pode o condenado permanecer no ‘RDD’. Foi dobrado o tempo máximo de permanência sob este regime e retirado o limite antes imposto, possibilitando assim que o preso cumpra sua pena integralmente sob a sanção de inclusão em regime disciplinar diferenciado.
Por exemplo, imagine uma condenação em prazo máximo, 40 anos, onde o condenado encontra-se também sobre a sanção disciplinar em ‘RDD’ por suspeita de envolvimento em liderança de associação criminosa. Neste caso, o apenado poderá ficar sujeito ao ‘RDD’ no máximo dois anos, mas findando o prazo estipulado, e caso ainda exista suspeita da liderança de associação criminosa, poderá ter postergado seu tempo de permanência na sanção disciplinar podendo ficar até mais 01 ano, conforme nova redação do artigo 52, §4º, I e II, e assim sucessivamente até findar sua condenação, já que não existe mais limite para a renovação anual do ‘RDD’, onde o texto anterior previa o limite máximo de um sexto da pena, ou seja, antes da nova lei entrar em vigor, poderia, neste mesmo exemplo, o condenado permanecer sobre a sanção disciplinar no ‘RDD’ no total correspondente a no máximo um sexto de sua pena.
Seguindo a análise do artigo 52 da Lei de Execuções Penais, seu inciso II reconhece que o preso sob o ‘RDD’ será recolhido em cela individual, o que não houve modificação, pois já existia e permanece. No que toca ao inciso III, este foi alterado significativamente, pois as visitas passaram a ser quinzenais (antes eram semanais), de no máximo duas pessoas por vez, computando-se também as crianças. Antes da alteração legislativa, não se computava em caso de haver criança. Outra novidade consubstancia-se na descrição legal quando à vedação ao contato físico com o intuito de inibir a passagem de objetos externos ao preso (BRASIL, 2019).
Quanto ao banho de sol, já era previsto o direito a duas horas diárias, entretanto, a atual redação do inciso IV o autoriza em grupos de até quatro pessoas, conquanto não sejam do mesmo grupo criminoso.
Urge salutar que as alterações trazidas no bojo da Lei de Execução Penal, popularmente conhecido como “Pacote Anticrime”, promoveram diversas novidades no que diz respeito à aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, dentre elas citamos o monitoramento das entrevistas, salvo com o defensor, que, neste caso dependerá de ordem judicial; não subsiste o direito ao sigilo das correspondências; em todas as audiências que o condenado tiver de comparecer, deverão ser, preferencialmente, realizadas por videoconferência; bem como a já citada possibilidade de prorrogações sucessivas de um ano cada, quando existirem indícios sobre o encarcerado de permanecer alto risco para a sociedade ou penitenciária ou enquanto perdurar a suspeita de envolvimento com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada. Por fim, outra inserção trazida é a possibilidade de o preso realizar duas ligações por mesmo, com duração de dez minutos, a uma pessoa da família, desde que após seis meses de cumprimento do ‘RDD’ não houver recebido nenhuma visita (BRASIL, 2019).
Assim, a partir das inovações trazidas pela Lei n. 13.964/19, ‘Pacote Anticrime’, um ponto crucial nos motiva na redação deste artigo, qual seja, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade a respeito da não existência de limite máximo para cumprimento da pena em Regime Disciplinar Diferenciado. O que analisamos no próximo tópico.
3 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 52, §4º, DO ‘PACOTE ANTICRIME’
Conforme demonstrado alhures, o §4º, do artigo 52, da Lei de Execução Penal foi inserido depois de sancionada a Lei n. 13.964/19, e refere-se à possibilidade de prorrogação sucessiva do ‘RDD’, por um ano cada, quando existirem indícios sobre o encarcerado oferecer alto risco para a sociedade ou penitenciária, ou enquanto subsistir suspeita de envolvimento com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada.
A partir da análise objetiva do texto legal em comento, tem-se que esse novo ‘modelo’ não traz nenhum limite quanto à permanência máxima do encarcerado no “RDD”, o que era taxativo no regime antes da entrada em vigor do ‘Pacote Anticrime’, previa no inciso I, artigo. 52, um limite de permanência de no máximo trezentos e sessenta dias, até o limite máximo de um sexto da pena, ou seja, com a nova redação do artigo 52 da LEP poderá o encarcerado cumprir toda sua pena sob o ‘RDD’.
Primeiramente a Constituição Federal (1988) tem como fundamento a Dignidade da Pessoa Humana (art.1º, III), assim como se edifica sob o princípio da prevalência dos Direitos Humanos (art.4º, II), proibindo assim a tortura, o tratamento desumano ou degradante (Art.5º, III) e inserção de penas cruéis (Art.5º, XLVII, “e”).
Sob essa ótica, o ‘Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos’, que entrou em vigor no Brasil por meio do Decreto n.º592/1992, prevê o tratamento com humanidade e o respeito à Dignidade da Pessoa Humana, em que categoriza, também, que o objetivo principal do regime penitenciário é a reforma e a reabilitação dos prisioneiros (BRASIL, 1992).
No mesmo sentido, a ‘Convenção Americana Sobre Direitos Humanos’, que foi promulgada no Brasil por meio do Decreto n.º678/1992, assegura a toda pessoa o direito a sua integridade física, psíquica e moral; a não submissão à tortura, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes, bem como o tratamento respeitoso aos privados de sua liberdade, devido à dignidade inerente ao ser humano, além do respeito de sua honra. Sobre as penas, assevera que estas devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados (BRASIL, 1992).
Nesta senda, uma publicação no site oficial das Nações Unidas Brasil, em 18 de outubro de 2011, existe um Relatório feito por Juan E. Méndez, Relator Especial das Nações Unidas para tortura e outros Tratamentos Cruéis e Desumanos ou Degradantes, em que este afirma que deva ser totalmente proibido e banido o confinamento solitário do encarcerado, pois é considerada uma medida contrária à reabilitação (MENDEZ, 2011).
Posto isso, enfatizou, ainda, que o isolamento deve ser utilizado em casos excepcionais e pelo menor tempo possível, por configurar medida que lesiona a Dignidade do detento. Nesta apresentação à Assembleia Geral, o relator citou o Brasil como exemplo, pois o Regime Disciplinar Diferenciado previa, à época, a inserção do encarcerado no isolamento em cela individual por até trezentos e sessenta dias e limitando-se a uma totalidade de no máximo um sexto de sua pena. Esta matéria, por mais que seja anterior ao ‘Pacote Anticrime’, demonstra a preocupação com o ‘RDD’ adotado no Brasil, mesmo antes do seu endurecimento (MENDEZ. 2011.).
Destarte, a inserção do §4º no artigo 52 da LEP tornou mais rígido o ‘Regime Disciplinar Diferenciado’, pelo fato de não haver apontamento de um limite máximo para sua aplicação, bem como os motivos para sua prorrogação sucessiva consubstancia-se em um conceito muito amplo e abstrato, como, por exemplo, quando o condenado ainda apresentar alto risco para a sociedade ou penitenciária, ou mantiver relações com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada (BRASIL, 2019).
Assim, observamos que a demonstração da incidência dos casos autorizadores da prorrogação sucessiva não trouxe nenhuma forma de comprovação fática para o ato, já que no caso do inciso I, em caso de contínua apresentação de alto risco à ordem e segurança do estabelecimento prisional ou sociedade, tem-se um conceito à mercê da interpretação do agente prisional, enquanto que o inciso II é mais amplo ainda, prorrogação caso mantenha vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, pois não dispõe um rol taxativo ou exemplificativo de como seria esse vínculo.
Se não bastassem referidas ‘ideias’, o inciso II, do artigo 52, § 4º da LEP, categoriza que para a averiguação da mantença do vínculo pode-se utilizar o perfil criminal e a função desempenhada pelo condenado no grupo criminoso, bem como o tempo em que se manteve ligado ao grupo. Ora, a Constituição Federal assegura no corpo do seu Art. 5º, inciso LVII, o princípio da situação jurídica da inocência, ou seja, ninguém poderá ser punido com base em seu histórico criminal, mas pela apuração concreta da existência temporal do fato delituoso, fato este que torna notória a inconstitucionalidade desta prática (BRASIL. 2019).
A despeito da análise acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da prorrogação sucessiva do ‘RDD’, pelo período de um ano, sem limite máximo, útil se torna a observação dos argumentos utilizados para reconhecimento da inconstitucionalidade do trecho da Lei que proibia a progressão de regime para condenados por crimes hediondos, Lei n.º 8.072/1990.
Referida discussão foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal por meio da impetração do Habeas Corpus n. 82.959:
“PENA – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA – CRIMES HEDIONDOS – REGIME DE CUMPRIMENTO – PROGRESSÃO – ÓBICE – ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 – INCONSTITUCIONALIDADE – EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena – artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (SÃO PAULO, STF, 2006).”
O que buscamos evidenciar com a comparação, diz respeito ao fato de que a nova sistemática do ‘RDD’, naquilo que é inerente ao nosso objeto de estudo, possui suas bases sistêmicas análogas ao que era disposto no Artigo 2º, §1º, da Lei atacada pelo HC acima citado, ou seja, a possibilidade do cumprimento total da pena em ‘RDD’, posto que, não existe mais nenhum limite máximo para prorrogação sucessiva da sanção (SÃO PAULO, STF, 2006).
Por conseguinte, as violações Constitucionais são as mesmas, uma vez que a progressão de regime possui a espinha dorsal erigida nos princípios da legalidade, humanização das penas, Dignidade da Pessoa Humana, assim como na individualização, conforme abordados no início deste artigo.
A avidez da reforma do artigo 52 da LEP, mediante a inserção do § 4º, afronta de forma nítida o meta-princípio constitucional da Dignidade Humana, para além dos demais, à medida que torna cruel e desumana a possibilidade do cumprimento total da pena sob a aplicação do ‘RDD’.
Portanto é claro e conciso que o §4º do artigo 52 da LEP é uma norma inconstitucional, pois não respeita a Dignidade Humana, fere a honra e o sistema psíquico do encarcerado, viola e confronta a Constituição Federal, além de Convenções e Pactos Internacionais, ou seja, tem-se uma norma de caráter de cruel, desumana e degradante contrária ao objetivo do sistema penitenciário, qual seja a reabilitação e ressocialização do encarcerado.
CONCLUSÕES
De todo o exposto no presente artigo foi possível observar que a pena existe desde os primórdios, sendo que com o decorrer dos anos mudou-se a forma como sua imposição e aplicação ocorriam. Posto isso, o século XVIII foi marcado pela violência e crueldade das penas, sendo que somente com a mutação da sociedade os sujeitos foram obrigados a se adaptarem pela busca da convivência harmônica.
Vale destacar, neste cenário, a influência de pensadores e movimentos que entusiasmaram fortemente a humanização das penas, passando assim a serem impostas pela razão e não pela emoção. Destacamos que a viabilidade da pena se consubstancia na ideologia de punição ao infrator, saciando, assim, a vontade de vingança da sociedade e, também, como instrumento de inibição aos demais sujeitos quanto às práticas delituosas do mesmo calibre.
Nesse ínterim, quando surgiu o primeiro indício de Estado, verificamos o exercício de poder absoluto e concentrado pelo governante e, em razão disso, não havia proporcionalidade ou razoabilidade na aplicação das penas. Por conseguinte, com o surgimento do Estado Democrático de Direito, notamos uma tentativa de ruptura desses paradigmas, por exemplo, houve a divisão das funções estatais em legislativo, executivo e judiciário, bem como as normas e sanções passaram a ser previstas de forma genérica e abstrata.
Ordinariamente, o ordenamento jurídico é composto por diversas Leis e, nesse sentido, a necessidade de reforma ou implantação de nova norma demanda atenção quanto, por exemplo, às bases Constitucionais, ou seja, a modificação normativa tem de respeitar e obedecer, inclusive, princípios e demais regramentos dispostos na Constituição Federal do Brasil.
Diante disso, destacamos o Regime Disciplinar Diferenciado que recentemente sofreu alterações e uma destas mudanças tornou-se o centro deste artigo. Assim sendo, o Regime Disciplinar Diferenciado é intitulado de ‘regime’, mas na verdade é uma sanção disciplinar surgida em 2001, com a Resolução 26/2001 no Estado de São Paulo. Entretanto, somente foi inclusa no ordenamento jurídico brasileiro de forma nacional no ano de 2003 com a Lei 10.792, alterando, com isso, o Artigo 52 da Lei de Execução Penal, que passou a descrever as hipóteses e requisitos em que o ‘RDD’ poderia ser aplicado.
Vale citar que, dentre as características, já que uma delas é o nosso foco, até 23 de janeiro de 2020, o encarcerado poderia permanecer sobre sanção disciplinar por um período de 360 dias, sem prejuízo de nova sanção, não excedendo o limite máximo de um sexto de sua pena.
Todavia, foi promulgada a Lei nº 13.964/19, que entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020, que promoveu inúmeras alterações no Código Penal, Processual Penal Brasileiro e Lei de Execução Penal. Dentre todas demos ênfase no nosso objeto de pesquisa, o Artigo 52, §4º, da LEP.
Destacamos, nesse contexto, a retirada de tempo limite de permanência no ‘RDD’, que era disposto no artigo 52, I, e, além disto, a inserção do §4º, I e II na LEP, o que criou a possibilidade de prorrogação sucessiva por períodos de um ano, nos casos já demonstrados neste artigo. Assim, notamos que tal sanção disciplinar possibilita que o encarcerado cumpra toda sua pena em sanção disciplinar ‘RDD’, desta forma tal sanção tem o caráter de regime, donde não há base Constitucional que ampare tal medida desproporcional e não razoável.
Destarte é notória a inconstitucionalidade do §4º do artigo 52 da nova Lei de Execução Penal, pois o mesmo configura nítido caráter cruel e desumano quanto à honra e à vida do encarcerado, ferindo arduamente a Dignidade Da Pessoa Humana e afrontando não só a Constituição Federal, mas também Tratados e Convenções internacionais.
Por fim, cumpre mencionar, que a análise proposta por este artigo quanto à inserção do § 4º, no Art. 52, da LEP considerou a inconstitucionalidade da medida, ao passo que foram ponderados alguns itens importantes, tais como a humanização e valoração do ser humano; a Dignidade Da Pessoa Humana; a vedação ao tratamento desumano ou degradante, assim como o emprego de penas cruéis.
REFERÊNCIAS
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