Resumo: O presente artigo científico tem por intuito compreender a origem e a formação dos precedentes judiciais e da common law dos EUA, bem como seu significado, elementos e técnicas de superação. Tal estudo foi realizado com base em pesquisa científica e doutrinária, considerando as obras de ANTONIO GIDI (2007), GUIDO FERNANDO SOARES (1997), NEIL MAC CORMICK (1994), NEIL DUXBURY (2008), JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (2004), LUIZ GUILHERME MARINONI (2013), GUSTAVO SANTANA NOGUEIRA (2015) e outros.
Palavras-Chave: Precedentes Judiciais; Origem; Significado; Elementos.
Abstract: The Scientific Article gift is meant to Understand the Origin and Formation of judicial precedents and the US common law, as well as its meaning, elements and overcoming techniques. This study was performed based on scientific research and doctrinaire, considering how ANTONIO GIDI(2007), GUIDO FERNANDO SOARES(1997), NEIL MAC CORMICK (1994), NEIL DUXBURY(2008), JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (2004), LUIZ GUILHERME MARINONI(2013), GUSTAVO SANTANA NOGUEIRA (2015) AND OTHER.
Keywords: Legal Precedents; Source; Meaning; Elements.
Sumário: Introdução. 1. Origem e formação dos precedentes judiciais da common law dos EUA 2. Significado, elementos e técnicas de superação dos precedentes judiciais nos EUA. Conclusão.
Introdução
A common law dos EUA tem suas peculiaridades em virtude da adoção do federalismo, o que acarretou profundos contrastes com relação ao direito inglês. Em terras ianques, o papel do advogado, por exemplo, é incontroverso no que diz respeito à produção, bem como à superação de um precedente, por intermédio da argumentação/interpretação.
No entanto, o juiz também é dotado de muita valia neste processo, encontrando, é claro, limites diante das suas próprias decisões e das proferidas pela Corte à qual está vinculada, em outros momentos e demandas, mas são limites que não impedem a superação do precedente, que se dá por meio da utilização dos institutos inerentes à doutrina do stare decisis. Institutos estes que dão vida e significado aos precedentes judiciais em terras estadunidenses e que serão trabalhados a seguir. Além disso, será abordado neste trabalho acadêmico de que forma se dá os poderes do juiz na common law dos EUA, além do papel do advogado nesse sistema.
1. Origem e formação dos precedentes judiciais da common law dos EUA
Consoante José Rogério Cruz e Tucci (2004), desde a época da colonização norte-americana o sistema baseado no case law vigora em praticamente todo o território dos Estados Unidos. Vale ressaltar que os fatores geográficos e históricos não permitiram que os EUA adotassem copiosamente os institutos forjados na common law inglesa. E, além disso, os EUA sofreram influências de outros países, como da França com seus ideais iluministas, cunhados pela Revolução Francesa.
O marco, para Tucci (2004), que provocou o rompimento entre a experiência jurídica britânica e a norte-americana, foi a promulgação da Constituição dos Estados Unidos, em 1787. Assim, com esta ruptura, as fontes do direito estadunidense passaram a ser: a Constituição, as leis ordinárias federais e estaduais, e as regras herdadas da common law inglesa. Estas regras influenciaram a formação do direito material e também propiciaram às cortes de justiça dos EUA proferirem julgamentos conforme os princípios da doutrina do stare decisis.
Ademais, em terras estadunidenses, foi atribuído um nome diferente pela doutrina, qual seja: decisional law. E sua aplicação é menos rígida, pois tanto a Suprema Corte quanto os Tribunais Superiores dos Estados reveem seus precedentes quando eivados de contradições e incompatibilidades com o novo contexto cultural, econômico e histórico-político.
Todavia, alguns ordenamentos jurídicos que integram a common law vislumbram o precedente como a materialização do que já foi definido e por causa da segurança jurídica não pode ser superado. Em terras inglesas, diferentemente do que ocorre nos EUA, eventual revogação de precedente, em determinadas situações, tem efeito ex tunc, motivo pelo qual há certa resistência ainda maior para se superar um precedente.
2. Significado, elementos e técnicas de superação dos precedentes judiciais nos EUA.
Para Tucci (2004), ainda hoje, prevalece entre os juristas estadunidenses a ideia clássica de que o sistema da common law consiste em aplicar a razão e a experiência, pois esta última proporcionará o fundamento mais satisfatório para os standars da ação e princípios de decisão. Desta forma, os precedentes na terra do “Tio Sam”, caracterizam-se pela força obrigatória dos mesmos (biding precedent) que, nas precisas palavras de Tucci (2004), é a conotação essencial de toda a doutrina do stare decisis norte-americana.
Essa força obrigatória que decorre do efeito vinculante das decisões já proferidas encontra-se atrelada ao arranjo hierárquico do tribunal que as profere. Caracteriza-se também a common law dos EUA por adotar um estilo de julgamento pela “auto-referência”, isto é, uma decisão deverá necessariamente conter expressa alusão ao precedente judicial que segue ou suplanta, de tribunal superior ou da própria corte.
A priori, o juiz da common law deve identificar os elementos objetivos que possam aproximar a demanda sub judice a eventuais decisões anteriores, proferidas em casos análogos, verificando se a ratio decidendi no caso anterior poderá ou não ser aplicada. Tal aplicação não só admite uma forma, dependerá da postura adotada pelo juiz, ou seja, o magistrado poderá interpretar de modo restritivo (restrictive distinguishing) ou ampliativo (ampliative distinguishing).
Contudo, Neil Mac Cormick (1994) aduz sabiamente que, ao restringir, ampliar ou superar a eficácia de um precedente, o magistrado tem o dever de justificar as razões desta superação, ampliação ou restrição, a exemplo do que ocorre na esfera do direito codificado, em que também o julgador deve declinar os ensejos pelos quais negou aplicação a determinado texto legal.
Essa superação/ampliação/restrição do precedente provoca certa resistência, em virtude do mesmo ser um instrumento de regulação social, ou seja, é fonte primária do direito e sua não incidência em determinado caso concreto, ocasionaria uma certa “violação” ao sistema. Violação esta que provocaria um desequilíbrio jurídico e consequentemente uma falsa sensação de insegurança jurídica.
No entanto, antes de se adentrar nas técnicas de superação de um precedente, faz-se necessário compreender os seus elementos: a ratio decidendi e o obter dictum. A ratio decidendi (para os ingleses) ou holding (para os norte-americanos) é para Tucci (2004) a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law). Trata-se da regra de direito (e, em nenhuma hipótese, de fato) que vincula os julgamentos futuros. É constituída de três elementos: a indicação dos fatos relevantes (statement of material facts); o raciocínio lógico-jurídico da decisão (legal reasoning); e o juízo decisório (judgement). É importante advertir que a ratio decidendi não é extraída pelo órgão da qual emanou a decisão que se tornou precedente, mas pelos juízes que a analisam em momento posterior.
Nesta senda, o stare decisis é a submissão existente ao precedente, assim, a ratio decidendi, nas precisas palavras de Tucci (2004) é uma opção hermenêutica universalizante que irradia nos casos vindouros. Neil Duxbury (2008) concatena que a ratio decidendi pode significar tanto a “razão da decisão” quanto a “razão para que se decida”, não devendo concluir-se que a ratio decidendi encontra-se necessariamente na fundamentação judicial. Reitera ainda Duxbury que a fundamentação pode ser indispensável para a ratio, mas a ratio é mais que a fundamentação, pois ela vai além, ou seja, é dotada de caráter transcendente e de natureza universalizante.
Já para Guido Fernando Soares (1997) a holding (na Inglaterra: “ratio decidendi”) é o que foi discutido e arguido perante o juiz e para cuja solução, foi necessário “fazer” (criar/descobrir) a norma jurídica. Enquanto o dictum é tudo que se afirma na “decision”, mas que não é decisivo para a solução da lide e, embora seja meramente “persuasive” tem importância para as cortes inferiores e para os advogados no aconselhamento de seus clientes.
Para se extrair a ratio, Tucci (2004) afirma que há duas abordagens doutrinárias: a capitaneada por Eugene Wambaugh a desenvolvida por Arthur Goodhart. Wambaugh utiliza a metodologia da inversão, onde aquele que procura a ratio de um possível precedente deve apartar cada fundamento apresentado pelo julgador, transformando-o, na sequência, em uma proposição. Logo depois, deve-se inserir nesta hipótese um elemento que inverta seu significado. Por fim, deve-se verificar se a decisão poderia ser conservada quando confrontada com o resto da fundamentação, ou se teria de ser invertida para preservar a coerência do julgamento. Assim, se a decisão consegue se manter mesmo com a inversão da proposição, aquele fundamento que faz parte da proposição seria uma dicta ou obter dictum. Caso contrário, tratar-se-ia de uma ratio decidendi.
Tucci (2004) afiança ainda que se trata de uma verdadeira operação mental, onde se invertendo o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma, se o magistrado tivesse acolhido regra invertida. Tal método é dotado de uma simplicidade atraente, mas é demasiadamente arriscado associar a ratio decidendi a algo imprescindível ao julgamento do feito, pois há decisões que se sustentam em numerosos fundamentos essenciais para se solucionar o caso.
Outrossim, Neil Duxbury (2008) pronuncia que “é certamente errado, por exemplo, definir a ratio decidendi como uma proposição no julgamento que modificaria a decisão ao se inverter seu significado”. Contudo, a referida metodologia encontra-se superada nos países filiados à common law, sobretudo nos EUA.
Por outro lado, Arthur Goodhart (1930), inicialmente, concebeu um método para se encontrar a ratio que se caracteriza por não ser rígido como o de Eugene Wambaugh, onde o jurista deveria se prender à motivação do julgamento. Anos depois Goodhart (1930) dissocia completamente a ratio decidendi da fundamentação em virtude das severas críticas proferidas anteriormente pelos juristas norte-americanos e passa a defender a tese de que a ratio seria formada pelos fatos considerados materiais pelo juiz ao julgar a causa.
Enfatiza também o jurista que não há regras ou fórmulas capazes de identificar precisamente os fatos reputados pelo juiz como materiais ou imateriais. Luiz Guilherme Marinoni (2013) afirma que a ratio decidendi, na common law, é extraída ou elaborada a partir dos elementos da decisão, isto é, da fundamentação, do dispositivo e do relatório. Desta forma, quando relacionada aos chamados requisitos imprescindíveis da sentença, ela certamente é “algo mais”.
Já os obter dictum são, nas palavras de Tucci (2004), “argumentações marginais” que não são imprescindíveis para a resolução do litígio, não se prestando para ser vinculado como precedente em caso análogo, mas pode ser utilizado perfeitamente como argumento persuasivo. A distinção entre ratio decidendi e obter dictum é antiga, segundo Rupert Cross (1991).[i] Entretanto, hoje é difícil de imaginar, conforme Duxbury (2008) o advogado [do direito] jurisprudencial desconhecer esta distinção – a distinção entre a ratio decidendi e a obter dicta de um caso.
Neste diapasão, surge o distinguishing (diferenciação) como um método utilizado para distinguir internamente os elementos que fazer parte da decisão: ratio decidendi e obter dictum. Além disso, é utilizado para distinguir uma decisão potencialmente precedente e o caso sub judice. Trata-se, em verdade, ao lado do overruling, de uma técnica de utilização dos precedentes. A técnica do distinguishing pode chegar a duas conclusões: aplica ou restringe a eficácia de um precedente para os casos futuros.
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira (2009) afirmam que quando o magistrado notar que há distinção (distinguishing) entre o caso sub judice e aquele que ensejou o precedente pode seguir um desses caminhos: dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto impedem a aplicação da mesma tese jurídica firmada em outro momento (restrictive distinguishing), caso em que julgará o processo sem vinculação ao precedente; ou estender ao caso sub judice a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que a tese jurídica outrora adotada é aplicável.
Por outro lado, o overruling nada mais é do que uma técnica utilizada pelo Tribunal para superar o precedente, isto é, há uma clara indicação de que o Tribunal não pretende mais aplicar o precedente. Todavia, o overruling pode também ser feito pelo legislador, quando este promulga leis que revogam a interpretação assentada pelo Tribunal acerca de determinado assunto.
Insta salientar que overruling pode ser de forma explicita ou implícita. Ocorre explicitamente quando o Tribunal julgando um caso concreto reconhece a existência de um precedente que tenha em sua fundamentação uma regra de direito que agora é considerada, por qualquer motivo, insustentável para o caso atual. A partir daí, inicia-se uma discussão acerca da necessidade de se afastar o precedente. Já o implícito ocorre quando um precedente não pode se sustentar a partir de um precedente mais recente da Corte que é contrário ao anterior.
Gustavo Santana Nogueira (2015) afirma que, neste caso, a insegurança jurídica aumenta, posto que ficará sempre a dúvida de que precedente deve ser seguido, até que pelo menos o Tribunal afirme expressamente que o mais novo precedente supera o anterior, de modo que o explicit overruling é sempre o mais desejável. Entretanto, quais as razões que permitem que Tribunal faça overruling de suas próprias decisões? Nogueira (2015) aduz algumas delas, quais sejam: a) mudança na composição do tribunal que elaborou o precedente; b) mudança nos valores da sociedade; e c) mudança na lei que integra a ratio decidendi do precedente.
Nesta seara, o juiz, em virtude da liberdade inerente à common law, no âmbito processual, pode conduzir o processo da maneira que entender mais razoável para a resolução do conflito, mas nos limites dos princípios basilares concernentes ao due process of law, tais como a ampla defesa e o contraditório. Há, desta forma, certa margem de discricionariedade para o juiz, em virtude da linguagem ampla que rege as normas processuais norte-americanas. Esta característica propicia ao juiz adaptar o processo às peculiaridades de cada caso. Antonio Gidi (2007) bem concatenou sobre tal problemática, afirmando que “em face da extrema flexibilidade dos poderes discricionários do juiz, diversas medidas podem ser tomadas visando à superação de dificuldades. O limite é apenas o da criatividade das partes e do juiz.”
Contudo, vale ressaltar que os poderes do juiz se encontram mais atrelados ao processo do que à produção probatória. No que diz respeito à produção probatória, incumbe às partes fazê-la. É neste instante que o advogado mostra que seu papel na common law não é de mero coadjuvante, pois ao produzir as provas da causa que patrocina objetiva de forma persuasiva, fazendo uso de elementos argumentativos, convencer o júri[ii] ou a Corte Superior de que determinado precedente deverá ser aplicado ou superado, concebendo, assim, um novo precedente derrogatório do anterior ou não.
Conclusão
À guisa de conclusão, nota-se que o sistema de precedentes judiciais do common law dos EUA, mesmo que tenha sofrido fortes influências do direito britânico, adquiriu roupagens próprias, adequando-se à realidade americana. Trata-se de um sistema que tem por escopo a aplicação da razão e da experiência, em respeito às decisões anteriormente tomadas por determinado tribunal, para que não se transforme o direito em algo imprevisível e inseguro.
Ademais, é importante salientar que o estilo de julgamento pela “auto referência”, adotado pelo common law estadunidense, corrobora os Princípios da Segurança Jurídica e da Previsibilidade. Outrossim, faz-se necessária a existência de técnicas de superação dos precedentes judiciais para impedir o engessamento do direito, pois o mesmo deve acompanhar a evolução da sociedade, seja no âmbito político, econômico e ou social.
Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia UNEB. Pós-Graduando em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes
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