ISABELLA ALVES ARAÚJO – Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Anápolis – Unievangélica, Pós-graduada em Direito Processual Penal pela Famart. (e-mail: isaalvesaraujo2@gmail.com)
Resumo: A luta pela conquista dos direitos fundamentais vêm sendo perpretada ao longo dos séculos e garante ao ser humano a existência digna de vida, direito a saúde, higiene, lazer, entre outros postulados. Todavia, a atual situação do sistema de execução penal brasileiro não respeita a dignidade da pessoa humana por não prover aos custodiados condições mínimas de existência. Por isso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que há um estado de coisa inconstitucional no sistema carcerário brasileiro. Ademais, as outras modalidades de pena não possuem eficácia e fiscalização por ausência de infraestrutura estatal. Tal situação mostra-se agravada já que grande parte da população acredita ser correta a realidade vivenciada pelos condenados, ante a prática de ilícitos penais. Portanto, deve-se investir na prevenção primária do delito com o oferecimento efetivo de segurança, saúde, educação e lazer, bem como na secundária, com o enfoque nos grupos propensos a criminalidade e na terciária, com vistas a prevenir a reincidência.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Crise na execução penal. Estado de coisa inconstitucional.
Abstract: The struggle for the conquest of fundamental rights has been perpetuated over the centuries and guarantees to the human being the existence worthy of life, right to health, hygiene, leisure, among others postulates. However, the current situation of the Brazilian criminal enforcement system does not respect the dignity of the human person by not providing the custodians with minimum conditions of existence. For this reason, the Federal Supreme Court has recognized that there is an unconstitutional stat of affairs in the Brazilian prison system. In addition, the other forms of punishment are not effective and enforceable due to lack of state infrastructure. This situation is aggravated since a large part of the population believes that the reality experienced by the convicts is correct, before the practice of criminal offenses. Therefore, the primary prevention of crime should be invested with the effective provision of safety, health, education and leisure, as well as the secondary, focusing on crime-prone and tertiary groups, with a view to preventing recidivism.
Keywords: Fundamental rights. Crisis in criminal execution. Unconstitutional state of affairs.
Sumário: Introdução. 1. Os direitos fundamentais 2. Finalidades da pena 3. Modalidades de pena no sistema de execução brasileiro 4. A crise no sistema de execução penal brasileiro . Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo possui como objetivo geral analisar historicamente os direitos e garantias fundamentais com a finalidade de verificar quais são os direitos violados na atual situação catastrófica que se encontra o nosso sistema e encontrar soluções cabíveis. Como objetivos específicos tem-se a exposição das gerações dos direitos fundamentais, a classificação e explicação dos tipos de penas, e a análise da crise da execução penal brasileira.
É cediço que atualmente o Brasil vivencia uma crise na execução penal em virtude da superlotação carcerária, da ausência de fiscalização no cumprimento das penas restritivas de direitos e da falta de estabelecimentos adequados para cumprimento dos regimes aberto e semi-aberto.
Por isso, esse trabalho propõe-se a expor as exigências para cada tipo de pena, a luta histórica desde meados do século XVI para que os direitos, hoje entendidos como fundamentais, sejam efetivados e elencar a série de problemas encontrados atualmente no sistema de execução penal.
O método a ser utilizado na elaboração do artigo será o de compilação ou o bibliográfico, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre o tema escolhido. Desenvolver-se-á uma pesquisa bibliográfica, utilizando-se como apoio e base contribuições de diversos autores sobre o assunto em questão, por meio de consulta a livros periódicos.
Destarte, buscar-se-á pesquisar o maior número possível de obras publicadas sobre o assunto, com o fim de se organizar as várias opiniões, antepondo-as logicamente quando se apresentarem antagônicas, com vistas a harmonizar os pontos de vista existentes na mesma direção. Enfim, tal metodologia propõe apresentar, de maneira clara e didática, um panorama das várias posições existentes adotadas pelas doutrinas, jurisprudências dos Tribunais Pátrios, assim como em artigos publicados na internet.
A pesquisa em comento justifica-se pela sua relevância e importância jurídica, posto que, nota-se atualmente que o sistema carcerário brasileiro encontra-se em um estado de coisa inconstitucional, necessitando de forma urgente de uma melhoria para que os sentenciados possam cumprir a pena de forma digna.
Ademais, se justifica o tema em razão do alto debate e polêmica que o tema gera na sociedade. Em razão da grande parte da população acreditar, de forma equivocada, que se uma pessoa foi capaz de cometer um ilícito penal deve ser tratada de maneira degradante e desumana, pugnando pela não aplicação dos direitos fundamentais.
Por fim, a pesquisa a ser desenvolvida, possui, também, a finalidade de ampliar a compreensão acerca da questão até aqui explanada, indicando posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, assim como as vivências cotidianas.
Como corolários das ingerências estatais surgiu, a partir dos ideais veiculados pelos Iluministas nos séculos XVII e XVIII, os direitos fundamentais, também conhecidos como direitos subjetivos públicos, direitos do homem, liberdades públicas, entre outros. Desta feita, pode-se inferir que são frutos de pensamentos filosóficos-jurídicos, do direito natural, e de tradições (MORAES, 1999, p. 178).
Nessa seara, Nathália Masson (p,193) alude que:
“Em suma, os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico-individual, mas também porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder de exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva) bem como o de exigir omissões dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”
Podem ser conceituados e entendidos como uma positivação necessária para a efetivação da dignidade da pessoa humana em todas as suas vertentes, já que essa configura-se primordial para a existência de um ser humano. Em razão disso, os direitos fundamentais possuem natureza polifacética, por protegerem no âmbito individual, social, cultural, econômico, entre outros.
É cediço que os direitos fundamentais foram desenvolvendo-se ao longo das décadas e por essa razão os doutrinadores traçando um perfil histórico agrupando os direitos em diferentes dimensões. O jurista francês Karel Vasak foi pioneiro no tocante a teoria das gerações, em uma conferência realizada no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estraburgo, em 1979, tendo classificado, nessa oportunidade, os direitos humanos em três gerações (RAMOS, 2014, p.55).
Os direitos de primeira geração remetem a consagração de direitos civis e políticos clássicos, umbilicalmente ligados ao valor de liberdade. Como desdobramentos tem-se o direito à vida, o direito à liberdade religiosa, o direito à propriedade, à participação política, à inviolabilidade de domicílio e segredo de correspondência. Tal dimensão, exige do Estado uma abstenção, sendo caracterizada por um caráter negativo. Para Gilmar Mendes (2008, p. 234), são:
“Postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São considerados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista. Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de culto e de reunião São direitos em que não desponta a preocupação de desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é o homem individualmente considerado.”
Por sua vez, os direitos de segunda geração são entendidos como aqueles que exigem uma prestação positiva do Estado, como a implementação de políticas públicas estatais, do cumprimento de certas prestações sociais, tais como a saúde, educação, trabalho, habitação, previdência e assistência social. São conhecidos enquanto direitos econômicos, sociais e culturais, denominados usualmente de direitos do bem-estar, por almejarem os meios materiais essenciais para a efetivação dos direitos individuais (MASSON, 197).
Nesse sentido, Celso Lafer (2006, p. 127) complementa que:
“A primeira geração de direitos viu-se igualmente complementada historicamente pelo legado do socialismo, cabe dizer, pelas reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do “bem-estar social”, entendido como os bens que os homens, através de um processo coletivo, vão acumulando no tempo. É por essa razão que os assim chamados direitos de segunda geração, previstos pelo welfare state, são direitos de crédito do indivíduo em relação à coletividade. Tais direitos – como o direito ao trabalho, à saúde, à educação – têm como sujeito passivo o Estado porque, na interação entre governantes e governados, foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los […] Daí a complementaridade, na perspectiva ex parte populi, entre os direitos de primeira e segunda geração, pois estes últimos buscam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas”
Intimamente ligados a criação da Organização das Nações Unidas em época de pós segunda guerra mundial, os direitos de terceira dimensão visam ampliar a noção de sujeito de direitos bem como do conceito de dignidade da pessoa humana. Reafirmam, portanto, a universalidade do indivíduo perante as ideologias que possam colocá-lo em risco; protegem os consumidores das transnacionais que controlam a produção de bens de consumo e das ameaças a vida como consequência dos danos ao meio ambiente. Sendo considerados direitos transindividuais – direitos coletivos em sentido amplo (ALARCON, 2004, p. 81).
A fraternidade e a solidariedade são considerados a essência desses direitos. Por sua vez, Paulo Bonavides (2006, p. 563) assevera de forma coerente que:
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade”
A priori, insta ressaltar que a pena é fruto da necessidade da tutela dos bens jurídicos, com a finalidade de promover a ordem social. Para tanto, em meados do século XVIII, surgiram diversas teorias como uma forma de justificação da punição criminal, bem como, também buscavam idealizar formas de sanções penais que pudessem explicar e justificar a imposição da pena pelo Estado (PRADO, 2012).
A pena pode ser entendida como a mais importante das consequências jurídicas do delito. É entendida como a privação de bens jurídicos determinada pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal, de forma lícita (PRADO, 2012).
Importante ressaltar que a pena foi por muito influenciada pela Igreja, já que era uma ferramenta de controle da sociedade, nesse sentido tem-se:
“A teoria da pena sofreu uma influência marcante do Direito Canônico. Quando um clérigo cometia um pecado, devia fazer penitência, recolhido na sua cela e se confessar. esse o mandamento da Igreja Católica. Daí a origem das palavras penitenciária, cela e – no âmbito processual penal – da confissão, tida no passado como rainha das provas (BRANDÃO, 2010, P. 315).”
Até a Idade Média o crime era um pecado e como consequência a justiça era também fortemente influenciada pela confusão entre o poder politico e religioso, não encontrando limites. Portanto, a pena era um misto de divino e político.
A teoria absoluta adveio da época do Estado absolutista, em que o rei era o detentor do poder e da justiça e, portanto, a pena era um castigo para o mal cometido. Por isso, essa teoria é também denominada de retributiva, pois visava retribuir a culpa por meio da pena, sendo considerada uma compensação de sua culpabilidade.
Mirabete ao debruçar sobre os estudos das teorias afirma que:
“As teorias absolutas (de retribuição ou retribucionista) têm como fundamentos da sanção penal a exigência da justiça: pune-se o agente porque cometeu o crime (punitur quia pecatum est). Dizia Kant que a pena é um imperativo categórico, conseqüência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impôe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só está igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral (MIRABETE, 2005, p. 244).”
As teorias absolutas, assim chamadas por não guardarem relação com os fins da pena, foram defendidas pela escola clássica, de Beccaria e Pietro Verri, que viam a pena como retribuição ao mal do crime, sem maior atenção com o criminoso. A pena criminal corresponde à retribuição, expiação, reparação ou compensação do mal do crime. Ao mal do crime, que é a negação do direito, corresponde o mal da pena, que deve ser proporcional à culpabilidade do agente, sendo este seu principal mérito, ao estabelecer um limite para a pena, até então ilimitada. (GRECO, 2005).
Nesse sentido Cezar Roberto Bitencourt elucida que:
“O Estado, tendo como objetivo político a teoria do contrato social, reduz sua atividade em matéria jurídico-penal à obrigação de evitar a luta entre os indivíduos agrupados pela ideia do consenso social. O indivíduo que contrariava esse contrato social era qualificado como traidor, uma vez que com sua atitude não cumpria o compromisso de conservar a organização social, produto da liberdade natural e originária. (BITENCOURT, 2012, p. 55).”
Por sua vez, a teoria relativa possui como finalidade a prevenção de novos comportamentos criminosos. Destarte, a pena não é mais uma retribuição ao mal cometido pelo infrator, mas uma medida de ressocialização, buscando a penalidade pelo ato criminoso mas também a prevenção para que novos crimes não venham a ser efetuados.
Essa prevenção ao delito pode ser geral, em que é voltada para a sociedade, com a finalidade de fazer com que não se pratiquem comportamentos criminosos, ao vislumbrarem as situações a que os condenados foram submetidos, sendo essa a prevenção geral negativa, gerando um raciocínio intimidativo.
Por sua vez, a prevenção positiva visa fortalecer os valores ético-jurídicos, garantindo aos cidadãos modelos adequados comportamentais. Portanto, tem como finalidade conscientizar a população de que é necessário o respeito aos valores para ter uma vida harmônica e em sociedade.
Há também a prevenção denominada de especial, sendo essa voltada para a figura do infrator, com o escopo de evitar-se o cometimento de novos delitos. É divida em positiva (voltada para a reeducação do delinquente) e negativa (retirando-o do convívio social).
Rogério Greco ao abordar acerca da prevenção especial afirma que:
“Também não escapou à crítica dos juristas o critério de prevenção especial positiva ou ressocialização. A finalidade, segundo essa concepção, é a de recuperar o condenado, fazendo a sua reinserção na sociedade. Em um sistema penitenciário falido, como faremos para reinserir o condenado na sociedade da qual ele fora retirado pelo Estado? Será que a pena cumpre, efetivamente, esse efeito ressocializante ou ao contrário, acaba de corromper a personalidade do agente? Busca-se produzir que tipo de ressocialização? Quer-se impedir que o condenado volte a praticar novas infrações penais, ou quer-se fazer dele uma pessoa útil para a sociedade? (GRECO, 2009, pag. 492).”
Por fim, tem-se a teoria mista/unificadora da pena que é a junção das outras duas teorias supracitadas. Nessa linha, a pena não terá apenas uma finalidade preventiva para intimidar a sociedade, mas também servirá como uma forma de coação ao criminoso.
Posteriormente a explanação das teorias acerca da finalidade da pena, convém o desdobramento sobre qual é a adotada no nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, Nucci assevera que:
“Conforme a atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características exposta: é castigo + intimidação ou reafirmação do Direito Penal + recolhimento do agente infrator e ressocialização. O art 59 do Código Penal menciona que o juiz deve fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Além disso, não é demais citar o dispositivo no art 121&5, do Código Penal, salientando que é possível ao juiz aplicar o perdão judicial, quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de maneira tão grave que a sanção penal se torne desnecessária, evidenciando o caráter punitivo que a pena possui. Sob outro prisma, asseverando o caráter reeducativo da pena, a Lei de Execução Penal preceitua que, “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Ademais, o art.22, da mesma Lei, dispõe que “assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepara-los para o retorno a liberdade”. Merece destaque, também, o disposto no art. 5°, item 6, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Impossível, então, desconsiderar o tríplice aspecto da sanção penal (NUCCI, 2009, p. 379).”
É nessa mesma seara o entendimento de Masson:
“Fala-se atualmente em função social da pena, e, consequentemente, em função social do Direito Penal, direcionada eficazmente â sociedade a qual se destina, pois no tocante a ela a pena tem as tarefas de protegê-la e pacificar seus membros após a prática de uma infração penal.Não basta a retribuição pura e simples, pois, nada obstante a finalidade mista acolhida pelo sistema penal brasileiro, a crise do sistema prisional transforma a pena em castigo e nada mais. A pena deve atender aos anseios da sociedade, consistentes na tutela dos bens jurídicos indispensável para a manutenção e o desenvolvimento do individuo e da coletividade, pois só assim será legítima e aceita por todos em um Estado Democrático de Direito, combatendo a Impunidade e recuperando os condenados para o convívio social. Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo se torne o delinquente instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir a sua função preventiva e socializadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor (MASSON, 2011, p. 545).”
A pena no direito penal brasileiro é entendida como uma consequência quando cometido um ilícito, imposta pelo Estado. Ressalte-se que essa contraprestação é prática comum desde a época medieval onde o castigo era utilizado para que o infrator repensasse nas suas atitudes (GRECO, 2005).
Por sua vez, Bittencout assevera que:
“A origem da pena é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto à história da humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens… Surge uma ampla gama de situações e variedade de fatos, que se impõe a considerações, com magníficos títulos para assumir a hierarquia de fatos principais.”(BITENCOURT, 2011, p. 505)”
Nesse mesmo sentido, Masson nos ensina que:
“Pode-se afirmar, com segurança, que a história da pena e, consequentemente, do Direito Penal, embora não sistematizado, se confunde com a história da própria humanidade. De fato, o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade. Em todos os tempos, em todas as raças, vislumbra-se a pena como uma ingerência na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu e porque ofendeu as esferas de poder e da vontade de outrem. [MASSON 2011, P.53].”
Atualmente o Brasil adota três modalidades de pena, a saber: privativa de liberdade, restritivas de direitos e multa.
A privativa de liberdade pode ser cumprida em regime fechado, semi-aberto e aberto a depender da pena aplicada na sentença, sendo que em cada há regras e peculiaridades próprias. Ademais, o cumprimento máximo limita-se em 30 (trinta) anos, de acordo com o artigo 75 do Código Penal. No regime fechado – penas maiores de oito anos, é determinado que o sentenciado cumpra a pena em uma penitenciária, sendo cogente o trabalho interno utilizando-se de suas habilidades ou até mesmo de suas ocupações passadas (BRASIL, 1941).
Já o semi-aberto – para os não reincidentes cuja pena seja maior que quatro e menor que oito anos, é cumprido em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar. De acordo com a inteligência do art. 35 do Código Penal, o trabalho externo bem como a frequência em cursos supletivos profissionalizantes são permitidos (BRASIL, 1941).
Por sua vez, o regime aberto – para os não reincidentes com pena igual ou inferior a quatro anos, contempla a modalidade em que a pena é cumprida em casa de albergado ou em outro estabelecimento de segurança mínima. Ao dedicar-se ao tema, Rogério Greco (2005, p. 271) salienta que
“O regime aberto é uma ponte para a completa reinserção do condenado na sociedade. O seu cumprimento é realizado em estabelecimento conhecido como Casa do Albergado. Esse regime, baseado na autodisciplina e no senso de responsabilidade do condenado, permite que este, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhe, frequente curso ou exerça outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.”
Segundo o artigo 43 do Código Penal, as penas restritivas de direitos são a prestação pecuniária (quantia fixada pelo juiz a ser paga à vítima, seus dependentes, entidades públicas oi privadas de destinação social), perda de bens e valores (perda em favor do Fundo Penitenciário Nacional dos bens e valores pertencentes ao sentenciado, nela sendo incluída a maior quantia entre o prejuízo ou o provento obtido pelo agente ou por terceiro), prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (cumprimento de tarefas gratuitas de acordo com a aptidão do condenado), interdição temporária de direitos (são proibições específicas relacionadas a natureza do crime cometido) e limitação de fim de semana (permanência aos sábados e domingos por cinco horas diárias em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado).
Por fim, a pena de multa consiste no pagamento de uma quantia fixada na sentença pelo magistrado e calculada em dias-multa, paga ao fundo penitenciário. Portanto, é entendida como uma sanção de natureza pecuniária em virtude de uma sentença condenatória. Pode ser fixada no mínimo 10 e no máximo 360 dias-multa, de acordo com o art. 49 do Código Penal. Ademais, o valor do dia-multa não pode ser inferior a um trigésimo do salário mínimo nem cinco vezes esse salário (BRASIL, 1941).
O conselho Nacional de Justiça aponta que o Brasil ocupa o terceiro lugar dos países com maior população carcerária, levando em conta as 147.937 (cento e quarenta e sete mil novecentos e trinta e sete) pessoas em prisão domiciliar.
É de conhecimento geral que além do alto número de presos há também uma superlotação em que há mais presos que vagas. Em 2016, foi constatado que havia 726,7 mil presos para 368 mil vagas. Configurando uma latente violação a dignidade da pessoa humana, valor esse considerado supremo em nosso ordenamento (CÂMARA, ONLINE).
Nesse sentido, tem se que:
“É inegável que o alto número de condenados, às vezes maior que o dobro da capacidade do presídio, se traduz como o pior problema existente no sistema penitenciário – em especial o brasileiro –, eis que acarreta ainda outros problemas a ele intimamente ligados, tais como a falta de higiene, a alimentação precária e a violência física e sexual. Todos esses problemas, além da frágil estrutura física dos espaços carcerários e da disseminação das drogas e dos aparelhos celulares, são realidades facilmente perceptíveis nos presídios das grandes cidades brasileiras, sem mencionar a caótica situação das Delegacias de Polícia. A difusão da tuberculose e do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS) também é constante nas penitenciárias, não havendo sérios trabalhos de controle ou prevenção de tais doenças entre os presos. As condições de vida e de higiene costumam ser extremamente precárias, com alimentação e fornecimento de água para o consumo de péssima qualidade, falta de espaço, ar e de luz, além de sujeiras nas celas. (MACHADO, 2013, p. 7)”
Desta feita, além da superlotação carcerária são verificados outras condições, como a ociosidade ou inatividade forçada, higiene dos presos precária, grande consumo de drogas, negação de acesso à assistência jurídica e de atendimento médico, dentário e psicológico aos reclusos, ambiente propício à violência física e sexual, efeitos sociológicos e psicológicos negativos produzidos pela prisão (MACHADO, 2013)
Em uma crítica ponderada ao atual descaso sofrido pelo sistema de execução penal Guilherme Nucci assevera de forma cirúrgica que:
“O que vem destruindo, pouco a pouco, e continuamente, a segurança pública e a efetividade das punições são os atos do Poder Executivo, em nível federal e estadual. Em lugar de cumprir as leis penais, processuais penais e de execução penal existentes, prefere-se nitidamente tapar buracos, tão profundos quanto inatingíveis, com medidas paliativas e supérfluas. Está-se tratando um câncer agressivo (criminalidade) com um comprimido para dor-de-cabeça (medidas superficiais). É um acinte apresentar à sociedade outros culpados que não os próprios agentes do Estado. Não escapa à avaliação negativa o Poder Legislativo, que dorme silenciosamente em leito composto pelas reformas penais, processuais penais e de execução penal (NUCCI, 2009, p. 378)”
Diante da situação exposta alhures, o Supremo Tribunal Federal decidiu em sede de Arguição por descumprimento de preceito fundamental n. 347/DF, que a atual situação carcerária brasileira enquadra-se em um estado de coisa inconstitucional, a saber:
“PLENÁRIO – Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação a direito fundamental O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos EstadosMembros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão 28 provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativos 796 e 797.”
A terminologia “estado de coisa inconstitucional” é uma técnica decisória preconizada pela Corte Constitucional da Colômbia, que enfrentam as situações de violações graves e sistemáticas dos direitos fundamentais, decorrentes de falhas estruturais em políticas públicas estatais, exigindo uma atuação de diversos setores.
Dos pedidos formulados pela parte autora, foram procedentes a proibição do contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário Nacional, bem como o estímulo à realização de audiências de custódia pelo país inteiro. Rafael Lazari (2018, online), pondera que:“Pensa-se, contudo, que o sucesso do instituto dependerá da capacidade judiciária em diálogos com as demais funções e instituições republicanas, de modo que, ao contrário do que se pode pensar, a atuação do Poder Judiciário no reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional e na implementação de medidas que o alterem (migração de um Estado de Coisas Inconstitucional para um Estado de Coisas Constitucional), não caracteriza supremacia judicial pura e simples, mas justamente a colaboração dos Poderes da República na atuação conjunta e recíproca para solucionar o problema sub judice, razão pela qual se defende que o diálogo institucional deve preponderar.”
Como forma de amenizar a situação, foi proposto o projeto de lei 9054/17 com a finalidade de combater os problemas do sistema, como a quantidade exacerbada de presos, a ausência de vagas em todos os regimes de cumprimento de pena e a quantidade ínfima de presos que estudam ou trabalham. É previsto, ainda, a realização de mutirões quando houver superlotação com a finalidade de propiciar um ambiente adequado e digno de vida para os sentenciados.
CONCLUSÃO
O presente trabalho possui como núcleo essencial o estudo sobre a atual crise da execução penal brasileira, perpassando pela construção histórica e social dos direitos e garantias fundamentais, o conceito de pena e suas modalidades e por fim a ausência de aparato estatal adequado pela grande quantidade de sentenciados criminalmente.
Diante de toda a compilação bibliográfica abordada, pode-se inferir que a Lei de Execução Penal elenca uma série de exigências e formas de cumprimento das penas, sendo considerada analítica do ponto de vista hermenêutico. Todavia, falta estrutura suficiente para que seja efetivada.
Além da insuficiência de recursos há também a pressão popular que em sua grande maioria questiona a destinação de finanças para a construção de penitenciárias, casas de albergados e colônias agrícolas. Sustentam que se foram capazes de cometer ilícitos penais, não devem merecer as condições dignas de sobrevivência, devendo ser submetidos a superlotação das celas e ausência de locais para a higiene adequados.
Verifica-se que tentar diminuir a criminalidade intimidando a sociedade com uma pena, não é a solução mais adequada já que o crime é inerente a sociedade. Desta feita, dever-se-á implementar programas em nível educacional, familiar e psicológico, para obter um resultado satisfatório, já que resta comprovado a ineficácia da pena como forma de evitar o cometimento de novos crimes.
Conclui-se que há inúmeros fatores determinantes para essa situação deplorável do sistema de execução penal brasileiro. Por isso, a longo prazo faz-se mister investimentos em educação, apoio familiar, saúde, segurança e entretenimento para que seja reduzida a taxa de criminalidade e consequentemente a superlotação dos presídios.
REFERÊNCIAS:
ALARCÓN, Pietro de Jésus Lora. O patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004, p. 81.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 109-110.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012.
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